terça-feira, 30 de agosto de 2016

AUTOCONHECIMENTO.



Teosofia. Por Jiddu Krshnamurti (1895-1986). AUTOCONHECIMENTO. São tão colossais os problemas do mundo, tão extremamente complexos, que, para compreendê-los e resolvê-los, temos de estuda-los de maneira muito simples e direta; e a simplicidade, a ação direta não dependem de circunstâncias exteriores nem de nossos preconceitos e caprichos pessoais. A solução não se encontra em conferências e em projetos, nem na substituição de velhos por novos líderes etc. A solução encontra-se evidentemente no criador do problema, no criador de malefícios, do ódio e da enorme incompreensão existente entre os seres humanos. O criador desse mal, desses problemas, é o indivíduo, você e eu, não o mundo, tal como o concebemos. O mundo são as nossas relações com os outros; não é uma coisa separada de você e de mim;  o mundo a sociedade, são as relações que estabelecemos ou procuramos estabelecer entre nós. Você e eu, por conseguinte, somos o problema, e não o mundo, porque o mundo é a “projeção” de nós mesmos, e para compreendê-lo precisamos compreender a nós mesmos. O mundo não está separado de nós, nós somos o mundo, e nossos problemas são os problemas do mundo. Nunca é demais reprisar isso; porque temos uma mentalidade tão indolente; pensamos que os problemas do mundo não nos dizem respeito e têm de ser resolvidos pelas Nações Unidas (ONU) ou pela substituição dos velhos por novos líderes. Denotamos uma mentalidade muito elementar ao pensar dessa maneira, porque somos os responsáveis por essa aterradora miséria e pela confusão que vai no mundo, por este constante perigo de guerra. Para transformarmos o mundo, precisamos começar por nós mesmos; e o que é relevante no começar por nós mesmos é a intenção. A intenção deve ser a de compreendermos a nós mesmos e não de esperarmos que outros se transformem ou realizem uma alteração superficial pela revolução da esquerda ou da direita. Importa compreendermos que essa obrigação é nossa, sua e minha. Porque, por mais insignificante que seja o mundo em que vivemos, se pudermos nos transformar, introduzir na existência diária um ponto de vista radicalmente diferente, então, talvez, venhamos a influir no mundo como um todo, o que é fruto de nossas relações com os outros, em escala ampliada. Vamos buscar descobrir o processo da compreensão de nós mesmos, que não é um processo isolado. Ele não implica retirar-se para longe do mundo, porquanto não se pode viver no isolamento. Ser é estar em relação, e não existe uma coisa tal como viver no isolamento. É a falta de relações corretas que gera conflitos, angústias e lutas. Por menor que seja nosso mundo, se pudermos transformar nossas relações dentro desse pequeno mundo, essa transformação, qual onda sonora, irá se dilatando constantemente, no mundo exterior, por mais limitadas que sejam: e que, se pudermos operar uma transformação ai, não uma transformação superficial, porém radical, começaremos a transformar o mundo. A verdadeira revolução não se relaciona com um padrão especial, quer da esquerda, quer da direita; é uma revolução de valores, uma revolução em que passamos dos valores sensuais aos que não são sensoriais nem criados por influências ambientais.  Para descobrir esses valores verdadeiros, que devem produzir uma revolução radical, uma transformação ou regeneração, é imprescindível que compreendamos a nós mesmos. O AUTOCONHECIMENTO é o começo da sabedoria e por conseguinte o começo da transformação ou regeneração. Para compreendermos a nós mesmos, é necessária a intenção de compreender, e ai reside nossa dificuldade. Embora descontentes, quase todos nós desejamos realizar uma alteração súbita; nosso descontentamento é canalizado no sentido de consecução de certo resultado. Quando estamos descontentes, procuramos uma ocupação diferente, ou então sucumbimos ao ambiente. Nosso descontentamento, ao invés de inflamar-nos de entusiasmo, fazendo-nos investigar a vida, o processo inteiro da existência, canaliza-se, e, em consequência disso, tornamo-nos medíocres, perdendo aquele ímpeto, aquela intensidade necessária para compreender o significado total da existência. Por essa razão, é importante descobrirmos essas coisas por nós mesmos, visto que o AUTOCONHECIMENTO não nos pode ser dado por outrem e não se encontra com a ajuda de livro algum. Devemos descobrir, e para descobrir são necessárias a intenção, a busca, a pesquisa. Enquanto for débil ou inexistente essa intenção de descobrir, de investigar profundamente, a mera asserção ou o desejo esporádico de nos esclarecermos sobre nós mesmos serão de pequeníssima importância. Assim, a transformação do mundo efetua-se pela transformação do indivíduo porque o indivíduo é o produto e uma parte do processo total da existência humana. Para nos transformarmos é essencial o AUTOCONHECIMENTO; se não sabemos o que somos não há base para o pensamento correto; se não conhecemos não pode haver transformação. Deve o indivíduo conhecer a si mesmo tal como é, e não como deseja ser, pois isto é apenas um ideal, e portanto, fictício, imaginário. Só o que é pode ser transformado, e não aquilo que desejamos ser. Para um indivíduo conhecer a si mesmo, tal como é, precisa de extraordinária vigilância por parte da mente, porquanto o que é está sujeito a transformação constante, constante mudança, e para o acompanhar com presteza não deve a mente estar restringida por nenhum dogma ou crença, nenhuma norma particular de ação. Se desejamos seguir uma coisa, não há vantagem alguma em estarmos amarrados. Para o indivíduo conhecer-se a si mesmo, deve ter lucidez, vigilância, por parte da mente, com inteira independência de todas as crenças, de toda idealização, uma vez que as crenças e os ideais, só nos oferecem uma cor, pervertendo o exato percebimento. Se você é ganancioso, invejoso, violento, o simples fato de nutrir um ideal de não violência, de não ganância, é de pouco valor. Saber porém, que somos gananciosos ou violentos, sabe-lo e compreendê-lo, requer um percebimento extraordinário, não é verdade? Requer honestidade, lucidez de pensamento, ao passo que seguir um ideal apartado do que é, representa uma fuga, que nos impede de descobrir e de atuar diretamente sobre o que somos. A compreensão do que somos, não importa como somos – feios, belos, perversos, malignos – sem disfarce, é o começo da virtude. A virtude é essencial, porque dá liberdade. É só na virtude que se pode descobrir que se pode viver – não no cultivo da virtude, que leva só à respeitabilidade, e não à compreensão e à liberdade. Há diferença entre ser virtuoso e “vir a ser” virtuoso. O ser virtuoso vem com a compreensão do que é, ao passo que o “vir a ser” virtuoso é adiamento, ocultação do que é com o que desejaríamos ser. Por conseguinte, no “vir a ser” virtuosos, evita-se a ação direta sobre o que é. Esse processo de evitar o que é, pelo cultivo do ideal, é considerado virtuoso; se o observarmos, porém, muito atenta e diretamente, veremos que não tem essa qualidade. É um mero adiamento do nosso encontro com o que é. Virtude não é “vir a ser” o que não é; virtude é compreensão do que é, portanto, o estado em que estamos livres do que é. A virtude é essencial numa sociedade que se está desintegrando rapidamente. Para criar um novo mundo, uma nova estrutura, diversa da velha, é preciso liberdade para descobrir; e para ser livre, é indispensável a virtude, porque sem virtude não há liberdade. Pode o homem imoral, que luta para se tornar virtuoso, chegar a conhecer a virtude? O homem que não é moral nunca pode ser livre e, por conseguinte, nunca descobrirá o que é a realidade. A realidade só se encontra na compreensão do que é, para compreender o que é, deve haver liberdade, libertação do medo do que é. Para compreender esse processo, deve haver a intenção de conhecer o que é, de seguir cada pensamento, cada sentimento, cada ação. É dificílimo compreender o que é, porquanto o que é nunca está em repouso, nunca é estático, está sempre em movimento. O que é é o que você é, e não o que desejaria ser; não é o ideal, porque o ideal é fictício: é aquilo que você faz, que pensa e sente, momento por momento. O que é é o fato real, e a compreensão do fato real requer vigilância, requer uma mente muito atenta e veloz. Mas se começamos condenando o que é, se começamos reprovando-o ou resistindo-lhe, não compreenderemos seu movimento. Se desejo compreender alguém, não devo condená-lo, devo observá-lo, estuda-lo. Devo amar a coisa que estou estudando. Se desejamos compreender uma criança, devemos amá-la e não condená-la. Devemos brincar com ela, observar-lhe os movimentos, as idiossincrasias, os modos de conduta, se apenas a condenamos, se resistimos a ela ou a reprovamos, não pode haver compreensão da criança. Da mesma forma, para compreendermos o que é, temos de observar o que pensamos, sentimos e fazemos momento por momento. É isso que tem existência real. Qualquer outra ação, qualquer ideal ou ação ideológica, não tem existência real; é um simples desejo, desejo fictício de sermos diferentes do que é. Para compreender o que é necessita-se de um estado mental em que não haja identificação ou condenação, o que requer um espírito ao mesmo tempo alerta e passivo. Achamo-nos nesse estado, quando realmente desejamos compreender uma coisa; quando há intensidade de interesse, esse estado mental torna-se existente. Quando estamos interessados em compreender o que é, compreender o real estado da mente, não precisamos força-la, discipliná-la ou controla-la; pelo contrário, há uma vigilância, um alertar passivo. Esse estado de vigilância vem quando existe o interesse, quando existe a intenção de compreender. A compreensão fundamental de si mesmo não resulta da aquisição de conhecimentos ou da acumulação de experiências, pois isso é só cultivo da memória. A compreensão de si mesmo acontece momento por momento: se apenas acumulamos o conhecimento do “eu”, esse conhecimento impede a compreensão mais profunda, porque o conhecimento e a experiência acumulados tornam-se o centro que permite ao pensamento focalizar-se e ter existência. O mundo não é diferente de nós e de nossas atividades, porque o que somos é o que cria os problemas do mundo/ a dificuldade, no que respeita à maioria de nós, é que cria os problemas do mundo; a dificuldade, no que respeita à maioria de nós, é que não nos conhecemos diretamente, mas queremos um sistema, um método, um meio de ação, pelo qual possam ser resolvidos os numerosos problemas humanos. Ora, existe algum meio, algum sistema de nos conhecermos? Qualquer pessoa talentosa, qualquer filósofo pode inventar um sistema, um método; mas, naturalmente, a observância de um sistema só produzirá um resultado criado por esse sistema, não é verdade? Se sigo um determinado método de conhecer a mim mesmo, terei o resultado que esse sistema necessariamente produz; mas o resultado, é evidente, não será a compreensão de mim mesmo, quer dizer, se sigo um método, um sistema, um meio de me conhecer, estou moldando meu pensar, minhas atividades segundo um padrão, e a observância de um padrão não é compreensão de si mesmo. Por conseguinte, não há método para alcançar o AUTOCONHECIMENTO. A busca de método implica invariavelmente o desejo de alcançar algum resultado, e é isso justamente o que todos nós queremos. Seguimos a autoridade, se não a de uma pessoa, pelo menos a de um sistema, de uma ideologia, porque desejamos um resultado que seja satisfatório, que nos dê segurança. Na realidade não desejamos compreender a nós mesmos, nossos impulsos e reações, o inteiro processo do nosso pensar, tanto consciente como inconsciente. Preferimos seguir um sistema que nos garanta um resultado. Seguir um sistema é invariavelmente o resultado do nosso desejo de segurança, de certeza, e daí, é claro, não resulta a compreensão de nós mesmos. Quando seguimos um método, necessitamos de autoridades – instrutor, guru, salvador, Mestre – que nos garantam o que desejamos, e esse, por certo, não é o caminho do AUTOCONHECIMENTO. A autoridade impede a compreensão de nós mesmos, não é verdade? Sob a égide de uma autoridade, de um guia, podemos ter, por algum tempo, um sentimento de segurança, um sentimento de bem estar, que não é a compreensão do processo total de nós mesmos. A autoridade, por sua própria natureza, impede o pleno conhecimento de nós mesmos; por conseguinte, acaba destruindo a liberdade; e só na liberdade pode haver criação. Só pode haver criação pelo AUTOCONHECIMENTO. A maioria dentre nós não é criadora; somos relógios de repetição, meros gramofones a tocar e a retocar certas cantigas da experiência, certas conclusões e lembranças, nossas próprias ou de outrem. Essa repetição não constitui um existir criador – mas é o que desejamos. Desejando estar inteiramente seguros, vivemos em busca de métodos e meios para alcançar essa segurança e criamos, assim, a espontânea tranquilidade da mente, em que existe a única possibilidade do estado de criação. Nosso problema resulta, sem dúvida, de termos perdido o sendo criador. Ser criador não significa pintar quadros ou escrever poesias e tornar-se famoso. Tal ação não é criadora, mas simples capacidade de expressar uma ideia, que o público aplaude ou despreza. Não se devem confundir capacidade e potência criadora. Capacidade não é criação. A potência criadora é um “estado de ser” inteiramente diferente, não é? É um estado em que o “eu” está ausente, em que a mente já não é o foco de nossa experiência, de nossas ambições, de nossos apetites e desejos. A criação não é um estado contínuo, renova-se a cada momento, é um movimento em que não existe ou “eu” ou “meu”, em que a mente não se foca em nenhuma experiência particular, em nenhuma ambição, realização, fim e incentivo. Só quando não existe o “eu”, pode haver criação – esse único estado de ser em que pode existir a realidade, a criadora de todas as coisas. Esse estado não se concebe nem se imagina, não se formula nem se copia, não se alcança por meio de sistema, de filosofia ou de disciplina alguma; ao contrário, só pode nascer da compreensão do processo total de nós mesmos. A compreensão de nós mesmos não é um resultado, uma culminação, é o nos vermos a cada momento, no espelho das relações – em nossas relações com a propriedade, as coisas, as pessoas e as ideias. Mas achamos difícil estar alertas, estar vigilantes, e por isso preferimos amortecer nossas mentes seguindo um método, aceitando autoridades, superstições e teorias que nos deem satisfação. Desse modo, nossas mentes se tornam lassas, exaustas, insensíveis. A mente em tais condições nunca se achará em estado de criação. Esse estado de criação vem tão somente quando o “eu”, que é o processo de reconhecimento e acumulação, deixa de existir, porque, afinal de contas, a consciência, como “eu”, é o centro do reconhecimento, e reconhecimento é mero processo de acumulação de experiência. Todos temos medo de “ser nada”, porque todos desejamos “ser alguma coisas”. O homem pequeno quer tornar-se um grande homem, o não virtuosos quer ser virtuoso, o fraco e obscuro anseia pelo poder, por posição e autoridade. É essa a incessante atividade da mente, que nunca pode estar quieta para compreender o estado de criação. Para que se possa transformar o mundo que nos rodeia, esse mundo de angústias, guerras, desemprego, fome, divisões de classes e confusão extrema, urge operar uma transformação em nós mesmos. A revolução deve começar dentro de nós mesmos, mas não de acordo com alguma crença ou ideologia, porque revolução baseada em ideia ou na observância de determinado padrão, não é, em absoluto, e, obviamente, revolução. Para que se possa operar uma revolução fundamental em nós mesmos, temos de compreender o processo integral do nosso pensamento e do nosso sentimento, nas relações. É essa a única solução para todos os nossos problemas, pois não é solução o fato de termos mais disciplinas, mais crenças, mais ideologias e mais instrutores. Se pudermos compreender a nós mesmos, como somos, de momento em momento, sem processo de acumulação, ganharemos uma tranquilidade, que não é produto da mente, uma tranquilidade não imaginada e não cultivada. E é só neste estado de tranquilidade que pode haver criação. Sociedade Teosófica no Brasil – Brasília – DF. Abraço Davi.

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