Budismo.
Escrito por Tenzin Gyatso (1935 - ), o
Dalai Lama. PLURALISMO RELIGIOSOS. A não
ser que conheçamos o valor de outras tradições religiosas, é difícil
desenvolver respeito por elas. O respeito mútuo é a base da verdadeira
harmonia. Devemos ansiar por um espírito de harmonia, não por motivos políticos
ou econômicos, mas simplesmente por percebermos o valor de outras tradições.
Sempre me esforço para promover a harmonia religiosa. Usar a fé religiosa para
promover valores humanos básicos é algo muito positivo. Todas as principais
religiões do mundo pregam o amor, a compaixão e o perdão. Cada tradição
religiosa promove esses valores de maneira diferente, é claro, mas, já que
todas têm mais ou menos os mesmos objetivos – ter uma vida mais feliz, tornar-se
uma pessoa mais compassiva e criar um mundo mais compassivo – seus métodos
diferentes não representam um problema insuperável. A conquista fundamental do
amor, da compaixão e do perdão, é o que importa. Todas as principais religiões
do mundo têm o mesmo potencial para ajudar a humanidade. Algumas pessoas têm
uma disposição que se adapta à fé religiosa, e por causa da variedade de
disposições entre os seres humanos é lógico que precisamos de religiões
diferentes. A variedade é benéfica. Gostaria de abordar o tema da harmonia
religiosa definindo dois níveis de espiritualidade. O PRIMEIRO NÍVEL DE
ESPIRITUALIDADE: FÉ E TOLERÂNCIA. Para todos os seres humanos em todos os
lugares, o primeiro nível de espiritualidade é a fé. Isso é verdade para cada
uma das grandes religiões mundiais. Acredito que cada uma dessas religiões
tenha seu próprio papel importante, mas, para que possam dar uma contribuição
significativa em benefício da humanidade, dois fatores importantes devem ser
considerados. O primeiro desses fatores é que os praticantes individuais das
diversas religiões – ou seja, nós mesmos – devemos praticar com sinceridade. Os
ensinamentos religiosos devem ser parte integrante de nossas vidas, não devem
ser separados de nossas vidas. Às vezes entramos em uma igreja ou templo e
fazemos uma prece ou geramos algum tipo
de sentimento espiritual, e depois, quando saímos da igreja ou do templo, nada
resta desse sentimento religioso. Essa não é a maneira correta de praticar. A mensagem
religiosa deve estar conosco onde quer que estejamos. Os ensinamentos de nossa
religião devem estar presentes em nossas vidas para que, quando realmente
precisarmos de bênção ou de força interior; esses ensinamentos e os seus
efeitos estejam à nossa disposição. Eles estarão ali quando tivermos
dificuldades porque estão constantemente presentes. A religião só poderá ser
realmente eficaz quando integrar-se em nossas vidas. Precisamos conhecer esses
ensinamentos não apenas em um nível intelectual, mas também por meio de nossa
experiência mais profunda. Algumas vezes compreendemos diversas ideias
religiosas em um nível superficial demais ou intelectual. Sem um sentimento
mais profundo, a eficácia da religião torna-se limitada. Portanto, devemos
praticar com sinceridade e integrar nossa religião a nossas vidas. O segundo
fator trata mais da interação entre as diversas religiões mundiais. Hoje em
dia, devida à mudança tecnológica cada vez maior e à natureza da economia
mundial, somos mais dependentes do que nunca uns dos outros. Países diferentes,
continentes diferentes desenvolveram uma relação mais estreita uns com os
outros. Na realidade, a sobrevivência de uma região do mundo depende da
sobrevivência das demais. Portanto, o mundo tornou-se muito mais próximo, muito
mais interdependente. O resultado disso é que há muito mais interação humana em
uma escala maior. Devido a essas circunstâncias, a aceitação do pluralismo
entre as religiões mundiais é muito importante. Antigamente, quando as
comunidade viviam umas separadas das outras e as religiões surgiam em relativo
isolamento, a ideia de que havia apenas uma religião possível era muito útil.
Mas agora a situação mudou, e as circunstâncias são inteiramente diferentes.
Portanto, agora é crucial aceitar o fato de que religiões diferentes existem e
de que, para desenvolver um respeito mútuo genuíno entre elas, o contato
estreito entre as diversas religiões é essencial. Esse é o segundo fator que
permitirá às religiões do mundo beneficiar a humanidade de forma significativa.
Quando eu morava no Tibete, não tinha contato com pessoas de outras religiões
que não o budismo, e assim minha atitude em relação às outras religiões não era
muito positiva. Entretanto, quando tive a oportunidade de conhecer pessoas de
fé diferente e de aprender com os contatos pessoais e com a experiência, minha
atitude em relação às outras religiões mudou. Percebi como as outras religiões
são úteis para a humanidade e qual o potencial de cada uma delas para
contribuir para um mundo melhor. Nos últimos séculos, as diversas religiões tem
dado contribuições maravilhosas para o progresso dos seres humanos, e mesmo
hoje há grandes números de seguidores que se beneficiam da CRISTANDADE, do
ISLAMISMO, do JUDAÍSMO, do BUDISMO, do HINDUÍSMO, e assim por diante. Para dar
um exemplo do valor de encontrar pessoas de fé diferentes: meus encontros com o
falecido Thomas Merton (1915-1968) mostraram-me a pessoa bonita e maravilhosa
que ele era e me proporcionaram uma compreensão em primeira mão do potencial
espiritual da fé cristã. Em outra ocasião, conheci um monge católico em
Montserrat (maciço rochosos na região da Catalunha na Espanha ), um dos famosos
monastérios espanhóis. Fiquei sabendo que esse monge vivera por muitos anos
como eremita em uma colina logo atrás do monastério. Quando o visitei no
monastério, ele desceu de sua ermida especialmente para me encontrar. Acontece
que seu inglês era ainda pior do que o meu, e isso me deu mais coragem para
falar com ele! Ficamos frente a frente e perguntei: “Durante esses anos, o que
você ficou fazendo naquela colina? “ Ele olhou para mim e respondeu: “Meditando
sobre a compaixão, sobre o amor”. Enquanto ele dizia essas poucas palavras,
entendi a mensagem através de seus olhos. Realmente desenvolvi uma admiração
genuína por essa pessoa e por outros como ele. Essas experiências ajudaram a
confirmar em minha mente que todas as religiões do mundo têm o potencial para
produzir pessoas boas, apesar de suas diferenças de filosofias e de doutrina.
Cada tradição religiosa tem sua própria mensagem maravilhosa a transmitir. O
que quero enfatizar aqui é que, para as pessoas que seguem ensinamentos nos
quais a fé básica é em um criador – em DEUS – essa abordagem é muito eficaz
para elas. Os CRISTÃOS, por exemplo, não acreditam em renascimento e assim não
aceitam a crença em vidas passadas ou futuras. Eles só aceitam esta vida. No
entanto, acreditam que esta mesma vida seja criada por DEUS, e essa ideia causa
neles um sentimento de intimidade com DEUS
e uma dependência em relação a DEUS. A consequência disso é o ensinamento
de que devemos amar nossos semelhantes.
O raciocínio é que, se amamos DEUS, devemos amar nossos semelhantes porque
eles, assim como nós, foram criados por DEUS. Seu futuro, assim como o nosso,
depende do Criador; portanto, sua situação é igual à nossa. Consequentemente, é
questionável a fé das pessoas que dizem aos outros para amar a DEUS, mas elas
próprias não demonstram amor genuíno para com os seres humanos, seus
semelhantes. A pessoa que acredita em DEUS e no amor por DEUS deve demonstrar a
sinceridade desse amor dirigindo-o a outros seres humanos, seus semelhantes.
Essa abordagem é muito poderosa, não? Assim, se examinarmos cada religião sob
diversos ângulos da mesma maneira – não simplesmente segundo nossa própria
posição filosófica, mas segundo vários pontos de vista – não resta dúvida de
que todas as principais religiões têm o potencial para melhorar os seres
humanos. Isso é óbvio. Por meio do contato estreito com pessoas de outra fé é
possível desenvolver uma atitude tolerante e um respeito mútuo com relação a
outras religiões. O contato estreito com diferente religiões me ajuda a
aprender novas ideias, novas práticas e novos métodos ou técnicas que posso
incorporar a minha própria prática. Do mesmo modo, alguns dos meus irmãos e
irmãs CRISTÃOS adotaram determinados métodos budistas – por exemplo, a prática
de concentração da mente em um só ponto, assim como técnicas para ajudar a
melhorar a tolerância, a compaixão e o amor. Existem grandes benefícios quando
os praticantes de diversas religiões se juntam para esse tipo de intercâmbio.
Além do desenvolvimento da harmonia entre eles, há outros benefícios também.
Políticos e líderes nacionais falam com frequência de coexistência e de união.
Por que nós, religiosos, não falamos isso também? Penso que chegou a hora. Por
exemplo em Assis, na Itália, em 1987, líderes e representantes de várias
religiões mundiais se encontraram para orar juntos, embora eu não tenha certeza
de que oração seja exatamente a palavra adequada para descrever com exatidão a
prática de todas essas religiões. De todo modo, o importante é que os
representantes das várias religiões se reúnam em um lugar e, segundo suas
próprias crenças, orem. Isso já está acontecendo e é, penso eu, um
desenvolvimento muito positivo. Mesmo assim, ainda precisamos nos esforçar mais
para desenvolver harmonia e proximidade entre as religiões do mundo, já que sem
tal esforça continuaremos a ter os diversos problemas que dividem a humanidade.
Se a religião fosse o único remédio para reduzir o conflito humano, mas esse
próprio remédio se tornasse uma outra fonte de conflito, isso seria
desastrosos. Hoje, como no passado, conflitos ocorrem em nome da religião por
causa de diferenças religiosas, e considero isso muito, muito triste. No
entanto, se pensarmos de forma aberta e profunda, perceberemos que a situação
de ontem era inteiramente diferente da atual. Não somos mais isolados, mas,
pelo contrário, interdependentes. Portanto, hoje é muito importante perceber
que uma relação estreita entre as religiões é essencial, para que diferentes
grupos religiosos possam trabalhar e fazer um esforço conjunto para o benefício
da humanidade. Assim, a sinceridade e a fé nas práticas religiosas, por um
lado, e a tolerância e cooperação religiosa, por outro, formam esse primeiro
nível do valor da prática espiritual para a humanidade. O SEGUNDO NÍVEL DE
ESPIRITUALIDADE: A COMPAIXÃO COMO RELIGIÃO UNIVERSAL. O segundo nível de
espiritualidade é aquele que transcende as diferenças religiosas, o nível da
compaixão e da afeição humanos. O segundo nível é mais importante do que o
primeiro porque, por mais maravilhosa que seja uma religião, ela ainda só é
aceita por um número muito limitado de pessoas. A maioria dos seis ou sete
bilhões de seres humanos em nosso planeta provavelmente não pratica nenhuma
religião. De acordo com sua origem familiar, eles podem se identificar como
pertencentes a um ou outro grupo religioso – Sou HINDU, sou BUDISTA, sou
CRISTÃO – mas, lá no fundo, a maioria desses indivíduos não é necessariamente
praticante de nenhuma fé religiosa. Não há problema nisso; abraçar ou não uma
religião é o direito de qualquer pessoa como indivíduo. Nenhum dos grandes
mestres antigos como BUDHA, MAHAVIRA, JESUS CRISTO, KHRISNA, MASHIYACH e MAOMÉ conseguiu fazer toda
a população humana se interessar pela espiritualidade. A verdade é que ninguém
é capaz de fazer isso. Não importa que esses não crentes sejam chamados de
ateus. De fato, segundo alguns estudiosos ocidentais, os budistas também são
ateus, já que não aceitam um criador. Assim, algumas vezes acrescento mais uma
palavra para descrever esses não crentes, a palavra extremos; chamo-os de não
crentes extremos. Eles não só não são crentes, como também são extremos em sua
visão de que a espiritualidade sob qualquer forma não tem valor. Entretanto, devemos
lembrar que que essas pessoas também fazem parte da humanidade e que também,
como todos os seres humanos, desejam ser felizes – ter um vida feliz e
pacífica. Esse é o ponto importante. Acredito que não haja problema em
permanecer não crente, mas a partir do momento em que você faz parte da
humanidade, a partir do momento em que é um ser humano, você precisa de afeição
humanas, de compaixão humana. Esse é o ensinamento essencial de todas as
tradições religiosas. Sem compaixão humana, até mesmo as crenças religiosas
podem se tornar destrutivas. Assim, a prática essencial, seja você uma pessoa
religiosa ou não, é um bom coração. Considero a afeição e a compaixão humanas a
religião Universal. Quer seja crente ou não crente, todo mundo precisa de
afeição e compaixão humanas, porque a compaixão nos dá força interior,
esperança e paz mental. Assim, a compaixão é indispensável para todos. Como
mencionei, alguns dos meus irmãos e irmãs CRISTÃOS, tanto monges quanto leigos,
me disseram estar usando técnicas e métodos BUDISTAS para desenvolver sua
compaixão e até mesmo sua fé CRISTÃ. Sempre digo a meus amigos ocidentais que é
melhor tentar manter sua própria tradição. MUDAR DE RELIGIÃO NÃO É FÁCIL E ÀS
VEZES CAUSA CONFUSÃO. Entretanto, os indivíduos que realmente sentirem que a
abordagem BUDISTA é mais eficaz e se adapta melhor à sua disposição mental
devem considerar a questão com cuidado. Uma vez que esteja inteiramente
convencido de que o BUDISMO é certo para você, então está livre para segui-lo.
O importante é lembrar o seguinte: às vezes as pessoas desenvolvem uma atitude
crítica em relação a sua religião ou tradição anterior de modo a justificar sua
mudança de fé. Você deve evitar isso. Sua antiga religião pode não ser mais
eficaz para você, mas isso não significa que não seja útil para a humanidade.
Por respeito aos pontos de vista e aos direitos das outras pessoas, assim como
ao valor de suas traições, VOCÊ DEVE HONRAR SUA ANTIGA RELIGIÃO. É muito
importante. Livro A Vida de Compaixão. Abraço. Davi.
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