segunda-feira, 8 de agosto de 2016

PLURALISMO RELIGIOSO.



Budismo. Escrito por Tenzin Gyatso (1935 -  ), o Dalai Lama. PLURALISMO RELIGIOSOS.  A não ser que conheçamos o valor de outras tradições religiosas, é difícil desenvolver respeito por elas. O respeito mútuo é a base da verdadeira harmonia. Devemos ansiar por um espírito de harmonia, não por motivos políticos ou econômicos, mas simplesmente por percebermos o valor de outras tradições. Sempre me esforço para promover a harmonia religiosa. Usar a fé religiosa para promover valores humanos básicos é algo muito positivo. Todas as principais religiões do mundo pregam o amor, a compaixão e o perdão. Cada tradição religiosa promove esses valores de maneira diferente, é claro, mas, já que todas têm mais ou menos os mesmos objetivos – ter uma vida mais feliz, tornar-se uma pessoa mais compassiva e criar um mundo mais compassivo – seus métodos diferentes não representam um problema insuperável. A conquista fundamental do amor, da compaixão e do perdão, é o que importa. Todas as principais religiões do mundo têm o mesmo potencial para ajudar a humanidade. Algumas pessoas têm uma disposição que se adapta à fé religiosa, e por causa da variedade de disposições entre os seres humanos é lógico que precisamos de religiões diferentes. A variedade é benéfica. Gostaria de abordar o tema da harmonia religiosa definindo dois níveis de espiritualidade. O PRIMEIRO NÍVEL DE ESPIRITUALIDADE: FÉ E TOLERÂNCIA. Para todos os seres humanos em todos os lugares, o primeiro nível de espiritualidade é a fé. Isso é verdade para cada uma das grandes religiões mundiais. Acredito que cada uma dessas religiões tenha seu próprio papel importante, mas, para que possam dar uma contribuição significativa em benefício da humanidade, dois fatores importantes devem ser considerados. O primeiro desses fatores é que os praticantes individuais das diversas religiões – ou seja, nós mesmos – devemos praticar com sinceridade. Os ensinamentos religiosos devem ser parte integrante de nossas vidas, não devem ser separados de nossas vidas. Às vezes entramos em uma igreja ou templo e fazemos uma prece ou geramos  algum tipo de sentimento espiritual, e depois, quando saímos da igreja ou do templo, nada resta desse sentimento religioso. Essa não é a maneira correta de praticar. A mensagem religiosa deve estar conosco onde quer que estejamos. Os ensinamentos de nossa religião devem estar presentes em nossas vidas para que, quando realmente precisarmos de bênção ou de força interior; esses ensinamentos e os seus efeitos estejam à nossa disposição. Eles estarão ali quando tivermos dificuldades porque estão constantemente presentes. A religião só poderá ser realmente eficaz quando integrar-se em nossas vidas. Precisamos conhecer esses ensinamentos não apenas em um nível intelectual, mas também por meio de nossa experiência mais profunda. Algumas vezes compreendemos diversas ideias religiosas em um nível superficial demais ou intelectual. Sem um sentimento mais profundo, a eficácia da religião torna-se limitada. Portanto, devemos praticar com sinceridade e integrar nossa religião a nossas vidas. O segundo fator trata mais da interação entre as diversas religiões mundiais. Hoje em dia, devida à mudança tecnológica cada vez maior e à natureza da economia mundial, somos mais dependentes do que nunca uns dos outros. Países diferentes, continentes diferentes desenvolveram uma relação mais estreita uns com os outros. Na realidade, a sobrevivência de uma região do mundo depende da sobrevivência das demais. Portanto, o mundo tornou-se muito mais próximo, muito mais interdependente. O resultado disso é que há muito mais interação humana em uma escala maior. Devido a essas circunstâncias, a aceitação do pluralismo entre as religiões mundiais é muito importante. Antigamente, quando as comunidade viviam umas separadas das outras e as religiões surgiam em relativo isolamento, a ideia de que havia apenas uma religião possível era muito útil. Mas agora a situação mudou, e as circunstâncias são inteiramente diferentes. Portanto, agora é crucial aceitar o fato de que religiões diferentes existem e de que, para desenvolver um respeito mútuo genuíno entre elas, o contato estreito entre as diversas religiões é essencial. Esse é o segundo fator que permitirá às religiões do mundo beneficiar a humanidade de forma significativa. Quando eu morava no Tibete, não tinha contato com pessoas de outras religiões que não o budismo, e assim minha atitude em relação às outras religiões não era muito positiva. Entretanto, quando tive a oportunidade de conhecer pessoas de fé diferente e de aprender com os contatos pessoais e com a experiência, minha atitude em relação às outras religiões mudou. Percebi como as outras religiões são úteis para a humanidade e qual o potencial de cada uma delas para contribuir para um mundo melhor. Nos últimos séculos, as diversas religiões tem dado contribuições maravilhosas para o progresso dos seres humanos, e mesmo hoje há grandes números de seguidores que se beneficiam da CRISTANDADE, do ISLAMISMO, do JUDAÍSMO, do BUDISMO, do HINDUÍSMO, e assim por diante. Para dar um exemplo do valor de encontrar pessoas de fé diferentes: meus encontros com o falecido Thomas Merton (1915-1968) mostraram-me a pessoa bonita e maravilhosa que ele era e me proporcionaram uma compreensão em primeira mão do potencial espiritual da fé cristã. Em outra ocasião, conheci um monge católico em Montserrat (maciço rochosos na região da Catalunha na Espanha ), um dos famosos monastérios espanhóis. Fiquei sabendo que esse monge vivera por muitos anos como eremita em uma colina logo atrás do monastério. Quando o visitei no monastério, ele desceu de sua ermida especialmente para me encontrar. Acontece que seu inglês era ainda pior do que o meu, e isso me deu mais coragem para falar com ele! Ficamos frente a frente e perguntei: “Durante esses anos, o que você ficou fazendo naquela colina? “ Ele olhou para mim e respondeu: “Meditando sobre a compaixão, sobre o amor”. Enquanto ele dizia essas poucas palavras, entendi a mensagem através de seus olhos. Realmente desenvolvi uma admiração genuína por essa pessoa e por outros como ele. Essas experiências ajudaram a confirmar em minha mente que todas as religiões do mundo têm o potencial para produzir pessoas boas, apesar de suas diferenças de filosofias e de doutrina. Cada tradição religiosa tem sua própria mensagem maravilhosa a transmitir. O que quero enfatizar aqui é que, para as pessoas que seguem ensinamentos nos quais a fé básica é em um criador – em DEUS – essa abordagem é muito eficaz para elas. Os CRISTÃOS, por exemplo, não acreditam em renascimento e assim não aceitam a crença em vidas passadas ou futuras. Eles só aceitam esta vida. No entanto, acreditam que esta mesma vida seja criada por DEUS, e essa ideia causa neles um sentimento de intimidade com DEUS  e uma dependência em relação a DEUS. A consequência disso é o ensinamento de que devemos amar  nossos semelhantes. O raciocínio é que, se amamos DEUS, devemos amar nossos semelhantes porque eles, assim como nós, foram criados por DEUS. Seu futuro, assim como o nosso, depende do Criador; portanto, sua situação é igual à nossa. Consequentemente, é questionável a fé das pessoas que dizem aos outros para amar a DEUS, mas elas próprias não demonstram amor genuíno para com os seres humanos, seus semelhantes. A pessoa que acredita em DEUS e no amor por DEUS deve demonstrar a sinceridade desse amor dirigindo-o a outros seres humanos, seus semelhantes. Essa abordagem é muito poderosa, não? Assim, se examinarmos cada religião sob diversos ângulos da mesma maneira – não simplesmente segundo nossa própria posição filosófica, mas segundo vários pontos de vista – não resta dúvida de que todas as principais religiões têm o potencial para melhorar os seres humanos. Isso é óbvio. Por meio do contato estreito com pessoas de outra fé é possível desenvolver uma atitude tolerante e um respeito mútuo com relação a outras religiões. O contato estreito com diferente religiões me ajuda a aprender novas ideias, novas práticas e novos métodos ou técnicas que posso incorporar a minha própria prática. Do mesmo modo, alguns dos meus irmãos e irmãs CRISTÃOS adotaram determinados métodos budistas – por exemplo, a prática de concentração da mente em um só ponto, assim como técnicas para ajudar a melhorar a tolerância, a compaixão e o amor. Existem grandes benefícios quando os praticantes de diversas religiões se juntam para esse tipo de intercâmbio. Além do desenvolvimento da harmonia entre eles, há outros benefícios também. Políticos e líderes nacionais falam com frequência de coexistência e de união. Por que nós, religiosos, não falamos isso também? Penso que chegou a hora. Por exemplo em Assis, na Itália, em 1987, líderes e representantes de várias religiões mundiais se encontraram para orar juntos, embora eu não tenha certeza de que oração seja exatamente a palavra adequada para descrever com exatidão a prática de todas essas religiões. De todo modo, o importante é que os representantes das várias religiões se reúnam em um lugar e, segundo suas próprias crenças, orem. Isso já está acontecendo e é, penso eu, um desenvolvimento muito positivo. Mesmo assim, ainda precisamos nos esforçar mais para desenvolver harmonia e proximidade entre as religiões do mundo, já que sem tal esforça continuaremos a ter os diversos problemas que dividem a humanidade. Se a religião fosse o único remédio para reduzir o conflito humano, mas esse próprio remédio se tornasse uma outra fonte de conflito, isso seria desastrosos. Hoje, como no passado, conflitos ocorrem em nome da religião por causa de diferenças religiosas, e considero isso muito, muito triste. No entanto, se pensarmos de forma aberta e profunda, perceberemos que a situação de ontem era inteiramente diferente da atual. Não somos mais isolados, mas, pelo contrário, interdependentes. Portanto, hoje é muito importante perceber que uma relação estreita entre as religiões é essencial, para que diferentes grupos religiosos possam trabalhar e fazer um esforço conjunto para o benefício da humanidade. Assim, a sinceridade e a fé nas práticas religiosas, por um lado, e a tolerância e cooperação religiosa, por outro, formam esse primeiro nível do valor da prática espiritual para a humanidade. O SEGUNDO NÍVEL DE ESPIRITUALIDADE: A COMPAIXÃO COMO RELIGIÃO UNIVERSAL. O segundo nível de espiritualidade é aquele que transcende as diferenças religiosas, o nível da compaixão e da afeição humanos. O segundo nível é mais importante do que o primeiro porque, por mais maravilhosa que seja uma religião, ela ainda só é aceita por um número muito limitado de pessoas. A maioria dos seis ou sete bilhões de seres humanos em nosso planeta provavelmente não pratica nenhuma religião. De acordo com sua origem familiar, eles podem se identificar como pertencentes a um ou outro grupo religioso – Sou HINDU, sou BUDISTA, sou CRISTÃO – mas, lá no fundo, a maioria desses indivíduos não é necessariamente praticante de nenhuma fé religiosa. Não há problema nisso; abraçar ou não uma religião é o direito de qualquer pessoa como indivíduo. Nenhum dos grandes mestres antigos como BUDHA, MAHAVIRA, JESUS CRISTO, KHRISNA, MASHIYACH e MAOMÉ conseguiu fazer toda a população humana se interessar pela espiritualidade. A verdade é que ninguém é capaz de fazer isso. Não importa que esses não crentes sejam chamados de ateus. De fato, segundo alguns estudiosos ocidentais, os budistas também são ateus, já que não aceitam um criador. Assim, algumas vezes acrescento mais uma palavra para descrever esses não crentes, a palavra extremos; chamo-os de não crentes extremos. Eles não só não são crentes, como também são extremos em sua visão de que a espiritualidade sob qualquer forma não tem valor. Entretanto, devemos lembrar que que essas pessoas também fazem parte da humanidade e que também, como todos os seres humanos, desejam ser felizes – ter um vida feliz e pacífica. Esse é o ponto importante. Acredito que não haja problema em permanecer não crente, mas a partir do momento em que você faz parte da humanidade, a partir do momento em que é um ser humano, você precisa de afeição humanas, de compaixão humana. Esse é o ensinamento essencial de todas as tradições religiosas. Sem compaixão humana, até mesmo as crenças religiosas podem se tornar destrutivas. Assim, a prática essencial, seja você uma pessoa religiosa ou não, é um bom coração. Considero a afeição e a compaixão humanas a religião Universal. Quer seja crente ou não crente, todo mundo precisa de afeição e compaixão humanas, porque a compaixão nos dá força interior, esperança e paz mental. Assim, a compaixão é indispensável para todos. Como mencionei, alguns dos meus irmãos e irmãs CRISTÃOS, tanto monges quanto leigos, me disseram estar usando técnicas e métodos BUDISTAS para desenvolver sua compaixão e até mesmo sua fé CRISTÃ. Sempre digo a meus amigos ocidentais que é melhor tentar manter sua própria tradição. MUDAR DE RELIGIÃO NÃO É FÁCIL E ÀS VEZES CAUSA CONFUSÃO. Entretanto, os indivíduos que realmente sentirem que a abordagem BUDISTA é mais eficaz e se adapta melhor à sua disposição mental devem considerar a questão com cuidado. Uma vez que esteja inteiramente convencido de que o BUDISMO é certo para você, então está livre para segui-lo. O importante é lembrar o seguinte: às vezes as pessoas desenvolvem uma atitude crítica em relação a sua religião ou tradição anterior de modo a justificar sua mudança de fé. Você deve evitar isso. Sua antiga religião pode não ser mais eficaz para você, mas isso não significa que não seja útil para a humanidade. Por respeito aos pontos de vista e aos direitos das outras pessoas, assim como ao valor de suas traições, VOCÊ DEVE HONRAR SUA ANTIGA RELIGIÃO. É muito importante. Livro A Vida de Compaixão. Abraço. Davi.

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