quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

NOSSO FUTURO - JORNADA NAS ESTRELAS?



Astronomia. Texto de Stephen Hawking (1942-  ). O motivo da popularidade do filme Jornada nas Estrelas é a visão segura e confortante do futuro. Também sou fã de JORNADA NAS ESTRELAS (seriado exibido pela TV norte americana em três temporadas, de 1966 – 1969),  de modo que fui facilmente convencido a participar de um episódio em que joguei pôquer com Newton, Einstein e o Comandante Data. Eu ganhei de todos eles, mas infelizmente um alerta vermelho me impediu de receber minha bolada. Jornada nas Estrelas mostra uma sociedade bem mais avançada do que a nossa em ciência, tecnologia e organização política. Esta última não deve ser muito difícil. Deve ter havido grandes mudanças, além das tensões e transtornos que as acompanham, desde os dias de hoje até essa época, nesse futuro, porém, espera-se que a ciência, a tecnologia e a organização da sociedade tenham atingido um nível de quase perfeição. Quero questionar esse quadro e perguntar se chegaremos a atingir um estado estacionário final em ciência e tecnologia. Em nenhuma época, durante aproximadamente diz mil anos desde a última Era Glacial, a raça humana vivenciou um estado de conhecimento constante e tecnologia fixa. Houve alguns retrocessos, como a Idade (Média) das Trevas, após a queda do Império Romano. Mas a população mundial, que é um indicador de nossa capacidade tecnológica de preservar a vida e nos alimentar, tem crescido constantemente, com apenas alguns contratempos como a Peste Negra (Uma epidemia que matou cerca de um terço da população europeia em meados do século XIV). Nos últimos 200 anos, o crescimento populacional tornou-se exponencial, ou seja, a população cresceu a uma mesma porcentagem a cada ano. Atualmente, a taxa é de cerca de 1,9% ao ano. Isso pode parecer pouco, mas significa que a população mundial dobra a cada 40 anos. Outros indicadores do progresso tecnológico nos últimos anos são o consumo de eletricidade e o número de artigos científicos. Eles também mostram um crescimento exponencial, dobrando em menos de 40 anos. Não há sinal de que os progressos científico e tecnológico diminuirão e pararão em um futuro próximo – certamente não na época de Jornada nas Estrelas, que deve existir em um futuro não muito distante. Mas se o aumento da população e do consumo de eletricidade continuarem no ritmo atual, em 2600 as pessoas ficarão ombro a ombro, e o consumo de eletricidade deixará a Terra incandescente. Se você dspusesse todos os livros um ao lado do outro à medida que fossem sendo publicados, teria de correr a 145 quilômetros por hora apenas para acompanhar o fim da fila. Claro que, em 2600, as novas obras artísticas e científicas virão em formas eletrônicas, e não como livros e artigos físicos. Contudo, se o crescimento exponencial prosseguisse, surgiriam dez artigos por segundo no meu ramo da física teórica, e não haveria tempo para lê-los. Evidentemente o atual crescimento exponencial não pode durar para sempre. Então o que acontecerá? Uma possibilidade é nos exterminarmos completamente por algum desastre, como uma guerra nuclear. Os pessimistas dizem que o motivo por que não fomos contatados por extraterrestres é que, quando uma civilização atinge o nosso estágio de desenvolvimento, torna-se instável e destrói a si mesma. Contudo, sou um otimista. Não acredito que a raça humana tenha chegado tão longe simplesmente para se extinguir justo quando as coisas estão se tornando interessantes. A linha da história de Jornada nas Estrelas depende de a Enterprise e de espaçonaves afins serem capazes de viajar na velocidade de dobra, bem superior à da luz. Porém, se a Conjectura de Proteção da Cronologia estiver correta, teremos de explorar a galáxia usando espaçonaves, propulsionadas por foguetes, viajando abaixo da velocidade da luz. A visão do futuro de Jornada nas Estrelas – de que atingiremos um nível avançado, mas essencialmente estático – pode concretizar-se quanto ao nosso conhecimento das leis básicas que governam o Universo. Como descreverei no próximo capítulo, pode haver uma teoria final que descobriremos naquele futuro não muito distante. Essa teoria final, se existir, determinará se o sonho da propulsão de dobra de Jornada nas Estrelas poderá se concretizar. De acordo com as ideias atuais, teremos de explorar a galáxia de maneira lenta e tediosa, em espaçonaves viajando mais lentamente que a luz. Mas, por não dispormos ainda de uma teoria unificada completa, não podemos descartar a propulsão de dobra. Por outro lado, já conhecemos as leis válidas em todas as situações, exceto nas mais extremas, as leis que governam a tripulação da Enterprise, se não a própria espaçonave. Mas não parece que chegaremos a atingir um estado estacionário nas aplicações dessas leis ou na complexidade dos sistemas que podemos produzir com elas. É dessa complexidade que tratará o resto deste capítulo. De longe, os sistemas mais complexos que temos são nossos próprios corpos. A vida parece ter se originado nos oceanos primordiais que cobriam a Terra há 4 bilhões de anos. Como isso aconteceu, não sabemos. Pode ser que colisões aleatórias entre átomos formaram macromoléculas capazes de se reproduzir e de reunir em estruturas ainda mais complexas. O que sabemos é que, há 3,5 bilhões de anos, a altamente elaborada molécula de DNA surgiu. O DNA é a base de toda a vida na Terra. Ele tem uma estrutura de dupla hélice – como uma escada em caracol – que foi descoberta por Francis Crick (1916-2004) e James Watson (1928-  ) no laboratório de Cavendish – Cambridge – Reino Unidos, em 1953. Os dois filamentos da dupla hélice estão ligados por pares de ácidos nucleicos, como os degraus de uma escada em caracol. Há quatro tipos de ácidos nucleicos, citosina, guanina, timina e adenina. De acordo com a ordem em que os diferentes ácidos nucleicos são encontrados ao longo da escada em caracol, as informações genéticas que permitem ao DNA formar um organismo e reproduzir-se são transportadas. À medida que o DNA copia a si mesmo, ocorrem erros ocasionais na ordem dos ácidos nucleicos ao longo da espiral. Na maioria dos casos, os erros na cópia tornam o DNA impossibilitado ou com menos probabilidade de se reproduzir, fazendo com que esses erros genético – ou mutações, como são chamados – se extingam. Mas, em uns poucos casos, o erro ou mutação aumentará as chances  de o DNA sobreviver e se reproduzir. Tais mutações no código genético serão favorecidas. É assim que as informações contidas na sequência de ácidos nucleicos gradualmente evoluem e ficam mais complexas. Pelo fato de a evolução biológica ser basicamente um passeio aleatório no espaço de todas as possibilidades genéticas, ela tem sido muito lenta. A complexidade – ou número de unidades de informação – codificada no DNA corresponde, mais ou menos, ao número de ácidos nucleicos na molécula. Nos primeiros dois bilhões de anos, aproximadamente, a taxa de aumento da complexidade deve ter sido da ordem de uma unidade de informação a cada cem anos. A taxa de aumento da complexidade do DNA aumentou gradualmente para cerca de uma unidade por ano nos últimos milhões de anos. Até que, cerca de seis ou oito mil anos atrás, um novo e maior progresso ocorreu: nós desenvolvemos a língua escrita. Com isso, informações puderam ser passadas de uma geração a outra sem  precisar esperar que o tão lento processo de mutações aleatórias e seleção natural as codificasse na sequência de DNA. O grau de complexidade aumentou tremendamente. Um único romance em brochura podia conter tantas informações quanto a diferença entre DNAs de macacos e seres humanos, e uma enciclopédia de 30 volumes podia descrever toda a sequência do DNA humano. Ainda mais importante, as informações nos livros podem ser atualizadas rapidamente. A atual taxa de atualização do DNA humano pela evolução biológica é de cerca de uma unidade por ano. Mas 200 mil novos livros são publicados por ano, uma taxa de novas informações de mais de um milhão de unidades por segundo. Claro que grande parte dessas informações é lixo, mas mesmo que apenas uma unidade em um milhão seja útil, isso ainda é cem mil vezes mais rápido do que a evolução biológica. Essa transmissão de dados por meios externos, não biológicos, levou a raça humana a dominar o mundo e a ter uma população em crescimento exponencial. Mas agora estamos no início de uma nova era, durante a qual seremos capazes de aumentar a complexidade de nosso registro interno, o DNA, sem ter de esperar pelo lento processo da evolução biológica. Não houve mudança significativa no DNA humano nos últimos dez mil anos, mas é provável que sejamos capazes de reprojetá-lo totalmente nos próximos mil anos. Claro que muita gente dirá que a engenharia genética em seres humanos deveria ser proibida, mas dificilmente conseguiremos impedi-la. A não ser que tenhamos uma ordem mundial totalitária, alguém em algum lugar projetará seres humanos aprimorados. Obviamente a criação de seres humanos aprimorados acarretará grandes problemas sociais e políticos no que diz respeito aos seres humanos comuns. Minha intenção não é defender a engenharia genética humana como uma evolução desejável, mas apenas dizer que é provável que ela aconteça, queiramos ou não. Essa é a razão por que não acredito em ficções científicas como Jornada nas Estrelas, nas quais pessoas 400 anos no futuro são essencialmente como nós hoje. Acho que a raça humana e seu DNA aumentarão sua complexidade rapidamente. Deveríamos reconhecer que isso tende a ocorrer e avaliar como lidaremos com esse fato. De certo modo, a raça humana precisa melhorar suas qualidades mentais e físicas para lidar com o mundo cada vez mais complexo à sua volta e enfrentar novos desafios, como as viagens espaciais. Os seres humanos também precisam aumentar sua complexidade para que os sistemas biológicos se mantenham à frente dos eletrônicos. No momento, os computadores têm a vantagem da velocidade, mas não mostram sinal de inteligência. Isso não surpreende, já que nossos computadores atuais são menos complexos do que o cérebro de uma minhoca – uma espécie que não se destaca por seus dotes intelectuais. Mas os computadores obedecem àquela que é conhecida como Lei de Moore, suas velocidade e complexidade dobram a cada 18 meses. Trata-se de um desses crescimentos exponenciais que, sem dúvida, não podem continuar para sempre. Entretanto, ele provavelmente continuará até que os computadores atinjam uma complexidade semelhante à do cérebro humano. Há quem afirme que os computadores nunca poderão exibir uma inteligência verdadeira – seja isso o que for. Mas parece-me que, se moléculas químicas muito complexas podem agir em seres humanos para torna-los inteligentes, circuitos eletrônicos igualmente complexos podem também fazer os computadores atuar de forma inteligente. E, se forem inteligentes, eles poderão supostamente projetar computadores com complexidade e inteligência ainda maiores. Esse aumento da complexidade biológica e eletrônica prosseguirá para sempre ou existe um limite natural? Do lado biológico, o limite da inteligência humana tem sido, até agora, fixado pelo tamanho do cérebro que passará através do canal do parto. Tendo presenciado o nascimento de meus três filhos, sei como é difícil a cabeça sair. Mas creio que nos próximos cem anos conseguiremos desenvolver bebês fora do corpo humano, de modo a eliminar essa limitação. Mas, em última análise, aumentos no tamanho do cérebro humano pela engenharia genética esbarrarão no problema de que os mensageiros químicos do corpo responsáveis por nossa atividade mental são relativamente lentos. A espécie humana existe há apenas uma fração minúscula da história do Universo. Se este quadro estivesse em escala e a existência dos seres humanos se estendesse por sete centímetros, toda a história do Universo teria mais de um quilômetro. Qualquer vida extraterrestre provavelmente será muito mais primitiva ou muito mais avançada do que nós somos. Isso significa que aumentos adicionais na complexidade do cérebro se darão à custa da velocidade. Podemos ser espertos ou muito inteligentes, mas não ambos. Mesmo assim, creio que podemos nos tornar bem mais inteligentes do que a maioria dos personagens de Jornada nas Estrelas, o que não é muito difícil. Os circuitos eletrônicos têm o mesmo problema da complexidade versus velocidade do cérebro humano. Mas, nesse caso, os sinais são elétricos, não químicos, e se deslocam à velocidade da luz (299.792.458 m/s), que é bem superior. Todavia, a velocidade da luz já representa já representa um limite prático ao projeto de computadores mais velozes. Pode-se melhorar a situação diminuindo os circuitos, mas em última análise, um limite será fixado pela natureza atômica da matéria. Mesmo assim, temos um bom caminho a percorrer antes de esbarrarmos nesse obstáculo. Outra forma de aumentar a complexidade dos circuitos eletrônicos, mantendo sua velocidade, é copiar o cérebro humano. O cérebro não possui uma CPU unidade central de processamento – única que processa cada comando em sequência. Ao contrário, possui milhões de processadores trabalhando juntos ao mesmo tempo. Tal processamento paralelo maciço será também o futuro da inteligência eletrônica. Supondo que  não nos destruiremos nos próximos cem anos, é provável que nos propaguemos primeiro pelos planetas do sistema solar e, depois, pelas estrelas próximas. Mas não será como em Jornada nas Estrelas ou Babylon 5, com uma nova raça de seres quase humanos em quase todos os sistemas estelares. A raça humana atingiu sua forma atual há apenas dois dos cerca de 15 bilhões de anos desde o big-bang. A INTERFACE BIOLÓGICA ELETRÔNICA. Dentro de duas décadas, um computador de mil dólares poderá ser tão complexo quanto o cérebro humano. Processadores paralelos poderiam imitar o funcionamento de nosso cérebro e fazer os computadores agirem de forma inteligente e consciente. Implantes neurais poderão permitir uma interface muito mais rápida entre o cérebro e os computadores, eliminando a distância entre a inteligência biológica e a eletrônica. No futuro próximo, a maioria das transações comerciais provavelmente se realizará entre ciber personalidades via World Wide Web (rede mundial de computadores). Dentro de uma década, muitos de nós poderemos até optar por viver uma existência virtual na internet, formando ciber amizades e relacionamentos. Nossa compreensão do genoma humano sem dúvida gerará avanços médicos, mas também permitirá que aumentemos significativamente a complexidade da estrutura do nosso DNA. Nas próximas centenas de anos, a engenharia genética humana poderá substituir a evolução biológica, reprojetando a raça humana e levantando questões éticas totalmente novas. As viagens espaciais além de nosso sistema solar provavelmente requererão seres humanos modificados pela engenharia genética ou sondas não tripuladas controladas por computador. Assim, mesmo que a vida se desenvolva em outros sistemas estelares, as chances de encontrá-la num estágio reconhecidamente humano são mínimas. Qualquer vida extraterrestre que encontrarmos será provavelmente muito mais primitiva ou muito mais avançada que a nossa. Se mais avançada, por que não se espalhou pela galáxia e visitou a Terra? Se extraterrestres tivessem vindo aqui, deveria ter sido óbvio, mais como no filme Independence Day do que em E T. Então como explicar a ausência de visitantes extraterrestre à Terra? É possível que uma raça avançada lá fora saiba de nossa existência, mas nos deixe viver nossas vidas primitivas em paz. Entretanto, dificilmente ela seria tão benevolente com uma forma de vida inferior: quantos de nós nos importamos com o número de insetos e minhocas que esmagamos sob os pés? Uma explicação mais razoável é que há uma probabilidade muito pequena de que a vida se desenvolva em outros planetas ou de que ela desenvolva inteligência. Por nos acharmos inteligentes, embora talvez sem muita razão, tendemos a ver a inteligência como uma consequência inevitável da evolução. Mas isso é questionável. Não está claro que a inteligência possui grande valor de sobrevivência. As bactérias se defendem muito bem sem inteligência e sobreviverão a nós se a nossa suposta inteligência provocar nosso extermínio em uma guerra nuclear. Assim, na exploração da galáxia, poderemos encontrar vida primitiva, mas dificilmente encontraremos seres como nós. O futuro da ciência não será como o quadro confortador retratado em Jornada nas Estrelas: um Universo povoado por muitas raças humanoides, com ciência e tecnologia avançadas, mas essencialmente estáticas. Em vez disso, acho que continuaremos sozinhos, mas evoluindo rapidamente na complexidade biológica e eletrônica. Pouco ocorrerá nos próximos cem anos – o máximo que podemos prever com segurança. Mas, no final do milênio (ano 2.999), se lá chegarmos, a diferença entre nós e Jornada nas Estrelas será significativa. Livro O Universo Numa Casca de Noz. Abraço. Davi. 

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