Espiritismo.
Texto de Alan Kardec (1804-1869). Parte II. Capítulo XI. DOS TRÊS REINOS. I. OS MINERAIS E AS PLANTAS. II. OS ANIMAIS E
O HOMEM. III. METEMPSICOSE. OS MINERAIS E AS PLANTAS. Que pensais da divisão da
Natureza em três reinos, ou melhor, em duas classes: a dos seres orgânicos e a
dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana forma uma quarta classe. Qual
destas divisões é preferível? “Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do
ponto de vista material, apenas há seres orgânicos e inorgânicos. Do ponto de
vista moral, há evidentemente quatro graus.” Esses quatro graus apresentam, com
efeito, caracteres determinados, muito embora pareçam confundir-se nos seus
limites extremos. A matéria inerte, que constitui o reino mineral, só tem em si
uma força mecânica. As plantas, ainda que compostas de matéria inerte, são
dotadas de vitalidade. Os animais, também compostos de matéria inerte e igualmente
dotados de vitalidade, possuem, além disso, uma espécie de inteligência
instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de suas
individualidades. O homem, tendo tudo o que há nas plantas e nos animais,
domina todas as outras classes por uma inteligência especial, indefinida, que
lhe dá a consciência do seu futuro, a percepção das coisas extra materiais e o
conhecimento de Deus. Têm as plantas consciência de que existem? “Não, pois que
não pensam; só têm vida orgânica.” Experimentam sensações? Sofrem quando as
mutilam? “Recebem impressões físicas que atuam sobre a matéria, mas não têm
percepções. Conseguintemente, não têm a sensação da dor.” Independe da vontade
delas a força que as atrai umas para as outras? “Certo, porquanto não pensam. É
uma força mecânica da matéria, que atua sobre a matéria, sem que elas possam a
isso opor-se.” Algumas plantas, como a sensitiva e a dionéia, por exemplo, executam
movimentos que denotam grande sensibilidade e, em certos casos, uma espécie de
vontade, conforme se observa na segunda, cujos lóbulos apanham a mosca que
sobre ela pousa para sugá-la, parecendo que urde uma armadilha com o fim de
capturar e matar aquele inseto. São dotadas essas plantas da faculdade de
pensar? Têm vontade e formam uma classe intermediária entre a Natureza vegetal
e a Natureza animal? Constituem a transição de uma para outra? Tudo na Natureza
é transição, por isso mesmo que uma coisa não se assemelha a outra e, no
entanto, todas se prendem umas às outras. As plantas não pensam; por
conseguinte carecem de vontade. Nem a ostra que se abre, nem os zoófitos pensam:
têm apenas um instinto cego e natural.” O organismo humano nos proporciona
exemplo de movimentos análogos, sem participação da vontade, nas funções
digestivas e circulatórias. O piloro se contrai, ao contato de certos corpos,
para lhes negar passagem. O mesmo provavelmente se dá na sensitiva, cujos
movimentos de nenhum modo implicam a necessidade de percepção e, ainda menos,
da vontade. Não haverá nas plantas, como nos animais, um instinto de
conservação, que as induza a procurar o que lhes possa ser útil e a evitar o
que lhes possa ser nocivo? “Há, se quiserdes, uma espécie de instinto,
dependendo isso da extensão que se dê ao significado desta palavra. É, porém,
um instinto puramente mecânico. Quando, nas operações químicas, observais que dois
corpos se reúnem, é que um ao outro convém; quer dizer: é que há entre eles
afinidade. Ora, a isto não dais o nome de instinto.” Nos mundos superiores, as
plantas são de natureza mais perfeita, como os outros seres? “Tudo é mais
perfeito. As plantas, porém, são sempre plantas, como os animais sempre animais
e os homens sempre homens.” OS ANIMAIS E O HOMEM. Se, pelo que toca à
inteligência, comparamos o homem e os animais, parece difícil estabelecer-se
uma linha de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns animais mostram,
sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Pode essa linha de
demarcação ser estabelecida de modo preciso? “A este respeito é completo o
desacordo entre os vossos filósofos. Querem uns que o homem seja um animal e
outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro. O homem é um ser à
parte, que desce muito baixo algumas vezes e que pode também elevar-se muito
alto. Pelo físico, é como os animais e menos bem dotado do que muitos destes. A
Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a inventar com a sua
inteligência, para satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu
corpo se destrói, como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está
assinado um destino que só ele pode compreender, porque só ele é inteiramente
livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do que os brutos! não sabeis
distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.” Poder-se-á
dizer que os animais só obram por instinto? “Ainda aí há um sistema. É verdade
que na maioria dos animais domina o instinto. Mas, não vês que muitos obram
denotando acentuada vontade? É que têm inteligência, porém limitada.” Não se
poderia negar que, além de possuírem o instinto, alguns animais praticam atos
combinados, que denunciam vontade de operar em determinado sentido e de acordo
com as circunstâncias. Há, pois, neles, uma espécie de inteligência, mas cujo
exercício quase que se circunscreve à utilização dos meios de satisfazerem às
suas necessidades físicas e de proverem à conservação própria. Nada, porém,
criam, nem melhora alguma realizam. Qualquer que seja a arte com que executem
seus trabalhos, fazem hoje o que faziam outrora e o fazem, nem melhor, nem
pior, segundo formas e proporções constantes e invariáveis. A cria, separada
dos de sua espécie, não deixa por isso de construir o seu ninho de perfeita
conformidade com os seus maiores, sem que tenha recebido nenhum ensino. O
desenvolvimento intelectual de alguns, que se mostram suscetíveis de certa
educação, desenvolvimento, aliás, que não pode ultrapassar acanhados limites, é
devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, porquanto não há aí
progresso que lhe seja próprio. Mesmo o progresso que realizam pela ação do
homem é efêmero e puramente individual, visto que, entregue a si mesmo, não
tarda que o animal volte a encerrar-se nos limites que lhe traçou a Natureza.
Têm os animais alguma linguagem? “Se vos referis a uma linguagem formada de
sílabas e palavras, não. Meio, porém, de se comunicarem entre si, têm. Dizem
uns aos outros muito mais coisas do que imaginais. Mas, essa mesma linguagem de
que dispõem é restrita às necessidades, como restritas também são as ideias que
podem ter.” Há, entretanto, animais que carecem de voz. Esses parece que
nenhuma linguagem usam, não? “Compreendem-se por outros meios. Para vos
comunicardes reciprocamente, vós outros, homens, só dispondes da palavra? E os
mudos? Facultada lhes sendo a vida de relação, os animais possuem meios de se
prevenirem e de exprimirem as sensações que experimentam. Pensais que os peixes
não se entendem entre si? O homem não goza do privilégio exclusivo da
linguagem. Porém, a dos animais é instintiva e circunscrita pelas suas
necessidades e ideias, ao passo que a do homem é perfectível e se presta a todas
as concepções da sua inteligência.” Efetivamente, os peixes que, como as
andorinhas, emigram em cardumes, obedientes ao guia que os conduz, devem ter
meios de se advertirem, de se entenderem e combinarem. É possível que disponham
de uma vista mais penetrante e está lhes permita perceber os sinais que
mutuamente façam. Pode ser também que tenham na água um veículo próprio para a
transmissão de certas vibrações. Como quer que seja, o que é incontestável é
que lhes não falecem meios de se entenderem, do mesmo modo que a todos os
animais carentes de voz e que, não obstante, trabalham em comum. Diante disso,
que admiração pode causar que os Espíritos entre si se comuniquem sem o auxílio
da palavra articulada? Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos
seus atos? “Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a
liberdade de ação, de que desfrutam, é limitada pelas suas necessidades e não
se pode comparar à do homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os
mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida
material.” Donde procede a aptidão que certos animais denotam para imitar a
linguagem do homem e por que essa aptidão se revela mais nas aves do que no
macaco, por exemplo, cuja conformação apresenta mais analogia com a humana?
“Origina-se de uma particular conformação dos órgãos vocais, reforçada pelo
instinto de imitação. O macaco imita os gestos; algumas aves imitam a voz.” Pois
que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de
ação, haverá neles algum princípio independente da matéria? “Há e que sobrevive
ao corpo.” Será esse princípio uma alma semelhante à do homem? “É também uma
alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É,
porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância
equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.” Após a morte, conserva
a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma? “Conserva
sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente
lhe permanece em estado latente.” À alma dos animais é dado escolher a espécie
de animal em que encarne? “Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”
Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois
da morte, num estado de erraticidade, como a do homem? “Fica numa espécie de
erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito
errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De
idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que
constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado
pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente. Não
lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.” Os animais estão
sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva? “Sim; e daí vem que nos mundos
superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são,
dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao
homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.”
Nada há nisso de extraordinário. Tomemos os nossos mais inteligentes animais, o
cão, o elefante, o cavalo, e imaginemo-los dotados de uma conformação
apropriada a trabalhos manuais. Que não fariam sob a direção do homem? Os
animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das
coisas? “Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.” Nos
mundos superiores, os animais conhecem a Deus? “Não. Para eles o homem é um
deus, como outrora os Espíritos eram deuses para o homem.” Pois que os animais,
mesmo os aperfeiçoados, existentes nos mundos superiores, são sempre inferiores
ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais perpetuamente destinados à
inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de vistas e de progresso
que todas as suas obras revelam. “Tudo na Natureza se encadeia por elos que
ainda não podeis apreender. Assim, as coisas aparentemente mais díspares têm
pontos de contato que o homem, no seu estado atual, nunca chegará a
compreender. Por um esforço da inteligência poderá entrevê-los; mas, somente
quando essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento e liberta
dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará ver claro na obra de Deus.
Até lá, suas muito restritas ideias lhe farão observar as coisas por um
mesquinho e acanhado prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga e que,
na Natureza, tudo se harmoniza mediante leis gerais, que por nenhum de seus
pontos deixam de corresponder à sublime sabedoria do Criador.” A inteligência é
então uma propriedade comum, um ponto de contato entre a alma dos animais e a
do homem? “É, porém os animais só possuem a inteligência da vida material. No
homem, a inteligência proporciona a vida moral.” Considerando-se todos os
pontos de contato que existem entre o homem e os animais, não seria lícito
pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e a alma espírita e que, se
esta última não existisse, só como o bruto poderia ele viver? Por outra: que o
animal é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma espírita? Dessa
maneira de ver resultaria serem os bons e os maus instintos do homem efeito da
predominância de uma ou outra dessas almas? “Não, o homem não tem duas almas. O
corpo, porém, tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos órgãos.
Dupla, no homem, só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza
espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus
instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos.” De modo que, além de suas
próprias imperfeições de que cumpre ao Espírito despojar-se, tem ainda o homem
que lutar contra a influência da matéria? “Quanto mais inferior é o Espírito,
tanto mais apertados são os laços que o ligam à matéria. Não o vedes? O homem
não tem duas almas; a alma é sempre única em cada ser. São distintas uma da
outra a alma do animal e a do homem, a tal ponto que a de um, não pode animar o
corpo criado para o outro. Mas, conquanto não tenha alma animal, que, por suas
paixões, o nivele aos animais, o homem tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até
ao nível deles, por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de
instintos, porém ininteligentes estes e restritos ao cuidado que a sua
conservação requer.” Encarnando no corpo do homem, o Espírito lhe traz o
princípio intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As duas
naturezas nele existentes dão às suas paixões duas origens diferentes: umas
provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do
Espírito, de cuja encarnação é ele a imagem e que mais ou menos simpatiza com a
grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a
pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se do bruto.
Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação. 606. Donde tiram os animais o
princípio inteligente que constitui a alma de natureza especial de que são
dotados? “Do elemento inteligente universal.” Então, emanam de um único
princípio a inteligência do homem e a dos animais? “Sem dúvida alguma, porém,
no homem, passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no
animal.” Dissestes que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao
estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e
se ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu
desenvolvimento? “Numa série de existências que precedem o período a que
chamais Humanidade.” Parece que, assim, se pode considerar a alma como tendo
sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, não? “Já não
dissemos que tudo em a Natureza se encadeia e tende para a unidade? Nesses
seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente
se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme
acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho preparatório, como o da
germinação, por efeito do qual o princípio inteligente sofre uma transformação
e se torna Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter
consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a
responsabilidade dos seus atos. Assim, à fase da infância se segue a da
adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma
há de humilhante para o homem. Sentir-se-ão humilhados os grandes gênios por
terem sido fetos informes nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que
lhe seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para
lhe sondar a profundeza dos desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que
regem a harmonia do Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável
harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza. Acreditar que Deus haja
feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres inteligentes sem futuro, fora
blasfemar da sua bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.” Esse
período de humanização principia na Terra? “A Terra não é o ponto de partida da
primeira encarna- ção humana. O período da humanização começa, geralmente, em
mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto, não constitui regra
absoluta, pois pode suceder que um Espírito, desde o seu início humano, esteja
apto a viver na Terra. Não é freqüente o caso; constitui antes uma exceção.” O
Espírito do homem tem, após a morte, consciência de suas existências anteriores
ao período de humanidade? “Não, pois não é desse período que começa a sua vida
de Espírito. Difícil é mesmo que se lembre de suas primeiras existências
humanas, como difícil é que o homem se lembre dos primeiros tempos de sua
infância e ainda menos do tempo que passou no seio materno. Essa a razão por
que os Espíritos dizem que não sabem como começaram.” Uma vez no período da
humanidade, conserva o Espírito traços do que era precedentemente, quer dizer:
do estado em que se achava no período a que se poderia chamar ante humano? “Conforme
a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado. Durante
algumas gerações, pode ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do
estado primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por brusca transição. Há
sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos
acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do
livre arbítrio. Os primeiros progressos só muito lentamente se efetuam, porque
ainda não têm a envolvê-los a vontade. Vão em progressão mais rápida, à medida
que o Espírito adquire mais perfeita consciência de si mesmo.” Ter-se-ão
enganado os Espíritos que disseram constituir o homem um ser à parte na ordem
da criação? “Não, mas a questão não fora desenvolvida. Demais, há coisas que só
a seu tempo podem ser esclarecidas. O homem é, com efeito, um ser à parte,
visto possuir faculdades que o distinguem de todos os outros e ter outro
destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação dos seres que
podem conhecê-lo.” III. METEMPSICOSE. O terem os seres vivos uma origem comum
no princípio inteligente não é a consagração da doutrina da metempsicose? “Duas
coisas podem ter a mesma origem e absolutamente não se assemelharem mais tarde.
Quem reconheceria a árvore, com suas folhas, flores e frutos, no gérmen informe
que se contém na semente donde ela surge? Desde que o princípio inteligente
atinge o grau necessário para ser Espírito e entrar no período da humanização,
já não guarda relação com o seu estado primitivo e já não é a alma dos animais,
como a árvore já não é a semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões
que nascem da influência do corpo e do instinto de conservação inerente à
matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a encarnação do Espírito de
tal animal. Conseguintemente, a metempsicose, como a entendem, não é
verdadeira.” Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o corpo de um
homem? “Isso seria retroceder (involuir) e o Espírito não retrocede. O rio não remonta à
sua nascente.” Embora de todo errônea, a ideia ligada à metempsicose não terá
resultado do sentimento intuitivo que o homem possui de suas diferentes
existências? “Nessa, como em muitas outras crenças, se depara esse sentimento
intuitivo. O homem, porém, o desnaturou, como costuma fazer com a maioria de
suas ideias intuitivas.” Seria verdadeira a metempsicose, se indicasse a
progressão da alma, passando de um estado inferior a outro superior, onde
adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza. É, porém, falsa
no sentido de transmigração direta da alma do animal para o homem e
reciprocamente, o que implicaria a ideia de uma retrocesso, ou de fusão.
Ora, o fato de não poder semelhante fusão operar-se, entre os seres corporais
das duas espécies, mostra que estas são de graus não assimiláveis, devendo dar-se
o mesmo com relação aos Espíritos que as animam. Se um mesmo Espírito as
pudesse animar alternativamente, haveria, como consequência, uma identidade de
natureza, traduzindo-se pela possibilidade da reprodução material. A
reencarnação, como os Espíritos a ensinam, se funda, ao contrário, na marcha
ascendente da Natureza e na progressão do homem, dentro da sua própria espécie,
o que em nada lhe diminui a dignidade. O que o rebaixa é o mau uso que ele faz
das faculdades que Deus lhe outorgou para que progrida. Seja como for, a ancianidade
(velhice) e a universalidade da doutrina da metempsicose e, bem assim, a
circunstância de a terem professado homens eminentes provam que o princípio da
reencarnação se radica na própria Natureza. Antes, pois, constituem argumentos
a seu favor, que contrários a esse princípio. O ponto inicial do Espírito é uma
dessas questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o
segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe sendo
possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos
prováveis. Os próprios Espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que
não sabem, também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim,
por exemplo, que nem todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes
entre o homem e os animais. Segundo uns, o Espírito não chega ao período humano
senão depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos
seres inferiores da Criação. Segundo outros, o Espírito do homem teria
pertencido sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro
desses sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro dos animais,
que formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo
é mais conforme à dignidade do homem e pode resumir-se da maneira seguinte: As
diferentes espécies de animais não procedem intelectualmente umas das outras,
mediante progressão. Assim, o espírito da ostra não se torna sucessivamente o
do peixe, do pássaro, do quadrúpede e do quadrúmano. Cada espécie constitui,
física e moralmente, um tipo absoluto, cada um de cujos indivíduos haure na
fonte universal a quantidade do princípio inteligente que lhe seja necessário,
de acordo com a perfeição de seus órgãos e com o trabalho que tenha de executar
nos fenômenos da Natureza, quantidade que ele, por sua morte, restitui ao
reservatório donde a tirou. Os dos mundos mais adiantados que o nosso constituem
igualmente raças distintas, apropriadas às necessidades desses mundos e ao grau
de adiantamento dos homens, cujos auxiliares eles são, mas de modo nenhum
procedem da Terra, espiritualmente falando. Outro tanto não se dá com o homem.
Do ponto de vista físico, este forma evidentemente um elo da cadeia dos seres
vivos; porém, do ponto de vista moral, há, entre o animal e o homem, solução de
continuidade. O homem possui, como propriedade sua, a alma ou Espírito,
centelha divina que lhe confere o senso moral e um alcance intelectual de que
carecem os animais e que é nele o ser principal, que preexiste e sobrevive ao
corpo, conservando sua individualidade. Qual a origem do Espírito? Onde o seu
ponto inicial? Forma-se do princípio inteligente individualizado? Tudo isso são
mistérios que fora inútil querer devassar e sobre os quais, como dissemos, nada
mais se pode fazer do que construir sistemas. O que é constante, o que ressalta
do raciocínio e da experiência é a sobrevivência do Espírito, a conservação de
sua individualidade após a morte, a progressividade de suas faculdades, seu
estado feliz ou desgraçado de acordo com o seu adiantamento na Senda do bem e
todas as verdades morais decorrentes deste princípio. Quanto às relações
misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos
segredos de Deus, como muitas outras coisas, cujo conhecimento atual nada
importa ao nosso progresso e sobre as quais seria inútil determo-nos. www.febnet.org.br. Abraço. Davi.
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