Espiritismo.
Texto de Alan Kardec (1804-1869). SEGUNDA PARTE. MUNDO ESPÍRITA OU DOS
ESPÍRITOS. Capítulo I. Dos Espíritos. 1. Origem e Natureza dos Espíritos. 2.
Mundo Normal Primitivo. 3. Forma e Ubiquidade (onipresença) dos Espíritos. 4.
Perispírito. 5. Diferentes Ordens de Espíritos. 6. Escala Espírita. 7.
Progressão dos Espíritos. 8. Anjos e Demônios. ORIGEM E NATUREZA DOS ESPÍRITOS.
Que definição se pode dar dos Espíritos? “Pode-se dizer que os Espíritos são os
seres inteligentes da criação. Povoam o Universo fora do mundo material.” Nota:
A palavra Espírito é empregada, aqui, para designar as individualidades dos
seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente universal. Os Espíritos
são seres distintos da Divindade, ou seriam, apenas emanações ou porções da
Divindade e chamados, por essa razão, de filhos de Deus? “Meu Deus! São obra
sua, exatamente como um homem que fabrica uma máquina; essa máquina é obra do
homem e não ele próprio. Sabes que, quando o homem faz uma coisa bela, útil,
ele a chama de sua filha, sua criação. Pois bem! O mesmo se dá com relação a
Deus: somos seus filhos, visto que somos sua obra.” Os Espíritos tiveram um
início, ou existem, como Deus, de toda eternidade? “Se os Espíritos não
tivessem tido início, seriam iguais a Deus, ao passo que são sua criação e
estão submetidos à sua vontade. Deus existe de toda eternidade, isto é
incontestável; nada sabemos, porém, sobre quando e como nos criou. Podes dizer
que não tivemos início, se entendes com isso que Deus, sendo eterno, deve ter
criado ininterruptamente; mas, quando e como cada um de nós foi feito,
repito-te, ninguém o sabe: aí é que está o mistério.” Visto que há dois
elementos gerais no Universo: o elemento inteligente e o elemento material,
poder-se-ia dizer que os Espíritos são formados do elemento inteligente, como
os corpos inertes o são do elemento material? “É evidente; os Espíritos são a
individualização do princípio inteligente, como os corpos são a
individualização do princípio material; a época e o modo dessa formação é que
são desconhecidos.” A criação dos Espíritos é permanente, ou só ocorreu na
origem dos tempos? “Ela é permanente; quer dizer: Deus nunca deixou de criar.”
Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros? “Deus os
cria, como todas as outras criaturas, pela sua vontade; mas, ainda uma vez, sua
origem é um mistério.” É correto dizer que os Espíritos são imateriais? “Como
se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação e com uma
linguagem ineficiente? Um cego de nascença pode definir a luz? Imaterial não é
bem a palavra; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender bem que o
Espírito, sendo uma criação, deve ser alguma coisa; é matéria quintenssenciada
(essência do que se fala), porém, sem analogia para vós, e tão etérea que não
pode ser percebida pelos vossos sentidos.” Dizemos que os Espíritos são
imateriais, porque sua essência difere de tudo o que conhecemos sob o nome de
matéria. Um povo de cegos não teria, absolutamente, termos para exprimir a luz
e seus efeitos. O cego de nascença acredita ter todas as percepções através da
audição, do olfato, do paladar e do tato; não compreende as ideias que o
sentido que lhe falta lhe proporcionaria. Do mesmo modo, somos verdadeiros
cegos, com relação à essência dos seres sobre-humanos. Podemos defini-los
apenas através de comparações, sempre imperfeitas, ou por um esforço de nossa
imaginação. Os Espíritos têm um fim? Compreende-se que o princípio de onde
emanam seja eterno, mas o que perguntamos é se suas individualidades têm um
termo e se num dado tempo, mais ou menos longo, o elemento do qual são formados
não se dissemina e não retorna à massa como acontece com os corpos materiais? É
difícil compreender que uma coisa que teve começo possa não ter fim. “Há muitas
coisas que não compreendeis, porque vossa inteligência é limitada; e isto não é
motivo para rejeitá-las. O filho não compreende tudo o que seu pai compreende,
nem o ignorante tudo o que o sábio compreende. Dizemos que a existência dos
Espíritos não tem f m; é tudo o que podemos dizer, agora.” MUNDO NORMAL
PRIMITIVO . Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos?
“Sim, o mundo dos Espíritos ou das inteligências incorpóreas.” Qual dos dois, o
mundo espírita ou o mundo corporal, é o principal, na ordem das coisas? “O
mundo espírita; ele é preexistente e sobrevive a tudo.” O mundo corporal
poderia deixar de existir, ou não ter jamais existido, sem alterar a essência
do mundo espírita? Dos Espíritos. “Sim; eles são independentes e, todavia, a
correlação entre eles é incessante, pois reagem, incessantemente, um sobre o
outro.” Os Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço?
“Os Espíritos estão por toda a parte; povoam os espaços sem fim, até o
infinito. Estão, constantemente, ao vosso lado, vos observam e atuam sobre vós,
sem que o percebais, pois os Espíritos são uma das potências da Natureza e os
instrumentos de que Deus se serve para o cumprimento de seus desígnios
providenciais. Porém, nem todos vão a toda parte, porquanto há regiões
interditadas aos menos adiantados.” FORMA E UBIQUIDADE (onipresença) DOS
ESPÍRITOS. Os Espíritos têm uma forma determinada, limitada e constante? “Aos
vossos olhos, não; aos nossos, sim; são, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou
uma centelha etérea.” a) Esta chama ou centelha tem uma cor qualquer? “Para
vós, ela varia do opaco ao brilho do rubi, conforme o espírito seja mais ou
menos puro.” Comumente, representam-se os gênios com uma chama ou uma estrela
na fronte; é uma alegoria que lembra a natureza essencial dos Espíritos. É
colocada no topo da cabeça, porque aí está a sede da inteligência. Os Espíritos
levam algum tempo para percorrer o espaço? “Sim; porém, rápido como o
pensamento.” a) O pensamento não é a própria alma que se transporta? “Quando o
pensamento está em alguma parte, a alma também aí está, visto que é a alma quem
pensa. O pensamento é um atributo.” O Espírito que se transporta de um lugar
para outro tem consciência da distância que percorre e dos espaços que
atravessa, ou é subitamente transportado ao lugar onde quer ir? “As duas
coisas; o Espírito pode muito bem, se o quiser, dar-se conta da distância que
atravessa; mas também esta distância pode apagar-se completamente; isto depende
de sua vontade e, ainda, de sua natureza mais ou menos depurada.” A matéria
opõe obstáculo aos Espíritos? “Não, eles penetram em tudo: o ar, a terra, as
águas, até o fogo lhes são igualmente acessíveis.” Os Espíritos têm o dom da
ubiquidade; em outras palavras, o mesmo espírito pode se dividir, ou existir em
vários pontos ao mesmo tempo? “Não pode haver divisão do mesmo Espírito; porém,
cada um é um centro que irradia para diferentes lados e é por isso que parece
estar em vários lugares ao mesmo tempo. Vês o Sol? Ele é apenas um e,
entretanto, irradia em todos os sentidos e emite os seus raios até bem
distante; apesar disto, ele não se divide.” a) Todos os Espíritos irradiam com
a mesma potência? “Falta muito para tal; isto depende do grau de pureza em que
se encontrem.” Cada Espírito é uma unidade indivisível, mas cada um deles pode
estender seu pensamento para diversos lados, sem que para isto se divida. É
apenas neste sentido que se deve entender o dom da ubiquidade atribuído aos
espíritos. Assim como uma centelha projeta ao longe sua claridade e pode ser percebida
de todos os pontos do horizonte. Ou, ainda, como um homem que, sem mudar de
lugar e sem se fracionar, pode transmitir ordens, sinais e o movimento a
diferentes pontos. PERISPÍRITO. O Espírito, propriamente dito, está a
descoberto ou, como alguns o pretendem, encontra-se envolto numa substância
qualquer? “O Espírito é envolvido por uma substância vaporosa para ti, porém,
ainda muito grosseira para nós; todavia, bastante vaporosa para poder elevar-se
na atmosfera e transportar-se para onde ele queira.” Como o gérmen de um fruto
está envolto pelo perisperma, assim também o Espírito, propriamente dito,
reveste-se de um invólucro que, por comparação, pode-se chamar de perispírito.
De onde o Espírito retira seu envoltório semi material? “Do fluido Universal de
cada globo. É por isso que não é idêntico em todos os mundos; passando de um
mundo a outro, o Espírito muda de envoltório, como mudais de roupa.” Assim, quando os Espíritos que habitam mundos
superiores vêm até nós, tomam um perispírito mais grosseiro? “É preciso que se
revistam da vossa matéria; já o dissemos.” O envoltório semi material do
Espírito dispõe de formas determinadas e pode ser perceptível? “Sim, uma forma
correspondente à vontade do Espírito; é assim que ele vos aparece algumas
vezes, quer nos sonhos, quer no estado de vigília, e que pode tomar uma forma
visível e até mesmo palpável.” DIFERENTES ORDENS DE ESPÍRITO. Os Espíritos são
iguais, ou existe, entre eles, algum tipo de hierarquia? “São de diferentes
ordens, conforme o grau de perfeição a que tenham chegado.” Há um número
determinado de ordens ou de graus de perfeição entre os espíritos? “Este número
é ilimitado, porque, entre essas ordens, não há uma linha de demarcação traçada
como barreira e, desta forma, podem-se multiplicar ou restringir as divisões à
vontade; todavia, considerando-se os caracteres gerais, pode-se reduzi-las a
três principais.” “Na primeira ordem, situam-se os que atingiram a perfeição:
os puros Espíritos; os da segunda chegaram ao meio da escala: o desejo do bem é
a preocupação deles. Os da última ordem ainda estão na parte inferior da
escala: os Espíritos imperfeitos. São caracterizados pela ignorância, o desejo
do mal e todas as más paixões que retardam o seu adiantamento.” Os espíritos da
segunda ordem possuem somente o desejo do bem; têm eles, também, o poder de
praticá-lo? “Eles têm este poder, conforme o seu grau de perfeição: uns possuem
a ciência, outros a sabedoria e a bondade, todos, porém, ainda têm provas a
suportar.” Os Espíritos da terceira ordem são todos essencialmente maus? “Não;
uns não fazem o bem nem o mal; outros, ao contrário, se comprazem no mal e
ficam satisfeitos, quando encontram ocasião de praticá-lo. E há, ainda, os
Espíritos levianos ou travessos, mais perturbadores do que maus, que se
comprazem muito mais na malícia do que na maldade, encontrando prazer em
falsear e em causar pequenas contrariedades, de que se riem.” ESCALA ESPÍRITA.
Observações preliminares. A classificação dos Espíritos está baseada no grau de
adiantamento deles, nas qualidades que adquiriram e nas imperfeições de que
ainda têm que se despojar. Esta classificação, aliás, nada tem de absoluta;
cada categoria, apenas no seu conjunto, apresenta um caráter distinto; porém,
de um grau a outro, a transição é insensível e, nos limites, o matiz se apaga
como nos reinos da Natureza, como nas cores do arco íris, ou ainda, como nos
diferentes períodos da vida do homem. Portanto, pode ser formulado um maior ou
menor número de classes, segundo o ponto de vista sob o qual se considere a
coisa. Ocorre, com este, o mesmo que com todos os sistemas de classificações
científicas; estes sistemas podem ser mais ou menos completos, mais ou menos
racionais, mais ou menos cômodos para a inteligência. Porém, sejam quais forem,
nada mudam na base da Ciência. Os Espíritos, interrogados sobre esse ponto,
podem, portanto, ter divergido, quanto ao número das categorias, sem que isso
tenha importância. Armaram-se com esta contradição aparente, sem refletir que
eles nenhuma importância dão ao que é puramente convencional; para eles o
pensamento é tudo: deixam para nós a forma, a escolha dos termos, as
classificações, numa palavra, os sistemas. Acrescentemos ainda esta
consideração, que não se deve jamais perder de vista: é que, entre os
Espíritos, assim como entre os homens, há os muito ignorantes e não seria
demais acautelar-se contra a tendência a crer que todos devem tudo saber,
porque são Espíritos. Qualquer classificação exige método, análise e o
conhecimento aprofundado do assunto. Ora, no mundo dos Espíritos, os que
possuem conhecimentos limitados são, como neste mundo, os ignorantes, incapazes
de apreender um conjunto, de formular um sistema; só imperfeitamente conhecem
ou compreendem qualquer classificação; para eles, todos os Espíritos que lhes são
superiores pertencem à primeira ordem, pois não podem apreciar os matizes de
saber, de capacidade e de moralidade que os distinguem, como entre nós, um
homem rude, com relação a homens civilizados. Mesmo aqueles que são capazes
disto, podem divergir quanto às particularidades, conforme sejam os seus pontos
de vista, principalmente, quando uma divisão nada tem de absoluta. Linée,
Jussieu, Tournefort, tiveram, cada um, o seu método, e a Botânica não mudou por
isso; é que eles não inventaram as plantas, nem suas características;
observaram as analogias, segundo as quais, formaram os grupos ou classes. Foi
desta maneira que procedemos; não inventamos os Espíritos, nem seus caracteres;
vimos e observamos, julgamo-los pelas suas palavras e seus atos, depois, os
classificamos pelas semelhanças, baseando-nos em dados que eles próprios nos
forneceram. Geralmente, os Espíritos admitem três categorias principais ou três
grandes divisões. Na última, a que fica na base da escala, estão os Espíritos
imperfeitos, caracterizados pela predominância da matéria sobre o Espírito e a
propensão para o mal. Os da segunda, caracterizam-se pela predominância do
Espírito sobre a matéria e pelo desejo do bem: são os BONS ESPÍRITOS. A
primeira, enfim, compreende os puros Espíritos, os que atingiram o grau supremo
de perfeição. Esta divisão parece-nos perfeitamente racional, apresentando
características bem distintas; só nos restava ressaltar, através de um número
suficiente de subdivisões, os principais matizes do conjunto; foi o que fizemos,
com o concurso dos Espíritos, cujas instruções benévolas jamais nos faltaram.
Com o auxílio desse quadro, será fácil determinar a ordem e o grau de
superioridade ou de inferioridade dos Espíritos com os quais possamos nos
relacionar e, por conseguinte, o grau de confiança e de estima que mereçam; é,
de certo modo, a chave da ciência espírita, pois só ele pode explicar anomalias
que as comunicações apresentam, esclarecendo-nos sobre as desigualdades
intelectuais e morais dos Espíritos. Ressaltaremos, entretanto, que os
Espíritos não pertencem, definitivamente, a esta ou àquela classe; o progresso
deles apenas gradualmente se efetua e, com frequência, mais num sentido do que
num outro; podem reunir os caracteres de várias categorias, o que é fácil apreciar
pela linguagem deles e pelos seus atos. Terceira Ordem — ESPÍRITOS IMPERFEITOS.
Caracteres gerais. — Predominância da matéria sobre o Espírito. Propensão para
o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as más paixões que lhes são
consequentes. Têm a intuição de Deus, mas não o compreendem. Nem todos são,
essencialmente, maus; em alguns há mais leviandade, inconsequência e malícia do
que verdadeira maldade. Uns não fazem o bem nem o mal; mas, simplesmente por
não fazerem o bem, denotam sua inferioridade. Outros, ao contrário, se
comprazem no mal e ficam satisfeitos, quando encontram oportunidade de
praticá-lo. Eles podem aliar a inteligência à maldade ou à malícia; porém,
qualquer que seja o seu desenvolvimento intelectual, suas ideias são pouco elevadas
e seus sentimentos mais ou menos abjetos. Seus conhecimentos sobre as coisas do
mundo espírita são limitados e o pouco que sabem se confunde com as ideias e os
preconceitos da vida corporal. Dele só nos podem dar noções falsas e
incompletas; porém, o observador atento encontra, frequentemente, nas suas
comunicações, mesmo imperfeitas, a confirmação das grandes verdades ensinadas
pelos Espírito Superiores. Seu caráter se revela através de sua linguagem. Todo
Espírito que, em suas comunicações, trai um mau pensamento, pode ser
classificado na terceira ordem; por conseguinte, todo mau pensamento que nos é
sugerido vem de um Espírito dessa ordem. Eles vêm a felicidade dos bons e esta
visão é, para eles, um tormento incessante, porque experimentam todas as angústias
que a inveja e o ciúme podem produzir. Conservam a lembrança e a percepção dos
sofrimentos da vida corporal, e esta impressão é, muitas vezes, mais penosa que
a realidade. Sofrem, portanto, verdadeiramente pelos males que suportaram e por
aqueles que fizeram os outros suportar; e, como sofrem por longo tempo,
acreditam sofrer para sempre; Deus, para puni-los, quer que acreditem dessa
forma. Pode-se dividi-los em cinco classes principais. 102. Décima classe.
Espíritos impuros. — São inclinados ao mal e dele fazem o objeto de suas
preocupações. Como Espíritos, dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia e a
desconfiança e mascaram-se de todas as formas para melhor enganar. Ligam-se aos
caracteres fracos o bastante para cederem às suas sugestões, a fim de
impeli-los à sua perda, satisfeitos por poder retardar seu adiantamento,
fazendo-os sucumbir nas provas que experimentam. Nas manifestações,
reconhecemo-los por sua linguagem: a trivialidade e a grosseria das expressões,
nos espíritos como nos homens, é sempre um indício de inferioridade moral,
senão intelectual. Suas comunicações revelam a baixeza de suas inclinações e,
se querem iludir, falando de maneira sensata, não conseguem sustentar por muito
tempo seu papel e sempre terminam por trair sua origem. Alguns povos fizeram
deles divindades maléficas, outros os designam sob os nomes de demônios, maus
gênios, Espíritos do mal. Os seres vivos que eles animam, quando estão
encarnados, são inclinados a todos os vícios que as paixões vis e degradantes
engendram: a sensualidade, a crueldade, a torpeza, a hipocrisia, a cupidez, a
avareza sórdida. Fazem o mal pelo prazer de fazê-lo, na maioria das vezes sem
motivos e, por ódio ao bem, escolhem quase sempre suas vítimas entre pessoas
honestas. São flagelos para a Humanidade, em qualquer categoria social a que
pertençam e o verniz da civilização não os preserva do opróbrio e da ignomínia.
Nona classe. ESPÍRITOS LEVIANOS. São ignorantes, astuciosos, inconsequentes e
zombeteiros. Metem-se em tudo, respondem a tudo, sem se preocupar com a
verdade. Gostam de causar pequenos desgostos e pequenas alegrias, de fazer
intrigas, de induzir, maliciosamente, ao erro, através das enganações e
espertezas. Pertencem a esta classe os Espíritos vulgarmente designados sob os
nomes de duendes, diabretes, gnomos, trasgos. Acham-se sob a dependência dos
Espíritos superiores, que frequentemente os utilizam, como o fazemos com os
criados. Nas suas comunicações com os homens, sua linguagem é, algumas vezes,
espiritual e graciosa, porém, quase sempre, sem profundidade; captam os
defeitos e os ridículos, que divulgam com traços mordazes e satíricos. Se tomam
nomes supostos, é mais frequentemente por malícia do que por maldade. Oitava
classe. ESPÍRITOS PSEUDO SÁBIOS. Seus conhecimentos são bastante extensos,
porém, acreditam saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns
progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles possui um caráter
sério, que pode enganar sobre suas capacidades e suas luzes; mas, em geral,
isto não passa de um reflexo dos preconceitos e das ideias sistemáticas da vida
terrestre; é uma mistura de algumas verdades a erros os mais absurdos, por
entre os quais manifestam-se a presunção, o orgulho, o ciúme e a teimosia de
que não puderam despojar-se. Sétima classe. ESPÍRITOS NEUTROS. Não são nem
bastante bons para fazerem o bem, nem bastante maus para fazerem o mal; pendem
tanto para um quanto para o outro e não se elevam acima da condição comum da
Humanidade, tanto pelo moral quanto pela inteligência. Apegam-se às coisas
deste mundo, de cujas alegrias grosseiras sentem saudades. Sexta classe.
ESPÍRITOS BATEDORES E PERTURBADORES. Estes Espíritos, propriamente falando, não
formam uma classe distinta, em vista de suas qualidades pessoais; podem
pertencer a todas as classes da terceira ordem. Com frequência, manifestam, sua
presença, através de efeitos sensíveis e físicos, tais como as pancadas, o
movimento e o deslocamento anormal dos corpos sólidos, a agitação do ar, etc.
Parecem, mais do que os outros, presos à matéria; parecem ser os agentes
principais das vicissitudes dos elementos do globo, quer ajam sobre o ar, a
água, o fogo, os corpos duros ou nas entranhas da Terra. Reconhece-se que esses
fenômenos não são devidos a uma causa fortuita e física, quando possuem um
caráter intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir estes
fenômenos, mas os Espíritos elevados os deixam, geralmente, como atribuições
dos Espíritos subalternos, mais aptos para as coisas materiais do que para as
questões intelectuais. Quando julgam que manifestações deste gênero são úteis,
servem-se destes Espíritos como auxiliares. Segunda Ordem. BONS ESPÍRITOS.
Caracteres gerais. Predominância do Espírito sobre a matéria; desejo do bem.
Suas qualidades e seu poder para fazer o bem estão na razão do grau que
atingiram: uns possuem a ciência, outros a sabedoria e a bondade; os mais
adiantados reúnem o saber às qualidades morais. Não estando ainda completamente
desmaterializados, conservam mais ou menos, conforme sua categoria, os traços
da existência corporal, quer na forma da linguagem, quer nos seus hábitos onde
se encontram até algumas de suas manias; de outro modo, seriam Espíritos
perfeitos. Compreendem Deus e o infinito e já gozam da felicidade dos bons. São
felizes pelo bem que fazem e pelo mal que impedem. O amor que os une é para
eles a fonte de uma felicidade inefável que nem a inveja, nem os remorsos, nem
nenhuma das más paixões, que constituem o tormento dos espíritos imperfeitos,
conseguem alterar; todos, porém, têm ainda provas a suportar, até que tenham
atingido a perfeição absoluta. Como Espíritos, suscitam bons pensamentos,
desviam os homens do caminho do mal, protegem na vida os que disto se tornam
dignos e neutralizam a influência dos espíritos imperfeitos, sobre aqueles que
não se comprazem em sofrê-la. Os que estão encarnados são bons e benevolentes
para com seus semelhantes; não são movidos pelo orgulho, nem pelo egoísmo, nem
pela ambição; não experimentam ódio, nem rancor, nem inveja, nem ciúme e fazem
o bem pelo bem. A esta ordem pertencem os espíritos designados, nas crenças
populares, como bons gênios, gênios protetores, Espíritos do bem. Nos tempos de
superstição e ignorância, tomaram-nos por divindades benfazejas. Pode-se
dividi-los em quatro grupos principais: Quinta classe. ESPÍRISTOS BENÉVOLOS. A
qualidade dominante neles é a bondade; agrada-lhes prestar serviço aos homens e
protegê-los; seu saber, porém, é limitado: o progresso deles efetuou-se mais no
sentido moral do que no sentido intelectual. Quarta classe. ESPÍRITOS ERUDITOS.
O que os distingue, especialmente, é a amplitude de seus conhecimentos.
Preocupam-se menos com as questões morais do que com as científicas, para as
quais têm maior aptidão; entretanto, só encaram a ciência do ponto de vista da
utilidade e a ela não misturam nenhuma das paixões que são próprias dos
Espíritos imperfeitos. Terceira classe. ESPÍRITOS SÁBIOS. As qualidades morais
de ordem mais elevada formam seu caráter distintivo. Sem possuir conhecimentos
ilimitados, são dotados de uma capacidade intelectual que lhes proporciona um
julgamento sensato sobre os homens e sobre as coisas. Segunda classe. ESPÍRITOS
SUPERIORES. Reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade. Sua linguagem só denota
a benevolência, sendo inalteravelmente digna, elevada, frequentemente, sublime.
Sua superioridade torna-os, mais do que os outros, aptos a nos dar as noções
mais justas sobre as coisas do mundo incorpóreo, nos limites do que é permitido
ao homem conhecer. Comunicam-se de boa vontade com aqueles que, de boa-fé,
procuram a verdade e cuja alma já está bastante desprendida das ligações
terrestres para compreendê-la; porém, afastam-se daqueles a quem apenas a
curiosidade anima, ou em quem a influência da matéria desvia da prática do bem.
Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir uma missão de progresso
e nos oferecem, então, o tipo da perfeição a que a Humanidade pode aspirar
neste mundo. Primeira Ordem. ESPÍRITOS PUROS. Caracteres gerais. Nenhuma
influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação
aos espíritos das outras ordens. Primeira classe. Classe única. Percorreram
todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria.
Tendo atingido a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais
que sofrer provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em
corpos perecíveis, para eles é a vida eterna que realizam no seio de Deus.
Gozam de uma felicidade inalterável, porque não estão sujeitos às necessidades,
nem às vicissitudes da vida material; mas, esta felicidade não é,
absolutamente, a de uma ociosidade monótona vivida numa perpétua contemplação.
Eles são os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam, para a
manutenção da harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes são
inferiores, ajudam-nos a se aperfeiçoar e lhes designam sua missão. Assistir os
homens no seu desespero, concitá-los ao bem ou à expiação das faltas que os
afastam da felicidade suprema, constitui para eles uma suave ocupação. São designados,
algumas vezes, sob os nomes de anjos, arcanjos ou serafins. Os homens podem
entrar em comunicação com eles, mas, seria muito presunçoso aquele que
pretendesse tê-los constantemente às suas ordens. PROGRESSÃO DOS ESPÍRITOS. Os
Espíritos são bons ou maus por sua natureza, ou são os próprios espíritos que
se melhoram? “Os próprios Espíritos que se melhoram; melhorando-se, passam de
uma ordem inferior para uma ordem superior.” Dentre os espíritos, uns foram
criados bons e outros maus? “Deus criou todos os Espíritos simples e
ignorantes, isto é, sem saber. Deu, a cada um deles uma missão, com o objetivo
de esclarecê-los e de fazê-los chegar, progressivamente, à perfeição, pelo
conhecimento da verdade e para aproximá-los dele. A felicidade eterna e sem mescla
está, para eles, nesta perfeição. Os Espíritos adquirem esses conhecimentos
passando pelas provas que Deus lhes impõe. Uns aceitam estas provas com
submissão e chegam mais prontamente ao objetivo que lhes está destinado; outros
só as suportam murmurando e, assim, permanecem, por sua culpa, afastados da
perfeição e da felicidade prometida.” Conforme dizeis, os Espíritos, em sua
origem, se assemelhariam a crianças, ignorantes e sem experiência, adquirindo,
porém, pouco a pouco, os conhecimentos que lhes faltam, ao percorrerem as
diferentes fases da vida? “Sim, a comparação é correta; a criança rebelde
permanece ignorante e imperfeita; aproveita, mais ou menos, conforme sua
docilidade; mas, a vida do homem tem um termo e a dos Espíritos estende-se ao
infinito.” Haverá Espíritos que permaneçam perpetuamente nas ordens inferiores?
“Não; todos se tornarão perfeitos. Eles mudam, porém, demoradamente, pois, como
o dissemos de uma outra vez, um pai justo e misericordioso não pode banir
eternamente seus filhos. Querias, então, que Deus, tão grande, tão bom, tão
justo, fosse pior do que vós mesmos?” Depende dos Espíritos a aceleração de
seus progressos para a perfeição? “Certamente; eles o conseguem com maior ou
menor rapidez, conforme seu desejo e sua submissão à vontade de Deus. Uma
criança dócil não se instrui mais depressa do que outra teimosa?” Os Espíritos
podem degenerar? “Não; à medida que avançam, compreendem o que os afastava da
perfeição. Quando o espírito termina uma prova, fica com o conhecimento
adquirido e não o esquece. Pode permanecer estacionário, mas não retrograda.”
Deus não podia isentar os Espíritos das provas que devem sofrer para chegar à
primeira ordem? “Se tivessem sido criados perfeitos, não teriam mérito para
gozar dos benefícios dessa perfeição. Onde estaria o mérito sem a luta? Além
disso, a desigualdade que existe entre eles é necessária às suas
personalidades; e, por fim, a missão que desempenham nesses diferentes graus
está nos desígnios da Providência para a harmonia do Universo.” Visto que, na
vida social, todos os homens podem chegar às mais elevadas funções, seria o
caso de se perguntar por que o soberano de um país não faz de cada um dos seus
soldados um general; por que todos os empregados subalternos não são
funcionários superiores; por que todos os colegiais não são mestres. Ora, há a
seguinte diferença, entre a vida social e a vida espiritual: a primeira é
limitada e nem sempre permite subir todos os degraus, enquanto que a segunda é
indefinida e deixa a cada um a possibilidade de se elevar à ordem suprema.
Todos os espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem? “Pela fieira
do mal, não; mas, pela da ignorância.” Por que alguns Espíritos seguiram o
caminho do bem e outros os do mal? “Não têm eles seu livre-arbítrio? Deus não
criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta
aptidão para o bem quanto para o mal; os que são maus tornaram-se assim pela
própria vontade.” Como os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm
consciência de si mesmos, podem ter a liberdade da escolha entre o bem e o mal?
Há neles um princípio, uma tendência qualquer, que os leve de preferência a um
caminho do que a um outro? “O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o
Espírito adquire a consciência de si mesmo. Não haveria mais liberdade, se a
escolha fosse provocada por uma causa independente da vontade do Espírito. A
causa não está nele, está fora dele, nas influências a que ele cede, em virtude
de sua vontade livre. É a grande figura da queda do homem e do pecado original:
uns cederam à tentação, outros resistiram.” De onde vêm as influências que se
exercem sobre ele? “Dos Espíritos imperfeitos que procuram apoderar-se dele,
dominá-lo e que ficam felizes por fazê-lo sucumbir. Foi o que se quis
simbolizar na figura de Satã.” Essa influência só se exerce sobre o espírito em
sua origem? “Ela o segue na sua vida de Espírito, até que ele tenha tanto
domínio sobre si mesmo, que os maus renunciem a cercá-lo.” Por que Deus
permitiu que os Espíritos pudessem seguir o caminho do mal? “Como ousais pedir
a Deus contas de seus atos? Supondes poder entender seus desígnios? Podeis,
todavia, vos dizer o seguinte: A sabedoria de Deus está na liberdade de
escolher, que ele deixa a cada um, porquanto cada um tem o mérito de suas
obras.” Visto que há Espíritos que, desde o princípio, seguem o caminho do bem
absoluto e outros o do mal absoluto, há, sem dúvida, graus, entre esses dois
extremos? “Sim, certamente, e constituem a grande maioria.” Os Espíritos que seguiram o caminho do mal
poderão chegar ao mesmo grau de superioridade que os outros? “Sim, mas as
eternidades serão mais longas para eles.” Por esta palavra —eternidades —
deve-se entender a ideia que os Espíritos inferiores têm da perpetuidade de
seus sofrimentos, porque não lhes é permitido ver o seu termo e porque esta
ideia se renova em todas as provas às quais eles sucumbem. Os Espíritos que
chegaram ao grau supremo, após ter passado pelo mal, têm menos mérito que os
outros aos olhos de Deus? “Deus contempla os transviados de igual maneira e os
ama a todos com o mesmo coração. Eles são chamados de maus, porque sucumbiram;
antes, não eram senão simples espíritos.” Os Espíritos são criados iguais
quanto às faculdades intelectuais? “São criados iguais, mas não sabendo de onde
vêm, é preciso que o livre-arbítrio siga seu curso. Progridem mais ou menos
rapidamente, tanto em inteligência como em moralidade.” Os Espíritos que
seguem, desde o princípio, o caminho do bem não são, por isso, Espíritos
perfeitos; se não têm más tendências, não deixam de precisar adquirir a
experiência e os conhecimentos necessários para alcançar a perfeição. Podemos
compará-los a crianças que, apesar da bondade de seus instintos naturais,
necessitam desenvolver-se, esclarecer-se e não chegam, sem transição, da infância
à idade madura; simplesmente, assim como temos homens que são bons e outros que
são maus, desde sua infância, assim também há Espíritos que são bons ou maus
desde seu princípio, com a diferença capital de que a criança tem instintos
inteiramente formados, enquanto que o Espírito, quando da sua formação, não é
mau nem bom; tem todas as tendências e toma uma ou outra direção, por efeito do
seu livre-arbítrio. ANJOS E DEMÔNIOS. Os
seres que chamamos anjos, arcanjos, serafins, formam uma categoria especial, de
natureza diferente dos outros Espíritos? “Não; são os espíritos puros: os que
estão no mais alto grau da escala e reúnem todas as perfeições.” A palavra anjo
desperta, geralmente, a ideia da perfeição moral; todavia, ela é aplicada,
frequentemente, a todos os seres, bons e maus, que estão fora da Humanidade.
Diz-se: o anjo bom e o anjo mau; o anjo da luz e o anjo das trevas; neste caso,
ela é sinônimo de Espírito ou de gênio. Nós a tomamos, aqui, na sua melhor
acepção. Os anjos percorreram todos os graus da escala? “Percorreram todos os
graus, mas como já o dissemos: uns aceitaram suas missões sem murmúrio e
chegaram mais depressa; outros levaram um tempo mais ou menos longo para chegar
à perfeição.” Se a opinião que admite seres criados perfeitos e superiores a
todas as outras criaturas é errônea, como se explica que ela esteja na tradição
de quase todos os povos? “Fica sabendo que teu mundo não existe de toda a
eternidade e que, muito tempo antes que ele existisse, espíritos já haviam
atingido o grau supremo; então, os homens acreditaram que eles sempre tivessem
sido dessa forma.” Há demônios, no sentido que se dá a esta palavra? “Se
houvesse demônios, seriam obra de Deus. E Deus seria justo e bom tendo criado
seres eternamente votados ao mal e desgraçados? Se há demônios, eles residem no
teu mundo inferior e em outros semelhantes. São esses homens hipócritas que
fazem de um Deus justo, um Deus mau e vingativo e que acreditam agradá-lo pelas
abominações que cometem em seu nome.” A palavra demônio só implica a ideia de
Espírito mau, na sua acepção moderna, pois a palavra grega daïmon, da qual ela
derivou, significa gênio, inteligência e se referia aos seres incorpóreos bons
ou maus, sem distinção. Os demônios, conforme a acepção vulgar da palavra,
supõem seres essencialmente maléficos; eles seriam, como todas as coisas,
criação de Deus. Ora, Deus, que é soberanamente justo e bom, não pode ter
criado seres predispostos ao mal, pela sua própria natureza, e condenados pela
eternidade. Se não fossem obra de Deus, existiriam, portanto, como ele, de toda
a eternidade, ou, então, haveria várias potências soberanas. A primeira
condição de qualquer doutrina é ser lógica; ora, a dos demônios, no sentido
absoluto, peca por esta base essencial. Concebe-se que na crença dos povos
atrasados que, não conhecendo os atributos de Deus, admitem divindades
malfazejas, admitam-se, também, demônios; mas, para quem quer que considere a
bondade de Deus um atributo por excelência, é ilógico e contraditório supor que
ele tenha podido criar seres votados ao mal e a praticá-lo perpetuamente, pois
isto é negar-lhe a bondade. Os partidários dos demônios apoiam-se nas palavras
do Cristo; certamente não seremos nós que contestaremos a autoridade de seus
ensinos, que gostaríamos de ver mais no coração do que na boca dos homens; mas,
será que se tem certeza do sentido que ele dava à palavra demônio? Não se sabe
que a forma alegórica constitui uma das marcas distintivas de sua linguagem? E
se deve tomar ao pé da letra tudo o que o Evangelho contém? Não precisamos de
outra prova, senão a desta passagem: “Logo após esses dias de aflição, o Sol se
escurecerá e a Lua não dará mais a sua luz, as estrelas cairão do céu e as
potências do céu ficarão abaladas. Digo-vos, em verdade, que essa raça não passará,
senão quando todas estas coisas se tiverem cumprido.” Não temos visto a forma
do texto bíblico ser contestada pela Ciência, no que toca à criação e ao
movimento da Terra? Não pode ser da mesma forma com algumas figuras empregadas
pelo Cristo, que devia falar de acordo com os tempos e os lugares? O Cristo não
pode ter dito, conscientemente, uma coisa falsa; se, portanto, nas suas
palavras, há coisas que parecem chocar a razão, é que não as compreendemos, ou
as interpretamos mal. Os homens fi zeram com os demônios o mesmo que fizeram
com os anjos; assim como acreditaram em seres perfeitos desde toda a
eternidade, tomaram os Espíritos inferiores como seres perpetuamente maus. A
palavra demônio deve, portanto, compreender os espíritos impuros que, frequentemente,
não valem mais do que aqueles designados sob esse nome, mas com a diferença de
que o estado deles é apenas transitório. São espíritos imperfeitos que reclamam
contra as provas que experimentam e que, por isso, suportam-nas durante mais
tempo, mas, que conseguirão vencer, por sua vez, quando tiverem vontade.
Poder-se-ia, portanto, aceitar a palavra demônio com esta restrição; porém,
como ela é entendida, atualmente, num sentido exclusivo, poderia induzir a um
erro, fazendo crer na existência de seres especiais criados para o mal. Com
relação a Satã, ele é evidentemente a personificação do mal sob uma forma
alegórica, pois não se poderia admitir um ser mau que lutasse, de igual para
igual, com a Divindade e cuja única preocupação fosse a de contrariar os seus
desígnios. Como são necessárias ao homem figuras e imagens, para impressionar a
imaginação, ele pintou os seres incorpóreos sob uma forma material, com
atributos que lembram suas qualidades ou seus defeitos. Foi assim que os
antigos, querendo personificar o tempo, pintaram-no, sob a figura de um ancião
com uma foice e uma ampulheta; uma figura de um jovem teria sido um
contrassenso; acontece o mesmo com as alegorias da fortuna, da verdade, etc. Os
modernos representaram os anjos, ou puros espíritos, sob uma forma radiosa, com
brancas asas, emblema da pureza; satã, com chifres, garras e os atributos da
bestialidade, emblemas das paixões vis. O vulgo, que toma as coisas ao pé da
letra, viu, nesses símbolos, indivíduos reais, como, outrora, vira Saturno, na
alegoria do Tempo. O Livro dos Espíritos. Abraço. Davi.
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