Hinduísmo. Por Chaitanya
Charana Dasa. Fantasmas existem? Sim, seria a resposta de muitas pessoas em
diferentes tempos e lugares. Algo quase universal na experiência humana são
relatos de pessoas vendo, ouvindo ou percebendo de alguma maneira seres
descorporificados que parecem agir de maneiras misteriosas e assustadoras. Em
nossos tempos científicos, muitos de nós tendem a rejeitar a ideia da
existência de fantasmas, tendo-a como fantasia folclórica, carente de
evidências científicas. Entretanto, muitos cientistas eminentes consideram a
questão dos fantasmas com grande seriedade. Proeminente entre os cientistas que
acreditam em fantasmas está o cientistas naturalista inglês Alfred Russel
Wallace (1823-1913) que foi um dos fundadores da teoria da evolução. Em sua
autobiografia, ele narra como evidências o forçaram a abandonar seu preconceito
quanto à existência de fantasmas: “A maioria das pessoas de hoje cresceu com a
crença de que milagres, fantasmas e toda a série de fenômenos estranhos aqui
descritos não podem existir, que são contrários às leis da natureza, que são
superstições de tempos passados e que são, portanto, ou imposições ou ilusões,
necessariamente. Não existe espaço na tessitura (contextura) de seu pensamento
em que se possa encaixar esses fatos. Quando comecei a questionar isso, o mesmo
acontecia comigo. Os fatos não encontravam espaço na estrutura de pensamento
que eu tinha erigido até então. Todos os meus preconceitos, todo o meu
conhecimento, toda a minha crença na supremacia da ciência e da lei natural se
forçavam sobre mim sem possibilidade de eu escapar delas, ainda. Espíritos era
a última coisa em que eu poderia acreditar. Toda outra possível solução foi
experimentada, e rejeitada. Não pedimos aos nossos leitores que acreditem, mas
que duvidem de sua infalibilidade em analisar a questão; pedimos que indaguem e
façam experimentos com paciência, em vez de tirar alguma conclusão
precipitada”. Outro cientista eminente que se convenceu diante de evidências
foi o bem reputado psicólogo norte-americano William James (1842-1910): “Então,
quando me volto ao restante das evidências, no tocante a fantasmas e coisas
similares, não consigo mais carregar comigo algum tendência irreversivelmente
negativo da mente de ‘rigor científico’, com seus pressupostos quanto a como
deve ser a verdadeira ordem da natureza.” (William James on Psychical Research, de Gardner e Ballou Murphy). As
evidências hoje têm mais peso do que nunca antes, visto que muitos livros bem
documentados relatam evidências acumuladas por meio de rigorosos procedimentos
científicos, conduzidos por muitos pesquisadores de para normalidade. Paralela
a essas evidências significativas, e possivelmente abastecida por isso, temos
uma crença pública substancial na existência de fantasmas. Uma pesquisa Gallup
conduzida em 1990 demonstrou que: 29 por cento dos estadunidenses acreditam em fantasmas
assombrando casas, e 1 em cada 10 estadunidenses alegam terem visto ou terem
estado na presença de um fantasma. Apesar de cada vez mais evidências
documentais e cada vez maior aceitação popular, o conceito de fantasmas
permanece inaceitável para a maioria dos cientistas. Uma razão primária para
isso é que a ciência materialista moderna não possui uma estrutura conceitual
dentro da qual possa considerar a existência de fantasmas. Mas essa limitação
não é intrínseca à ciência per se,
embora possa ser essencial para a ciência materialista. Não há razão, todavia,
para se presumir que toda ciência tenha que ser materialista, pois não há
evidência científica de que toda a realidade exista apenas no nível material.
Para quem possui uma mente aberta e aventureira o bastante para explorar visões
de um mundo não-materialista, a sabedoria védica oferece uma estrutura
explicativa sistemática para a compreensão da existência de fantasmas. Três
Níveis de Ser. Para auxiliar no nosso entendimento dos fantasmas, precisamos,
primeiramente, nos familiarizar com os três níveis de existência, explicados na
sabedoria védica. Esses três níveis são os seguintes:1. O nível
material grosseiro: Este nível abrange a realidade física que
podemos perceber com os nossos sentidos e com instrumentos que expandem a
capacidade dos nossos sentidos, como microscópios. Cientistas materialistas se
focam neste nível material grosseiro principalmente, se não exclusivamente. 2. O
nível material sutil: Este nível, embora material, está além da percepção
dos nossos sentidos e abrange os sentidos sutis, a mente, a inteligência e o
falso ego. De maneira simplificada, iremos nos referir a todo esse nível,
algumas vezes, como o nível da mente, ou o nível mental. 3. O nível
espiritual: A alma, que é a fonte da consciência, existe neste nível
imaterial. Pertinente para nossa discussão dos fantasmas é a diferença
entre a mente e a alma. A mente, embora invisível, não é espiritual; é
material, apesar de feita de uma substância material sutil, o que a torna
invisível aos nossos sentidos grosseiros. A mente, sendo material, não é
consciente; apenas a alma é consciente. A mente pertence ao nível sutil, que
fica entre o nível espiritual e o nível material. A partir dessa posição
intermediária, a mente age como o conduto da consciência da alma, permitindo-a
interagir com o corpo grosseiro. A mente tem a função de operar como um
depósito de impressões adquiridas pela interação com o nível material
grosseiro. Essas impressões abarcam, entre outras coisas, memórias do passado e
desejos para o futuro. Com esse fundamento de ontologia védica básica,
entendamos, agora, como e por que alguns indivíduos se tornam fantasmas. DESCORPORIFICADOS E
DESAFORTUNADOS. No momento da morte, a alma, acompanhada pelo corpo sutil, deixa
o corpo grosseiro. Normalmente, a alma obtém um novo corpo sutil, de acordo com
seu karma.
Em casos excepcionais, entretanto, quando a alma não obtém um próximo corpo
grosseiro, ela permanece em um estado descorporificado. As almas vivendo essa
existência descorporificada são chamadas de “fantasmas”. É claro que fantasmas
não são completamente descorporificados; ainda têm um corpo sutil. Contudo,
porque no linguajar não técnico, a palavra “corpo” denota um corpo grosseiro, o
estado de existência sem esse corpo é chamado de “descorporificado”. Por que os
fantasmas não obtêm um corpo físico? SUICÍDIO:
Aqueles que destroem seu corpo físico por meio de suicídio, isto é, aqueles que
destroem o corpo prematuramente, antes do tempo estabelecido pelo seu destino
cármico para receber um novo corpo, sentenciam-se a uma existência
descorporificada como fantasmas até serem alocados em um novo corpo físico.
Srila Swami Prabhupada (1896-1977) declara: “Fantasmas são destituídos de um
corpo físico por causa de seus atos pecaminosos de grande gravidade, como o
suicídio.” Assim, pessoas frustradas que imaginam que a morte é o fim da
existência e, portanto, cometem suicídio para se livrarem de sofrimentos dão consigo
mesmas em uma existência ainda mais miserável como um fantasma. APEGO EXTREMO: Aqueles que morrem com extremo apego ao
corpo, ao ambiente ou às posses físicas também podem se tornar fantasmas.
Durante a morte de alguém nessa condição de apego, a obsessão excessiva e
intensa da mente com o passado pode impedir que a alma vá adiante e, em
consequência disso, fique descorporificada. Srila Prabhupada (1896-1977) explica: “Quem é
muito pecaminoso e apegado à sua família, casa, vila ou país não recebe um
corpo grosseiro feito de elementos materiais, senão que permanece num corpo
sutil, composto de mente, ego e inteligência. Aqueles que vivem em tais corpos
sutis se chamam fantasmas”. UM ESTADO FRUSTRANTE E ATERRADOR. A condição
anormal de estar sem corpo é agonizante para os próprios fantasmas e aterradora
para os demais. Vejamos o porquê: AGONIZANTE PARA ELES: Os fantasmas possuem uma
mente, tal qual a nossa. A mente deles, como a nossa, está cheia de memórias e
desejos, os quais eles desenvolveram em sua existência corporificada anterior.
Contudo, diferente de nós, eles não têm um corpo grosseiro para a realização
desses desejos. Assim, a memória deles pode estimulá-los, por exemplo, a
desejar um doce favorito. E, como o corpo sutil contém sentidos sutis, talvez
até mesmo percebam outros – pessoas corporificadas – saboreando esse doce, o
que agrava o seu desejo. Todavia, como os fantasmas não possuem uma língua
física para desfrutar pessoalmente desse doce, seu desejo permanece eternamente
sem ser satisfeito. A situação deles é como aquela de alguém que tem que seguir
uma dieta estrita enquanto vê outros se banquetearem. Para o doente, essa
aflição talvez dure por alguns dias apenas, mas, para os fantasmas, isso se
alonga por toda a duração de sua existência fantasmagórica. Como se isso não
bastasse, essa frustração se estende a quase todo tipo de desejo que têm. Não é
de surpreender que eles considerem agonizante sua existência. Srila Prabhupada
resume a causa da agonia deles quando declara: “Os fantasmas, por não possuírem
um corpo, sofrem terrivelmente, não sendo capazes de satisfazer seus sentidos”.
ATERRADOR PARA OS DEMAIS. Muitas pessoas têm muito medo de fantasmas porque
lhes é algo incompreensível – assustadora e misteriosamente incompreensível.
Ficam arrepiadas apenas por imaginar portas se abrindo de repente sem ninguém
nas proximidades ou barulhos estranhos vindo de uma área sem uma fonte evidente
para o som. Poucas coisas afastam mais possíveis compradores de uma casa do que
rumores – verdadeiros ou falsos – de que a casa é assombrada. Para muitos, a
mera possibilidade de se encontrarem com um fantasma é assustadora o bastante,
mas a ideia de ser possuído é muito apavorante. Possessão se refere ao fenômeno
desconcertante em que um fantasma entra no corpo grosseiro de alguém, assume o
controle desse corpo e o utiliza como um instrumento para realizar seus desejos
pessoais. O indivíduo assim possuído frequentemente fala e age de maneiras que
diferem marcadamente de sua maneira habitual de falar e se comportar. Durante a
possessão, o possuído exibe uma personalidade diferente de sua personalidade
habitual porque essa personalidade habitual foi suprimida pela personalidade
dominante do fantasma. A alteração de personalidade frequentemente deixa
perplexos e perturbados os parentes da pessoa possuída. Anedotas envolvendo
essas possessões fazem crescer o medo de fantasmas na mente do público em
geral. EVAPORANDO A NÉVOA DE MISTÉRIO. A sabedoria védica consegue evaporar
essa névoa de mistério em torno dos fantasmas. Ela desmistifica a natureza da
existência fantasmagórica e nos ajuda a ver os fantasmas como indivíduos mais
em sofrimento do que indivíduos malévolos. É claro que alguns fantasmas podem
ser maus, especialmente com quem fez mal a eles em sua existência corporificada
passada. Entretanto, os fantasmas, em geral, são, antes de tudo, indivíduos que
estão sofrendo por causa dos desejos não realizados, um problema endêmico de
sua existência descorporificada. A pressão dessas frustrações frequentemente os
volta à violência e, algumas vezes, à maldade sistemática. A visão védica da
realidade tríplice – matéria grosseira, matéria sutil e espírito – nos ajuda a
entender o comportamento aparentemente misterioso dos fantasmas, que desafiam
as leis da ciência materialista. Essas leis da ciência materialista foram
postuladas principalmente com base em observar e analisar o comportamento da
matéria grosseira. Como a mente é um elemento material sutil, pode atuar sobre
o nível material grosseiro de maneiras que não são limitadas a essas leis da
ciência materialista. Não é de espantar, portanto, que os fantasmas, existindo
como existem no plano mental, possam atuar de formas que confundem e perturbam
as pessoas que foram ensinadas a acreditar que tudo na natureza segue as leis
da ciência materialista. O poder fantástico dos fantasmas é indicado no Srimad-Bhagavatam (5.5.21-22), que aponta os fantasmas
como superiores aos humanos na hierarquia universal de seres vivos: “Superiores
aos seres humanos são os fantasmas, pois não possuem corpo material”. Os textos
védicos explicam que os fantasmas acomodam-se em condições de ignorância e
ilusão. Assim, quem se mantém habitualmente em condições dessa natureza, como a
alteração da consciência por meio de álcool e outras drogas, tem mais chances
de ter uma mente fraca que facilite ataques e possessões por parte de
fantasmas. Srila Prabhupada declara: “Ser assombrado é algo que acontece em um
estado de existência impuro”. Podemos nos tornar praticamente invulneráveis a
esses ataques incorpóreos ao adotarmos um modo de vida iluminado. A sabedoria
védica recomenda esse modo de vida primeiramente para o fim do avanço
espiritual, que é a meta mais elevada da vida. Apesar disso, esse modo de vida
que se afasta de atividades autodestrutivas, como o uso de drogas, oferece o
benefício adicional de nos proteger de ataques de criaturas fantasmagóricas.
Para lidar com ataques de fantasmas, a sabedoria védica nos equipa não apenas
com insights preventivos, mas também remediadores.
Atividades devocionais, como sequências de mantras sagrados, podem exorcizar tanto lugares
que estejam assombrados quanto pessoas que estejam possuídas. Srila Prabhupada
endossa isso em uma carta enviada em resposta aos questionamentos de um
discípulo: “A melhor maneira de removê-los [fantasmas] é cantar Hare Krishna
muito alto e fazer um kirtana jubiloso até que vão embora. Na
Inglaterra, na casa do Sr. John Lennon, onde fiquei em 1969, havia um fantasma.
Contudo, tão logo os devotos começaram a cantar muito alto, ele se foi sem
demora.” (Carta a Damodara, Delhi, 3 de dezembro de 1971). INDO ALÉM DE TODAS
AS MISÉRIAS. É importante salientar que, embora a sabedoria védica reconheça a
existência de fantasmas, ela não é caprichosa em colocar neles toda culpa de
acontecimentos estranhos. Srila Prabhupada escreveu em uma carta a um discípulo
que perguntou se seus problemas mentais eram causados por fantasmas: “Com
relação às ofensas que você está ouvindo, não se trata de fantasmas, como você
diz, mas são criações da sua mente. A mente é realmente repulsiva, como você
disse. Portanto, Krishna diz que o transcendentalista esforçado tem que
primeiro controlar a mente, após o que, pelo controle da mente, terá paz.”
(Carta a Dhristaketu, Bombaim, 1 de novembro de 1974). Disciplinar a mente por
meio da prática da consciência de Krishna é a maneira mais efetiva de lidar com
todos os problemas da existência material – tornar-se um fantasma, ser
assombrado por um fantasma ou ser atormentado por perturbações da mente que
alguns poderiam atribuir a fantasmas, ou todos os outros problemas que são, em
última instância, as reações cármicas para os erros impelidos pela mente
descontrolada. É por isso que, embora explique a existência de fantasmas e
confirme a potência exorcista do santo nome, a sabedoria védica não dá muita
importância para nenhuma das duas. Ela declara que a vida humana se destina a
um propósito muito mais importante do que se preocupar com fantasmas, seja na
forma de fascínio mórbido, medo paranoico ou negação dogmática. A vida humana
carrega a potência gloriosa de nos outorgar a imortalidade caso utilizemos esta
vida para redirecionar nosso amor do efêmero para o eterno, da matéria para
Krishna. Devolver-nos nosso direito perdido à imortalidade como seres
espirituais é o tesouro supremo da sabedoria védica. A explicação precisa e
coerente da sabedoria védica de fenômenos como assombrações – um fenômeno que
confunde a ciência materialista e a impele a viver em eterna negação – pode
servir como um combustível para nossa fé conforme exploramos os insights mais espirituais e desfrutamos das
dádivas devocionais dessa fonte de conhecimento perene. www.voltaaosupremo.com.br. Abraço.
Davi.
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