Leonardo Boff (1938- ). Redigido por Diana Costa. Em momentos de crise
quando uma sociedade está perplexa, buscando um norte que aponte um rumo para
um futuro melhor é sempre bom ouvir pessoas de notório saber, reconhecida
moralidade, senso democrático e amor ao próprio país. Assim que publicamos aqui
um documento sério, crítico e esperançoso elaborado pelas referidas pessoas
abaixo. Queremos divulga-lo para ajudar as pessoas a pensarem no país e o que
poderá ser melhor para todos. O Fórum
21, organização da sociedade civil constituída em dezembro, organizou um Carta
em defesa de temas caros a todos nós. A comissão final de redação foi formulada
entre outros por Luiz Gonzaga Belluzzo (1942-
), Ladislau Dowbor (1941- ), Leda
Paulani (1954- ), Reginaldo Moraes. A
Carta tem apoio de vários movimentos sociais que secundaram o manifesto lido no
Senado Federal, dias atrás. A Carta amplia os temas do manifesto para discutir
outras reformas populares e conclama as forças de esquerda para formar uma
frente para defende-las. Se concordar com seu termos, por favor responda a
Joaquim Palhares jpalhares2@gmail.com.br. CARTA EM DEFESA DO BRASIL, DA DEMOCRACIA E DO
TRABALHO. O pacto político e social da Constituição Brasileira de 1988 está sob
um ataque de exceção. Contra a política, contra os partidos, especialmente do
campo da esquerda, contra os movimentos sociais. Este ataque representa a maior
ofensiva organizada pelas forças políticas da direita e pelo oligopólio da
mídia conservadora, desde 1968. A luta contra a corrupção, que deveria atingir
de forma indistinta e igual quem viola a legalidade e desmoraliza a política e
o Estado, está sendo instrumentalizada por setores conservadores e foi colocada
a serviço de um projeto autoritário de restauração de uma democracia restrita e
de redução das funções públicas do Estado. Parte da direita não hesita em
clamar pela intervenção militar, como se o Brasil fosse uma república
bananeira, e as nossas forças armadas fossem feitoras dos interesses do capital
financeiro. Promovem a contrarreforma política para manter o financiamento
empresarial de campanhas eleitorais e partidos políticos e buscam terceirizar o
Banco Central, pretendendo sua “independência” em relação ao Estado e sua
submissão total à especulação globalizada. Agendam a redução da maioridade
penal e organizam ataques às conquistas das mulheres, negros e homossexuais.
Incitam o ativismo judicial seletivo, antidemocrático, para desestabilizar o
pacto político de 1988. A direita e o grande empresariado promovem agora uma
reforma penosa aos trabalhadores, para universalizar a terceirização, com um
ataque severo às conquistas laborais do século passado. Aprovada, terá como
efeito mais grave maior precarização das relações de trabalho e a redução de
salários. A DEMOCRACIA: REFORMA POLÍTICA E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. No Brasil,
a luta pela democratização da política assume, hoje, duas formas principais. Primeiro,
a luta contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e dos
partidos políticos. Segundo, a luta contra o controle plutocrático dos meios de
comunicação, que são objeto de concessão pública e sequer respeitam as regras
constitucionais do seu uso. Contra a decadência do sistema político, as
esquerdas e as forças comprometidas com a democracia e com o avanço social
precisam se unir em torno da reforma política e pela democratização dos meios
de comunicação. Unir-se pela verdadeira liberdade de imprensa, que implica no
direito à livre circulação da opinião, normalmente censurada pelos oligopólios,
e pela transparência e democratização das concessões para rádios e Televisões,
que hoje são feitas no subsolo da política nacional. As duas reformas são
fundamentais para controlar o papel que o dinheiro exerce como agente corruptor
da democracia. No que concerne à reforma política, o principal mecanismo de
democratização de campanhas eleitorais e prevenção contra a corrupção é o
bloqueio do financiamento empresarial de campanhas e partidos políticos. No que
tange à reforma dos meios de comunicação, para limitar o poder do dinheiro é
necessário limitar a propriedade e o controle, em uma mesma área de concessão
pública, de órgãos de comunicação originários de uma mesma propriedade. O
controle de grupos milionários e de políticos sem escrúpulos sobre meios de
comunicação confere vantagens políticas que pervertem a cláusula democrática e
deformam as eleições. A agenda destas reformas nos unifica, imediatamente, no
seguinte: a) proibição do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais
por empresas; b) proibição de concessão pública, em uma mesma área concedida,
para mais de um veículo de comunicação do mesmo grupo empresarial. A
DEMOCRATIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A REJEIÇÃO DA AUSTERIDADE. Apesar
da crise global, os defensores do projeto neoliberal não desanimam na defesa
dessa utopia direitista e dos interesses que ela atende. Seu ataque quer
atingir o que diferenciou, no mundo, o desenvolvimento brasileiro na última
década: a expansão de salários e direitos sociais; a formação de um mercado
interno ampliado pelo aumento do consumo popular; a recuperação de alguma
capacidade de planejamento estatal; a rejeição do projeto de integração
subordinada à globalização neoliberal. A direita emparedou o Governo da
Presidenta Dilma Rousseff em função da dominação que o dinheiro exerce na
formação da opinião, por meio dos oligopólios da mídia, aproveitando os erros
cometidos na formação dos preços públicos, na manutenção de alguns subsídios,
combinados com a elevação das taxas de juros e a retração do investimento público.
Todo ajuste ortodoxo de corte neoliberal se assenta em dois pilares: juros
elevados e restrições orçamentárias para investimentos em infraestrutura e para
programas de combate às desigualdades sociais e regionais. O “ajuste” ̶
como proposto no Brasil ̶ não toca nas desigualdades de patrimônio e renda,
penaliza principalmente os trabalhadores e camadas sociais vulneráveis,
fragiliza as forças progressistas diante do avanço das forças conservadoras. O
nosso “ajuste” deve ser outro. Deve garantir o crescimento com a ampliação dos
investimentos para combater desigualdades sociais, regionais e gargalos
produtivos. Deve potencializar um projeto de nação democrática e justa: a
democratização da estrutura tributária brasileira é essencial para que o desenvolvimento
soberano e inclusivo receba a contribuição dos que podem contribuir mais. Nesse
sentido, o Imposto de Renda deve ser reduzido para trabalhadores e camadas
médias, mas majorado, progressivamente, para grandes salários e lucros
distribuídos. A tributação da riqueza acumulada deve contar com Imposto sobre
as Grandes Fortunas e Grandes Heranças. Finalmente, deve ser veementemente
repelida a proposta de eliminar a independência do Banco Central em relação aos
bancos que deve regular. Depois do repúdio do povo brasileiro durante a
campanha presidencial à proposta de um Banco Central “Independente” (em relação
ao governo eleito), reavivá-la no Congresso Nacional é uma atitude que denota
um enorme afastamento dos representantes do povo em relação aos interesses da
maioria da nação. A agenda mínima de reformas que nos unifica, imediatamente,
quanto ao desenvolvimento, fundamenta-se no seguinte: rejeição da austeridade
que é inepta para a retomada do crescimento; redução das taxas de juros;
retomada do investimento público; reestruturação imediata do Imposto de Renda,
com aumento das alíquotas para os muito ricos; taxação de Grandes Fortunas e
Grandes Heranças; programa de largo alcance e qualidade técnica para combater a
sonegação de impostos, políticas que devem ser debatidas na cena pública
democrática, tanto no Parlamento como na relação direta do Governo com a
sociedade. PARTICIPAÇÃO DIRETA DA CIDADANIA NAS DECISÕES SOBRE POLÍTICAS
PÚBLICAS. A Constituição Brasileira abre
a possibilidade de participação direta da cidadania (art. 14) e a Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/1999) recomenda que os governos
procedam discussões públicas sobre o Orçamento. Esses preceitos ainda não se
materializam em instituições e práticas efetivas. Consultas públicas, plebiscitos
e referendos não devem ser eventos raros em uma democracia ampliada. É
necessário construir mecanismos que efetivem a participação direta e
desenvolvam a democracia na definição de políticas públicas, prioridades
orçamentárias e formas de financiá-las que ampliem a justiça social. PELA
DEFESA DA DEMOCRACIA, DO TRABALHO E DA SOBERANIA NACIONAL. Diante do avanço da
direita, é necessário pensar hoje não apenas na estabilidade e na
governabilidade democrática, mas na defesa de um programa mínimo que unifique
as forças sociais comprometidas com a defesa da democracia, do trabalho e da
soberania nacional. Para construir, debater e defender esse programa, é
fundamental a constituição gradual de uma Frente Democrática pelas Reformas
Populares. Uma Frente que aponte, nos processos eleitorais e nas lutas sociais,
para uma nova governabilidade com base programática. A formação desta Frente é
uma tarefa política de toda a esquerda, com participação ampla da sociedade
civil não organizada em partidos e membros de partidos. Lutamos há décadas pela
democracia contra as mesmas forças do atraso que, hoje, querem voltar a
limitá-la. Lutemos em conjunto para que a democracia brasileira supere a nova
ameaça reacionária, e atenda progressivamente aos anseios do povo brasileiro
por menores desigualdades, mais direitos e oportunidades de vida digna. Por Leonardo
Boff. (28/08/2016). A PROPÓSITO DA CONDENAÇÃO DE UMA GOVERNANTA INOCENTE:
CORRUPÇÃO E CORRUPÇÕES. A Presidenta Dilma Rousseff está sendo condenada
mediante um tribunal de exceção por um Congresso Nacional no qual 60% dos
membros enfrentam acusações criminais. O Senado Federal que a julga não possui
nenhuma moral, pois mais da metade dele, 49 senadores, estão sob acusação de
distintos crimes. Contra Dilma não se conseguiu provar nenhum crime. Por isso
inventam-se outras razões como pelo “conjunto da obra”, coisa que contradiz a matéria do processo vindo da
Câmara dos Deputados: alguns atos governamentais somente do ano de 2015. O
economista Luiz Gonzaga Belluzzo bem resumiu a tônica geral deste processo
perverso: “Trata-se de uma reação conservadora, retrógrada que se exprime em
tentativas autoritárias de impedir o avanço da sociedade. Somos uma sociedade
profundamente antidemocrática, preconceituosa e mais que isso, culturalmente
deformada. Estamos assistindo hoje um degeneração do que já é degenerado. Aui
não prosperaram os ideais de democracia e o Estado de Direito. Tudo é feito com
truculência, com arbitrariedade, mesmo que pretensamente é feito em nome da lei”.
Uma outra crítica contundente nos vem do sociólogo Jessé de Souza, ex
presidente do IPEA (Instituo de Pesquisa Econômica e Aplicado), que escreveu: “O
golpe foi contra a democracia como princípio de organização da vida social. Esse
foi um golpe comandado pela ínfima elite do dinheiro que nos domina sem ruptura
importante desde nosso passado escravocrata. Desde então o Brasil é palco de
uma disputa entre esses dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para
a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de
todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia”. O que estamos
assistindo é a retomada deste segundo projeto, socialmente perverso e negador
de nossa soberania. Basta observar a truculência (ação que demonstra excesso de
violência) do Ministro das Relações Exteriores, José Serra, que de diplomata não
possui nada. É um agente das privatizações e do alinhamento do Brasil à lógica
do neoliberalismo dos países centrais, rompendo com nossos aliados vizinhos, do
Mercosul e traindo os ideais de uma diplomacia “ativa e altiva” em diálogo com
todos os povos e tendências ideológicas. Há muitas formas de corrupção.
Comecemos pela palavra corrupção. Santo Agostinho (354-430) explica a
etimologia: corrupção é ter um coração corrompido e pervertido. O filósofo
Immanuel Kant (1724-1804) fazia a mesma constatação: “somos um lenho tão torto
que dele não se podem tirar tábuas retas”. Em outras palavras: há a força do
Negativo em nós que nos incita ao desvio. A corrupção é uma das mais fortes.
Antes de tudo , o Capitalismo aqui e no mundo é corrupto em sua lógica, embora
aceito socialmente. Ele simplesmente impõe a dominação do capital sobre o
trabalho, criando riqueza com a exploração do trabalhador e com a devastação da
natureza. Gera desigualdades sociais que, eticamente, são injustiças, o que
origina permanentes conflitos de classe. Por isso, o capitalismo é por natureza
antidemocrático, pois a democracia supões uma igualdade básica dos cidadãos e
direitos garantidos, aqui violados pela cultura capitalista. Pensando no Brasil
podemos dizer que a maior corrupção de nossa história é o fato de as oligarquias
haverem mantido grande parte da população, durante quase 500 anos, na
marginalidade e terem empreendido um processo de acumulação de riqueza dos mais
altos do mundo, a ponto de 0,05% da população (71.000 pessoas) controlarem
grande parte da renda nacional. Projeções indicam que atualmente a população
brasileira vira em torno de 208.846.074. Temos exemplos escandalosos de
corrupção, denunciados ultimamente pelo “Petrolão”, pelos “Zelotes” e pelo
Panamá Papers. Mas não nos enganemos. Há coisa pior. O Sindicato Nacional dos
Procuradores da Fazenda Nacional, em seu “Sonegrômetro” denunciaram que em 2015
somente em cinco meses houve uma sonegação de 200 bilhões de reais. Isso é
muito mais do que o “Petrolão” e em apenas 5 meses. Aqui se escondem os grandes
corruptores e corruptos que procuram sempre se esconder. Bem dizia Roberto
Pompeu de Toledo (1944- ): “Hoje sabemos
que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o
feijão de nossas refeições”. A condenação da Presidenta Dilma Rousseff (1944- ) se inscreve nesta lógica da corrupção que
tomou conta de grande parte da casta política. O que se faz contra ela é uma
injustiça sem tamanho: condenar uma inocente e uma governante honesta. A
história não os perdoará. Carregam em suas biografias o estigma de golpistas
merecedores de uma soberana repulsa dos que buscam caminhos transparentes e
éticos para o nosso país. Leonardo Boff é escritor e professor emérito de Ética
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Brasil. Abraço. Davi.
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