segunda-feira, 29 de agosto de 2016

CARTA EM DEFESA DO BRASIL, DA DEMOCRACIA E DO TRABALHO.



Leonardo Boff (1938- ). Redigido por Diana Costa. Em momentos de crise quando uma sociedade está perplexa, buscando um norte que aponte um rumo para um futuro melhor é sempre bom ouvir pessoas de notório saber, reconhecida moralidade, senso democrático e amor ao próprio país. Assim que publicamos aqui um documento sério, crítico e esperançoso elaborado pelas referidas pessoas abaixo. Queremos divulga-lo para ajudar as pessoas a pensarem no país e o que poderá ser melhor para todos.  O Fórum 21, organização da sociedade civil constituída em dezembro, organizou um Carta em defesa de temas caros a todos nós. A comissão final de redação foi formulada entre outros por Luiz Gonzaga Belluzzo (1942-  ), Ladislau Dowbor (1941-  ), Leda Paulani (1954-  ), Reginaldo Moraes. A Carta tem apoio de vários movimentos sociais que secundaram o manifesto lido no Senado Federal, dias atrás. A Carta amplia os temas do manifesto para discutir outras reformas populares e conclama as forças de esquerda para formar uma frente para defende-las. Se concordar com seu termos, por favor responda a Joaquim Palhares jpalhares2@gmail.com.br.  CARTA EM DEFESA DO BRASIL, DA DEMOCRACIA E DO TRABALHO. O pacto político e social da Constituição Brasileira de 1988 está sob um ataque de exceção. Contra a política, contra os partidos, especialmente do campo da esquerda, contra os movimentos sociais. Este ataque representa a maior ofensiva organizada pelas forças políticas da direita e pelo oligopólio da mídia conservadora, desde 1968. A luta contra a corrupção, que deveria atingir de forma indistinta e igual quem viola a legalidade e desmoraliza a política e o Estado, está sendo instrumentalizada por setores conservadores e foi colocada a serviço de um projeto autoritário de restauração de uma democracia restrita e de redução das funções públicas do Estado. Parte da direita não hesita em clamar pela intervenção militar, como se o Brasil fosse uma república bananeira, e as nossas forças armadas fossem feitoras dos interesses do capital financeiro. Promovem a contrarreforma política para manter o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e partidos políticos e buscam terceirizar o Banco Central, pretendendo sua “independência” em relação ao Estado e sua submissão total à especulação globalizada. Agendam a redução da maioridade penal e organizam ataques às conquistas das mulheres, negros e homossexuais. Incitam o ativismo judicial seletivo, antidemocrático, para desestabilizar o pacto político de 1988. A direita e o grande empresariado promovem agora uma reforma penosa aos trabalhadores, para universalizar a terceirização, com um ataque severo às conquistas laborais do século passado. Aprovada, terá como efeito mais grave maior precarização das relações de trabalho e a redução de salários. A DEMOCRACIA: REFORMA POLÍTICA E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. No Brasil, a luta pela democratização da política assume, hoje, duas formas principais. Primeiro, a luta contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e dos partidos políticos. Segundo, a luta contra o controle plutocrático dos meios de comunicação, que são objeto de concessão pública e sequer respeitam as regras constitucionais do seu uso. Contra a decadência do sistema político, as esquerdas e as forças comprometidas com a democracia e com o avanço social precisam se unir em torno da reforma política e pela democratização dos meios de comunicação. Unir-se pela verdadeira liberdade de imprensa, que implica no direito à livre circulação da opinião, normalmente censurada pelos oligopólios, e pela transparência e democratização das concessões para rádios e Televisões, que hoje são feitas no subsolo da política nacional. As duas reformas são fundamentais para controlar o papel que o dinheiro exerce como agente corruptor da democracia. No que concerne à reforma política, o principal mecanismo de democratização de campanhas eleitorais e prevenção contra a corrupção é o bloqueio do financiamento empresarial de campanhas e partidos políticos. No que tange à reforma dos meios de comunicação, para limitar o poder do dinheiro é necessário limitar a propriedade e o controle, em uma mesma área de concessão pública, de órgãos de comunicação originários de uma mesma propriedade. O controle de grupos milionários e de políticos sem escrúpulos sobre meios de comunicação confere vantagens políticas que pervertem a cláusula democrática e deformam as eleições. A agenda destas reformas nos unifica, imediatamente, no seguinte: a) proibição do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais por empresas; b) proibição de concessão pública, em uma mesma área concedida, para mais de um veículo de comunicação do mesmo grupo empresarial. A DEMOCRATIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A REJEIÇÃO DA AUSTERIDADE. Apesar da crise global, os defensores do projeto neoliberal não desanimam na defesa dessa utopia direitista e dos interesses que ela atende. Seu ataque quer atingir o que diferenciou, no mundo, o desenvolvimento brasileiro na última década: a expansão de salários e direitos sociais; a formação de um mercado interno ampliado pelo aumento do consumo popular; a recuperação de alguma capacidade de planejamento estatal; a rejeição do projeto de integração subordinada à globalização neoliberal. A direita emparedou o Governo da Presidenta Dilma Rousseff em função da dominação que o dinheiro exerce na formação da opinião, por meio dos oligopólios da mídia, aproveitando os erros cometidos na formação dos preços públicos, na manutenção de alguns subsídios, combinados com a elevação das taxas de juros e a retração do investimento público. Todo ajuste ortodoxo de corte neoliberal se assenta em dois pilares: juros elevados e restrições orçamentárias para investimentos em infraestrutura e para programas de combate às desigualdades sociais e regionais. O “ajuste”  ̶  como proposto no Brasil  ̶  não toca nas desigualdades de patrimônio e renda, penaliza principalmente os trabalhadores e camadas sociais vulneráveis, fragiliza as forças progressistas diante do avanço das forças conservadoras. O nosso “ajuste” deve ser outro. Deve garantir o crescimento com a ampliação dos investimentos para combater desigualdades sociais, regionais e gargalos produtivos. Deve potencializar um projeto de nação democrática e justa: a democratização da estrutura tributária brasileira é essencial para que o desenvolvimento soberano e inclusivo receba a contribuição dos que podem contribuir mais. Nesse sentido, o Imposto de Renda deve ser reduzido para trabalhadores e camadas médias, mas majorado, progressivamente, para grandes salários e lucros distribuídos. A tributação da riqueza acumulada deve contar com Imposto sobre as Grandes Fortunas e Grandes Heranças. Finalmente, deve ser veementemente repelida a proposta de eliminar a independência do Banco Central em relação aos bancos que deve regular. Depois do repúdio do povo brasileiro durante a campanha presidencial à proposta de um Banco Central “Independente” (em relação ao governo eleito), reavivá-la no Congresso Nacional é uma atitude que denota um enorme afastamento dos representantes do povo em relação aos interesses da maioria da nação. A agenda mínima de reformas que nos unifica, imediatamente, quanto ao desenvolvimento, fundamenta-se no seguinte: rejeição da austeridade que é inepta para a retomada do crescimento;  redução das taxas de juros; retomada do investimento público; reestruturação imediata do Imposto de Renda, com aumento das alíquotas para os muito ricos; taxação de Grandes Fortunas e Grandes Heranças; programa de largo alcance e qualidade técnica para combater a sonegação de impostos, políticas que devem ser debatidas na cena pública democrática, tanto no Parlamento como na relação direta do Governo com a sociedade. PARTICIPAÇÃO DIRETA DA CIDADANIA NAS DECISÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS.  A Constituição Brasileira abre a possibilidade de participação direta da cidadania (art. 14) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/1999) recomenda que os governos procedam discussões públicas sobre o Orçamento. Esses preceitos ainda não se materializam em instituições e práticas efetivas. Consultas públicas, plebiscitos e referendos não devem ser eventos raros em uma democracia ampliada. É necessário construir mecanismos que efetivem a participação direta e desenvolvam a democracia na definição de políticas públicas, prioridades orçamentárias e formas de financiá-las que ampliem a justiça social. PELA DEFESA DA DEMOCRACIA, DO TRABALHO E DA SOBERANIA NACIONAL. Diante do avanço da direita, é necessário pensar hoje não apenas na estabilidade e na governabilidade democrática, mas na defesa de um programa mínimo que unifique as forças sociais comprometidas com a defesa da democracia, do trabalho e da soberania nacional. Para construir, debater e defender esse programa, é fundamental a constituição gradual de uma Frente Democrática pelas Reformas Populares. Uma Frente que aponte, nos processos eleitorais e nas lutas sociais, para uma nova governabilidade com base programática. A formação desta Frente é uma tarefa política de toda a esquerda, com participação ampla da sociedade civil não organizada em partidos e membros de partidos. Lutamos há décadas pela democracia contra as mesmas forças do atraso que, hoje, querem voltar a limitá-la. Lutemos em conjunto para que a democracia brasileira supere a nova ameaça reacionária, e atenda progressivamente aos anseios do povo brasileiro por menores desigualdades, mais direitos e oportunidades de vida digna. Por Leonardo Boff. (28/08/2016). A PROPÓSITO DA CONDENAÇÃO DE UMA GOVERNANTA INOCENTE: CORRUPÇÃO E CORRUPÇÕES. A Presidenta Dilma Rousseff está sendo condenada mediante um tribunal de exceção por um Congresso Nacional no qual 60% dos membros enfrentam acusações criminais. O Senado Federal que a julga não possui nenhuma moral, pois mais da metade dele, 49 senadores, estão sob acusação de distintos crimes. Contra Dilma não se conseguiu provar nenhum crime. Por isso inventam-se outras razões como pelo “conjunto da obra”, coisa  que contradiz a matéria do processo vindo da Câmara dos Deputados: alguns atos governamentais somente do ano de 2015. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo bem resumiu a tônica geral deste processo perverso: “Trata-se de uma reação conservadora, retrógrada que se exprime em tentativas autoritárias de impedir o avanço da sociedade. Somos uma sociedade profundamente antidemocrática, preconceituosa e mais que isso, culturalmente deformada. Estamos assistindo hoje um degeneração do que já é degenerado. Aui não prosperaram os ideais de democracia e o Estado de Direito. Tudo é feito com truculência, com arbitrariedade, mesmo que pretensamente é feito em nome da lei”. Uma outra crítica contundente nos vem do sociólogo Jessé de Souza, ex presidente do IPEA (Instituo de Pesquisa Econômica e Aplicado), que escreveu: “O golpe foi contra a democracia como princípio de organização da vida social. Esse foi um golpe comandado pela ínfima elite do dinheiro que nos domina sem ruptura importante desde nosso passado escravocrata. Desde então o Brasil é palco de uma disputa entre esses dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia”. O que estamos assistindo é a retomada deste segundo projeto, socialmente perverso e negador de nossa soberania. Basta observar a truculência (ação que demonstra excesso de violência) do Ministro das Relações Exteriores, José Serra, que de diplomata não possui nada. É um agente das privatizações e do alinhamento do Brasil à lógica do neoliberalismo dos países centrais, rompendo com nossos aliados vizinhos, do Mercosul e traindo os ideais de uma diplomacia “ativa e altiva” em diálogo com todos os povos e tendências ideológicas. Há muitas formas de corrupção. Comecemos pela palavra corrupção. Santo Agostinho (354-430) explica a etimologia: corrupção é ter um coração corrompido e pervertido. O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) fazia a mesma constatação: “somos um lenho tão torto que dele não se podem tirar tábuas retas”. Em outras palavras: há a força do Negativo em nós que nos incita ao desvio. A corrupção é uma das mais fortes. Antes de tudo , o Capitalismo aqui e no mundo é corrupto em sua lógica, embora aceito socialmente. Ele simplesmente impõe a dominação do capital sobre o trabalho, criando riqueza com a exploração do trabalhador e com a devastação da natureza. Gera desigualdades sociais que, eticamente, são injustiças, o que origina permanentes conflitos de classe. Por isso, o capitalismo é por natureza antidemocrático, pois a democracia supões uma igualdade básica dos cidadãos e direitos garantidos, aqui violados pela cultura capitalista. Pensando no Brasil podemos dizer que a maior corrupção de nossa história é o fato de as oligarquias haverem mantido grande parte da população, durante quase 500 anos, na marginalidade e terem empreendido um processo de acumulação de riqueza dos mais altos do mundo, a ponto de 0,05% da população (71.000 pessoas) controlarem grande parte da renda nacional. Projeções indicam que atualmente a população brasileira vira em torno de 208.846.074. Temos exemplos escandalosos de corrupção, denunciados ultimamente pelo “Petrolão”, pelos “Zelotes” e pelo Panamá Papers. Mas não nos enganemos. Há coisa pior. O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, em seu “Sonegrômetro” denunciaram que em 2015 somente em cinco meses houve uma sonegação de 200 bilhões de reais. Isso é muito mais do que o “Petrolão” e em apenas 5 meses. Aqui se escondem os grandes corruptores e corruptos que procuram sempre se esconder. Bem dizia Roberto Pompeu de Toledo (1944-  ): “Hoje sabemos que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições”. A condenação da Presidenta Dilma Rousseff (1944-  ) se inscreve nesta lógica da corrupção que tomou conta de grande parte da casta política. O que se faz contra ela é uma injustiça sem tamanho: condenar uma inocente e uma governante honesta. A história não os perdoará. Carregam em suas biografias o estigma de golpistas merecedores de uma soberana repulsa dos que buscam caminhos transparentes e éticos para o nosso país. Leonardo Boff é escritor e professor emérito de Ética da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Brasil. Abraço. Davi.

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