Mahabharata.
APRESENTAÇÃO – O MAHABHARATA É, ORIGINALMENTE, uma imensa obra de cerca de 100
mil versos em sânscrito. Profundamente reverenciado pelos indianos como um
texto sagrado, forma a base do pensamento religioso e filosófico hindu há
milhares de anos. Por muito tempo este texto precioso esteve inacessível aos
leitores ocidentais, pois o complexo idioma sânscrito não permitia a tradução,
pelo menos não uma de leitura fácil em inglês. Portanto, Krishna Dharma nos
prestou um serviço valioso ao condensar o clássico numa história encantadora, à
semelhança de uma novela, embora mantendo-a fiel ao original. O Mahabharata
simplesmente trata de tudo o que se possa imaginar, de romance e intrigas a
política, astrologia e artes marciais. Sua narrativa central enfoca o cruel
conflito que houve entre os irmãos pândavas, de origem divina, e seus primos
kauravas. Deuses, sábios, reis e heróis participam da disputa, que culmina numa
grande guerra que aniquila milhões de vidas. Tudo é descrito como parte do
plano cósmico de krishna – e aqui deve ser esclarecido que Krishna, que também
desempenha um papel central no texto, é visto e apresentado como o Ser Supremo.
Diferentemente de muitos tradutores, Krishna Dharma não minimiza esse ponto
fundamental. Assim, sente-se tranquilamente e entre no mundo do Mahabharata –
um mundo que, sob muitos aspectos, não é diferente do nosso, já que nos faz
confrontar sentimentos e verdades universais. O texto é como um espelho no qual
podemos vislumbrar nossas fragilidades humanas e, também, nossas mais altas aspirações.
Ele ilumina nosso lado obscuro e nos eleva à luz da consciência de Deus. Trata
do egoísmo, do engano, da desonra e do ateísmo, mas também mostra o caminho
para chegarmos ao altruísmo, à verdade, à honra e à essência da benção da fé.
Embora possamos nos sentir distantes dos personagens do Mahabharata no tempo e
espaço, o que aprendemos deles e com eles é tão significativo hoje quanto o
foi, na Índia, há 5 mil anos. Na verdade, devido à sua aplicabilidade
universal, o Mahabharata é uma das tradições vivas mais antigas do mundo, que
pode ser reinterpretada geração após geração, revitalizando-se nas vidas das
pessoas que existiram em qualquer em qualquer época da história mundial, e
centenas de milhões de hindus contemporâneos são testemunhas desse fato. Talvez
um prova evidente de que o Mahabharata continua a falar às pessoas, milhares de
anos depois de seu aparecimento, seja o sucesso da adaptação do épico em filme
e peça teatral por Peter Brook (1925- ),
no início da década de 1990. O Mahabharata de Brook é adaptado à era moderna.
Outro exemplo seria o trabalho de Steven Pressfield (1943- ), que, em 1995, publicou uma novela chamada
The Legend Of Bagger Vance (A Lenda de Bagger Vance), na qual apresenta a
história do Mahabharata num campo de golfe. Pelo menos, foi isso que fez na
seção que trata do Bhagavad Gita. O trabalho de Krishna Dharma é uma
contribuição importante a essa lista de Mahabharatas modernos. Seu livro faz
com que olhemos dentro de nossos corações, descobrindo se o Mahabharata desempenha
ou não algum papel no drama de nossas vidas. Steven J. Rosen (1955- ). Texto de Krishna Dharma (1955- ). NOTA DO AUTOR. DEPOIS DE FALAR com vários
revisores e leitores de meus livros, soube que o Mahabharata é classificado
como mitologia. Embora seja reconhecida a validade de seus ensinamentos éticos
e espirituais, sua história é tida como pouco mais que um veículo fictício para
sua apresentação. Porém, para milhões de outras pessoas, o Mahabharata é muito
mais que mera ficção. Os seguidores das Escrituras Védicas consideram-no o
relato de fatos históricos e parte dos Vedas. Ele inclui o Bhagavad Gita, que,
por si só, é um tratado espiritual de cunho elevadíssimo que expõe a teologia
védica essencial. O Mahabharata narra, basicamente, os eventos que cercam a
narrativa do Bhagavad Gita, sendo, por isso, um texto importante dentro do
cânone védico. Entretanto, se não pudermos admitir a história do Mahabharata
como factual, sua credibilidade espiritual, poderá ser bastante diminuída.
Acredito que isso seria uma vergonha, já que, para mim, tanto a beleza como o
valor do Mahabharata residem justamente em sua espiritualidade. Reconheço os
problemas que essa questão suscita. Há muitos elementos no Mahabharata que um
leitor moderno achará difícil aceitar deuses, demônios, poderes místicos,
guerreiros com habilidades super-humanas etc. Sem dúvida, há muitas coisas que
estão além da experiência da maioria, se não de todos nós. Então, como podem
elas ser admitidas por qualquer pessoa razoável? Em resposta, gostaria de
apresentar algumas considerações do ponto de vista de um seguidor da tradição
védica. Antes de fazê-lo, entretanto, tenho de levar em conta que, depois de
milhares de anos, é provável que alguns dos pormenores do Mahabharata já não
sejam inteiramente precisos. Existem agora numerosas versões, e muitas delas
foram preservadas principalmente por meio de tradições orais, de forma que
variações não devem surpreender. Talvez, aqui e ali, alguns poetas criativos
tenham adornado o texto, e talvez o verso singular do texto original tenha se
perdido. Mas, de modo geral, a narrativa principal e os pormenores permanecem e
são comuns à maioria das versões. Foram produzidas as chamadas “edições
críticas do texto” que incluem apenas os versos constantes em todas as versões,
e essas edições contam basicamente a mesma história que adaptei neste livro.
Então, como podemos acreditar na veracidade dessa história? Consideremos,
primeiro, a questão da epistemologia, isto é, de como chegamos ao conhecimento
das coisas. Quando nossa razão é atraída para fora de seus limites, em geral
reagimos de duas maneiras: ou rejeitamos a nova informação que desafia nossos
conceitos, ou os submetemos a uma checagem. “Em que acredito, e por que
acredito? Será que aquilo que acolho com verdadeiro é factual? Como foi que
adquiri meu conhecimento?” Atualmente dá-se grande importância ao método
empírico: ver para crer. Na maioria dos casos, a ciência trabalha dessa forma –
por meio do processo indutivo da compreensão, que depende do fenômeno observado.
Porém esse não é o método mais confiável. Nossos sentidos, nos quais nos
baseamos para realizar observações, podem ser facilmente enganados. Vemos o
Sol, no céu, como um pequeno disco, mas na realidade ele é um astro milhares de
vezes maior do que a Terra. E nossos sentido não percebem essa verdade. Além do
problema de os sentidos falharem, o que faz com que nossa informação sobre o
Universo se torne questionável, também lutamos para traduzir essa informação
com clareza. Os cientistas sempre buscaram sofregamente a verdade, o
entendimento mais profundo e mais completo do que eles veem. Novas teorias
sempre surgem, e as velhas são desafiadas. Muito daquilo em que se acreditava
há alguns séculos hoje é rejeitado. Talvez até mesmo o que aprendemos na escola,
quando crianças, esteja agora superado por um entendimento mais completo.
Contudo, ao longo da construção de nosso conhecimento há um processo que nunca
falha: o de ouvir uma autoridade que já conhece a verdade. É assim que a
maioria de nós aprende qualquer coisa. Ouvimos nossos pais, professores, rádio,
tevê; lemos livros, jornais e muito mais. Devemos ter um pouco de fé, nessas
fontes, mas o que acontece em última análise é que aquilo que ouvimos e lemos
forma nosso sistema de crenças e compreensão. A maioria das coisas que sabemos,
ou que pensamos saber, foi assimilada aos poucos de alguma autoridade. Dizemos
que o Sol é um astro que fica a milhões de milhas da Terra porque temos fé,
acreditamos nos cientistas que nos afirmam isso, e não porque fomos ao Sol e
medimos a distância até lá nós mesmos. É claro que consideramos um fato como
verdadeiro quando este se confirma por nossa experiência direta. Esse princípio
se aplica até mesmo nos casos em que não compreendemos completamente um
fenômeno. Deixem-me explicar com um exemplo: uso regularmente e-mail e a
internet. Porém, a tecnologia de ambos está muito além de minha compreensão.
Não tenho tempo nem inclinação, talvez nem mesmo habilidade, para aprender
informática. No entanto, me contaram que, quando uma mensagem de e-mail é
enviada, é partida em pequenos pedaços de informação que são, então,
transmitidos a seus destino por várias grades eletrônicas. Misturados e
dispersos por toda a vasta rede de informação, esses bits finalmente se juntam,
outra vez, reconstituindo a mensagem original. Não tenho a menor ideia de como
isso acontece; parece-me quase um milagre, mas sei que as letras que envio são
recebidas, intactas, em seu destino. Os sábios das verdades cibernéticas me
explicaram a tecnologia que desenvolveram e, porque vejo que ela funciona, eu a
aceito, apesar de sentir-me desconcertado. Do mesmo modo, os Vedas lidam com
outro tipo de tecnologia. Basicamente, essa tecnologia pode ser descrita como a
ciência dos mantras. Quando se entoam determinados mantras em sânscrito.
Invocam-se poderes superiores. As vibrações dos sons dos mantras, quando
adequadamente entoados por uma pessoa qualificada, possuem uma potência
intrínseca que atraem seres etéreos, como deuses, gandarvas e outros. Esses
entes super naturais podem, então, a nosso pedido, investir-nos de um poder que
nos permita executar feitos extraordinários como os descritos no Mahabharata.
Nesse ponto, contudo, tenho de ser honesto, enfatizando que não vivi nenhuma
experiência como a que menciono acima. Nunca me deparei com deus algum, nem com
qualquer arma celestial sendo usada; tampouco possuo poderes místicos.
Entretanto, tenho experiência pessoal com uma parte do Mahabharata – o Bhagavad
Gita. Esse livro também descreve uma ciência; na verdade, a ciência da
realização espiritual do homem, em que ele é enviado por Deus. Seguindo as
orientações científicas contidas no Bhagavad Gita – que, aliás, também inclui
mantras – pude experimentar seus resultados práticos. Percebo que minha mente
se tornou mais pacífica, meus desejos materiais diminuíram e que meu
entendimento sobre o conhecimento espiritual ali apresentado se desenvolve
gradualmente, permitindo-me entender sozinho as verdades contidas naquele
texto. Como exemplifiquei com o caso da informática, posso não compreender
totalmente como ou por que tais coisas se dão. Mas os sábios das verdades
espirituais já me explicaram isso e, com base em minha experiência pessoal,
acredito no que eles me disseram. Constatando que a parte mais importante do
Mahabharata é verificável por percepção direta, não tenho razões para duvidar
do teor de outras passagens ainda não verificadas por minha experiência.
Trata-se de julgar uma coisa por seus resultados. Se aceitarmos o Bhagavad Gita
e o Mahabharata com verdadeiros e tentarmos seguir suas orientações,
alcançaremos resultados, como já mencionei. Por outro lado, se seguirmos outras
autoridades, que depreciam os Vedas – jornais, tevê, cientistas ateus etc –
obteremos resultados bem diferentes: nossos desejos por prazeres materiais
crescerão ilimitadamente, e nunca serão satisfeitos; nos tornaremos cada vez
mais perturbados, frustrados, deprimidos e fracassados em nossas vidas.
Portanto, este é o teor do Mahabharata: se o Bhagavad Gita é o manual de
orientação prática, o Mahabharata é o passo a passo ilustrado que mostra,
inclusive, os passos que não devem ser dados. Vejamos, por exemplo, os
pandavas, que se esforçam por seguir as instruções de krishna dadas no Bhagava
Gita: embora passem por dificuldades, permanecem fiéis àquelas orientações e,
ao final, emergem vitoriosos e abençoados pela boa fortuna; por outro lado,
Duriodhana e os irmãos ignoram os ensinamentos de Krishna e optam por seguir
seus próprios desejos, encontrando assim a ruína. Visto pela perspectiva da fé,
o Mahabharata é um trabalho profundamente iluminador, que pode ser lido
repetidamente. Em suas páginas pode-se descobrir várias camadas de significados
profundo. É claro que está é uma versão muito sintetizada, mas espero que, ao
conhece-la, você se inspire para ler o livro mais extenso que escrevi, assim
como o texto completo do Bhagavad Gita, que não foi incluído neste livro.
Recomendo o Bhagava Gita como ele é, escrito por A. C. Bhaktivedanta Swuami. É
esse o texto a que me referi antes por suas instruções espirituais, e aproveito
para, aqui, reverenciar seu estimado autor. Também gostaria de respeitosamente
agradecer a Kishari Ganguli e a Manmatha Datta, dois eruditos cujas traduções
do Mahabharata foram minhas principais fontes de material para este livro. Como
sempre, estou aberto às opiniões de meus leitores, que podem ser enviadas por
intermédio da editora. Acredito que possam existir falhas em meu texto e, nesse
caso, peço-lhe que seja tolerante. Avise-me se encontrar algum engano, e o
corrigirei nas edições futuras. INTRODUÇÃO. O MAHABHARATA, PARTE DOS ANTIGOS
Vedas da Índia, é uma história diferente de qualquer outra. Poucos livros são
tão longevos quanto esse épico de 5 mil anos, e sua popularidade milenar é a
maior testemunha da sabedoria profunda contida nas suas páginas. Este grande
épico inclui o Bhagavad Gita – uma obra-prima de conhecimento espiritual,
reverenciada por milhões de pessoas no mundo todo – que é a narração dos fatos
que levam a revelação daquele texto iluminado. O Mahabharata trata das
atividades de Krishna, que fala no Bhagavad Gita e que é considerado pelos
vedas como o Ser Supremo. Isso dá à obra uma qualidade singular. Embora, sob o
ponto de vista externo, o enredo seja uma lenda emocionante, repleta de
intrigas e conflitos entre reis, demônios, deuses e sábios, existe um
significado mais profundo e espiritual que permeia toda a obra. Sente-se uma
certa elevação espiritual ao se ler o livro, cuja intenção, aliás, é nos
aproximar da compreensão do Divino e despertar, dentro de nós, um prazer
transcendental, superior a todas as outras felicidades. O Mahabharata pode ser
lido várias vezes, sem se tornar repetitivo ou tediosos. Na verdade, podem-se
descobrir camadas de significados diferentes a cada leitura. Junto à sua
mensagem espiritual e à história fascinante, o Mahabharata apresenta uma visão
maravilhosa da vida no mundo antigo. Já foi chamado de “enciclopédia cultural
da Índia”, mas sua abordagem é ainda mais ampla do que isso, pois abarca
verdades universais básicas e comuns a toda a humanidade. Os assuntos tratados
no Mahabharata são muitos para serem mencionados, mas num verso famosos do
original lê-se que “o que quer que não seja encontrado no Mahabharata não
poderá ser encontrado em nenhum outro lugar”. Entretanto, deixo que vocês
descubram por si mesmos o tesouro maravilhoso que o Mahabharata é. Esta é uma
versão resumida, mas espero que estimule seu interesse para ir adiante e ler
outros textos mais completos. Também escrevi uma longa novela, de cerca de mil
páginas, na qual inclui muitas das lendas incríveis que cercam a narrativa
central do Mahabharata, e que exclui deste livro a fim que não se tornasse
muito extenso. Se este é o seu primeiro mergulho nas deliciosas águas do
Mahabharata, e se você experimentar aquela sensação refrescante e encorajadora
da imersão, recomendo que vá ainda mais fundo lendo a versão inteira. Finalmente, ofereço todos os créditos a Srila
Viassadeva, o sábio imortal, autor da obra original. Que ele abençoe a todos, e
que possamos perceber o significado mais profundo do Mahabharata. “ (...) e
aquele que conhece a causa mais profunda que me move nesta esfera mortal se
liberta de vez da fonte do sofrimento e se eleva acima de todos os medos”
Bhagavad Gita 4,9. Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma. Abraço.
Davi.
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