segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

I. Cultivando Emoções Construtivas.



Budismo Tibetano. Cultivando Emoções Construtivas. Na tarde do dia 15 de setembro de 2011 sua Santidade o Dalai Lama falou em São Paulo, Brasil sobre emoções construtivas. A palestra foi transcrita por Isabel Poncio. Esta manhã, numa palestra, tive a oportunidade de falar sobre o afeto, sobre a importância das qualidades que vêm do coração, da importância do calor que vem do coração e de como isso é um fator crucial para trazer felicidade para nossa vida, para criar a amizade. Todos os mamíferos, cachorros, gatos, elefantes e até mesmo os pássaros que vivem em comunidade, todos esses seres têm uma experiência de felicidade e esse sentimento não somente é agradável como é necessário para a sobrevivência da espécie. Esse é um fator que aparece naturalmente, faz parte da natureza, e também faz parte da natureza dos seres humanos enquanto animais sociais. Todos nós, desde o nosso nascimento, crescimento e especialmente na nossa primeira idade, estamos sujeitos ao afeto e ao cuidado das nossas mães, fomos nutridos pelo leite das nossas mães. Se esse corpo que nós carregamos hoje se desenvolveu numa atmosfera de afeto e as pessoas que, em tenra idade, receberam uma quantidade máxima de afeto de suas mães ou de seus familiares, são pessoas que trazem consigo, num nível bastante profundo, uma sensação de segurança e serenidade. Ao contrário, as pessoas que, nesta primeira fase, não tiveram o mérito de receber afeto de sua mãe ou de seus parentes ou se, ainda pior, foram vítimas de maus tratos, essas pessoas, não importa a aparência externa que elas possam manifestar, vão deixar transparecer a sua insegurança, o seu medo e a sua desconfiança. Elas terão muito mais dificuldade de tocar o outro, de se comunicar com o outro, de estabelecer verdadeiras relações de amizade; isso é muito mais fácil para uma pessoa que tenha recebido afeto na sua infância. E, se dentro de uma família existe uma pessoa infeliz, isso vai afetar o clima de toda a família; ao contrário, se existe uma pessoa muito alegre e calorosa, esse sentimento se espalha, há uma influência positiva para tornar essa família compassiva e afetuosa. Todas as grandes tradições religiosas do mundo, como é o caso do Budismo e das religiões teístas,  aquelas que propõem a ideia de um Deus, todas têm uma mensagem comum: mensagem de amor, compaixão, tolerância e perdão; todas essas tradições falam sobre esses valores humanos, todas as religiões enfatizam esses fatores cruciais, essenciais à raça humana. Eu usei a expressão “valores humanos” e por que eu usei esse termo? Porque esses valores são úteis à nossa felicidade; são até mesmo necessários à nossa existência e eu uso a expressão “valores humanos” porque eles não vêm necessariamente associados a uma crença religiosa, tampouco eles são algo imposto, por exemplo, por um governo. Esses valores são relevantes à nossa vida, tanto para uma pessoa que tenha uma religião, uma fé, uma crença quanto para uma pessoa que não tenha uma crença. Mesmo uma pessoa agnóstica, que se oponha à religião, ela também precisa de afeto, igualmente ela cresceu nutrida pelo afeto. Eu acredito que nos primórdios da humanidade, há muitos milênios atrás, os seres humanos viviam em comunidade e o que conseguiam obter, compartilhavam entre si; provavelmente havia um espírito de cooperação entre essas comunidades e também um sentimento de amizade. Com o decorrer dos séculos e com o aumento da população, a vida do homem foi se tornando mais sofisticada, apareceram novas habilidades, profissões foram desenvolvidas, e assim, foram criadas as classes entre os seres humanos e, no decorrer desse processo, a minha impressão é que se esqueceu que todos aqueles seres humanos formavam uma comunidade única, passou-se a ter um sentimento de “meu grupo” em oposição ao grupo do outro lado. Nos últimos três séculos, nós assistimos ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia; os seres humanos não só desenvolveram como começaram a se maravilhar com os progressos oferecidos pela tecnologia e pela ciência. A partir desse interesse, também se desenvolveu o sentimento de que as secções religiosas eram uma coisa antiquada, mas se nós olharmos para a tecnologia, para o dinheiro, veremos que essas coisas não têm sentimento, não trazem intrinsecamente uma noção de bem e de mal; a nossa noção de bem e mal está muito ligada à nossa experiência de prazer e de dor. As coisas que nos trazem prazer e felicidade, nós as chamamos de boas, positivas; ao contrário, as que nos trazem sofrimento, nós as chamamos de negativas: é assim que nós diferenciamos, estabelecemos critérios, para definir o que é positivo e o que é negativo; nós nos baseamos nos sentimentos que as coisas produzem. Mas se olharmos para a matéria, ela não traz intrinsecamente essa noção do certo ou do errado, do bom ou do mau; a matéria não tem a capacidade do pensamento e à medida que valorizamos muito as coisas materiais, nós vamos esquecendo e negligenciando os valores humanos. Na segunda metade do século passado, algumas pessoas, embora tivessem muito sucesso, se tornassem muito ricas contando com todo o tipo de recurso à sua volta, ao seu dispor, ainda assim, essas pessoas traziam o sentimento de que alguma coisa parecia estar faltando; apesar de serem abastadas, poderosas e influentes, muitas ainda experimentavam infelicidade. Ficou então patente que os recursos materiais não conseguem nos proporcionar paz interior; esse é um fator a ser levado em conta. Um segundo fator é que, com as pesquisas científicas, a ciência médica passou a se interessar mais sobre as emoções e sobre a mente humana; constatou-se que a influência das emoções e da mente sobre a recuperação da saúde, por exemplo, é de grande importância. Também se desenvolveu o conhecimento científico sobre o cérebro humano; mais pesquisas são feitas nesse campo e quanto mais profundas elas são, mais os cientistas esbarram num fator misterioso; porém, ainda que não exista uma compreensão absoluta do que seja a mente, ela continua sendo um grande desafio para a ciência. Os cientistas porém já reconhecem que há uma influência da mente ou dos pensamentos sobre o cérebro; reconhecem até mesmo que o cérebro fisicamente se modifica. Os cientistas, no passado, não se interessavam tanto pela mente, simplesmente achavam que a mente era uma reação, mas agora, cada vez mais, colocam perguntas sobre o que é a mente. Esses dois tópicos: a percepção de que os valores materiais não são suficientes para nos trazer felicidade e o campo da ciência e das pesquisas que, apesar dos mistérios ainda ligados à mente, é um campo que se abriu para a pesquisa científica e o interesse da ciência. Ontem de manhã e à tarde, estivemos reunidos com neurocientistas que estudam o cérebro e, como parte de suas pesquisas, eles têm estudado o efeito que o treinamento da mente produz sobre a saúde humana. Foi descrito um experimento onde os cientistas medem a pressão arterial, medem o nível de stress de uma pessoa; posteriormente, essa pessoa passa por um treinamento da mente sobre a compaixão e, ao final desse treinamento, mede-se novamente a pressão arterial e verifica-se que ela baixou; é testado o nível de stress e os resultados científicos mostram a redução desse nível. Para uma pessoa com nível de stress mais baixo, fica mais fácil estabelecer relações sociais e essa pessoa passa a ser mais feliz; os cientistas então têm mostrado interesse em pesquisar essa questão dos valores internos. Eu tenho um sentimento de que as pessoas em geral, as pessoas comuns, o público, em geral, experimentam uma frustração que existe no mundo moderno: mesmo aqueles países que são democráticos, onde o governo é eleito pelo povo, aqueles países que têm o Poder Judiciário independente, onde há liberdade de imprensa, ainda assim se vê muita injustiça e isso traz uma sensação de frustração. Com isso, mais e mais, vemos pessoas que tomam consciência de que falta cultivar valores éticos na nossa sociedade, falta a incorporação da moral e da ética; começa então, entre professores, cientistas e educadores, a aparecer esse sentimento da importância da ética e da moral na educação e a percepção de como isso não está presente no nível em que deveria estar. Todas as grandes tradições religiosas do mundo vão cultivar esses valores internos, a moral e a ética, mas é fundamental, como premissa básica, que exista harmonia entre as diferentes tradições religiosas porque se isso não acontecer, se houver rixas e inveja entre as tradições religiosas, como pode o religioso ter a pretensão de querer ensinar, propagar algum tipo de valor ético? Certamente alguém iria apontar, “mas você próprio se envolve com brigas, com intolerância, você é o primeiro que deveria estar cultivando paciência e compaixão!” É fundamental que haja um esforço, uma determinação, entre as diferentes tradições religiosas para se encontrar a harmonia e uma convivência pacífica entre elas; se a pessoa se diz religiosa, se ela é adepta dos preceitos de uma religião, é fundamental que ela se conduza de uma forma honesta e verdadeira porque, caso contrário, qual é a condição de uma pessoa que faz orações a Deus e quando se levanta e sai para a sua vida, se envolve, por exemplo, com corrupção? Isso não faz sentido nenhum. Eu só vejo duas possibilidades: ou você é uma pessoa que não tem nenhum envolvimento religioso então, tudo bem se você se envolve com injustiça, com corrupção, com trapaças, mas se você se diz religioso, se você dá importância à ética, então você não pode se envolver com esse tipo de sujeira; só existe uma conduta ou outra, não existe um terceiro caminho e eu acho que as pessoas que são religiosas deveriam, em suas orações, pedir que os falsos religiosos sejam condenados. Em países onde não há liberdade de expressão, onde não há um judiciário independente, onde apenas se valoriza o poder e o dinheiro, a ética fica relegada ao abandono, como acontece na China. Mesmo em países onde há total liberdade, governo eleito pelo povo, como na Índia e no Brasil, ainda assim existe a corrupção que passa até a ser uma forma de vida, passa a ser uma coisa aceitável por uma parte da sociedade. Todas as grandes facções religiosas do mundo, apesar das grandes diferenças filosóficas que existem entre elas, todas veiculam a mesma mensagem: de amor, compaixão, perdão, auto disciplina, justiça e honestidade. Todas falam sobre esses valores e, mais importante, todas oferecem instrumentos para podermos cultivar esses valores com o objetivo de criar uma comunidade humana saudável e feliz. Dentro dessas tradições religiosas, encontramos dois grandes grupos: de um lado as religiões teístas (acreditam num Deus pessoal e absoluto) e, de outro lado, as que são não-teístas (percebem Deus como um princípio contido em todas as coisas). Na categoria das que são não-teístas há uma subdivisão: as religiões que acreditam na existência de um Eu independente e aquelas que não acreditam na existência de um Eu independente. O budismo se insere na categoria das religiões não-teístas e é uma religião que não postula a existência de um Eu independente; antes, o budismo fala sobre a lei da causalidade. Essa ausência de crença num Eu independente é um conceito único do budismo. O budismo vai falar naquilo que se chama originação interdependente que em sânscrito é pratityasamutpada. No budismo, encontramos duas tradições: a tradição páli e a tradição sânscrita. A tradição páli forma a base do budismo, ela por si só consegue se manter, ela é completa; a tradição sânscrita, ao contrário, depende da tradição páli. A tradição páli é o alicerce sobre o qual se assenta a tradição sânscrita. Mas a tradição budista que vem do sânscrito contém as explicações mais sofisticadas e mais profundas que o budismo tem a oferecer. http://www.bodisatva.com.br. Abraço. Davi.

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