Espiritismo. Texto de Alan Kardec (1804-1869). INTRODUÇÃO AO
ESTUDO DA DOUTRINA ESPÍRITA II. SEIS. Como
o dissemos, os seres que assim se comunicam designam a si próprios pelo nome de
Espíritos ou gênios e como tendo pertencido, pelos menos alguns, aos homens que
viveram na Terra. Eles constituem o mundo espiritual, como nós constituímos,
durante nossa vida, o mundo corporal. Resumimos, aqui, em poucas palavras, os
pontos mais marcantes da doutrina que eles nos transmitiram, a fim de
responder mais facilmente a algumas objeções. “Deus é eterno, imutável,
imaterial, único, todo poderoso, soberanamente justo e bom. Criou o Universo
que compreende todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais. Os
seres materiais constituem o mundo visível ou corporal, e os seres imateriais,
o mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos. O mundo espiritual é o
mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e que sobrevive a tudo. O mundo
corporal é apenas secundário; ele poderia deixar de existir, ou jamais ter
existido, sem alterar a essência do mundo espiritual. Os Espíritos revestem,
temporariamente, um envoltório material perecível, cuja destruição pela morte
devolve-os à liberdade. Entre as diferentes espécies de seres corporais, Deus
escolheu a espécie humana para a encarnação dos Espíritos que chegaram a um
certo grau de desenvolvimento, é o que lhe dá a superioridade moral e
intelectual sobre todas as outras. A alma é um espírito encarnado e o corpo é
apenas seu envoltório. Há no homem três coisas: 1o ) o corpo ou ser material,
análogo aos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2o ) a alma ou ser
imaterial, Espírito encarnado no corpo; 3o ) o elo que une a alma e o corpo,
princípio intermediário entre a matéria e o Espírito. O homem tem, assim, duas
naturezas: por seu corpo, ele participa da natureza dos animais dos quais
possui os instintos; pela sua alma, ele participa da natureza dos Espíritos. O
elo ou perispírito que une o corpo e o Espírito é uma espécie de envoltório
semi material. A morte é a destruição do envoltório mais grosseiro, o Espírito
conserva o segundo envoltório que constitui para ele um corpo etéreo, invisível
para nós no estado normal, mas que pode tornar-se, acidentalmente, visível e
até tangível, como acontece no fenômeno das aparições. Assim, o Espírito não é,
absolutamente, um ser abstrato, indefinido, que apenas o pensamento pode
conceber; é um ser real, circunscrito, que, em certos casos, é apreciável pelos
sentidos da visão, da audição e do tato. Os Espíritos pertencem a diferentes
classes e não são iguais nem em poder, nem em inteligência, nem em saber, nem
em moralidade. Os da primeira ordem são os Espíritos superiores, que se
distinguem dos outros por sua perfeição, seus conhecimentos, sua proximidade de
Deus, a pureza de seus sentimentos e seu amor pelo bem: são os anjos ou puros
Espíritos. As outras classes afastam-se cada vez mais dessa perfeição: os das
ordens inferiores são inclinados à maioria de nossas paixões: o ódio, a inveja,
o ciúme, o orgulho, etc.; eles se comprazem no mal. Entre estes, há os que nem
são muito bons, nem muito maus; mais perturbadores e intrigantes do que malvados,
a malícia e as inconsequências parecem ser sua característica: são os Espíritos
inconsequentes ou levianos. Os Espíritos não pertencem perpetuamente à mesma
ordem. Todos se melhoram, passando pelos diferentes graus da hierarquia espírita.
Esta melhora se dá pela encarnação que é imposta a uns, como expiação e a
outros, como missão. A vida material é uma prova a que devem se submeter,
repetidamente, até que tenham atingido a perfeição absoluta; é uma espécie de
peneira ou filtro de onde saem mais ou menos purificados. Deixando o corpo, a
alma retorna ao mundo dos Espíritos de onde tinha saído, para retomar uma nova
existência material, após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual
ela permanece no estado de Espírito errante. Devendo o Espírito passar por
várias encarnações, daí resulta que todos nós tivemos várias existências e que
ainda teremos outras, mais ou menos aperfeiçoadas, seja nesta Terra, seja em
outros mundos. A encarnação dos Espíritos sempre aconteceu na espécie humana;
seria um erro acreditar que a alma ou Espírito pudesse encarnar-se no corpo de
um animal. Há entre esta doutrina da
reencarnação e a da metempsicose, tal como a admitem algumas seitas, uma
diferença característica que é explicada na sequência desta obra. As diferentes
existências corporais do Espírito são sempre progressivas e nunca regressivas;
porém a rapidez do progresso depende dos esforços que fazemos para chegar à
perfeição. As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós:
assim, o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito e o homem perverso, a
de um Espírito impuro. A alma possuía sua individualidade antes de sua
encarnação; ela a conserva após sua separação do corpo. No seu retorno ao mundo
dos Espíritos, a alma aí reencontra todos aqueles que conheceu na Terra, e
todas as suas existências anteriores se desenham em sua memória, com a
lembrança de todo o bem e de todo o mal que fez. O Espírito encarnado está sob
a influência da matéria; o homem que supera esta influência, através da
elevação e depuração de sua alma, aproxima-se dos bons Espíritos, com os quais
estará um dia. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões e coloca todas as
alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, aproximasse dos Espíritos impuros,
dando preponderância à natureza animal. Os Espíritos encarnados habitam os
diferentes globos do Universo. Os Espíritos não encarnados ou errantes não
ocupam uma região determinada e circunscrita: eles estão por toda a parte, no
Espaço e ao nosso lado, vendo-nos e esbarrando em nós incessantemente; é toda
uma população invisível que se agita em torno de nós. Os Espíritos exercem,
sobre o mundo moral e até sobre o mundo físico, uma ação incessante; agem sobre
a matéria e sobre o pensamento, e constituem uma das potências da Natureza,
causa efi ciente de uma multidão de fenômenos até então inexplicados ou mal
explicados, e que não encontram uma solução racional senão no Espiritismo. As
relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons Espíritos nos
estimulam ao bem, nos sustentam nas provas da vida e nos auxiliam a suportá-las
com coragem e resignação; os maus nos incitam ao mal: é para eles uma
satisfação ver-nos sucumbir e assemelhar-nos a eles. As comunicações dos
Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As comunicações ocultas
acontecem pela influência boa ou má que eles exercem sobre nós, à nossa
revelia; cabe à nossa razão discernir as boas e as más inspirações. As
comunicações ostensivas se dão por meio da escrita, da palavra ou outras
manifestações materiais, com mais frequência por intermédio dos médiuns que
lhes servem de instrumentos. Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou
mediante evocação. Podem-se evocar todos os Espíritos: os que animaram homens
obscuros, como os dos personagens mais ilustres, qualquer que seja a época em
que tenham vivido; os de nossos parentes, de nossos amigos ou de nossos
inimigos, e deles obter, através das comunicações escritas ou verbais,
conselhos, informações sobre sua situação de além-túmulo, sobre seus
pensamentos a nosso respeito, assim como as revelações que lhes é permitido
fazer-nos. Os Espíritos são atraídos em razão de sua simpatia pela natureza
moral do meio que os evoca. Os Espíritos superiores se comprazem nas reuniões
sérias, onde dominam o amor do bem e o desejo sincero de se instruir e de se
melhorar. Sua presença afasta destas os Espíritos inferiores que encontram, ao
contrário, um livre acesso e podem agir com toda liberdade, entre as pessoas
frívolas ou guiadas apenas pela curiosidade e onde quer que se encontrem maus
instintos. Longe de obter deles bons conselhos, ou informações úteis, não se
deve esperar deles senão futilidades, mentiras, brincadeiras de mau gosto ou
mistificações, pois, frequentemente, tomam nomes venerados para melhor induzir
ao erro. A distinção dos bons e dos maus Espíritos é extremamente fácil; a
linguagem dos Espíritos superiores é constantemente digna, nobre, impregnada da
mais elevada moralidade, livre de qualquer paixão inferior; seus conselhos exalam
a mais pura sabedoria e têm sempre por objetivo nosso melhoramento e o bem da
Humanidade. A dos Espíritos inferiores, ao contrário, é inconsequente, frequentemente
trivial e até grosseira; se eles dizem, às vezes, coisas boas e verdadeiras,
dizem-nos, mais frequentemente, coisas falsas e absurdas, por malícia ou por
ignorância; zombam da credulidade e se divertem às custas daqueles que os
interrogam, lisonjeando sua vaidade, embalando seus desejos com falsas
esperanças. Em resumo, as comunicações sérias, na mais ampla acepção do termo,
só se dão nos centros sérios, naqueles cujos membros estão unidos por uma
comunhão íntima de pensamentos, objetivando o bem. A moral dos Espíritos
superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Agir para com
os outros, como quereríamos que os outros agissem para conosco; isto é, fazer o
bem e não fazer absolutamente o mal. O homem encontra neste princípio a regra
universal de conduta para suas menores ações. Eles nos ensinam que o egoísmo, o
orgulho, a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal,
prendendo-nos à matéria; que o homem que, ainda neste mundo, se desligue da
matéria através do desprezo às futilidades mundanas e do amor ao próximo,
aproxima-se da natureza espiritual; que cada um de nós deve se tornar útil,
conforme as faculdades e os meios que Deus colocou em suas mãos para
experimentá-lo; que o Forte e o Poderoso devem apoio e proteção ao Fraco, pois
aquele que abusa de sua força e de seu poder para oprimir seu semelhante viola
a lei de Deus. Ensinam, finalmente, que nada podendo estar oculto, no mundo dos
Espíritos o hipócrita será desmascarado e todas as suas torpezas reveladas; que
a presença inevitável e de todos os instantes daqueles para com os quais
tivermos agido mal é um dos castigos que nos estão reservados; que ao estado de
inferioridade e de superioridade dos Espíritos correspondem penas e gozos que
nos são desconhecidos na Terra. Mas eles nos ensinam, também, que não há faltas
irremissíveis e que não possam ser apagadas pela expiação. Para tal, o homem
encontra o meio nas diferentes existências que lhe permitem avançar, conforme o
seu desejo e seus esforços, no caminho do progresso em direção à perfeição, que
é seu objetivo final. Este é o resumo da Doutrina Espírita, assim como ela
resulta do ensinamento dado pelos Espíritos superiores. Vejamos, agora, as
objeções que se lhe opõem. SETE. Para
muita gente, a oposição das corporações científicas é, senão uma prova, pelo
menos uma forte presunção contrária. Não somos daqueles que protestam contra os
pesquisadores, pois não queremos que digam que damos coices; temo-los, ao contrário,
em grande estima e ficaríamos muito honrados de nos contar entre eles; porém a
opinião deles não poderia representar um julgamento irrevogável em todas as
circunstâncias. Caso a Ciência saia da observação material dos fatos, quando se
trata de apreciar e explicar estes fatos, o campo fica aberto às conjecturas;
cada um apresenta seu sistemazinho que deseja fazer prevalecer e sustenta
obstinadamente. Não vemos todos os dias as opiniões mais divergentes
alternadamente preconizadas e rejeitadas? Ora repelidas como erros absurdos,
depois proclamadas como verdades incontestáveis? Os fatos, eis o verdadeiro
critério de nossos julgamentos, o argumento sem réplica; na ausência de fatos,
a dúvida é a opinião do homem sensato. Para as coisas notórias, a opinião dos
estudiosos é, com razão, digna de fé, porque sabem mais e melhor que o leigo;
porém, diante de princípios novos, de coisas desconhecidas, sua maneira de ver
sempre é apenas hipotética, porque não estão, mais do que outros, isentos de
preconceitos; direi mesmo que o sábio talvez tenha mais preconceitos que
qualquer outro, porque uma propensão natural o leva a subordinar tudo ao ponto
de vista que aprofundou: o matemático não vê prova senão numa demonstração
algébrica, o químico refere tudo à ação dos elementos, etc. Qualquer homem que
se torne especialista a ela fixa todas as suas ideias; tiraio daí, e ele, com
frequência, divaga, porque quer submeter tudo ao mesmo cadinho: é uma consequência
da fraqueza humana. Consultarei, portanto, de boa vontade e com toda confiança
um químico sobre uma questão de análise, um físico sobre a potência elétrica,
um mecânico sobre uma força motriz; porém, eles me permitirão, e sem que isso
atinja o respeito que seu saber especial lhes confere, não ter a mesma
consideração por sua opinião negativa acerca do Espiritismo, não mais do que
pelo julgamento de um arquiteto sobre uma questão de música. As ciências comuns
fundamentam-se nas propriedades da matéria que se pode experimentar e manipular
à vontade; os fenômenos espíritas baseiam-se na ação de inteligências que
possuem sua vontade, e nos provam, a cada instante, que não se encontram à
disposição de nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas
da mesma forma: elas requerem condições especiais e um outro ponto de partida;
querer submetê-las aos nossos procedimentos comuns de investigação, é
estabelecer analogias que não existem. A Ciência propriamente dita, é, pois,
como ciência, incompetente para se pronunciar na questão do Espiritismo: ela
não tem que se ocupar com isso, e seu julgamento, qualquer que seja ele,
favorável ou não, não teria peso algum. O Espiritismo é o resultado de uma
convicção pessoal que os sábios podem ter como indivíduos, abstração feita de
sua qualidade de sábios; mas querer entregar a questão à Ciência, equivaleria a
que uma assembleia de físicos e astrônomos decidisse sobre a existência da
alma; com efeito, o Espiritismo está todo na existência da alma e no seu estado
após a morte; ora, é soberanamente ilógico pensar que um homem deva ser um
grande psicólogo, porque é um grande matemático, ou um grande anatomista. O
anatomista, dissecando o corpo humano, procura a alma e, já que não a encontra
sob seu escalpelo, como aí encontra um nervo, ou porque não a vê exala-se como
um gás, daí conclui que ela não existe, porque se coloca do ponto de vista
exclusivamente material; disto decorre que ele tenha razão contra a opinião
universal? Não. Vedes, portanto, que o Espiritismo não é da alçada da Ciência.
Quando as crenças espíritas se popularizarem, quando forem aceitas pelas massas
e, se julgarmos pela rapidez com a qual elas se propagam, esse tempo não pode
estar muito distante, acontecerá com elas o que se dá com todas idéias novas
que têm encontrado oposição: os sábios se renderão à evidência; a isto
chegarão, individualmente, pela força das coisas. Até lá é intempestivo
desviá-los de seus trabalhos especiais, para constrangê-los a se ocuparem com
algo estranho, que não está nem nas suas atribuições, nem no seu programa.
Enquanto isso, aqueles que, sem um estudo prévio e aprofundado da matéria, se
pronunciam pela negativa e ridicularizam quem quer que não seja de sua opinião,
esquecem que aconteceu o mesmo com a maioria das grandes descobertas que honram
a Humanidade; expõe-se a ver seus nomes aumentarem a lista dos ilustres
proibidores das ideias novas e inscritos ao lado daqueles dos membros da douta
assembleia que, em 1752, acolheu com uma enorme gargalhada a tese de Franklin
sobre os para raios, julgando-a indigna de figurar entre as comunicações que
lhe eram dirigidas; e daquela outra que fez a França perder o benefício da
iniciativa da marinha a vapor, declarando o sistema de Robert Fulton (1765-1815) um sonho
impraticável; e, entretanto, eram questões de sua alçada. Logo, se essas
assembleias, que contavam em seu seio a elite dos sábios do mundo, só tiveram
zombarias e sarcasmo pelas ideias que não compreendiam, ideias que, alguns anos
mais tarde, revolucionariam a Ciência, os costumes e a indústria, como esperar
que uma questão estranha aos seus trabalhos obtenha melhor acolhimento? Esses
erros de alguns, deploráveis para sua memória, não poderiam retirar nossa
consideração por eles em função dos títulos que adquiriram a outros respeitos,
mas será necessário um diploma ofi cial para se ter bom senso e será que fora
das cátedras acadêmicas existem apenas tolos e imbecis? Lancem os olhos sobre
os adeptos da Doutrina Espírita, e ver-se-á se nela se encontram apenas
ignorantes e se o número imenso de homens de mérito que a têm abraçado permite
relegá-la ao rol das crenças simplórias. Seu caráter e seu saber valem a pena
que se diga: já que tais homens afi rmam, nisto deve haver pelo menos alguma
coisa. Repetimos ainda que, se os fatos com os quais nos ocupamos se tivessem
limitado ao movimento mecânico dos corpos, a pesquisa da causa física desse
fenômeno entraria no domínio da Ciência; porém desde que se trata de uma
manifestação fora das leis da Humanidade, ela sai da competência da Ciência
material, pois nem pode ser explicada pelos algarismos, nem pelo poder
mecânico. Quando surge um fato novo, que não ressalta de nenhuma Ciência
conhecida, o sábio, deve abstrair-se de sua Ciência, e dizer a si mesmo que
para ele é um estudo novo e que não pode ser feito com ideias preconcebidas. O
homem que acredita que sua razão é infalível está bem perto do erro; até mesmo
aqueles que possuem as ideias mais falsas se apoiam em sua razão e é em virtude
disso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. Aqueles que outrora
repeliram as admiráveis descobertas com as quais a Humanidade se honra,
apelaram todos a esse juiz para rejeitá-las: o que se chama razão não é, frequentemente,
senão o orgulho disfarçado e quem quer que se creia infalível, coloca-se como
igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, àqueles que são bastante ponderados para
duvidar do que não viram e que, julgando o futuro pelo passado, não acreditam
que o homem tenha chegado ao seu apogeu, nem que a Natureza tenha virado para
ele a última página de seu livro. OITO. Acrescentamos que o estudo de uma doutrina,
assim como a Doutrina Espírita, que nos lança, de repente, numa ordem de coisas
tão nova e tão grande, só pode ser feito com proveito por homens sérios,
perseverantes, isentos de prevenções e animados de firme e sincera vontade de
chegar a um resultado. Não poderíamos dar essa qualificação àqueles que julgam
a priori, levianamente e sem ter visto tudo; que não imprimem aos seus estudos
nem a continuidade, nem a regularidade nem o recolhimento necessários; não
poderíamos dá-la, menos ainda, a certas pessoas que, para não perderem sua
reputação de homens inteligentes, esforçam-se para encontrar um lado cômico nas
coisas mais verdadeiras, ou assim consideradas por pessoas, cujo saber, caráter
e convicções têm direito ao respeito de quem quer que tenha pretensão de ser
educado. Portanto, que aqueles que não julgam os fatos dignos de si nem de sua
atenção se abstenham; ninguém pretende violentar-lhes a crença, mas que admitam
respeitar a dos outros. O que caracteriza um estudo sério, é a continuidade que
se lhe dá. Será de espantar o fato de não se obter, frequentemente, nenhuma
resposta sensata a questões, graves por si mesmas, quando são feitas ao acaso e
lançadas, bruscamente, no meio de uma multidão de questões bizarras? Aliás, uma
questão é frequentemente complexa e pede, para ser esclarecida, questões
preliminares ou complementares. Quem quer que deseje adquirir conhecimento de
uma ciência deve fazer um estudo metódico, começar pelo princípio e seguir o
encadeamento e o desenvolvimento das ideias. Aquele que, por acaso, dirige a um
sábio uma questão sobre uma ciência da qual ele não sabe a primeira palavra,
progredirá com isto? O próprio sábio poderá, com a melhor boa vontade, dar-lhe
uma resposta satisfatória? Esta resposta isolada será forçosamente incompleta
e, com freqüência, por isso mesmo, ininteligível, ou poderá parecer absurda e
contraditória. Acontece exatamente o mesmo nas relações que estabelecemos com
os Espíritos. Querendo instruir-vos em sua escola, é preciso fazer um curso com
eles; mas como entre nós, deveis escolher vossos professores e trabalhar com assiduidade.
Dissemos que os Espíritos superiores só vão às reuniões sérias, e sobre tudo
àquelas em que reine uma perfeita comunhão de pensamentos e de sentimentos para o bem. A leviandade e as questões fúteis
os afastam, como, entre os homens, elas afastam as pessoas sensatas; o campo fica,
então, livre à turba dos Espíritos mentirosos e frívolos, sempre à espreita das
ocasiões de zombar e de se divertir às nossas custas. O que acontece com uma
pergunta séria numa reunião como esta? Será respondida, mas, por quem? É como
se, no meio de um bando de brincalhões, lançásseis estas questões: Que é a
alma? Que é a morte? e outras coisas bem recreativas. Se quiserdes respostas
sérias, sede sérios vós mesmos, em toda a acepção da palavra e apresentai-vos
com todas as condições desejadas; somente assim, obtereis grandes coisas. Sede,
além disso, laboriosos e perseverantes nos vossos estudos, sem o que os
Espíritos superiores vos abandonam, como o faz um professor para com os seus
alunos negligentes. NOVE. O movimento
dos objetos é um fato incontestável; a questão é saber se, nesse movimento, há
ou não uma manifestação inteligente, e em caso afirmativo, qual é a origem
dessa manifestação. Não falamos do movimento inteligente de certos objetos, nem
das comunicações verbais, nem mesmo daquelas que são escritas diretamente pelo
médium; esse gênero de manifestação, evidente para aqueles que viram e
aprofundaram o assunto, não é absolutamente, à primeira vista, bastante
independente da vontade, para convencer um observador novato. Falaremos,
portanto, apenas da escrita obtida com o auxílio de um objeto qualquer: um
lápis, uma cesta, prancheta, etc.; a maneira como os dedos do médium repousam
sobre o objeto desafia, como o dissemos, a mais consumada habilidade de poder
participar, no que quer que seja, do traçado dos caracteres. Porém, admitamos
ainda, que, através de uma maravilhosa destreza, ele possa enganar o olhar mais investigador; como explicar a natureza das respostas, quando elas estão fora de
todas as ideias e de todos os conhecimentos do médium? E observe-se bem que não
se trata de respostas monossilábicas, mas, frequentemente, de várias páginas
escritas com a mais espantosa rapidez, seja espontaneamente, seja sobre um
assunto determinado; sob a mão do médium mais estranho à literatura, nascem, às
vezes, poesias de uma sublimidade e de uma pureza irrepreensíveis, que os
melhores poetas humanos não desaprovariam. O que aumenta ainda mais a
estranheza desses fatos, é que se produzem por toda a parte, e que os médiuns
se multiplicam ao infinito. Esses fatos são reais ou não? Para isso temos
somente uma resposta: vede e observai; não vos faltarão oportunidades; mas,
sobretudo, observai com frequência, durante longo tempo e conforme as condições
exigidas. O que os antagonistas respondem à evidência? Vós sois, dizem eles,
vítimas do charlatanismo ou o joguete de uma ilusão. Diremos, primeiramente,
que é preciso afastar a palavra charlatanismo de onde não há lucros; os
charlatães não exercem o seu ofício gratuitamente. Seria, portanto, quando
muito, uma falsificação. Mas, por que estranha coincidência esses mistificadores aliar-se-iam de um extremo ao outro do mundo, para agir do mesmo modo,
produzir os mesmos efeitos, e dar sobre os mesmos assuntos e em diversas
línguas, respostas idênticas, senão quanto às palavras, pelo menos quanto ao
sentido? Como pessoas austeras, sérias, honradas, instruídas se prestariam a
semelhantes manobras, e com que objetivo? Como encontraríamos em crianças, a
paciência e a habilidade necessárias? Pois se os médiuns não são instrumentos
passivos, são lhes necessários habilidade e conhecimentos incompatíveis com uma
certa idade e certas posições sociais. Acrescentam, então, que se não há
fraude, podemos ser vítimas de uma ilusão de ambos os lados. Em boa lógica, a
qualidade das testemunhas tem um certo peso; ora, aqui está o caso de perguntar
se a Doutrina Espírita, que hoje conta adeptos aos milhões, não os recruta
senão entre os ignorantes? Os fenômenos sobre os quais ela se apoia são tão
extraordinários que concebemos a dúvida; mas o que não se poderia admitir, é a
pretensão de alguns incrédulos ao monopólio do bom senso, que, sem respeito
para com as conveniências ou o valor moral de seus adversários, tacham, sem
cerimônia, de ineptos todos aqueles que não são de sua opinião. Aos olhos de
qualquer pessoa judiciosa, a opinião das pessoas esclarecidas que viram durante
muito tempo, estudaram e meditaram sobre uma coisa, será sempre, senão uma
prova, pelo menos uma presunção em seu favor, visto que ela pôde prender a
atenção de homens sérios, que não tinham interesse algum em propagar um erro,
nem tempo a perder com futilidades. DEZ. Dentre as objeções, há algumas das
mais enganosas, pelo menos na aparência, porque se baseiam na observação e são
feitas por pessoas austeras. Uma dessas objeções é tirada da linguagem de
certos Espíritos que não parece digna da elevação que se supõe em seres
sobrenaturais. Reportando-se ao resumo da doutrina que apresentamos acima,
ver-se-á aí que os próprios Espíritos nos ensinam que eles não são iguais nem
em conhecimentos, nem em qualidades morais, e que não se deve levar ao pé da
letra tudo o que dizem. Cabe às pessoas sensatas separar o bom do mal.
Certamente, aqueles que tiram desse fato a conclusão de que só nos comunicamos
com seres maléficos, cuja única ocupação é nos ludibriar, não conhecem as
comunicações que acontecem nas reuniões onde só se manifestam Espíritos
superiores, do contrário, não pensariam assim. É lamentável que o acaso os
tenha tão mal servido para só lhes mostrar o lado mau do mundo espiritual, pois
não aceitamos supor que uma tendência simpática atraia muito mais para eles os
maus Espíritos, do que os bons: os Espíritos mentirosos, ou aqueles cuja
linguagem é de grosseria revoltante. Poder-se-ia, além do mais, concluir que a
solidez de seus princípios não é bastante poderosa para afastar o mal e que,
encontrando um certo prazer em satisfazer-lhes a curiosidade a esse respeito,
os maus Espíritos disso se aproveitem para se insinuar entre eles, enquanto que
os bons se afastam. Julgar a questão dos Espíritos por esses fatos, seria tão
pouco lógico quanto julgar o caráter de um povo pelo que se diz e se faz numa
reunião de alguns obstruem ou de pessoas de má reputação que não se
relacionam nem com os prudentes, nem com as pessoas sensatas. Essas pessoas
encontram-se na mesma situação de um estrangeiro que, chegando a uma grande
capital pelo mais feio subúrbio, julgasse todos os habitantes pelos costumes e
a linguagem desse bairro ínfimo. No mundo dos Espíritos, há também uma boa e
uma má sociedade; que essas pessoas aceitem estudar o que se passa entre os
Espíritos de elite, e se convencerão de que a cidade celeste encerra algo além
da ralé. Mas, dizem, os Espíritos de elite vêm até nós? A isso nós lhes
responderemos: Não fiqueis no subúrbio; vede, observai e julgareis; os fatos aí
estão para todo o mundo; a menos que não se apliquem a elas estas palavras de
Jesus: Eles têm olhos e não vêm; ouvidos e não ouvem. Uma variante dessa
opinião consiste em ver, nas comunicações espíritas e em todos os fatos
materiais aos quais elas dão lugar, apenas a intervenção de um poder diabólico,
novo Proteu (mitologia grega filho de Tetis e Oceanus) que se revestiria de todas as formas para melhor nos enganar. Não a
julgamos suscetível de um exame sério, é por isso que não nos deteremos nela;
ela se acha refutada pelo que acabamos de dizer; somente acrescentaremos que,
se assim fosse, seria preciso admitir que o diabo é algumas vezes bem prudente,
bem comedido e, sobretudo, bem moral, ou então, que há também bons diabos.
Efetivamente, como acreditar que Deus só permita ao Espírito do mal
manifestar-se, para nos perder, sem dar-nos, como contrapeso, os conselhos dos
bons Espíritos? Se Ele não o pode, é impotente; se o pode e não faz isto, é
incompatível com sua bondade; uma e outra suposição seriam uma blasfêmia. Notai
que admitir a comunicação dos maus Espíritos, é reconhecer o princípio das
manifestações; ora, desde que elas existam, só pode ser com a permissão de
Deus. Como acreditar, sem impiedade, que ele só permita o mal, com exclusão do
bem? Uma doutrina assim seria contrária às mais simples noções do bom senso e
da religião. ONZE. Uma coisa estranha, acrescentam, é que só se fale de
Espíritos de personagens conhecidos, e se perguntam por que eles são os únicos
a se manifestar. Aqui está um erro proveniente, como muitos outros, de uma
observação superfi cial. Dentre os Espíritos que vêm espontaneamente, há muito
mais desconhecidos para nós do que ilustres, que se designam através de um nome
qualquer e, frequentemente, por um nome alegórico ou característico. Quanto
àqueles que se evocam, a menos que não seja um parente ou um amigo, é bastante
natural dirigir-nos àqueles que conhecemos, mais do que aos desconhecidos; o
nome dos personagens ilustres impacta muito mais, é por isso que são mais
notados. Acham ainda singular que os Espíritos de homens eminentes acorram,
familiarmente, ao nosso apelo, e se ocupem, algumas vezes, de coisas
minuciosas, em comparação àquelas de que trataram durante sua vida. Nada há de
surpreendente nisso para os que sabem que o poder ou a consideração de que
esses homens gozaram neste mundo, não lhes dá supremacia alguma no mundo
espiritual; os Espíritos confirmam, neste caso, estas palavras do Evangelho:
“Os grandes serão rebaixados e os pequenos serão elevados”, o que se deve
entender como uma referência à ordem que cada um de
nós ocupará entre eles; é assim que aquele que tenha sido o primeiro na Terra,
pode, lá, ser um dos últimos; aquele diante do qual curvávamos a cabeça,
durante sua vida, pode, então, vir entre nós como o mais humilde artesão, pois,
deixando a vida, deixou toda a sua grandeza, e o mais poderoso monarca talvez,
lá, esteja abaixo do último de seus soldados. DOZE. Um fato demonstrado pela
observação e confirmado pelos próprios Espíritos é que os Espíritos
inferiores, frequentemente, apossam-se de nomes conhecidos e respeitados. Quem,
portanto, pode nos assegurar que aqueles que dizem ter sido, por exemplo,
Sócrates, Júlio César, Carlos Magno, Fénelon, Napoleão, Washington, etc.,
tenham, realmente, animado estas personalidades? Esta dúvida existe entre
alguns adeptos muito fervorosos da Doutrina Espírita; eles admitem a
intervenção e a manifestação dos Espíritos, mas se perguntam que certeza se pode
ter de sua identidade. Esse controle é, com efeito, bastante difícil de se
estabelecer: se não pode ser de uma forma tão autêntica quanto por uma certidão
de estado civil, podeo, pelo menos, por presunção, conforme alguns indícios.
Quando se manifesta o Espírito de alguém que nos é pessoalmente conhecido, de
um parente ou de um amigo, por exemplo, sobretudo se ele morreu há pouco tempo,
acontece, geralmente, que sua linguagem está de acordo com o caráter que
apresentava quando vivo: já é um indício de identidade; a dúvida, porém, quase
não é mais admitida quando este Espírito fala de coisas particulares, lembra
circunstâncias de família que só são conhecidas do interlocutor. Um filho não
se enganará, certamente, com a linguagem de seu pai ou de sua mãe, nem pais com
a de seu filho. Acontecem, algumas vezes, nessas espécies de evocações
íntimas, coisas surpreendentes, que convencem o mais incrédulo. O cético (descrente que duvida) mais
endurecido fica, frequentemente, aterrado com revelações inesperadas que lhe
são feitas. Uma outra circunstância muito característica vem em apoio da
identidade. Dissemos que a caligrafia do médium, geralmente, muda com o
Espírito evocado, e que esta caligrafia se reproduz, exatamente igual, cada vez
que o mesmo Espírito se apresenta; constatou-se inúmeras vezes que, para as
pessoas mortas, sobretudo há pouco tempo, essa caligrafia tem uma semelhança
impressionante com a da pessoa em vida; têm-se visto assinaturas de uma
exatidão perfeita! De resto, estamos longe de apontar este fato como uma regra
e, sobretudo, como constante; nós o mencionamos como algo digno de nota. Apenas
os Espíritos que chegaram a um certo grau de purificação estão livres de
qualquer influência corporal; mas quando não estão completamente
desmaterializados (é a expressão da qual se servem), conservam a maioria das
ideias, dos pendores e até das manias que tinham na Terra, e aí está mais um
meio de reconhecimento; mas encontramo-los, sobretudo, numa infinidade de fatos
minuciosos que só uma observação atenta e regular pode revelar. Vêm-se
escritores discutirem suas próprias obras ou suas doutrinas, aprovar ou
condenar algumas partes delas; outros Espíritos lembrarem circunstâncias
ignoradas ou pouco conhecidas de sua vida ou de sua morte, enfim, coisas que
são, pelo menos, provas morais de identidade, as únicas que podem ser invocadas
diante de coisas abstratas. Portanto, se a identidade do Espírito evocado pode
ser, até certo ponto, estabelecida em alguns casos, não há razão para que não o
seja em outros, e se não se têm, os mesmos meios de controle, para as pessoas
cuja morte é mais antiga, tem-se sempre o da linguagem e do caráter; pois,
certamente, o Espírito de um homem de bem não falará como o de um homem
perverso ou de um depravado. Quanto aos Espíritos que se apropriam de nomes
respeitáveis, logo se traem por sua linguagem e suas máximas; aquele que se
dissesse Fénelon, por exemplo, e que ferisse, ainda que acidentalmente, o
bom-senso e a moral, mostraria, por isso mesmo, a falsificação. Se, ao
contrário, os pensamentos que exprime são sempre puros, sem contradições e
continuamente à altura do caráter de François Fénelon (1651-1715), não há motivos para duvidar de
sua identidade; de outra forma, seria preciso supor que um Espírito que só
prega o bem pudesse, conscientemente, utilizar a mentira, e isto, sem
utilidade. A experiência nos ensina que os Espíritos do mesmo grau, do mesmo
caráter e animados pelos mesmos sentimentos reúnem-se em grupos e em famílias;
ora, o número dos Espíritos é incalculável e estamos longe de conhecê-los
todos: a maioria mesmo não tem nomes para nós. Um Espírito da categoria de
Fénelon pode, pois, vir em seu lugar, frequentemente até, enviado
por ele como representante; apresenta-se com seu nome, por ser idêntico a ele e
poder substituí-lo e porque precisamos de um nome para fixar nossas ideias;
mas, o que importa, em definitivo, que um Espírito seja, realmente ou não, o de
Fénelon? Se só disser coisas boas e falar como o teria feito o próprio Fénelon,
é um bom Espírito; o nome sob o qual ele se faz conhecer é indiferente e,
frequentemente, apenas um meio de fixar nossas ideias. Não poderia ser da mesma
forma nas evocações íntimas; porém, aí, como o dissemos, a identidade pode ser
estabelecida através das provas, de certo modo, patentes. Além disso, é certo
que a substituição dos Espíritos pode dar lugar a uma porção de equívocos, que
daí podem resultar erros e, com frequência, mistificações; aí está uma dificuldade
do Espiritismo prático; jamais, porém, dissemos que essa ciência fosse uma
coisa fácil, nem que se pudesse aprendê-la brincando, exatamente como qualquer
outra ciência. Nunca será demais repetir que ela pede um estudo assíduo e com
constância prolongada; não se podendo provocar os fatos, é preciso esperar que
eles se apresentem por si mesmos e, frequentemente, eles decorrem de
circunstâncias que nem imaginamos. Para o observador atento e paciente, os
fatos abundam, porque ele descobre milhares de matizes característicos que são,
para ele, traços de luz. Acontece o mesmo com as ciências comuns; enquanto o
homem superficial não vê numa flor senão uma forma elegante, o sábio nela
descobre tesouros para o pensamento. TREZE. As observações acima nos levam a
dizer algumas palavras sobre uma outra dificuldade, a da divergência que existe
na linguagem dos Espíritos. Sendo muito diferentes uns dos outros os Espíritos,
do ponto de vista dos conhecimentos e da moralidade, é evidente que a mesma
questão pode ser resolvida num sentido oposto, conforme a categoria que ocupem,
exatamente como se ela fosse proposta alternadamente, entre os homens, a um
sábio, a um ignorante ou a um brincalhão de mau gosto. O ponto essencial, já o
dissemos, é saber a quem nos dirigimos. Mas, acrescentam, como se explica que
os Espíritos reconhecidos por serem superiores, não estejam sempre de acordo?
Diremos, primeiramente, que, independentemente da causa que acabamos de
assinalar, há outras que podem exercer uma certa influência sobre a natureza
das respostas, abstração feita da qualidade dos Espíritos; isto é um ponto
capital cujo estudo dará a explicação; é por isso que dizemos que esses estudos
requerem uma atenção demorada, uma observação profunda e, como aliás, todas as
ciências humanas, sobretudo, continuidade e perseverança. São necessários anos
para formar um médico medíocre, três quartos da vida para formar um sábio e se
desejaria, em algumas horas, adquirir a Ciência do Infi nito! Portanto, que
ninguém se engane: o estudo do Espiritismo é imenso; ele tem relação com todas
as questões da metafísica e da ordem social; é todo um mundo que se abre diante
de nós. É de admirar que se precise de tempo, de muito tempo para adquiri-lo?
Aliás, a contradição nem sempre é tão real quanto possa parecer. Não vemos,
todos os dias, homens que professam a mesma ciência variarem na definição que
dão de uma coisa, seja porque utilizam termos diferentes, seja porque a encaram
sob um outro ponto de vista, embora a ideia fundamental seja sempre a mesma?
Que se conte, se for possível, o número das definições de gramática que têm
sido dadas! Acrescentemos, ainda, que a forma da resposta depende, muitas
vezes, da forma da pergunta. Portanto, seria pueril encontrar uma contradição,
onde geralmente só há diferença de palavras. Os Espíritos superiores não se
preocupam absolutamente com a forma; para eles, a essência do pensamento é
tudo. Tomemos, como exemplo a definição de alma. Por não possuir esta palavra
acepção única, os Espíritos podem, assim como nós, divergir na definição que
deem dela: um poderá dizer que ela é o princípio da vida; um outro, chamá-la de
centelha anímica; um terceiro, dizer que ela é interna; um quarto, que ela é
externa, etc., e todos terão razão nos seus pontos de vista. Poder-se-ia até
acreditar que alguns deles professem teorias materialistas e, todavia, não ser
assim. Acontece o mesmo relativamente a Deus, que será: o princípio de todas as
coisas, o Criador do Universo, a soberana inteligência, o infinito, o grande
Espírito, etc., etc. Definitivamente, será sempre Deus. Citemos, finalmente, a
classificação dos Espíritos. Eles formam uma sequência ininterrupta, desde o
grau inferior até o grau superior. A classificação é, portanto, arbitrária; um
poderá fazê-la em três classes; outro, em cinco, dez ou vinte, à vontade, sem
que por isso esteja errado; todas as ciências humanas nos dão o exemplo disto:
cada cientista tem o seu sistema; os sistemas mudam, mas a Ciência não muda.
Quer se aprenda a botânica pelo sistema de Linnée, de Jussieu, ou de
Tournefort, não se saberá menos botânica por isso. Deixemos, pois, de dar às
coisas puramente convencionais mais importância do que merecem para nos ater
apenas ao que é verdadeiramente sério e, com frequência, a reflexão fará
descobrir no que parece ser o maior disparate, uma similitude que havia escapado
a um primeiro exame. QUATORZE. Passaríamos, superficialmente, sobre a objeção
de alguns cépticos, a propósito de erros de ortografia cometidos por alguns
Espíritos, se ela não possibilitasse a uma observação essencial. A ortografia
deles, é preciso dizê-lo, nem sempre é irrepreensível; mas é preciso estar
muito carente de razões para fazer disso o objeto de uma crítica séria, dizendo
que, já que os Espíritos sabem tudo, devem saber ortografia. Poderíamos
opor-lhes os numerosos pecados deste gênero cometidos por mais de um sábio da
Terra, o que nada lhes tira de seu mérito; porém, há neste fato uma questão
mais grave. Para os Espíritos e principalmente para os Espíritos superiores, a
ideia é tudo, a forma é nada. Livres da matéria, a linguagem que utilizam entre
si é rápida como o pensamento, visto que o próprio pensamento é que se comunica
sem intermediário; logo, eles não devem se achar à vontade, quando são
obrigados, para se comunicar conosco, a se servir das formas longas e
embaraçosas da linguagem humana e, sobretudo, da insuficiência e da imperfeição
desta linguagem para exprimir todas as ideias; é o que eles próprios dizem.
Também é curioso ver os meios de que se utilizam, muitas vezes, para atenuar
esse inconveniente. Aconteceria o mesmo conosco se tivéssemos que nos exprimir
numa língua de palavras e de estruturas mais longas, e mais pobre nas suas
expressões do que a que usamos. É o obstáculo que experimenta o homem de gênio
que se impacienta com a lentidão de sua pena, sempre atrasada com relação ao
seu pensamento. Concebe-se, diante disto, que os Espíritos dão pouco valor à
puerilidade da ortografia, principalmente, quando se trata de um ensino
importante e sério; aliás, já não é maravilhoso que eles se exprimam,
indiferentemente, em todas as línguas e que as compreendam todas? Não se deve
concluir daí, todavia, que a correção convencional da linguagem lhes seja
desconhecida; eles a observam quando isto é necessá- rio; é assim, por exemplo,
que a poesia ditada por eles desafiaria, frequentemente, a crítica do mais
meticuloso purista e isto apesar da ignorância do médium. QUINZE. Há, ainda, pessoas que vêem perigo em toda a
parte e em tudo o que não conhecem; também não deixam de tirar uma conclusão
desfavorável pelo fato de que algumas pessoas que, tendo-se dedicado a esses
estudos, perderam a razão. Como homens sensatos podem ver nesse fato uma
objeção séria? Não acontece o mesmo com todas as preocupações intelectuais
sobre um cérebro fraco? Sabe-se o número de loucos e de maníacos produzido
pelos estudos matemáticos, médicos, musicais, filosóficos e outros? Seria o
caso de banir esses estudos por isso? O que isso prova? Através dos trabalhos
corporais estropiam-se os braços e as pernas, que são os instrumentos da ação
material; através dos trabalhos da inteligência, estropia-se o cérebro, que é o
instrumento do pensamento. Porém, se o instrumento foi quebrado, não se dá o
mesmo com o espírito: ele permanece intacto; e quando está desligado da
matéria, não goza menos da plenitude de suas faculdades. Ele é, como homem, no
seu gênero, um mártir do trabalho. Todas as grandes preocupações do espírito
podem ocasionar a loucura: as ciências, as artes e até a religião fornecem seu
contingente. A loucura tem como causa primeira uma predisposição orgânica do
cérebro que o torna mais ou menos acessível a certas impressões. Havendo uma
predisposição para a loucura, esta tomará o caráter da preocupação principal
que se torna, então, uma ideia fixa. Essa ideia fixa poderá ser a dos
Espíritos, naquele que com eles se ocupou, como poderá ser a de Deus, dos
anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma Ciência, da
maternidade, de um sistema político ou social. É provável que o louco religioso
se tivesse tornado um louco espírita, caso o Espiritismo tivesse sido sua
preocupação dominante, como o louco espírita poderia tê-lo sido sob uma outra
forma, conforme as circunstâncias. Digo, portanto, que o Espiritismo não tem
privilégio algum a esse respeito; e vou mais longe: digo que, bem compreendido,
é um preservativo contra a loucura. Dentre as causas mais numerosas de sobre excitação
cerebral, é preciso incluir as decepções, os infortúnios, as afeições
contrariadas, que são, ao mesmo tempo, as causas mais frequentes de suicídio.
Ora, o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista bem
elevado; elas lhe parecem tão pequenas, tão mesquinhas diante do futuro que o
aguarda; a vida é para ele tão curta, tão fugidia, que as tribulações não são
aos seus olhos senão os incidentes desagradáveis de uma viagem. O que, num
outro, produziria uma violenta emoção, pouco o afeta; sabe, aliás, que as
amarguras da vida são provas que servem para o seu adiantamento, se ele as
suporta sem reclamar, porque será recompensado, conforme a coragem com que as
tiver suportado. Suas convicções lhe dão, portanto, uma resignação que o
preserva do desespero e, por conseguinte, de uma causa contínua de loucura e de
suicídio. Ele sabe, além disso, através do espetáculo que lhe proporcionam as
comunicações com os Espíritos, a sorte daqueles que, voluntariamente, abreviam
seus dias, e o quadro é bem próprio a fazê-lo refletir; também é considerável o
número daqueles que se detiveram à beira deste declive funesto. Aí está um dos
resultados do Espiritismo. Que os incrédulos riam dele o quanto queiram;
desejo-lhes as consolações que ele proporciona a todos aqueles que se deram ao
trabalho de sondar-lhe as misteriosas profundezas. Entre as causas de loucura,
é preciso ainda colocar o pavor, e o diabo desequilibrou mais de um cérebro.
Sabe-se o número de vítimas que foram feitas, abalando-se mentalidades fracas
com esse quadro, que se esforçam para tornar mais apavorante, através de
horrendos detalhes? O diabo, dizem, só assusta as criancinhas; é um freio para
torná-las bem-comportadas; sim, como Bicho-papão e o Lobisomem e, quando não
têm mais medo deles, fi cam piores do que antes; e, para atingir esse belo
resultado, não se leva em conta o número de epilepsia causadas pelo abalo de
um cérebro delicado. A religião seria bem frágil se, por falta de temor, seu
poder pudesse estar comprometido; felizmente, não é assim. Ela tem outros meios
de agir sobre as almas; o Espiritismo fornece-lhe meios mais eficazes e mais
sérios, se ela souber utilizá-los em seu proveito; ele mostra a realidade das
coisas e neutraliza, deste modo, os efeitos funestos de um temor exagerado.
DEZESSEIS. Restam-nos a examinar duas
objeções; as únicas que merecem, verdadeiramente, este nome, porque estão
baseadas em teorias racionais. Uma e outra admitem a realidade de todos os
fenômenos materiais e morais, excluem, porém, a intervenção dos Espíritos.
Segundo a primeira dessas teorias, todas as manifestações atribuídas aos
Espíritos não seriam outra coisa senão efeitos magnéticos. Os médiuns estariam
num estado que se poderia chamar sonambulismo desperto, fenômeno que qualquer
pessoa que tenha estudado o magnetismo pode testemunhar. Neste estado, as
faculdades intelectuais adquirem um desenvolvimento anormal; o círculo das
percepções intuitivas estende-se além dos limites de nossa concepção comum. A
partir daí, o médium tiraria de si mesmo e por efeito de sua lucidez, tudo o
que diz e todas as noções que transmite, mesmo sobre as coisas que lhe são as
mais estranhas, no seu estado habitual. Não seremos nós que contestaremos o
poder do sonambulismo, cujos prodígios vimos e estudamos em todas as suas
fases, durante mais de trinta e cinco anos; concordamos em que, com efeito,
muitas manifestações espíritas podem ser explicadas através desse meio; mas uma
observação cuidadosa e atenta mostra uma infi nidade de fatos em que a
intervenção do médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente
impossível. Àqueles que partilham dessa opinião, diremos, como aos outros:
“Vede e observai, pois, certamente, não vistes tudo.” Em seguida, opor-lhe-emos
duas considerações tiradas de sua própria doutrina. De onde veio a teoria
espírita? É um sistema imaginado por alguns homens para explicar os fatos? De
maneira nenhuma. Quem, então, a revelou? Precisamente esses mesmos mé- diuns
cuja lucidez exaltais. Se, portanto, essa lucidez é tal como a supondes, por
que teriam eles atribuído a Espíritos o que tivessem haurido em si mesmos? Como
teriam dado essas informações tão precisas, tão lógicas, tão sublimes sobre a
natureza dessas inteligências extra humanas? De duas, uma: ou eles são lúcidos
ou não o são. Se o são, se tivermos confiança na veracidade deles, poderíamos,
sem nos contradizer, admitir que não estão com a verdade. Em segundo lugar, se
todos os fenômenos tivessem sua origem no médium, eles seriam idênticos no
mesmo indivíduo, e não se veria a mesma pessoa usar uma linguagem disparatada,
nem exprimir, alternadamente, as coisas mais contraditórias. Esta falta de
unidade nas manifestações obtidas pelo médium prova a diversidade das fontes;
se, pois, não se pode encontrá-las todas no médium, é mesmo necessário
procurá-las fora dele. Segundo uma outra opinião, o médium é mesmo a fonte das
manifestações, mas em vez de extraí-las de si mesmo, assim como o pretendem os
partidários da teoria sonambúlica, ele as haure do meio-ambiente. O médium
seria, assim, uma espécie de espelho que refl ete todas as ideias, todos os
pensamentos e todos os conhecimentos das pessoas que o rodeiam; nada diria que
não fosse conhecido, pelo menos de algumas delas. Não se poderia negar, e isto
é mesmo um princípio da doutrina, a influência exercida pelos assistentes sobre
a natureza das manifestações; entretanto esta influência difere, completamente,
daquela que se supõe existir, e daí concluir que o médium seja o eco dos seus
pensamentos, há muita distância, pois milhares de fatos estabelecem,
peremptoriamente, o contrário. Portanto, aí está um erro grave, que prova, uma vez
mais, o perigo das conclusões prematuras. Essas pessoas, não podendo negar a
existência de um fenômeno que a ciência comum não pode explicar e não querendo
admitir a presença dos Espíritos, explicam-no à sua maneira. Sua teoria seria
especiosa, se pudesse abarcar todos os fatos; porém, isto não acontece,
absolutamente. Quando se lhes demonstra, até a evidência, que certas
comunicações do médium são completamente estranhas aos pensamentos, aos
conhecimentos e até às opiniões de todos os assistentes, que essas comunicações
são, muitas vezes, espontâneas e contradizem todas as ideias preconcebidas,
elas não desistem por tão pouco. A irradiação, dizem elas, estende-se bem além
do círculo imediato que nos cerca; o médium é o reflexo da Humanidade inteira,
de tal modo que, se ele não haure suas inspirações dos que estão ao seu lado,
vai busca- las fora, na cidade, no país, em todo o globo e até em outras
esferas. Não penso que se encontre nesta teoria uma explicação mais simples e
mais provável que a do Espiritismo, pois ela supõe uma causa bem mais
maravilhosa. A ideia de que seres que povoam os espaços e, estando em contato
permanente conosco, comunicam-nos seus pensamentos, nada tem que choque mais a
razão do que a suposição dessa irradiação universal, vindo, de todos os pontos
do Universo, concentrar-se no cérebro de um indivíduo. Ainda uma vez, e aí está
um ponto capital, sobre o qual não é demais insistir bastante, a teoria do sonambulismo e a que se poderia chamar reflexiva, foram imaginadas por alguns
homens; são opiniões individuais, criadas para explicar um fato, enquanto que a
Doutrina dos Espíritos não é, em absoluto, de concepção humana; ela foi ditada
pelas próprias inteligências que se manifestaram, quando ninguém disso cogitava
e mesmo a opinião geral a rejeitava. Ora, perguntamos, onde os médiuns foram
haurir uma doutrina que não existia no pensamento de ninguém na Terra?
Perguntamos, além disso, por que estranha coincidência milhares de mé- diuns
disseminados por todos os pontos do globo, que nunca se viram, engajaram-se
para dizer a mesma coisa. Se o primeiro médium que apareceu na França sofreu
influência de opiniões já aceitas na América, por que extravagância foi ele
beber suas ideias a duas mil milhas além mar, junto a um povo estranho pelos
costumes e pela linguagem, em vez de fazê-lo a sua volta? Contudo, há uma
outra circunstância na qual não se tem pensado bastante. As primeiras
manifestações, na França, como na América, não se deram através da escrita, nem
da palavra, mas através de pancadas que correspondiam às letras do alfabeto e
formavam palavras e frases. Foi através desse meio que as inteligências que se
revelaram declararam ser Espíritos. Portanto, caso pudesse supor a intervenção
do pensamento dos médiuns nas comunicações verbais ou escritas, não poderia ser
assim com as pancadas, cuja significação não podia ser conhecida
antecipadamente. Poderíamos citar inúmeros fatos que demonstram, na
inteligência que se manifesta, uma individualidade evidente e uma independência
absoluta de vontade. Remetemos, pois, os dissidentes a uma observação mais
atenta e, se quiserem estudar com afinco, sem prevenção, e não concluir antes
de terem visto tudo, reconhecerão a impotência de sua teoria para tudo
explicar. Limitar-nos-emos a fazer as seguintes perguntas: Por que a
inteligência que se manifesta, qualquer que seja ela, recusasse a responder a
certas perguntas sobre assuntos perfeitamente conhecidos, como, por exemplo, o
nome ou a idade do interrogador, o que ele tem na mão, o que ele fez na véspera,
seu projeto para o dia seguinte, etc? Se o médium fosse o espelho do pensamento
dos assistentes, nada lhe seria mais fácil do que responder. Os adversários
retrucam o argumento, perguntando, por sua vez, por que Espíritos que devem
saber tudo, não podem dizer coisas tão simples, conforme o axioma: Quem pode
mais, pode menos, e, daí, concluem que não são Espíritos. Se um ignorante ou um
gozador, apresentando-se diante de uma douta assembleia, perguntasse, por
exemplo, por que é que é dia em pleno meio-dia, alguém acreditaria que ela se
desse ao trabalho de responder seriamente e seria lógico concluir, pelo seu
silêncio ou zombarias que dirigisse ao questionador, que seus membros fossem
apenas tolos? Ora, é precisamente porque os Espíritos são superiores que não
respondem a perguntas fúteis e ridículas, e não querem ser colocados em apuros;
é por isso que se calam ou dizem ocupar-se com coisas mais sérias. Finalmente,
perguntaremos por que os espíritos vêm e vão, frequentemente, em dado momento e
por que, passado esse momento, não há preces, nem súplicas que possam trazê-los
de volta? Se o médium apenas agisse pelo impulso mental dos assistentes, é
evidente que, nesta circunstância, o concurso de todas as vontades reunidas
deveria estimular sua clarividência. Se, portanto, ele não cede ao desejo da
assembleia, corroborado pela sua própria vontade, é que ele obedece a uma influência
estranha a si mesmo e aos que o cercam, e que esta influência atesta, por esse
fato, sua independência e sua individualidade. DEZESSETE. O ceticismo, no
tocante à Doutrina Espírita, quando não é o resultado de uma oposição
sistemática interessada, quase sempre tem sua origem num conhecimento
incompleto dos fatos, o que não impede certas pessoas de resolver a questão
como se a conhecessem perfeitamente. Pode-se ter muita inteligência, até instrução
e carecer-se de bom-senso; ora, o primeiro indício de falta de bom-senso é
acreditar que o seu é infalível. Muitas pessoas também vêem nas manifestações
espíritas apenas um objeto de curiosidade; esperamos que, pela leitura deste
livro, elas encontrem nesses fenômenos estranhos algo a mais do que um simples
passatempo. A ciência espírita compreende duas partes: uma, experimental, sobre
as manifestações em geral; a outra, filosófica, sobre as manifestações inteligentes.
Quem quer que apenas tenha observado a primeira está na posição daquele que só
conhecesse a Física pelas experiências recreativas, sem ter penetrado no âmago
da Ciência. A verdadeira Doutrina Espírita encontra-se no ensino dado pelos
Espíritos e os conhecimentos que este ensino comporta são graves demais para
serem adquiridos de outra forma, que não por um estudo sério e contínuo, feito
no silêncio e no recolhimento; pois, apenas nessa condição, pode-se observar um
número infinito de fatos e de particularidades que escapam ao observador
superficial e permitem firmar uma opinião. Tendo este livro, como resultado,
apenas o de mostrar o lado sério da questão e provocar estudos nesse sentido,
já seria muito, e felicitar-nos-íamos por ter sido escolhido para executar uma
obra pela qual aliás, não pretendemos ter nenhum mérito pessoal, já que os
princípios que ela encerra não são criação nossa; o mérito cabe inteiramente,
portanto, aos Espíritos que a ditaram. Esperamos que dê um outro resultado, o
de guiar os homens desejosos de se esclarecer, mostrando-lhes, nestes estudos,
um grande e sublime objetivo: o do progresso individual e social e o de
indicar-lhes o caminho a seguir para atingi-lo. Terminemos por uma última
consideração. Astrônomos, sondando os espaços, encontraram, na distribuição dos
corpos celestes, lacunas não justificadas e em desacordo com as leis do
conjunto: suspeitaram que essas lacunas deviam ser preenchidas por globos que
tivessem escapado ao seu exame; de outro lado, observaram certos efeitos cuja
causa lhes era desconhecida e disseram: ali, deve haver um mundo, pois esta
lacuna não pode existir e estes efeitos devem ter uma causa. Então, julgando a
causa pelo efeito, puderam calcular seus elementos e, mais tarde, os fatos
vieram legitimar suas previsões. Apliquemos este raciocínio a uma outra ordem
de ideias. Se se observa a série dos seres, julga-se que eles formam uma
corrente sem solução de continuidade, desde a matéria bruta até o homem mais
inteligente. Porém, entre o homem e Deus, que é o alfa e o ômega de todas as
coisas, que lacuna imensa! Será racional pensar que nele terminem os elos dessa
corrente? Que ele transponha, sem transição, a distância que o separa do infinito?
A razão nos diz que entre o homem e Deus deve haver outros degraus, como ela
disse aos astrônomos que, entre os mundos conhecidos, devia haver mundos
desconhecidos. Que filosofia preencheu esta lacuna? O Espiritismo no-la mostra
preenchida pelos seres de todas as ordens do mundo invisível, e estes seres são
apenas os Espíritos dos homens, que chegaram aos diferentes degraus que
conduzem à perfeição; então, tudo se liga, tudo se encadeia, desde o alfa até o
ômega. Vós, que negais a existência dos Espíritos, preenchei, portanto, o vazio
que eles ocupam; e vós, que deles rides, ousai, pois, rir das obras de Deus e
da sua onipotência. O Livro dos Espíritos. www.espiritismo.net.com.br. Abraço. Davi.
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