Budismo
tibetano, o grande mestre Jamgon Kongtrul Rinpoche (1954- ), esteve
no Rio de Janeiro em 1988 para fundar o primeiro templo do budismo tibetano no
Brasil, a KTC, Karma Theksum Chokorling, no
bairro da Vargem Grande. A KTC é sede oficial de S. S. Karmapa para a América Latina. Nessa oportunidade o
grande mestre, o III Jamgon Kongtrul concedeu ensinamentos. “O
budismo não é um fenômeno cultural. Não é do Oriente nem do Ocidente. O budismo
é essencialmente chegar a ver as coisas como tal. O budismo é basicamente
compreensão, e todas as pessoas têm essencialmente o potencial para praticar a
sanidade absoluta. Neste sentido, o budismo não é uma crença de indivíduos ou
grupos. É uma correlação do conhecer com a experiência baseada no potencial dos
próprios seres. Os ensinamentos budistas têm a capacidade de adaptar-se a
qualquer contexto cultural. A razão disto é que baseiam-se na natureza
fundamental dos seres e coisas. No que diz respeito à abordagem filosófica do
budismo, está além de qualquer forma. Está na compreensão de ser transcendente
à forma. A verdade está além da forma. A verdade condicionada está sujeita à
mudança e, assim, está aquém do absoluto. Não podem subsistir duas verdades
absolutas, pois então não haveria a verdade absoluta. Quando passamos da
abordagem filosófica chegamos na verdade experienciada. Quando falamos de
verdade e realização não estamos falando de especulações e imaginação. Não se
trata de uma crença do tipo “isto deve ser assim”, mas a experiência fala por
si mesma. Quando integramos a verdade filosófica à prática, isto envolve
métodos específicos e práticas que aplicamos na vida diária em relação a nossa
conduta externa e intenções mentais. Estes métodos, no contexto da nossa
realidade relativa, estão relacionados às formas A prática assume uma forma e
gera a tradição, passando a ser vista como uma crença religiosa. Vamos discutir
alguns aspectos da visão budista. Todos nós, seres sensoriais, desejamos nos
libertar do sofrimento e da dor. Com este sincero desejo de libertação nos
dedicamos a todas as atividades, e tudo a que nos dedicamos visa a libertação
de mais sofrimento. Enquanto prosseguimos nossas vidas, é difícil e raro que
consigamos o que buscamos: ser feliz com o que atingimos. Tão pronto chega-se a
algo, há felicidade superficial e, por trás disto, impossibilidade de
satisfação. Quanto mais temos, mais insatisfeitos nos sentimos, ou seja, há a
ausência de um sentido de moderação. A mente, por seus hábitos, não conhece
limites, e daí mais e mais sofrimentos decorrem. Assim, o sofrimento é
contínuo. Isto não são palavras, mas é experiência. Como não realizar a
liberdade se a procuramos? A questão é que nossa abordagem é confusa com
respeito ao sofrimento. Nossa abordagem é ficar livre do sofrimento, mas não
sabemos como encontrar o conhecimento de olhar internamente a causa do
sofrimento. Quando
nos libertamos da prática externa e da experiência do sofrimento, nos
libertamos só na superfície, sem tocar no aspecto fundamental. O que fazemos é
tentar evitar a experiência do sofrimento. Temos a noção de que o
sofrimento é algo errado, algo externo, e tentamos ficar afastados tanto quanto
possível. A fuga não dá frutos sem que se localize a causa deste sofrimento, e sem dela nos
libertarmos não nos libertaremos de sua experiência. É equivocado pensar em
afastar-se da experiência sem afastar-se da causa. É uma visão errada colocar o
sofrimento como algo externo, como originado de fora. O sofrimento depende de
circunstâncias externas, mas estas não são a causa em si do sofrimento. Quando
permitimos que o exterior nos influencie, isto é uma permissão.
O primeiro discurso do Budha
Sakiamuni foi justamente sobre a questão do sofrimento: 1.
Entender o sofrimento, chegar a esta compreensão. Buscar entender a verdade do
sofrimento em lugar de buscar a eliminação do sofrimento. Compreender a verdade
do sofrimento. Mas o que é compreender a verdade do sofrimento? Compreendendo a
verdade do sofrimento pode-se chegar à causa do sofrimento. O sofrimento não
acontece apenas, mas tem uma origem. A natureza é dependente de causas; não há
resultado sem causas. 2.
A causa do sofrimento pode ser eliminada. A causa do sofrimento é um conflito
de emoções e karma; tendências várias agrupadas. Karma, ignorância e hábitos
são inseparáveis. Ignorância, no budismo, significa a crença em um ego
independente. Devido a isto, há a fixação referencial aos outros. Devido
à forte crença na dualidade eu outro, há a permanência da separação
sujeito objeto e o dualismo de eternalismo versus niilismo (redução ao nada; aniquilamento; não existência). Nossa tendência
normal é crer que as coisas existem permanentemente (o que é o eternalismo),
mas nada é permanente, e quando há mudança, isto nos perturba pois cremos no
permanente. A realidade do mundo nos confronta. Assim, não é a mudança que traz
o sofrimento, mas é a crença no eternalismo. Isto traz o sofrimento até nós. Os
fenômenos existem interdependentes. Tudo existe assim, e o que é
interdependente não é permanente. A outra alternativa seria o niilismo, a inexistência
de tudo. Criado o conflito do eternalismo versus niilismo, estamos, de qualquer
maneira, presos à dualidade. Portanto, geramos o sofrimento tanto de um extremo
como do outro. Esta noção dual de sujeito objeto nos induz ao surgimento de
atividades mentais como agressão, raiva, desejo, apego, ignorância, ciúme,
(...). Nos ensinamentos do Budha falamos de cinco tendências que geram o
sofrimento. Estas tendências são o karma. Karma é o potencias de chegar a
frutificar em resultados. Devido a estas tendências que falamos, atuamos de
modo confuso, agimos de forma nociva com o corpo, palavra e mente, o que conduz
a uma maior acumulação de tendências e karma. Quanto maior a acumulação, mais
ações nocivas ocorrem e, sem qualquer controle, caímos em um ciclo vicioso auto
criado. Temos a crença que somos seres humanos e, então, espertos. Controlamos
nossa vida, decisões, (...), e gostamos de crer que fazemos coisas pela nossa
vontade. Se nosso desejo é viver mais e mais sofrimento, então nossas decisões
estão corretas. Nossas visões não vêm de compreensão correta, mas de nossas
distrações. Somos completamente atraídos e envolvidos pelas nossas tendências e
distrações. Um exemplo disto: a raiva. Ninguém deseja ficar zangado e com
raiva; como se chega a isto sem desejar e sem controle? E o controle que
pensávamos ter? Quando estamos com raiva e perturbados, todos os tipos de
bobagens são ditas, tantas e tais coisas que nem sabemos o que falamos, o corpo
treme (...). Quando isto passa, olhamos para trás, vemos com inteligência, e
muitas vezes dizemos: não foi correto. Fica claro que não queríamos dizer o que
dissemos, fazer o que fizemos, e nos aborrecemos por isso. Quem já viveu isso
não diz ter sido bom. Não é feito sob o nosso controle. Não só nossa vivência
de raiva veio e perturbou, mas seres humanos outros nos diriam, “fiquei muito
assustado com sua raiva”. Nossa experiência de sofrimento surge da experiência
de uma mente confusa, e esta, da experiências de hábitos confusos. Segundo a
tradição budista, se não somos capazes de examinar e gradualmente ganhar
liberdade frente às tendências habituais da nossa mente, nunca vamos nos
libertar do sofrimento e insatisfação. Arranjar as coisas externamente não vem
ao caso. As circunstâncias externas e nossa reação são projeções mentais
nossas. Para alguém libertar-se dessas tendências habituais, a ênfase é
desenvolver a estabilidade da mente e daí a mente consciente e atenta, sem a
qual não temos controle. Para experimentar uma maior estabilidade da mente
consciente e atenta, pratica-se a meditação. Meditação é o desenvolvimento de
práticas e hábitos da mente que conduzem a mais e mais familiaridade com a
estabilidade e clareza desta mente. Assim, a palavra budismo significa o
caminho internalizador, significa voltar a atenção para o interior e examinar a
mente, e operar com ela para dentro. Aí a questão, por acreditarmos que o
problema é externo, equivocadamente o vemos lá fora. Na tradição existem vários
estágios, de acordo com as necessidades e capacidades das pessoas, e um destes
é especialmente importante: a estabilidade e clareza da mente. Existimos para
isto. E só após este grande trabalho é possível compreender a importância de
desenvolver um coração suave e bondoso e, reconhecendo a própria capacidade, bodhicita, voltar-se aos outros. É
importante para os indivíduos compreender que a fonte do sofrimento é interna.
O potencial para a libertação está também dentro. Sem controle nada podemos
fazer e nada merecemos. Na verdade, temos a capacidade de iluminação total. A essência
do ensinamento do Budha Sakiamuni é esta: não devemos cometer nenhuma ação
nociva, devemos evitar o egoísmo e evitar de ferir os outros por palavras,
ações ou pensamentos. Não permita que sua mente seja dominada pelas emoções
cegas (kleshas, nyon mongs).
É preciso perseverar na prática da ação completamente sã e, através da
compaixão, fazer o que os outros precisam. Abandonar o nocivo, praticar a
sanidade. Praticar a mente totalmente descondicionada. Praticar a total não
agressividade e a bondade e suavidade libertas. Alcançar este estado é o
ensinamento do Budha e sua experiência. Para concluir: É ótimo que pratiquem a
meditação. Sentem com vocês mesmos em lugar de sentar com os outros.
Conhecer-se melhor, já que é com cada um que cada um vive e não com o outro.
Surpresas agradáveis terão. Somos mais agradáveis e temos mais recursos do que
imaginávamos. O Budha e a iluminação não estão fora, nem temos que aguardar
ajuda externa mas apenas vivenciar o próprio potencial. É nossa
responsabilidade conhecermo-nos melhor. Existem oportunidades de ajuda e apoio
não apenas para ajudarmos a nós mesmos, mas quanto melhor nos sentirmos, mais
generosos e bons seremos com os outros. Qualquer um, usando inteligência e
método, terá êxito”. http://www.botisatva.com.br.
Abraço. Davi.
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