Budismo.
Texto de Tenzin Gyatso (1935- ), o 14º
Dalai Lama. OITO VERSOS PARA TREINAR A MENTE. TODOS OS VÁRIOS ENSINAMENTOS do
Budha fornecem maneiras para treinar e transformar a mente. No entanto,
historicamente, desenvolveu-se no Tibete uma classe tradicional de práticas e
literatura associada a eles, conhecida como LOJONG, que significa “treinamento
da mente”. Esses praticantes são chamados assim porque seu objetivo é nada
menos do que causar uma transformação radical em nosso pensamento e, por meio
dela, ajudar-nos a viver uma vida compassiva. Uma das principais
características da prática do LOJONG é sua ênfase na superação de nossa
noção iludida de um ego sólido e das atitudes
de autovalorização que nos impedem de desenvolver uma empatia genuína em
relação aos outros e limita nossa visão aos confins estreitos de nossas
preocupações auto referentes. Em suma, com o treinamento da mente buscamos
transformar nossa visão normalmente egoísta da vida em uma visão mais altruísta
que, no mínimo, considera o bem-estar dos outros tão importante quanto o nosso
próprio e idealmente considera o bem-estar dos outros muito mais importante do
que o nosso. Uma obra particularmente importante da literatura sobre o
treinamento da mente são os OITO VERSOS PARA TREINAR A MENTE, do mestre do
século XII, Langri Tangpa (1054-1123). Essa obra resume os principais
ensinamentos tanto sobre sabedoria quanto sobre método. Ela se concentra nos
antídotos que permitem ao praticante enfrentar os dois principais obstáculos. O
primeiro é a atitude de autovalorização, e seus antídotos são principalmente o
cultivo do altruísmo, da compaixão e do bodhichita. O segundo obstáculo é nosso
controle iludido de algum tipo de eu duradouro, de existência permanente. O
antídoto para isso está contido nos ensinamentos de sabedoria. Os primeiros
sete versos dos OITO VERSOS PARA TREINAR A MENTE lidam com as práticas
associadas ao cultivo do método, e o oitavo lida com as práticas para o cultivo
da sabedoria. Pode-se, portanto, dizer que esses oito versos contém toda a
essência dos ensinamentos de Budha sob uma forma distinta. I. “AO PENSAR EM
todos os seres sencientes como ainda melhores do que a pedra dos desejos para
atingir o objetivo maior, possa eu sempre considera-los preciosos”. Essas
quatro linhas falam sobre cultivar uma noção de valorização de todos os outros
seres sencientes (que percebe pelos sentidos recebendo sensações). O principal
ponto que esse verso enfatiza é o desenvolvimento de uma atitude que lhe
permita considerar os outros seres sencientes preciosos, da mesma maneira que
poderíamos considerar uma joia de alto valor. Nesse verso há uma referência
explícita ao agente “eu”. Possa eu sempre considerar os outros preciosos”.
Talvez posse ser útil uma breve discussão a respeito de que o budismo considera
que esse “eu” está se referindo a algo. Falando de maneira geral, ninguém
discorda de que as pessoas – você, eu, os outros – existem. Não questionamos a
existência de alguém que passa pela experiência da dor, por exemplo. Dizemos:
“Vejo isso e isso” e “ouço isso e isso” e usamos constantemente o pronome na
primeira pessoa em nosso discurso. Não há como discordar da existência do nível
convencional de “eu” que todos experimentamos na vida cotidiana. No entanto,
surgem perguntas quando tentamos entender o que esse “eu” ou “si” realmente é.
Ao abordar essas questões, podemos tentar estender a análise além da vida
cotidiana – podemos, por exemplo, relembrar como éramos na juventude. Quando
você relembra algo de sua juventude, tem um sentimento próximo de identificação
com o estado do corpo e com sua noção de eu naquela idade. Quando você era
jovem, havia um eu. Conforme fica mais velho, há um eu. Há também um eu que
abrange os dois estados. Um indivíduo pode relembrar sua experiência de
juventude, suas experiências de velhice, e assim por diante. Nós nos
identificamos com os estados do nosso corpo e com nossa noção de nós mesmos,
nossa consciência do “eu”. Muitos filósofos e em especial pensadores religiosos
buscaram entender a natureza do indivíduo, desse “si” ou “eu”, que mantém essa
continuidade ao longo do tempo. Isso foi especialmente importante dentro da
tradição indiana. As Escolas indianas não budistas falam em ATMAN, que pode ser
traduzido de forma aproximada por “si” ou “alma”, e em outras tradições
religiosas não indianas, como o cristianismo e o judaísmo, ouvimos falar na
“alma” de uma pessoa. No contexto indiano, ATMAN tem o significado distinto de
um agente independente do indivíduo que vive e respira. Na tradição hinduísta,
por exemplo, há uma crença na reencarnação, que inspirou muitas discussões.
Também encontrei referências a determinadas formas de prática mística nas quais
uma consciência ou alma assume o corpo de uma pessoa recém-falecida. De modo a
compreender o fato de uma alma assumir outro corpo, precisaríamos postular
algum tipo de agente que fosse independente dos elementos observáveis do
indivíduo. De maneira geral, as Escolas indianas não budistas chegaram mais ou
menos à conclusão de que ego se refere a esse agente independente, a algo que é
independente de nosso corpo e de nossa mente. As tradições budistas, por outro
lado, rejeitaram a tentação de postular um “si”, um ATMAN ou uma alma que fosse
independente de nosso corpo e de nossa mente. Entre as Escolas budistas, o
consenso é que o “si” ou “eu” deve ser compreendido apenas em termos do corpo e
da mente. Mas mesmo entre os pensadores budistas há uma divergência de opinião
quanto ao que exatamente os referimos quando dizemos “eu” ou “si”. Muitas
Escolas budistas afirmam que, em última análise, devemos identificar o si com a
consciência da pessoa. Por meio da análise, podemos mostrar como nosso corpo é
uma espécie de fato contingente e o que continua através do tempo é, na
verdade, a consciência de um ser. É claro que outros pensadores budistas
rejeitaram a identificação do si com a consciência, resistindo ao impulso de
buscar algum tipo de si eterno, contínuo ou permanente. Esses pensadores
argumentaram que seguir esse tipo de raciocínio é, em certo sentido, sucumbir à
necessidade inerente de controlar alguma coisa. Uma análise da natureza de si
segundo esses princípios não produzirá nada, porque a busca de que se trata
aqui não é científica, mas metafísica; porque na busca de um si metafísico
estamos ultrapassando o domínio da linguagem e da experiência cotidiana. Assim,
“si” “pessoa” e “agente” devem ser compreendidos puramente em termos de como
experimentamos nosso sentido de si. Não deveríamos ultrapassar o nível do
entendimento convencional do si e da pessoa. Deveríamos desenvolver uma
compreensão de nossa própria existência em termos de nossa existência corporal
e mental, de modo que “si” e “pessoa” sejam em certo sentido entendidos como
designações inteiramente dependentes da mente e do corpo. Em seu GUIA PARA O
CAMINHO DO MEIO, Chandrakirti usou o exemplo de uma carruagem. Quando você
submete o conceito de carruagem a uma análise, nunca encontrará algum tipo de
carruagem metafísica ou substancialmente real que seja independente das partes
da carruagem. Mas isso não significa que a carruagem não exista. De modo
semelhante, quando submetemos “si” a uma análise semelhante, não podemos
encontrar um si independente da mente e do corpo que constituem a existência do
indivíduo. Essa compreensão do si como interdependente em seu surgimento deve
também ser estendida a nossa compreensão dos outros seres sencientes.
Designamos os “seres sencientes” dependendo do corpo e da mente que os
constituem, o que os budistas chamam de agregados. II. “ONDE QUER QUE eu vá,
com quem quer que esteja, possa eu ver a mim mesmo como inferior aos outros, e
do fundo do meu coração possa eu considera-los sumamente preciosos”. O primeiro
verso apontava para a necessidade de cultivar o pensamento de considerar todo os
outros seres sencientes preciosos. No segundo verso, o que se busca afirmar é
que o reconhecimento da preciosidade de outros seres sencientes e o sentimento
de carinho que você desenvolve baseado nisso não devem ser fundado em um
sentimento de piedade em relação aos outros seres sencientes, ou seja, no
pensamento de que eles são inferiores. Pelo contrário, o que está sendo
enfatizado é um sentimento de carinho para com os outros seres sencientes e um
reconhecimentos de sua preciosidade, baseado na reverência e no respeito, como
superior à nossa. Passando para outra linha do verso, penso que é importante
compreender a expressão: “Possa eu ver a mim mesmo como inferior aos outros” no
contexto correto. Certamente não se está dizendo que você deva ter pensamentos
que o levem à baixa autoestima ou que deva perder toda e qualquer esperança e
se sentir rejeitado, pensando: “Sou o mais baixo de todos. Não tenho capacidade
alguma, não posso fazer nada e não tenho nenhum poder”. Esse não é o tipo de
consideração sobre inferioridade ao qual se está fazendo referência aqui.
Considerar-se inferior aos outros precisa ser compreendido em termos relativos.
Sob determinados aspectos, os seres humanos podem ser considerados superiores
aos animais. Somos dotados da capacidade de fazer a distinção entre certo e
errado e de pensar no futuro. No entanto, você também poderia argumentar que,
sob outros aspectos, os seres humanos são inferiores aos animais. Por exemplo,
os animais podem não ter a capacidade de distinguir o cero do errado em um
sentido moral e podem não ter a capacidade de ver as consequências a longo
prazo de seus atos, mas dentro do reino animal existe uma espécie de ordem. Se
você observar a savana africana, verá que os predadores só atacam outros
animais por necessidade, quando sentem fome. Quando não estão com fome, você
pode vê-los coexistir muito pacificamente. Mas nós, seres humanos, apesar de
nossa capacidade para distinguir o certo do errado, algumas vezes agimos por
pura ganância. Algumas vezes nossa ações são motivadas por simples capricho –
matamos por esporte, por exemplo, quando vamos caçar ou pescar. Assim, em certo
sentido, poderíamos argumentar que os seres humanos se mostram inferiores aos
animais. É nesses termos relativos que podemos nos considerar inferiores aos
outros. Uma das razões para usar a palavra inferior é enfatizar que
normalmente, quando cedemos a emoções comuns de raiva, ódio, forte apego e
ganância, fazemos isso sem nenhuma noção de limite. Muitas vezes ignoramos
completamente o impacto de nosso comportamento sobre outros seres sencientes.
Mas ao cultivar deliberadamente o pensamento de considerar os outros superiores
e dignos de reverência, você fornece a si mesmo uma base para o limite. Então,
quando surgem as emoções, elas não são tão poderosas a ponto de fazê-lo
negligenciar o impacto de suas ações sobre os outros. É por causa disso que se
sugere reconhecer a superioridade dos outros em relação a si próprio. III.
“POSSA EU EXAMINAR minha mente em todas as ações, e assim que um estado negativo
ocorrer, já que ele coloca a mim e aos outros em perigo, possa eu enfrenta-lo
com firmeza e evita-lo”. Em verso vai ao fundo do que poderia ser chamado
essência da prática do Budhadharma. No contexto do budismo, quando falamos em
Dharma, estamos falando sobre a cessação do sofrimento, ou nirvana – o
verdadeiro Dhama. Há muitos níveis de cessação; por exemplo, evitar o
assassinato pode ser Dharma. Mas isso não pode ser chamado especificamente de
Dharmabudista, porque evitar o assassinato é algo que até mesmo alguém não religioso pode adotar como resultado do
respeito da lei. A essência do Dharma na tradição budista é o estado de
liberdade em relação ao sofrimento e às profanações que estão na raiz do
sofrimento. Esse verso aborda a maneira de combater essas profanações, essas
emoções e pensamentos aflitivos que dão origem à dor e ao sofrimento. A
verdadeira tarefa de um praticante do Budhadharma é derrotar esse inimigo
interior. Já que aplicar os antídotos pra a essas profanações mentais e
emocionais está no âmago da prática do Dharma e é, em certo sentido, sua base,
o terceiro verso sugere que é muito importante cultivar a atenção desde o
início. Se você deixar que emoções e pensamentos negativos surjam dentro de
você sem limites, sem prestar nenhuma atenção a sua negatividade, então estará
permitindo que eles ocorram livremente, e eles então poderão se desenvolver até
o ponto de não haver como combate-los. No entanto, se você desenvolver a
atenção para com sua negatividade, quando eles ocorrerem, poderá eliminá-los
assim que surgirem. Não lhes dará a oportunidade de se desenvolverem e de se
tornarem pensamentos emocionais negativos completos. O verso sugere que
apliquemos um antídoto no nível da experiência sentida. Em vez de ir até a raiz
de toda emoção, o texto sugere antídotos a emoções e pensamentos negativos
específicos. Por exemplo, para combater a raiva, você deve cultivar o amor e a
compaixão. Para combater o forte apego a um objeto, deve cultivar pensamentos
sobre a impureza daquele objeto, sobre sua natureza indesejável e assim por
diante. Para combater sua arrogância ou orgulho, precisa refletir sobre seus
fracassos de modo a criar uma sensação de humildade. Por exemplo, você pode
pensar sobre todas as coisas do mundo a respeito das quais é completamente
ignorante. Considere os intérpretes da linguagem dos sinais para os surdos:
quando olho para eles e vejo os gestos complexos que usam para traduzir, essa é
uma experiência que traz bastante humildade. Na minha própria experiência
pessoal, todas as vezes em que tenho uma leve sensação de orgulho, penso em
computadores. Isso realmente me acalma! IV. “QUANDO VIR SERES de disposição negativa ou seres
oprimidos por negatividade ou dor, possa eu, como se encontrasse um tesouro,
considera-los preciosos, pois é raro encontra-los”. A razão pela qual seres de
disposição negativa são identificados separadamente como foco de treinamento
para a mente é porque, quando você encontra essas pessoas, pode ceder à
tentação de reagir de alguma maneira forte e negativa. Em certo sentido, esses
seres são um desafio maior à sua capacidade de manter seu treinamento básico e,
portanto, merecem sua atenção especial. Você então pode prosseguir aplicando
esse sentimento à sociedade em geral. Entre as pessoas comuns, há uma tentação
ou tendência a rejeitar determinados grupos de pessoas, a marginalizá-las e a
não querer incluí-las no âmbito mais amplo da comunidade. Pessoas tachadas de
criminosas são um exemplo. Nesses casos, é ainda mais importante que o
praticante faça um esforço extra para tentar incluí-los de modo que lhes seja
dada uma segunda chance na sociedade e também uma oportunidade para restaurar
sua noção de autoestima. Do mesmo modo, também existe na sociedade uma tentação
de ignorar ou negar a existência de doenças incuráveis, como a AIDS, quando se
pensa: “Isso nunca vai acontecer comigo”. Existe uma tendência para desviar os
olhos dessas coisas. Nesses casos também, um verdadeiro praticante deve
refletir conscientemente sobre tais fenômenos e tentar enfrenta-los. Deve ser cultivar a própria
mente para que se possa ter empatia e lidar com eles. V. “TODAS AS VEZES em que
os outros, por inveja, insultarem-me e tratarem-me de outros modos injustos,
possa eu próprio aceitar essa derrota e oferecer a vitória aos outros”. De
ponto de vista convencional legal, se alguém é alvo de alegações injustas ou
sem fundamento ou base, sentimos que uma reação com raiva e com um sentimento
de injustiça tem sua razão de ser. No entanto, para um praticante budista,
recomenda-se que você não reaja dessa maneira, especialmente se a consequência
desse tratamento injusto for que só você, e mais ninguém, seja machucado. Um
verdadeiro praticante do treinamento da mente é encorajado a aceitar a derrota
e a oferecer a vitória, evitando uma explosão de indignação e raiva. VI.
“QUANDO ALGUÉM QUE ajudei ou em quem depositei grandes esperanças fere-me com
grande injustiça, possa eu ver esse outro como um amigo sagrado”. Geralmente,
quando ajudamos alguém, temos tendência a esperar algo em troca. Quando alguma
outra pessoa é próxima de nós, temos determinadas expectativas em relação a
essa pessoa. E se essa pessoa, em vez de reagir a nós de uma maneira positiva e
de retribuir nossa gentileza, prejudica-nos, normalmente temos uma sensação de
indignação. Nossa sensação de indignação e de termos sido feridos é tão
profunda que sentimos que é totalmente justificado reagir com indignação e
raiva. Para um verdadeiro praticante, sugere-se que você não ceda a esse tipo
de resposta normal, mas, pelo contrário, que use essa oportunidade para o
treinamento, como uma lição e um ensinamento. O praticante deve considerar essa
pessoa um verdadeiro professor de paciência, pois é em situações como essas que
o treinamento da paciência é mais necessário. É preciso reconhecer o valor
dessa pessoa como um professor raro e preciosos em vez de reagir com raiva e
hostilidade. Não se quer sugerir, no entanto, que um verdadeiro praticante deva
simplesmente ceder a qualquer dano ou injustiça que lhe for infligido. Na
verdade, de acordo com os princípios do bodhisattva, deve-se responder à
injustiça com uma forte ação contrária, especialmente se houver algum perigo de
que o responsável pelo crime continue suas ações negativas no futuro ou se
outros seres sencientes forem afetados de forma adversa. O que se exige é
sensibilidade ao contexto. Se uma determinada injustiça acontece e não tem
consequências maiores quer para quem cometeu o crime, quer para outros seres
sencientes, então talvez você deva deixa-la passar. VII. “EM RESUMO, POSSA EU
oferecer direta e indiretamente toda alegria e benefício a todos os seres,
minhas mães, e possa eu mesmo absorver secretamente toda sua dor e sofrimento”.
Nesse verso, a compaixão a que o autor se refere é tão forte que, pelo menos no
nível do pensamento, a pessoa se dispõe a suportar todo o sofrimento, dor e
ferimentos de todos os seres e a assumir a negatividade que está na raiz desses
sofrimentos. Pode-se também compartilhar todas as qualidades positivas que se
possui, tais como a alegria, as causas da alegria, as raízes da virtude, as
ações positivas e assim por diante. Oferecem-se essas qualidades positivas a
outros seres sencientes. O advérbio secretamente se refere à prática do TONGLEN,
a prática de dar e receber – receber o sofrimento dos outros e oferecer-lhes
alegria e virtude. Como sugere a palavra secretamente, trata-se de uma forma de
prática que pode não ser adequada no nível iniciante, pois requer uma certa
profundidade de coragem e compromissos. Em termos da verdadeira prática de dar e
receber, a prática do TONGLEN é feita em conjunto com o processo de respiração
– expiração e inspiração. A palavra secretamente pode também indicar a
necessidade de integridade da parte do praticante, de modo que a prática do
TONGLEN seja feita de maneira discreta e que o praticante não se torne um
exibicionista. Um verdadeiro praticante deve cultivar um treinamento espiritual
como TONGELEN com discrição. Em sua obra TREINAMENTO DA MENTE EM SETE PONTOS, o
mestre Kadampa Geshe Chekawa (1102-1176) afirma: “Nossos estados de espírito
interiores e nossos pensamentos e emoções precisam ser radicalmente
transformados e examinados, mas nossa aparência exterior deve permanecer a
mesma”. O que se quer dizer com isso é que é perigosos para os praticantes
sucumbir à tentação de se mostrar. Algumas vezes o que acontece, especialmente
nos dias de hoje, é que pessoas que só têm pouca experiência podem adotar uma
postura de importância ou de espiritualidade, o que só faz tornar mais reles
(grosseiro, insignificante) a verdadeira experiência de cada um. A prática
genuína do treinamento da mente exige humildade e integridade. A referência
feita aqui a todos os seres como “minhas mães” sugere a prática de considerar
todos os seres tão queridos quanto nossas próprias mães. De fato, nos
ensinamentos budistas sobre o renascimento, diz-se que todos os seres
sencientes já foram nossas mães – nos deram a luz, nos alimentaram e nos
protegeram – e que devemos nos lembrar dessa gentileza, mesmo que alguém
atualmente nos pareça prejudicial. VII. POSSAM ELES NÃO ser denegridos por
esses conceitos das oito preocupações mundanas e, conscientes de que todas as
coisas são ilusórias, possam eles, sem limites, se libertar dos grilhões”. A
primeira linha desse verso enfatiza a necessidade de garantir que a prática
espiritual e o treinamento da mente não sejam poluídos por preocupações
mundanas como a fama, a riqueza e o prazer. Isso é importante até mesmo para um
professor espiritual. Por exemplo, quando me sento no trono e dou uma palestra,
se em algum lugar do meu pensamento houver uma sensação de curiosidade – Será
que foi bem?. O que as pessoas pensam da minha palestra? Será que estão
satisfeitas com ela? Será que vão me elogiar? Isso vai poluir meu treinamento
espiritual. Essas preocupações mundanas não devem obscurecer e poluir o
verdadeiro treinamento espiritual de uma pessoa. As duas últimas linhas do
verso sublinham a necessidade de situar o treinamento da mente dentro de uma
compreensão total da derradeira verdade, do vazio. Essas linhas afirmam que
você deve desenvolver a consciência de que todas as coisas são ilusórias e, sem
ganância, libertar-se da escravidão que elas trazem. Mas, antes de poder
entender tudo em termos de sua natureza ilusória, você primeiro precisa negar a
realidade substancial de tudo, incluindo seu próprio “si”. Não há nenhuma
possibilidade de perceber a natureza ilusória de tudo a não ser que você
primeiro negue a realidade substancial da existência. Como desenvolvemos essa
compreensão? Não basta simplesmente imaginar que tudo é vazio e desprovido de
existência substancial ou simplesmente repetir esse verso em nossa mente como
uma fórmula. O que é necessário é um entendimento genuíno do vazio por meio de
um processo racional de análise e reflexão. Uma das maneiras mais eficazes e
convincentes de entender como tudo é desprovido de realidade substancial é
entender a interdependência, a procedência dependente de tudo. A singularidade
do entendimento dessa procedência é que ela nos fornece a possibilidade de
encontrar o caminho do meio entre, por um lado, o vazio completo e, por outro,
uma existência substancial e interdependente. Por si só, a compreensão de que
as coisas são interdependentes e sua procedência dependente sugere que as
coisas são desprovidas de existência independente. E a ideia de que as coisas
se originam em relação às outras através de uma matriz complexa de elementos de
procedência dependente também nos protege do perigo de cair na visão oposto do
niilismo – pensar que nada existe. Assim, ao encontrar esse verdadeiro caminho
do meio, você pode chegar a um entendimento e a uma compreensão genuína do
vazio. Quando você encontra esse tipo de compreensão em sua meditação, quando
interage com o mundo, com as pessoas e com os objetos à sua volta, surge em seu
comprometimento como o mundo uma nova
qualidade vinda de sua consciência da natureza ilusória da realidade. Essa nova
maneira de estar no mundo nos dá uma certa liberdade com relação a preocupações
estreitas e nos permite trabalhar com mais afinco em prol do bem-estar dos
outros. Como tal, ela é uma base poderosa para viver a vida de compaixão. Livro
A Vida de Compaixão. Abraço. Davi.
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