quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A CONSCIÊNCIA - A BUSCA DO PRAZER



Espiritualidade. Texto de Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Capítulo III. A CONSCIÊNCIA. – A TOTALIDADE DA VIDA – O PERCEBIMENTO. Ao conscientizar do seu condicionamento, você compreenderá a totalidade da sua consciência. A consciência é o campo total onde funciona o pensamento e existem as relações. Todos os motivos, intenções, desejos, prazeres, temores, inspiração, anseios, dores, alegrias se encontram nesse campo. Mas nós dividimos a consciência em ativa e latente, em nível superior e nível inferior; quer dizer, na superfície todos os pensamentos, sentimentos e atividades de cada dia e, abaixo deles, o chamado subconsciente, as coisas que não nos são familiares, que ocasionalmente se expressam por meio de certas sugestões, intuições e sonhos. Ocupamo-nos com um pequeno canto da consciência, que constitui a maior parte da nossa vida, quanto ao resto, a que chamamos subconsciente, com todos os seus motivos, temores, atributos raciais e hereditários, não sabemos sequer como penetrá-lo. Agora, pergunto: Existe mesmo tal coisa – o subconsciente? Empregamos muito livremente essa palavra. Admitimos que essa coisa existe e todas as frases e terminologias dos analistas e psicólogos se insinuaram na nossa linguagem: mas ela existe? E por que razão lhe atribuímos tamanha importância? A mim ela parece tão trivial e estúpida quanto a mente consciente, tão estreita, tão fanática, condicionada, ansiosa e sem valor quanto ela. Assim, será possível ficarmos completamente cônscios de todo o campo da consciência e não meramente de uma parte, de um fragmento? Se puder tornar-se consciente da totalidade, você agirá sempre com sua atenção total e não com uma atenção parcial. Importa compreender isso, porque, quando se está cônscio de todo o campo da consciência, não há atrito. Quando se divide a consciência – toda ela constituída de pensamento, sentimento e ação – em diferentes níveis, é então que há atrito. Vivemos de maneira fragmentada. No escritório somos uma coisa, em casa somos outra coisa; você fala de democracia e, no íntimo, é autocrata; fala em amor ao próximo e ao mesmo temo o  está matando na competição; uma parte de você está ativa, a olhar, independentemente da outra. Você está consciente dessa existência fragmentada em você mesmo? E será possível ao cérebro, que dividiu o seu próprio funcionamento, o seu próprio pensar em fragmentos, ficar consciente do campo inteiro? É possível olharmos o todo da consciência completa e totalmente? O que significa sermos entes humanos totais? Se, a fim de compreender a estrutura  total do “eu”, de extraordinária complexidade, você proceder passo a passo, descobrindo camada por camada, examinando cada pensamento, sentimento e motivo, ver-se-á todo enredado no processo analítico, que durará semanas, meses, anos, e quando admitimos o tempo no processo da auto compreensão, temos  de estar preparados para toda espécie de deformação, porquanto o “eu” é uma entidade complexa, que se movimenta, vive, luta, deseja, nega; sujeita a pressões e tensões de toda espécie, que nela atuam continuamente. Você descobrirá, assim, por si mesmo, que não é esse o caminho que deve seguir; compreenderá que a única maneira de olhar a si mesmo é fazer isso de maneira total, imediatamente, fora do tempo: e você só pode ver a totalidade de si mesmo quando a mente não está fragmentada. O que você vê em sua totalidade é a verdade. Mas você é capaz disso? A maioria não é, porque nunca nos abeiramos do problema com seriedade, porque na realidade nunca olhamos para nós mesmos. Nunca! Lançamos a culpa nos outros, satisfazemo-nos com explicações ou temos medo de olhar. Mas, quando olhar totalmente, você aplicará toda a sua atenção, todo o seu ser, tudo o que tem, seus olhos, seus ouvidos, seus nervos; estará atento como o mais completo auto abandono e não haverá então mais lugar para o medo, para a contradição e, por conseguinte, não haverá mais conflito. Atenção não é a mesma coisa que concentração. A concentração é exclusão; a atenção é percebimento total, que nada exclui. A maioria de nós não me parece estar consciente, não só do que estamos dizendo aqui, mas também do nosso ambiente, das cores que nos rodeiam, das pessoas, da forma das árvores, das nuvens, do movimento da água. Isso acontece, talvez, porque estamos tão interessados em nós mesmos, em nossos insignificantes problemas, nossas próprias ideias, nossos prazeres, ocupações e ambições, que não podemos ficar objetivamente conscientes. Entretanto, muito se fala de percebimento. Certa vez, na Índia, eu viajava de automóvel. Um motorista conduzia o carro e eu ia sentado ao seu lado. Atrás, três homens discutiam com muito ardor sobre o percebimento, fazendo-me de vez em quando perguntas sobre o assunto. Naquele momento, o motorista, que estava olhando para outro lado, infelizmente, atropelou uma cabra, e aqueles três homens prosseguiram na discussão sobre o percebimento, completamente alheios ao atropelamento da cabra. Quando essa falta de atenção lhes foi apontada, os três senhores, que tanto se empenhavam em estar atentos, demonstraram grande surpresa. A mesma coisa acontece com a maioria de nós. Não estamos conscientes nem das coisas exteriores nem das interiores. Se desejar compreender a beleza de uma ave, de uma mosca, de uma folha, de uma pessoa, com todas as suas complexidades, você tem de dispensar-lhe toda a sua atenção – e isso é percebimento. E você só poderá dar toda a atenção quando tiver zelo, quer dizer, quando amar realmente o compreender; aplique então ao descobrimento todo o seu coração e toda a sua mente. Esse percebimento é semelhante a vier com uma serpente em seu quarto;  você observa cada um dos seus movimentos, é sensível a cada ruído que ela produz. Um tal estado de atenção é energia total; nesse percebimento se revela instantaneamente a totalidade de si mesmo. Ao se olhar dessa maneira profunda, você poderá descer mais fundo ainda. Empregando as palavras “mais fundo” não estamos fazendo comparação. Nós pensamos comparativamente – profundo e superficial, feliz e infeliz. Estamos sempre a medir, a comparar. Mas será que existe mesmo em alguém tal estado – o superficial e o profundo? Quando digo “minha é superficial, mesquinha, estreita, limitada” – como sei dessas coisas ? Porque, comparei minha mente com sua mente, que é mais brilhante, tem mais capacidade, é mais inteligente e alerta. Posso conhecer minha pequenez sem comparação? Quando sinto fome, não comparo essa fome com a fome que senti ontem. A fonte de ontem é uma ideia, uma lembrança. Se estou sempre a medir-me por você, a esforçar-me para ser igual a você, estou então negando a mim mesmo. Por conseguinte, estou criando uma ilusão. Ao compreender que a comparação, em qualquer forma, só leva a uma ilusão e a um sofrimento maiores ainda (tal como acontece quando analiso a mim mesmo, aumentando o meu conhecimento pouco a pouco, ou identificando-me com algo fora de mim – o Estado, um salvador ou uma ideologia), ao compreender que todos esses processos só levam a mais ajustamento e conflito, abandono toda comparação. Minha mente já não está buscando. É importante compreender isso. Minha mente já não está então tateando, buscando, indagando. Isso não significa estar satisfeito com as coisas como são, porém, sim, que a mente não tem ilusão nenhuma. Ela pode então mover-se numa dimensão totalmente diferente. A dimensão na qual vivemos nossa vida cotidiana, de dor, de prazer, de medo, condiciona a mente, limita-lhe a natureza, e quando essa dor, esse prazer e esse medo deixaram de existir (o que não significa não ter mais alegria, a alegria é coisa totalmente diferente do prazer), a mente passa então a funcionar numa dimensão diferente, na qual não existe conflito, nenhuma ideia de diferença. Verbalmente, só podemos chegar até esse ponto; o que existe além não pode ser expresso em palavras, porque a palavra não é a coisa. Até aqui, pudemos descrever, explicar, mas nem palavras nem explicações podem abrir a porta. O que abrirá a porta é o percebimento e a atenção diários – percebimento da maneira como falamos, do que dizemos, de nossa maneira de andar, do que pensamos. Isso é como limpar e manter em ordem um aposento. Manter o aposento em ordem é importante num sentido e totalmente sem importância noutro sentido. Deve haver ordem no aposento, mas a ordem não abrirá a porta ou a janela. O que abre a porta não é sua volição ou desejo. Não se pode de modo nenhum chamar o outro “estado de espírito”. O que se pode fazer é apenas manter o aposento em ordem, o que significa ser virtuosos por amor a virtude e não pelo que isso nos trará, ser equilibrado, racional, ordenado. Então, talvez, se você tiver sorte, a janela se abrirá e a brisa entrará. Ou pode ser que não. Tudo depende do estado da sua mente. E esse estado da mente só pode ser compreendido por você mesmo ao observá-lo sem tentar moldá-lo, sem ser parcial, sem contrariá-lo, sem jamais concordar, justificar, condenar, julgar; quer dizer, estar vigilante sem fazer nenhuma escolha. E, em razão desse percebimento sem escolha, a porta talvez se abrirá e você conhecerá aquela dimensão em que não existe o conflito nem o tempo. Capítulo IV. A BUSCA DO PRAZER – O DESEJO – A PERVERSÃO PELO PENSAMENTO – A MEMÓRIA – A ALEGRIA. No capítulo anterior, dissemos que a alegria era uma coisa inteiramente diferente do prazer; por conseguinte, vejamos o que está implicado no prazer e se é possível viver num mundo em que não exista o prazer, porém um extraordinário estado de alegria, de bem aventurança. Estamos, todos nós, empenhados na busca do prazer, nesta ou naquela forma – prazer intelectual, sensual ou cultural, o prazer de reformar, de dizer aos outros o que devem fazer, de atenuar os males da sociedade, de fazer o bem; o prazer de ter conhecimentos mais vastos, maior satisfação física, mais experiências, mais compreensão da vida, de possuir todas as qualidades engenhosas  e sutis da mente; e, naturalmente, o prazer supremo: a posse da Deus. O prazer é a estrutura da sociedade. Da infância à morte; secreta ou ardilosamente, ou abertamente, buscamos o prazer. Assim, qualquer que seja a nossa forma de prazer, acho que devemos vê-la muito claramente, porque será ela que irá guiar e moldar a nossa vida. Por conseguinte, o importante é que cada um de nós investigue com atenção, cautela, precisão, a questão do prazer, porque achar o prazer e depois nutri-lo e mantê-lo constitui uma necessidade básica da vida e sem ele a existência se torna monótona, estúpida, sombreada pela solidão e sem nenhum significado. Você perguntará: “Então por que razão não deve a vida ser guiada pelo prazer? Por uma razão muito simples: o prazer traz necessariamente a dor, a frustração, o sofrimento, o medo, e, como resultado do medo, a violência. Se você quer viver dessa maneira, viva; aliás, é o que a maioria faz. Mas, se quer se livrar do sofrimento, você deve compreender a inteira estrutura do prazer. Compreender o prazer não significa negá-lo. Não o estamos condenando ou dizendo que é bom ou mau, mas, se o cultivamos, façamo-lo de olhos abertos, sabendo que a mente que está sempre buscando o prazer encontrará inevitavelmente a sua sombra – a dor. As duas coisas não podem ser separadas, embora busquemos o prazer e procuremos evitar a dor. Ora, por que é que a mente está sempre exigindo prazer? Por que razão fazemos coisas nobres e ignóbeis sempre com esse desejo secreto de prazer? Por que nos sacrificamos e sofremos, sempre pendentes desse tênue fio do prazer? O que é o prazer, e como ele nasce? Não sei se alguns de vocês já fizeram a si próprios essas perguntas e foram até a última consequência das respostas. O prazer se torna existente em quatro fases: percepção, sensação, contato e desejo. Vejo um belo automóvel, por exemplo, vem em seguida uma sensação, uma reação; depois o toco com as mãos ou imagino tocá-lo; e vem então o desejo de possuir o carro e ostentar-me com ele. Ou vejo uma nuvem formosa, uma montanha claramente delineada contra o céu, uma folha que acaba de brotar na primavera, um vale profundo, cheio de encantos e esplendor, um glorioso pôr-do-sol, um belo rosto, inteligente, vivo e não cônscio de sua beleza e, portanto, já sem beleza. Olho essas coisas com intenso deleite e, enquanto as observo, não há observador, porém, tão só a beleza pura, qual a do amor. Por um momento estou ausente com todos os meus problemas, ansiedades e aflições, só existe aquela coisa maravilhosa. Posso olhá-la com alegria e no próximo momento esquecê-la, ou, então, a mente pode interferir – e aí começa o problema: minha mente pode interferir – e ai começa o problema: minha mente pensa naquilo que viu e na sua beleza; digo de mim para mim que gostaria de tornar a vê-lo muitas vezes. O pensamento começa a comparar, a julgar, a dizer: “Quero repetir isso amanhã”. A continuidade de uma experiência que por um segundo proporcionou deleite é mantida pelo pensamento. O mesmo sucede em relação ao desejo sexual ou outro. Não há nada de mau no desejo. Reagir é perfeitamente normal. Se você me pica com um alfinete, eu reajo, a não ser que eu esteja paralisado. Mas o pensamento interfere, fica a ruminar aquele deleite e o converte em prazer. O pensamento deseja repetir a experiência e, quanto mais repetida, tanto mais mecânica ela se torna; quanto mais você pensa nele, mais força o pensamento confere ao prazer. Desse modo, o pensamento cria e mantém o prazer através do desejo e dá-lhe continuidade; por conseguinte, a reação natural do desejo, ante uma coisa bela, é pervertida pelo pensamento. O pensamento a converte em memória, que é então nutrida pelo pensar repetidamente naquela coisa. Naturalmente, a memória tem seu lugar próprio, num certo nível. Sem ela, não teríamos possibilidade de atuar na vida de cada dia. Em sua própria esfera, a memória tem de ser proficiente, mas há um estado da mente onde há muito pouco lugar para ela. A mente que não está tolhida pela memória tem a verdadeira liberdade. Você já notou que, quando reage a uma dada coisa totalmente, com todo o coração, quase não resta memória? É só quando você não responde a um desafio com todo o seu ser que se apresenta o conflito, a luta, que acarreta confusão e prazer ou dor. A luta gera memória. Essa memória é continuamente acrescentada por outras memórias, e são essas memórias que reagem. Tudo o que é resultado da memória é velho e, por conseguinte, nunca é livre. Liberdade de pensamento é algo que não existe; é puro contrassenso. O pensamento nunca é novo, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O pensamento, que é velho, torna também velho aquilo que você olha com deleite e que por um momento sentiu profundamente. Do velho vem o prazer; nunca do novo. No novo não existe o tempo. Assim, se puder olhar todas as coisas, sem permitir a introdução do prazer – olhar uma rosa, uma ave, a cor de um lótus, a beleza de uma extensão de água rutilando ao Sol, ou qualquer coisa deleitável – se puder olhar assim, sem desejar que a experiência se repita, então não haverá dor, nem medo e, por conseguinte, haverá uma alegria infinita. É a luta para repetir e perpetuar o prazer que o converte em dor. observe isso em você mesmo. A própria exigência da repetição do prazer produz dor, porque ele nunca é a mesma coisa de ontem. Você luta pra alcançar o mesmo deleite não só para o seu senso estético, mas também para a sua mente, e fica magoado e desapontado, porque ele lhe é negado. Você já observou o que acontece quando lhe é negado um pequeno prazer? Quando não tem o que quer, você se torna ansioso, invejoso, rancoroso. Já notou que, quando lhe negam o prazer de fumar ou de beber, o prazer sexual ou outro qualquer – já notou as lutas que você tem de sustentar? E tudo isso é uma forma de medo, não é verdade? Você tem medo de não obter o que deseja ou de perder o que possui. Quando uma dada fé ou ideologia que você cultiva há muitos anos é abalada ou lhe é arrebatada pela lógica da vida, você não tem medo de se ver só? Essa crença lhe proporcionou durante anos satisfação e prazer e, quando lhe é retirada, você fica desorientado, vazio, e o medo perdura até você achar outras formas de prazer, outra crença. Isso me parece muito simples, e, por ser tão simples, não queremos ver a sua simplicidade. Gostamos de complicar tudo. Se sua esposa o abandona, você não sente ciúme? Não sente raiva? Não odeia o homem que a seduziu? E que é tudo isso senão o medo de perder o que lhe dava muito prazer, de perder essa companhia, perder aquela segurança e satisfação conferidas pela posse? Assim, se compreende que quando se busca o prazer tem de haver dor, você pode, se lhe aprouver, viver dessa maneira, porém com pleno conhecimento do passo que está dando. Se, entretanto, deseja pôr fim ao prazer, o que significa pôr fim a dor, você deve estar completamente atento à estrutura total do prazer; mas não deve repeli-lo, como o fazem os monges e os sanyasis, que não olham para uma mulher porque é pecado e, dessa maneira, destroem a vitalidade da própria compreensão; porém, cumpre ver todo o significado e importância do prazer. Encontre então infinita alegria na vida. Não se pode pensar na alegria. A alegria é uma coisa imediata e, se nela pensar, você a converterá em prazer. Viver no presente é a percepção imediata da beleza e o grande deleite que nela existe, sem dela procurar extrair prazer. Do Livro Liberte-se do Passado. Abraço. Davi. 

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