Espiritualidade.
Texto de Sri Prem Baba (1951- ).
Capítulo. I. NASCIMENTO I. NASCE UM POTENCIAL. Neste plano físico, para
fazermos uma viagem, precisamos de um meio de transporte. No que diz respeito
ao trânsito da alma rumo à consciência divina, precisamos passar pela
consciência humana. E para vivermos essa experiência aqui na Terra, usufruindo
de uma personalidade humana, se faz necessário um veículo, pois o espírito não
teria como viver tal experiência sem uma estrutura psíquica projetada para
desenvolver um ego. Ego e corpo formam um veículo, um instrumento projetado
para que o espírito possa viver essa experiência material. PRINCÍPIO DA IDEIA
DE EU. A alma é a porção individual do espírito que se manifesta através desse
veículo. Ela é a ponte entre os planos material e espiritual. A alma acompanha
o Ser em toda a sua jornada evolutiva, por meio dos ciclos de mortes e
renascimentos, e deixa de existir quando a consciência individual se expande e
se funde na consciência cósmica. Essa é a forma que a consciência encontra para
se expandir através do ser humano no plano material. Assim como uma planta
nasce e cresce a partir de uma semente, a consciência cósmica se manifesta e se
expande através de uma consciência individual. Nesse sentido, o ego é como uma
semente que é plantada na Terra com o objetivo de se desenvolver, amadurecer e
gerar frutos. Essa semente traz consigo um potencial divino que irá se
expressar de maneira particular por meio de cada um de nós. Existem muitas
definições para a palavra ego. Aqui me refiro a ela como o princípio da
individualização, ou ainda como o princípio da ideia de eu. Apesar de ter uma
função muito importante no projeto divino de expansão da consciência (cuja
meta, em última instância, é restabelecer o estado de Unidade), o ego também
representa o nascimento de um senso de separação, ou seja, é o princípio da
ideia de que somos separados uns dos outros. Por termos um corpo, uma forma, a
mente cria essa ilusão de separação. De fato, no nível físico, que é o nível
das aparências, nós estamos separados, mas no nível do espírito somos apenas
um. Entretanto, essa ilusão faz parte do jogo divino aqui na Terra e está a
serviço da expansão da consciência. Ela é o que, na cosmovisão hindu, é chamado
de mahamaya, a grande ilusão. Ao mesmo tempo em que encobre nossa visão com o
véu da dualidade, mahamaya é também a nossa grande professora. Através dela,
aprendemos aquilo que precisamos aprender e aos poucos vamos começando a enxergar
além dela. Mahamaya é uma distorção da realidade que pode tomar muitas formas,
entre elas o egoísmo – a doença do ego. SEMENTES DE AMOR. Quando nos
permitirmos contemplar e nos deixar envolver pela beleza da vida, observando os
fenômenos da natureza, percebemos que tudo é fantástico e que, certamente, a
vida vai muito além dessa realidade cotidiana que captamos através dos nossos
olhos físicos. Você já se perguntou como é possível frutos e flores dos mais
diversos tamanhos, cores, fragrâncias e sabores simplesmente brotarem de
árvores? Isso é fantástico. Mesmo sabendo como a natureza funciona, se puder
observar esses fenômenos com mais profundidade imediatamente você perceberá
quão extraordinária ela é. A semente é um exemplo disso. De um pequeno grão nasce
uma majestosa árvore. A semente contém em si uma porção mínima, um quantum de
uma essência que é impressa em um código genético. Nesse código, estão as
informações sobre o seu potencial máximo, que é também aquilo que ela vai
realizar quando for plantada na Terra. E o seu potencial máximo são os frutos
que ela vai dar. Da mesma maneira, nós, seres humanos, trazemos uma porção da
consciência divina que deseja se expandir e se expressar através de nós. Também
trazemos um código, um programa, algo a ser realizado. Esse programa é o
propósito da alma. Nós viemos para este mundo justamente para realizar esse
propósito, que também costumo chamar de visão – uma visão a ser compartilhada
com o mundo. O propósito se manifesta de forma muito particular em cada um de nós.
Cada alma individual chega aqui com um programa específico a ser realizado, e
esse programa ou propósito individual está alinhado com o propósito maior da
vida. Estou me referindo ao que, na sabedoria milenar do Yoga, é conhecido como
dharma – a lei Universal que rega a vida e une todos os seres em torno do mesmo
propósito. Em última instância, o dharma, ou propósito maior da humanidade, é a
expansão da consciência, mas costumo dizer que é o despertar do amor, pois a
consciência se expande através dele. Saber qual é o propósito é saber o que
viemos fazer aqui. E o que viemos fazer aqui está intimamente relacionado
àquilo que somos em essência, ou seja, o programa individual da alma está
relacionado à consciência do Ser. Assim como a laranjeira só pode das laranjas,
o ser humano só pode dar um tipo de fruto: o amor, pois o amor é a sua
essência. Entretanto, o amor é um fruto que pode se manifestar de infinitas
formas. Cada alma traz consigo dons e talentos que são a maneira única por meio
da qual o amor se expressa através de nós. DESAFIOS DE CRESCIMENTO. Ao mesmo
tempo em que cada alma traz consigo dons e talentos, que são suas virtudes e
potencialidades a serem desenvolvidas, ela traz também desafios que servirão
para o seu crescimento. Certos desafios são parte do próprio programa da alma e
encontram-se impressos no DNA, como as doenças genéticas e determinadas
limitações físicas. Outros serão gerados a partir das escolhas que a alma fizer
no decorrer da encarnação. Mas, independentemente de sua natureza, os desafios
são instrumentos de aprendizado. Também comparo esses desafios ou obstáculos a
lugares de parada na jornada da alma em evolução. A viagem é longa e muitas
vezes nos sentimos cansados. Às vezes parar para abastecer e nos alimentar, às
vezes para cumprir acordos em lugares específicos. Mas toda parada serve para,
de alguma maneira, nos recuperarmos e absorvermos aprendizados. As pausas
servem para revermos o mapa da vida e nos situarmos na jornada. Nesses
momentos, também podemos rever os lugares por onde andamos e os buracos pelos
quais passamos, a fim de evitar novas quedas. Mas paramos, principalmente, para
resgatar partes nossas que ficaram presas no passado e para absorver
determinadas lições. E, dessa forma, vamos nos fortalecendo para seguir rumo ao
destino final. Esses lugares de parada, onde a alma estaciona temporariamente
para absorver determinados aprendizados e se libertar da cadeia de reações
geradas pelas ações equivocadas do passado, são o que chamamos de Karma. Essa
palavra em sânscrito significa literalmente “ação”, mas se refere a uma lei
cósmica – a lei de causa e efeito (ação e reação), que determina que todo
efeito tem uma causa: tudo que se manifesta agora em nossas vidas é um produto
das nossas ações do passado. Para toda ação, existe uma reação. Assim, o Karma
envolve não somente a ação, mas também a reação inerente a ela. Uma via do
Yoga, chamada de Karma Yoga (o yoga da ação), fala sobre a prática da “não
ação”, que é uma ação que não gera reação – uma causa sem efeito. Entretanto,
para uma ação não gerar reação, ela precisa ser desprovida de interesses
egoístas. Esse é o fundamento básico do Karma Yoga (yoga da ação), cujo
principal instrumento é a ação ou o serviço desinteressado. Muito se fala em
Yoga hoje em dia, mas pouco se sabe de verdade sobre ele. Yoga não é
simplesmente um sistema de posturas físicas e meditação. Yoga é um grande
conjunto de técnicas e ferramentas capazes de atuar em todos os níveis do nosso
sistema (físico, mental, psicoemocional, energético e espiritual) que tem a
função de nos ajudar a reconectar com a realidade maior, com a nossa essência,
ou ainda com a nossa verdadeira identidade. Por isso Yoga é um caminho de auto
realização ou de libertação. Ao reconhecermos nossa verdadeira identidade, nos tornamos
livres para ser quem somos. Karma Yoga é o caminho da liberdade através da
ação, é a via do Yoga que conduz à auto realização por meio do serviço
desinteressado. A ação desinteressada nos liberta, pois ela possibilita que
deixemos de produzir reações e, consequentemente, que nos libertemos da teia do
Karma. Mas isso é possível somente quando Karma (ação) e dharma (propósito)
estão alinhados, o que significa que nossas ações correspondem ao que de fato
viemos fazer aqui. Quanto mais alinhadas estiverem com o propósito maior, menos
efeitos nossas ações causarão e mais consciência elas trarão ao Planeta, pois o
propósito da alma individual está diretamente ligado ao dharma e ao Karma
coletivo. INFLUÊNCIAS EXTERNAS. Vimos que existe um propósito interno (da
alma), um programa que nasce com a pessoa. Mas também existe um outro
propósito, que é externo – um programa que é formado no decorrer da vida,
juntamente com o desenvolvimento do ego e através do contato com a sociedade.
Esse programa que é elaborado com base em influências externas é o que chamarei
aqui de “programa do ego”. O programa do ego, além de depender de fatores
externos, também vai depender do Karma, pois é ele que determina as condições
nas quais a criança chega neste plano. Dependendo das condições sociais, do
nível de conhecimento do desenvolvimento espiritual da família, a criança
poderá aprender determinadas lições, desenvolver determinadas habilidades e
consolidar valores e virtudes da alma.
Ao mesmo tempo, ela poderá sofrer traumas e criar imagens (cenários
psicológicos fixos ou congelados) e crenças limitantes que farão parte dessa
programação. O propósito do ego, o propósito externo, é como a casca de uma
fruta, é uma camada superficial que encobre o verdadeiro programa da alma. A casca,
no entanto, também tem uma função. Ela serve como uma proteção para que o ego
possa se desenvolver e construir o que for necessário para a sua experiência.
Mas chega um momento em que essa camada externa precisa ser retirada para que o
verdadeiro propósito possa se manifestar plenamente. Da mesma forma que
precisamos retirar a casca da fruta para saboreá-la, esse programa externo
precisa ser removido para que o programa interno se revele. A entidade humana
chega a este plano livre, amando e confiando. Ao nascer, a criança ainda tem
uma lembrança de quem ela é e do que veio fazer aqui. Mas com o passar do
tempo, através do contato com o mundo, ela vai cedendo a influências externas,
adquirindo crenças e reprimindo sua expressão natural. Como sabemos, a fundação
da personalidade acontece depois, nos próximos sete anos, mas a fundação é
feita nos sete primeiros anos. E as crenças instaladas nesse período irão
permear toda a vida da pessoa. Então logo cedo a criança começa a sentir-se
carente e insegura: ela começa a sentir ciúme, raiva e inveja (...). E isso não
acontece por acaso. Ela aprende isso com aqueles que estão ao seu redor,
prioritariamente com os pais, mas também com os educadores e demais familiares
próximos. Essas pessoas participam do processo de desenvolvimento da
personalidade daquela alma. E, por ignorância, acabam transferindo para a
criança as suas misérias e carências. Com isso é estabelecido um círculo
vicioso no qual ignorância procria ignorância. Quando a criança começa a
frequentar a escola e inicia uma vida social, ela recebe novos inputs, entrada
(além dos que chegam através dos pais e familiares) sobre aquilo que,
supostamente, é certo ou errado; sobre aquilo que ela deveria ser e fazer na
vida (o que em geral não é o que ela gostaria de ser e fazer). Novos limites e
regras são impostos, novas ideias (preconceitos, opiniões, crenças) são
transmitidas. É verdade que, para o seu próprio bem, o jovem precisa de limites
e regras, mas ninguém ensina que determinadas regras precisarão ser abandonadas,
pois elas devem estar a serviço do desenvolvimento da consciência, e não o
contrário. Todo ser humano traz consigo uma visão em prol do desenvolvimento
sustentável do Planeta. Ele traz uma sabedoria, um poder. Mas, normalmente,
devido a essas influências externas, sua visão vai sendo esquecida, e seu poder
vai sendo contido. E na medida em que seu poder é contido, isso se volta contra
ele. Forças contrárias ao seu propósito são criadas. O programa da alma impele
a pessoa a se mover numa direção, mas a mente condicionada por fatores externos
faz com que ela siga em outra. Essa contradição gera sofrimento. ESQUECIMENTO
DA VISÃO. Podemos, de forma sintética, dizer que estamos aqui para realizar um
trânsito do estado de esquecimento para o estado de lembrança – lembrança de
quem somos e do que viemos fazer aqui, pois, como já vimos, ao chegarmos nesta
Terra, somos envoltos por um véu de ilusão que atua através do esquecimento.
Normalmente, até o início da juventude, uma pessoa ainda tem a visão clara
daquilo que veio fazer: carrega um forte anseio, traz consigo sonhos que são
expressões do seu propósito, mas aos poucos vai se esquecendo e acreditando nas
vozes externas que insistem em dizer que esse sonho é impossível de ser
realizado, que esse caminho não é bom, ou, ainda que a pessoa não tem
capacidade para isso. Aos poucos, ela vai cedendo a essas vozes até que desiste
e se esquece completamente dos seus sonhos e passa a sonhar o sonho dos outros.
Se já teve a oportunidade de acompanhar o crescimento de uma criança, você sabe
que ela nasce confiando e amando com toda a sua pureza. A criança que ainda não
foi corrompida e contaminada pelas crenças e misérias dos adultos à sua volta
simplesmente segura na mão do pai e da mãe e vai com eles, sem saber par onde a
estão levando. Contudo, aos poucos, ela deixa de confiar. Começa a ser atingida
pelo medo na forma da desconfiança e da insegurança, e pelo ódio na forma da
raiva e da vingança. Mas por que isso acontece? Porque ensinam isso para ela.
Desde cedo, a criança aprende que é uma vítima das circunstâncias externas e
com isso também aprende que precisa se defender. Aos poucos, vai criando os
mais variados mecanismos de defesa e adquirindo crenças e condicionamentos
limitantes. Tais mecanismos são limitantes, porque, ao mesmo tempo em que
servem para proteção, geram separação e esquecimento. Os muros que você
constrói ao seu redor para se proteger são os mesmos que o mantêm isolado no
mundo. Esse conjunto de mecanismos de proteção e esquecimento constitui o que
costumo chamar de “natureza inferior” ou “eu inferior” ou ainda “maldade”. Isso
que conhecemos como maldade nada mais é do que um conjunto de mecanismos de
defesa que o humano desenvolve desde cedo na vida para se proteger da dor dos
choques de humilhação, rejeição e exclusão. Ao falar de maldade, não estou me
referindo ao comportamento exclusivo dos criminosos e corruptos, pois todos nós
sofremos choques dessa natureza. Portanto, todos nós carregamos um tanto de
maldade. E quanto mais maldade uma pessoa manifesta, mais dor ela carrega no
seu sistema. Livro: Propósito – A Coragem de Ser Quem Somos. Abraço. Davi.
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