quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O APRENDER A CONHECER-SE.



Teosofia. Texto de Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Capítulo II. O APRENDER A CONHECER – A SIMPLICIDADE E A HUMILDADE – O CONDICIONAMENTO. I. O APRENDER A CONHECER-SE. Se você considera importante conhecer a si mesmo só porque eu ou outro disse que é importante, receio então que esteja terminada toda comunicação entre nós. Mas, se concordamos ser de vital importância compreendermos a nós mesmos, totalmente, torna-se então diferente a relação entre você e eu e poderemos explorar juntos, fazer com agrado uma investigação cuidadosa e inteligente. Eu não lhe exijo fé; não estou me arvorando em autoridade. Nada tenho para ensinar-lhe – nenhuma filosofia nova, nenhum sistema novo, nenhum caminho novo para a realidade, não existe caminho para a realidade, como também não existe para a verdade. Toda autoridade, de qualquer espécie que seja, sobretudo no campo do pensamento e da compreensão, é a coisa mais destrutiva e danosa que existe. Os guias destroem os seguidores, e os seguidores destroem os guias. Você tem de ser seu próprio instrutor e seu próprio discípulo. Você tem de questionar tudo o que o homem aceitou como valiosos e necessário. Se não segue alguém, você se sente muito solitário. Fique solitário, pois. Por que tem medo de ficar só? Porque você se defronta consigo mesmo, tal como é, e descobre que é vazio, embotado, estúpido, repulsivo, pecador, ansioso – uma entidade insignificante, sem originalidade. Enfrente o fato; olhe-o e não fuja dele. Tão logo começa a fugir, começa a existir o medo. Ao investigar-nos não estamos nos isolando do resto do mundo. Não se trata de um processo mórbido. O homem, em todo o mundo, se vê enredado nos mesmos problemas diários, tal como nós, e, assim, investigando a nós mesmos, não estamos de modo nenhum procedendo como neuróticos, porque não há diferença entre o individual e o coletivo. Esse é um fato real. Criei o mundo tal como sou. Portanto, não nos desorientemos nessa batalha entre a parte e o todo. Tenho de estar consciente de todo o campo de meu próprio ser, que é constituído da consciência individual e social. É só quando a mente transcende a consciência individual e social, que posso tornar-me a luz de mim mesmo, a luz que nunca se apaga. Pois bem, onde começarmos a compreender a nós mesmos? Aqui estou eu, e como é que vou estudar-me, observar-me, ver o que realmente está sucedendo em meu interior? Só posso observar-me em relação, porque a vida é toda de relação. De nada serve ficar sentado nm canto e meditar sobre mim mesmo. Não posso existir sozinho. Só existo em relação com pessoas, coisas e ideias e, estudando minha relação com as pessoas e coisas exteriores, assim como as interiores, começo a compreender a mim mesmo. Qualquer outra forma de compreensão é mera abstração, e não posso estudar-me abstratamente, não sou uma entidade abstrata, por conseguinte, tenho de estudar-me na realidade concreta – assim como sou, e não como desejo ser. A compreensão não é um processo intelectual. A aquisição de conhecimentos a seu próprio respeito e o aprendizado de si mesmo são duas coisas diferentes, porque o conhecimento que você acumula a seu respeito é sempre do passado, e a mente que leva a carga do passado é uma mente lamentável. O aprendizado de si mesmo não é como o aprendizado de uma língua, uma técnica ou uma ciência; neste último caso, naturalmente, você tem de acumular e memorizar, pois seria absurdo voltar sempre de novo ao começo. Mas, no campo psicológico, o aprendizado de si mesmo está sempre no presente, ao passo que o conhecimento está sempre no passado e, como a maioria de nós vive no passado e está satisfeita com o passado, o conhecimento se torna sumamente importante para nós. É por essa razão que endeusamos o homem erudito, talentoso, sagaz. Mas, se você está aprendendo a todo momento, a cada minuto, aprendendo pelo observar e pelo escutar, aprendendo pelo ver e atuar, verá  então que o aprender é um movimento infinito, sem o passado. Se você diz que aprenderá a conhecer a si mesmo gradualmente, acrescentando sempre mais alguma coisa, pouco a pouco, não estará estudando agora como você é, porém por meio do conhecimento adquirido. O aprender requer muita sensibilidade. Não há sensibilidade se existe alguma ideia, que é do passado, dominando o presente. A mente já não é então ágil, flexível, alerta. A maioria de nós não é sensível, nem mesmo fisicamente. Comemos em excesso, sem nos importarmos com o regime mais adequado; abusamos do cigarro e da bebida, e, dessa maneira, o nosso corpo se torna pesado e insensível; a capacidade de atenção do próprio organismo se embota. Como pode haver uma mente muito alerta, sensível, clara, se o próprio organismo está embotado e pesado? Podemos ser sensíveis a certas coisas que nos atingem particularmente, mas, para sermos completamente sensíveis a tudo o que decorre doas exigências da vida, não pode haver separação entre o organismo e a psique. Trata-se de um movimento único. Para compreendermos qualquer coisa, temos de viver com ela, observá-la, conhecer-lhe todo o conteúdo, a natureza, a estrutura, o movimento. Você já experimentou viver consigo mesmo? Se experimentar, começará a ver que “você” não é uma entidade estática, porém uma coisa vigorosa, viva. E, para poder viver com uma coisa viva, a sua mente também tem de estar viva. Não pode, porém, estar viva se está enredada em opiniões, juízos e valores. Para observar o movimento da sua mente e do seu coração, do seu ser inteiro, você necessita de uma mente livre, e não de uma mente que concorda e discorda, que toma partido numa discussão, disputando por causa de meras palavras, porém que acompanha a discussão com a intenção de compreender. Isso é dificílimo, porque não sabemos olhar nem escutar o próprio ser, assim como não sabemos olhar a beleza de um rio, ou ouvir o murmúrio da brisa entre as árvores. Quando condenamos ou justificamos, não podemos ver com clareza, e também não podemos fazer isso quando nossa mente está tagarelando incessantemente; não observamos então o que é; só olhamos nossas próprias “projeções”. Temos, cada um de nós, uma imagem do que pensamos ser ou deveríamos ser, e essa imagem, esse retrato, nos impede inteiramente de vermos a nós mesmos como realmente somos. Uma das coisas mais difíceis do mundo é olharmos qualquer coisa com simplicidade. Como nossa mente é muito complexa, perdemos a simplicidade. Não me refiro à simplicidade no vestir ou no comer, no usar apenas uma tanga ou bater um recorde de jejum, ou qualquer outra das absurdas infantilidades que os santos praticam, refiro-me àquela simplicidade que nos torna capazes de olhar as coisas diretamente e sem medo, capazes de olhar a nós mesmos sem nenhuma deformação, de dizer que mentimos quando mentimos e não esconder o fato ou dele fugir. Outrossim, par compreendermos a nós mesmos, necessitamos de muita humildade. Se começar dizendo: “Eu me conheço” – você já travou o processo do auto aprendizado; ou, se diz: “Não há muito que aprender a meu respeito, porque sou apenas um feixe de memórias, ideias, experiências e tradições” – terá parado o processo de aprendizado a seu próprio respeito. No momento em que alcança qualquer alvo, você perde o atributo da inocência e da humildade; no momento em que chega a uma conclusão ou começa a examinar com base no conhecimento, está tudo acabado, porque então estará traduzindo tudo o que é vivo em termos do velho. Mas se, ao contrário, não tiver nenhum ponto de apoio, nenhuma certeza, nenhuma perfeição, terá liberdade para olhar, e quando se olha uma coisa com liberdade, ela é sempre nova. Um homem seguro de si é um ente morto. Mas como ser livre para olhar e aprender, quando nossa mente, da hora do nascimento à hora da morte, é moldada por uma determinada cultura, no estreito padrão do “eu”? Há séculos vimos sendo condicionados pela nacionalidade, pela casta, pela classe, pela tradição, pela religião, pela língua, pela educação, pela literatura, pela arte, pelo costume, pela convenção, pela propaganda de todo gênero, pela pressão econômica, pela alimentação que temos, pelo clima em que vivemos, pela nossa família, pelos nossos amigos, pelas nossas experiências – todas as influências possíveis e imagináveis – e, por conseguinte, as nossas reações a cada problema são condicionadas. Você percebe que está condicionado? Essa é a primeira coisa que você deve perguntar a si mesmo, e não como se libertar do condicionamento. Pode ser que você nunca se livre dele, e se disser “preciso livrar-me dele”, poderá cair noutra armadilha, noutra forma de condicionamento. Assim, você percebe que está condicionado? Sabe que até mesmo quando olha uma árvore e diz “aquela árvore é um figueira” ou “aquela árvore é um carvalho”, o dar nome à árvore, que é conhecimento botânico, de tal maneira lhe condiciona a mente que a palavra se interpõe entre você e o real percebimento da árvore? Para entrar em contato como a árvore, você tem de tocá-la com a mão, e a palavra não o ajudará a tocá-la. Como você pode saber que está condicionado? Que é que lhe diz isso? Que é que lhe diz que você está com fome? – não como teoria, porém o fato real da fome? Do mesmo modo, como é que descobre o fato real de que você está condicionado? Pela sua reação a um problema, a um desafio, não é? Você reage a cada desafio segundo o seu condicionamento e, como seu condicionamento é inadequado, reagirá sempre inadequadamente. Quando tom consciência dele, esse condicionamento de raça, de religião e de cultura faz com que você se sinta aprisionado? Considere uma única modalidade de condicionamento, a nacionalidade, considere-a seriamente, com pleno percebimento, para ver se lhe agrada ou se lhe causa revolta, e se lhe causa revolta, se sente vontade de libertar-se de todo condicionamento. Se o seu condicionamento o satisfaz, é obvio que você nada fará a respeito dele; mas, se não se sente satisfeito ao tomar consciência dele, perceba que você nunca faz coisa alguma sem ele. Nunca! Por conseguinte, você está sempre vivendo no passado, com os mortos. Você só perceberá por si mesmo o quanto está condicionado quando um conflito se manifestar na continuidade do prazer ou na fuga à dor. Se tudo ao redor de você decorre de maneira perfeitamente feliz, a sua esposa o ama, você a ama, tem uma bonita casa, filhos interessantes e dinheiro a fartar, nesse caso você não está consciente do seu condicionamento. Mas, quando surge uma perturbação, quando a sua esposa olha para outro homem, ou você perde sua fortuna, ou se vê ameaçado pela guerra ou por qualquer outra coisa que cause dor ou ansiedade – então você saberá que está condicionado. Quando luta contra uma perturbação qualquer ou se defende de uma dada ameaça exterior ou interior, você sabe então que está condicionado. E, como a maioria se vê perturbada na maior parte do tempo, seja superficialmente, seja profundamente, essa nossa própria perturbação indica que estamos condicionados. Enquanto um animal é mimado, reage agradavelmente, mas no momento em que se vê hostilizado, toda a violência de sua natureza se revela. Vemo-nos perturbados com a vida, com a política, com a situação econômica, com o horror, com a brutalidade e com o sofrimento existentes tanto no mundo como em nós mesmos, e essa perturbação nos revela o quanto estamos condicionados. Que devemos fazer? Aceitar a perturbação e ir vivendo com ela, como faz a maioria dos homens? Acostumar-nos com ela, assim como nos acostumamos com uma dor nas costas? Conformar-nos com ela? É tendência de todos nós conformar-nos com as coisas, acostumar-nos com elas, culpando-as pelas circunstâncias. Dizendo, “há, se as coisas estivessem correndo bem, eu seria diferente” ou “dê-me a oportunidade e eu ficarei satisfeito”, ou “a injustiça de tudo isso me massacra” – sempre culpamos pelas nossas perturbações os outros, o nosso ambiente ou a situação econômica. Se nos acostumamos com a perturbação, isso significa que nossa mente se embota, assim como uma pessoa pode acostumar-se de tal maneira com a beleza que a cerca, que nem a nota mais. Tornamo-nos indiferentes, calafetados, insensíveis, a nossa mente se embota mais e mais. Se não podemos nos acostumar com a perturbação, dela tratamos de fugir, recorrendo a uma certa droga, ou ingressando num partido político, bradando, escrevendo, assistindo a uma partida de futebol, indo a uma igreja, templo, mesquita ou sinagoga; ou procurando algum tipo de divertimento. Por que razão fugimos dos fatos reais? Temos medo da morte – isso apenas para exemplo – e inventamos teorias, esperanças e crenças de toda espécie, para disfarçarmos o fato da morte, mas esse fato continua existindo. Para compreendermos um fato cumpre olhá-lo e não fugir dele. Em geral, temos tanto medo do viver como do morrer. Temos medo da nossa família, da opinião pública, de perder nosso emprego, nossa segurança, medo de centenas de outras coisas. O fato simples é que temos medo, e não que temos medo isto ou daquilo. Mas por que é que não podemos enfrentar esse fato? Só podemos enfrentar um fato no presente: mas, se você nunca se deixa ficar no presente, porque está sempre fugindo dele, nunca poderá enfrenta-lo, e, tendo criado uma verdadeira rede de fugas, você está dominado pelo hábito da fuga. Ora, se for sensível, sério, por pouco que seja, não estará consciente de seu condicionamento, mas também dos perigos dele decorrentes, da brutalidade e do ódio a que ele conduz. Por que então, se está vendo o perigo do seu condicionamento, você não age? É porque você é indolente? Indolência é falta de energia; entretanto, não lhe faltará energia em presença de um perigo físico imediato – uma serpente no seu caminho, um precipício, um incêndio. Por que então você não age ao ver o perigo do seu condicionamento? Se visse o perigo do nacionalismo para sua própria segurança, você não agiria? A resposta é que você não vê. Por um processo intelectual de análise você pode ver que o nacionalismo leva à autodestruição, mas nisso não há nenhum conteúdo emocional. Só quando há esse conteúdo emocional, você tem vitalidade. Se vê o perigo do seu condicionamento como um mero intelectual, você jamais fará coisa alguma em relação a ela. No perceber um perigo como uma mera ideia, há conflito entre a ideia e a ação e esse conflito tira-lhe a energia. Só quando vê o condicionamento e o seu perigo imediatamente, tal como vê um precipício, é só então que você age; portanto, ver é agir. A maioria de nós percorre a vida desatentamente, reagindo sem pensar, de acordo com o ambiente em que fomos criados, e tais reações só acarretam mais servidão, mais condicionamento; mas, no momento em que aplica toda a atenção ao seu condicionamento, você se verá inteiramente livre do passado; ele se desprenderá naturalmente de você. Livro Liberte-se do Passado. Abraço. Davi.

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