sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

OITO VERSOS PARA TREINAR A MENTE.



Budismo. Texto de Tenzin Gyatso (1935-  ), o 14º Dalai Lama. OITO VERSOS PARA TREINAR A MENTE. TODOS OS VÁRIOS ENSINAMENTOS do Budha fornecem maneiras para treinar e transformar a mente. No entanto, historicamente, desenvolveu-se no Tibete uma classe tradicional de práticas e literatura associada a eles, conhecida como LOJONG, que significa “treinamento da mente”. Esses praticantes são chamados assim porque seu objetivo é nada menos do que causar uma transformação radical em nosso pensamento e, por meio dela, ajudar-nos a viver uma vida compassiva. Uma das principais características da prática do LOJONG é sua ênfase na superação de nossa noção  iludida de um ego sólido e das atitudes de autovalorização que nos impedem de desenvolver uma empatia genuína em relação aos outros e limita nossa visão aos confins estreitos de nossas preocupações auto referentes. Em suma, com o treinamento da mente buscamos transformar nossa visão normalmente egoísta da vida em uma visão mais altruísta que, no mínimo, considera o bem-estar dos outros tão importante quanto o nosso próprio e idealmente considera o bem-estar dos outros muito mais importante do que o nosso. Uma obra particularmente importante da literatura sobre o treinamento da mente são os OITO VERSOS PARA TREINAR A MENTE, do mestre do século XII, Langri Tangpa (1054-1123). Essa obra resume os principais ensinamentos tanto sobre sabedoria quanto sobre método. Ela se concentra nos antídotos que permitem ao praticante enfrentar os dois principais obstáculos. O primeiro é a atitude de autovalorização, e seus antídotos são principalmente o cultivo do altruísmo, da compaixão e do bodhichita. O segundo obstáculo é nosso controle iludido de algum tipo de eu duradouro, de existência permanente. O antídoto para isso está contido nos ensinamentos de sabedoria. Os primeiros sete versos dos OITO VERSOS PARA TREINAR A MENTE lidam com as práticas associadas ao cultivo do método, e o oitavo lida com as práticas para o cultivo da sabedoria. Pode-se, portanto, dizer que esses oito versos contém toda a essência dos ensinamentos de Budha sob uma forma distinta. I. “AO PENSAR EM todos os seres sencientes como ainda melhores do que a pedra dos desejos para atingir o objetivo maior, possa eu sempre considera-los preciosos”. Essas quatro linhas falam sobre cultivar uma noção de valorização de todos os outros seres sencientes (que percebe pelos sentidos recebendo sensações). O principal ponto que esse verso enfatiza é o desenvolvimento de uma atitude que lhe permita considerar os outros seres sencientes preciosos, da mesma maneira que poderíamos considerar uma joia de alto valor. Nesse verso há uma referência explícita ao agente “eu”. Possa eu sempre considerar os outros preciosos”. Talvez posse ser útil uma breve discussão a respeito de que o budismo considera que esse “eu” está se referindo a algo. Falando de maneira geral, ninguém discorda de que as pessoas – você, eu, os outros – existem. Não questionamos a existência de alguém que passa pela experiência da dor, por exemplo. Dizemos: “Vejo isso e isso” e “ouço isso e isso” e usamos constantemente o pronome na primeira pessoa em nosso discurso. Não há como discordar da existência do nível convencional de “eu” que todos experimentamos na vida cotidiana. No entanto, surgem perguntas quando tentamos entender o que esse “eu” ou “si” realmente é. Ao abordar essas questões, podemos tentar estender a análise além da vida cotidiana – podemos, por exemplo, relembrar como éramos na juventude. Quando você relembra algo de sua juventude, tem um sentimento próximo de identificação com o estado do corpo e com sua noção de eu naquela idade. Quando você era jovem, havia um eu. Conforme fica mais velho, há um eu. Há também um eu que abrange os dois estados. Um indivíduo pode relembrar sua experiência de juventude, suas experiências de velhice, e assim por diante. Nós nos identificamos com os estados do nosso corpo e com nossa noção de nós mesmos, nossa consciência do “eu”. Muitos filósofos e em especial pensadores religiosos buscaram entender a natureza do indivíduo, desse “si” ou “eu”, que mantém essa continuidade ao longo do tempo. Isso foi especialmente importante dentro da tradição indiana. As Escolas indianas não budistas falam em ATMAN, que pode ser traduzido de forma aproximada por “si” ou “alma”, e em outras tradições religiosas não indianas, como o cristianismo e o judaísmo, ouvimos falar na “alma” de uma pessoa. No contexto indiano, ATMAN tem o significado distinto de um agente independente do indivíduo que vive e respira. Na tradição hinduísta, por exemplo, há uma crença na reencarnação, que inspirou muitas discussões. Também encontrei referências a determinadas formas de prática mística nas quais uma consciência ou alma assume o corpo de uma pessoa recém-falecida. De modo a compreender o fato de uma alma assumir outro corpo, precisaríamos postular algum tipo de agente que fosse independente dos elementos observáveis do indivíduo. De maneira geral, as Escolas indianas não budistas chegaram mais ou menos à conclusão de que ego se refere a esse agente independente, a algo que é independente de nosso corpo e de nossa mente. As tradições budistas, por outro lado, rejeitaram a tentação de postular um “si”, um ATMAN ou uma alma que fosse independente de nosso corpo e de nossa mente. Entre as Escolas budistas, o consenso é que o “si” ou “eu” deve ser compreendido apenas em termos do corpo e da mente. Mas mesmo entre os pensadores budistas há uma divergência de opinião quanto ao que exatamente os referimos quando dizemos “eu” ou “si”. Muitas Escolas budistas afirmam que, em última análise, devemos identificar o si com a consciência da pessoa. Por meio da análise, podemos mostrar como nosso corpo é uma espécie de fato contingente e o que continua através do tempo é, na verdade, a consciência de um ser. É claro que outros pensadores budistas rejeitaram a identificação do si com a consciência, resistindo ao impulso de buscar algum tipo de si eterno, contínuo ou permanente. Esses pensadores argumentaram que seguir esse tipo de raciocínio é, em certo sentido, sucumbir à necessidade inerente de controlar alguma coisa. Uma análise da natureza de si segundo esses princípios não produzirá nada, porque a busca de que se trata aqui não é científica, mas metafísica; porque na busca de um si metafísico estamos ultrapassando o domínio da linguagem e da experiência cotidiana. Assim, “si” “pessoa” e “agente” devem ser compreendidos puramente em termos de como experimentamos nosso sentido de si. Não deveríamos ultrapassar o nível do entendimento convencional do si e da pessoa. Deveríamos desenvolver uma compreensão de nossa própria existência em termos de nossa existência corporal e mental, de modo que “si” e “pessoa” sejam em certo sentido entendidos como designações inteiramente dependentes da mente e do corpo. Em seu GUIA PARA O CAMINHO DO MEIO, Chandrakirti usou o exemplo de uma carruagem. Quando você submete o conceito de carruagem a uma análise, nunca encontrará algum tipo de carruagem metafísica ou substancialmente real que seja independente das partes da carruagem. Mas isso não significa que a carruagem não exista. De modo semelhante, quando submetemos “si” a uma análise semelhante, não podemos encontrar um si independente da mente e do corpo que constituem a existência do indivíduo. Essa compreensão do si como interdependente em seu surgimento deve também ser estendida a nossa compreensão dos outros seres sencientes. Designamos os “seres sencientes” dependendo do corpo e da mente que os constituem, o que os budistas chamam de agregados. II. “ONDE QUER QUE eu vá, com quem quer que esteja, possa eu ver a mim mesmo como inferior aos outros, e do fundo do meu coração possa eu considera-los sumamente preciosos”. O primeiro verso apontava para a necessidade de cultivar o pensamento de considerar todo os outros seres sencientes preciosos. No segundo verso, o que se busca afirmar é que o reconhecimento da preciosidade de outros seres sencientes e o sentimento de carinho que você desenvolve baseado nisso não devem ser fundado em um sentimento de piedade em relação aos outros seres sencientes, ou seja, no pensamento de que eles são inferiores. Pelo contrário, o que está sendo enfatizado é um sentimento de carinho para com os outros seres sencientes e um reconhecimentos de sua preciosidade, baseado na reverência e no respeito, como superior à nossa. Passando para outra linha do verso, penso que é importante compreender a expressão: “Possa eu ver a mim mesmo como inferior aos outros” no contexto correto. Certamente não se está dizendo que você deva ter pensamentos que o levem à baixa autoestima ou que deva perder toda e qualquer esperança e se sentir rejeitado, pensando: “Sou o mais baixo de todos. Não tenho capacidade alguma, não posso fazer nada e não tenho nenhum poder”. Esse não é o tipo de consideração sobre inferioridade ao qual se está fazendo referência aqui. Considerar-se inferior aos outros precisa ser compreendido em termos relativos. Sob determinados aspectos, os seres humanos podem ser considerados superiores aos animais. Somos dotados da capacidade de fazer a distinção entre certo e errado e de pensar no futuro. No entanto, você também poderia argumentar que, sob outros aspectos, os seres humanos são inferiores aos animais. Por exemplo, os animais podem não ter a capacidade de distinguir o cero do errado em um sentido moral e podem não ter a capacidade de ver as consequências a longo prazo de seus atos, mas dentro do reino animal existe uma espécie de ordem. Se você observar a savana africana, verá que os predadores só atacam outros animais por necessidade, quando sentem fome. Quando não estão com fome, você pode vê-los coexistir muito pacificamente. Mas nós, seres humanos, apesar de nossa capacidade para distinguir o certo do errado, algumas vezes agimos por pura ganância. Algumas vezes nossa ações são motivadas por simples capricho – matamos por esporte, por exemplo, quando vamos caçar ou pescar. Assim, em certo sentido, poderíamos argumentar que os seres humanos se mostram inferiores aos animais. É nesses termos relativos que podemos nos considerar inferiores aos outros. Uma das razões para usar a palavra inferior é enfatizar que normalmente, quando cedemos a emoções comuns de raiva, ódio, forte apego e ganância, fazemos isso sem nenhuma noção de limite. Muitas vezes ignoramos completamente o impacto de nosso comportamento sobre outros seres sencientes. Mas ao cultivar deliberadamente o pensamento de considerar os outros superiores e dignos de reverência, você fornece a si mesmo uma base para o limite. Então, quando surgem as emoções, elas não são tão poderosas a ponto de fazê-lo negligenciar o impacto de suas ações sobre os outros. É por causa disso que se sugere reconhecer a superioridade dos outros em relação a si próprio. III. “POSSA EU EXAMINAR minha mente em todas as ações, e assim que um estado negativo ocorrer, já que ele coloca a mim e aos outros em perigo, possa eu enfrenta-lo com firmeza e evita-lo”. Em verso vai ao fundo do que poderia ser chamado essência da prática do Budhadharma. No contexto do budismo, quando falamos em Dharma, estamos falando sobre a cessação do sofrimento, ou nirvana – o verdadeiro Dhama. Há muitos níveis de cessação; por exemplo, evitar o assassinato pode ser Dharma. Mas isso não pode ser chamado especificamente de Dharmabudista, porque evitar o assassinato é algo que até mesmo alguém  não religioso pode adotar como resultado do respeito da lei. A essência do Dharma na tradição budista é o estado de liberdade em relação ao sofrimento e às profanações que estão na raiz do sofrimento. Esse verso aborda a maneira de combater essas profanações, essas emoções e pensamentos aflitivos que dão origem à dor e ao sofrimento. A verdadeira tarefa de um praticante do Budhadharma é derrotar esse inimigo interior. Já que aplicar os antídotos pra a essas profanações mentais e emocionais está no âmago da prática do Dharma e é, em certo sentido, sua base, o terceiro verso sugere que é muito importante cultivar a atenção desde o início. Se você deixar que emoções e pensamentos negativos surjam dentro de você sem limites, sem prestar nenhuma atenção a sua negatividade, então estará permitindo que eles ocorram livremente, e eles então poderão se desenvolver até o ponto de não haver como combate-los. No entanto, se você desenvolver a atenção para com sua negatividade, quando eles ocorrerem, poderá eliminá-los assim que surgirem. Não lhes dará a oportunidade de se desenvolverem e de se tornarem pensamentos emocionais negativos completos. O verso sugere que apliquemos um antídoto no nível da experiência sentida. Em vez de ir até a raiz de toda emoção, o texto sugere antídotos a emoções e pensamentos negativos específicos. Por exemplo, para combater a raiva, você deve cultivar o amor e a compaixão. Para combater o forte apego a um objeto, deve cultivar pensamentos sobre a impureza daquele objeto, sobre sua natureza indesejável e assim por diante. Para combater sua arrogância ou orgulho, precisa refletir sobre seus fracassos de modo a criar uma sensação de humildade. Por exemplo, você pode pensar sobre todas as coisas do mundo a respeito das quais é completamente ignorante. Considere os intérpretes da linguagem dos sinais para os surdos: quando olho para eles e vejo os gestos complexos que usam para traduzir, essa é uma experiência que traz bastante humildade. Na minha própria experiência pessoal, todas as vezes em que tenho uma leve sensação de orgulho, penso em computadores. Isso realmente me acalma! IV. “QUANDO VIR  SERES de disposição negativa ou seres oprimidos por negatividade ou dor, possa eu, como se encontrasse um tesouro, considera-los preciosos, pois é raro encontra-los”. A razão pela qual seres de disposição negativa são identificados separadamente como foco de treinamento para a mente é porque, quando você encontra essas pessoas, pode ceder à tentação de reagir de alguma maneira forte e negativa. Em certo sentido, esses seres são um desafio maior à sua capacidade de manter seu treinamento básico e, portanto, merecem sua atenção especial. Você então pode prosseguir aplicando esse sentimento à sociedade em geral. Entre as pessoas comuns, há uma tentação ou tendência a rejeitar determinados grupos de pessoas, a marginalizá-las e a não querer incluí-las no âmbito mais amplo da comunidade. Pessoas tachadas de criminosas são um exemplo. Nesses casos, é ainda mais importante que o praticante faça um esforço extra para tentar incluí-los de modo que lhes seja dada uma segunda chance na sociedade e também uma oportunidade para restaurar sua noção de autoestima. Do mesmo modo, também existe na sociedade uma tentação de ignorar ou negar a existência de doenças incuráveis, como a AIDS, quando se pensa: “Isso nunca vai acontecer comigo”. Existe uma tendência para desviar os olhos dessas coisas. Nesses casos também, um verdadeiro praticante deve refletir conscientemente sobre tais fenômenos e tentar  enfrenta-los. Deve ser cultivar a própria mente para que se possa ter empatia e lidar com eles. V. “TODAS AS VEZES em que os outros, por inveja, insultarem-me e tratarem-me de outros modos injustos, possa eu próprio aceitar essa derrota e oferecer a vitória aos outros”. De ponto de vista convencional legal, se alguém é alvo de alegações injustas ou sem fundamento ou base, sentimos que uma reação com raiva e com um sentimento de injustiça tem sua razão de ser. No entanto, para um praticante budista, recomenda-se que você não reaja dessa maneira, especialmente se a consequência desse tratamento injusto for que só você, e mais ninguém, seja machucado. Um verdadeiro praticante do treinamento da mente é encorajado a aceitar a derrota e a oferecer a vitória, evitando uma explosão de indignação e raiva. VI. “QUANDO ALGUÉM QUE ajudei ou em quem depositei grandes esperanças fere-me com grande injustiça, possa eu ver esse outro como um amigo sagrado”. Geralmente, quando ajudamos alguém, temos tendência a esperar algo em troca. Quando alguma outra pessoa é próxima de nós, temos determinadas expectativas em relação a essa pessoa. E se essa pessoa, em vez de reagir a nós de uma maneira positiva e de retribuir nossa gentileza, prejudica-nos, normalmente temos uma sensação de indignação. Nossa sensação de indignação e de termos sido feridos é tão profunda que sentimos que é totalmente justificado reagir com indignação e raiva. Para um verdadeiro praticante, sugere-se que você não ceda a esse tipo de resposta normal, mas, pelo contrário, que use essa oportunidade para o treinamento, como uma lição e um ensinamento. O praticante deve considerar essa pessoa um verdadeiro professor de paciência, pois é em situações como essas que o treinamento da paciência é mais necessário. É preciso reconhecer o valor dessa pessoa como um professor raro e preciosos em vez de reagir com raiva e hostilidade. Não se quer sugerir, no entanto, que um verdadeiro praticante deva simplesmente ceder a qualquer dano ou injustiça que lhe for infligido. Na verdade, de acordo com os princípios do bodhisattva, deve-se responder à injustiça com uma forte ação contrária, especialmente se houver algum perigo de que o responsável pelo crime continue suas ações negativas no futuro ou se outros seres sencientes forem afetados de forma adversa. O que se exige é sensibilidade ao contexto. Se uma determinada injustiça acontece e não tem consequências maiores quer para quem cometeu o crime, quer para outros seres sencientes, então talvez você deva deixa-la passar. VII. “EM RESUMO, POSSA EU oferecer direta e indiretamente toda alegria e benefício a todos os seres, minhas mães, e possa eu mesmo absorver secretamente toda sua dor e sofrimento”. Nesse verso, a compaixão a que o autor se refere é tão forte que, pelo menos no nível do pensamento, a pessoa se dispõe a suportar todo o sofrimento, dor e ferimentos de todos os seres e a assumir a negatividade que está na raiz desses sofrimentos. Pode-se também compartilhar todas as qualidades positivas que se possui, tais como a alegria, as causas da alegria, as raízes da virtude, as ações positivas e assim por diante. Oferecem-se essas qualidades positivas a outros seres sencientes. O advérbio secretamente se refere à prática do TONGLEN, a prática de dar e receber – receber o sofrimento dos outros e oferecer-lhes alegria e virtude. Como sugere a palavra secretamente, trata-se de uma forma de prática que pode não ser adequada no nível iniciante, pois requer uma certa profundidade de coragem e compromissos. Em termos da verdadeira prática de dar e receber, a prática do TONGLEN é feita em conjunto com o processo de respiração – expiração e inspiração. A palavra secretamente pode também indicar a necessidade de integridade da parte do praticante, de modo que a prática do TONGLEN seja feita de maneira discreta e que o praticante não se torne um exibicionista. Um verdadeiro praticante deve cultivar um treinamento espiritual como TONGELEN com discrição. Em sua obra TREINAMENTO DA MENTE EM SETE PONTOS, o mestre Kadampa Geshe Chekawa (1102-1176) afirma: “Nossos estados de espírito interiores e nossos pensamentos e emoções precisam ser radicalmente transformados e examinados, mas nossa aparência exterior deve permanecer a mesma”. O que se quer dizer com isso é que é perigosos para os praticantes sucumbir à tentação de se mostrar. Algumas vezes o que acontece, especialmente nos dias de hoje, é que pessoas que só têm pouca experiência podem adotar uma postura de importância ou de espiritualidade, o que só faz tornar mais reles (grosseiro, insignificante) a verdadeira experiência de cada um. A prática genuína do treinamento da mente exige humildade e integridade. A referência feita aqui a todos os seres como “minhas mães” sugere a prática de considerar todos os seres tão queridos quanto nossas próprias mães. De fato, nos ensinamentos budistas sobre o renascimento, diz-se que todos os seres sencientes já foram nossas mães – nos deram a luz, nos alimentaram e nos protegeram – e que devemos nos lembrar dessa gentileza, mesmo que alguém atualmente nos pareça prejudicial. VII. POSSAM ELES NÃO ser denegridos por esses conceitos das oito preocupações mundanas e, conscientes de que todas as coisas são ilusórias, possam eles, sem limites, se libertar dos grilhões”. A primeira linha desse verso enfatiza a necessidade de garantir que a prática espiritual e o treinamento da mente não sejam poluídos por preocupações mundanas como a fama, a riqueza e o prazer. Isso é importante até mesmo para um professor espiritual. Por exemplo, quando me sento no trono e dou uma palestra, se em algum lugar do meu pensamento houver uma sensação de curiosidade – Será que foi bem?. O que as pessoas pensam da minha palestra? Será que estão satisfeitas com ela? Será que vão me elogiar? Isso vai poluir meu treinamento espiritual. Essas preocupações mundanas não devem obscurecer e poluir o verdadeiro treinamento espiritual de uma pessoa. As duas últimas linhas do verso sublinham a necessidade de situar o treinamento da mente dentro de uma compreensão total da derradeira verdade, do vazio. Essas linhas afirmam que você deve desenvolver a consciência de que todas as coisas são ilusórias e, sem ganância, libertar-se da escravidão que elas trazem. Mas, antes de poder entender tudo em termos de sua natureza ilusória, você primeiro precisa negar a realidade substancial de tudo, incluindo seu próprio “si”. Não há nenhuma possibilidade de perceber a natureza ilusória de tudo a não ser que você primeiro negue a realidade substancial da existência. Como desenvolvemos essa compreensão? Não basta simplesmente imaginar que tudo é vazio e desprovido de existência substancial ou simplesmente repetir esse verso em nossa mente como uma fórmula. O que é necessário é um entendimento genuíno do vazio por meio de um processo racional de análise e reflexão. Uma das maneiras mais eficazes e convincentes de entender como tudo é desprovido de realidade substancial é entender a interdependência, a procedência dependente de tudo. A singularidade do entendimento dessa procedência é que ela nos fornece a possibilidade de encontrar o caminho do meio entre, por um lado, o vazio completo e, por outro, uma existência substancial e interdependente. Por si só, a compreensão de que as coisas são interdependentes e sua procedência dependente sugere que as coisas são desprovidas de existência independente. E a ideia de que as coisas se originam em relação às outras através de uma matriz complexa de elementos de procedência dependente também nos protege do perigo de cair na visão oposto do niilismo – pensar que nada existe. Assim, ao encontrar esse verdadeiro caminho do meio, você pode chegar a um entendimento e a uma compreensão genuína do vazio. Quando você encontra esse tipo de compreensão em sua meditação, quando interage com o mundo, com as pessoas e com os objetos à sua volta, surge em seu comprometimento como o mundo uma  nova qualidade vinda de sua consciência da natureza ilusória da realidade. Essa nova maneira de estar no mundo nos dá uma certa liberdade com relação a preocupações estreitas e nos permite trabalhar com mais afinco em prol do bem-estar dos outros. Como tal, ela é uma base poderosa para viver a vida de compaixão. Livro A Vida de Compaixão. Abraço. Davi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário