Budismo Tibetano. Fala do Mestre
Thich Nhat Hanh (1926- ). Traduzido no
português por Claudio Miklo. Querida Sangha, (comunidade budista) hoje é o
quinto dia de abril, 1998. Nós estamos em Upper Hamlet, Thenac – França, no
Retiro da Primavera. Agora nós iremos à liturgia para a manhã de quinta-feira.
Ela inclui o Sutra do Conhecimento do Melhor Modo de Viver Sozinho, e o Sutra
nos Quarenta Versos ou Ratnagunasamcaya. O Sutra do Conhecimento do Melhor Modo
de Viver Sozinho é chamado o Bhaddekaratta Sutta em Pali. Pertence ao Majjhima
Nikaya, 131. Saber como viver sozinho não pretende aqui significar viver em
solidão, separado de outras pessoas, numa caverna na montanha. "Viver
só" significa aqui viver para atingir o domínio de você mesmo, ter liberdade,
e não ser arrastado pelo passado, não ter medo do futuro, não ser tragado pelas
circunstâncias do presente. Nós sempre somos mestres de nós mesmos, podemos
lidar com a situação como ela é, somos donos da situação e de nós mesmos. Há
muitos pontos no Sutra onde o Buddha diz que "estar só" não significa
ficar separado de outras pessoas. Nós podemos estar sentados em uma caverna,
mas não estaremos necessariamente sozinhos, porque nos perderemos em nossos
pensamentos, e assim não estaremos sós. No Majjhima Nikaya há pelo menos quatro
sutras que falam sobre a questão de saber viver só, e no Madhyama Agama há
também sutras que falam sobre a questão de viver só. Portanto, sabemos que a
questão de viver sozinho é um assunto muito importante nos ensinamentos do
Buddha. Nós temos de saber como fazer isto, como viver em liberdade, não sermos
aprisionados pelo futuro e não sermos arrebatados pelas coisas no presente. O
Sutra do Conhecimento do Melhor Modo de Viver Sozinho nos ensina como viver
cada momento de nossa vida diária muito profundamente. Quando nós podemos viver
nossa vida diária profundamente, começamos a adquirir concentração e sabedoria;
nós podemos ver a verdadeira natureza da vida, chegamos a uma grande liberdade,
e liberdade é a essência da felicidade. Se nós estamos sofrendo, é porque não
somos livres, e então praticar é recuperar nossa liberdade. Quando nós temos
liberdade, ficamos sólidos. Liberdade e solidez são as duas características do
Nirvana, assim precisamos de um programa de liberdade e solidez. Se alguém está
sofrendo, sabemos que esta pessoa não está livre; e porque não são livres, as
pessoas estão sofrendo, elas estão aprisionadas pelo passado, ou elas estão
sendo oprimidas pelo presente, ou elas estão sendo arrebatadas pelo futuro, e é
por isso que elas estão sofrendo. A prática é restabelecer nossa liberdade, e
então nós não sofreremos, e nossa felicidade aumentará. Os mais velhos
comentários sobre o modo melhor de se viver só, ou de como viver profundamente
no momento presente, são achados neste Sutra. Por exemplo, alguém ouve o médico
dizer, "Você tem câncer, você viverá durante mais seis meses”. Aquela
pessoa se sentirá completamente arrasada. O medo, a ideia de que vamos nos
extinguir em seis meses afasta toda nossa paz e alegria. Antes que o médico nos
falasse que estávamos com câncer, tínhamos a capacidade de nos divertir com
nossos amigos. Porém, uma vez que o médico nos diz aquilo, perdemos toda nossa
capacidade para se sentar e desfrutar de nosso chá, ou desfrutar nossa comida,
ou contemplar a lua, porque estamos com tanto medo do momento em que
morreremos. Isso nos tira toda nossa liberdade. Se você sabe que a morte é algo
que acontece a todo o mundo, não sofrerá tanto. O médico diz que nos resta seis
meses para viver, mas o médico também morrerá. Talvez o médico saiba que nós
temos seis meses, mas o médico não sabe quantos meses ele mesmo tem para viver.
Talvez o médico morra antes de nós. Talvez dirigindo para casa depois das
consultas ele venha a sofrer um acidente, portanto o conhecimento do médico não
é tão grande. Ele fala que só nos resta seis meses. Nós podemos talvez ser
afortunados por viver mais seis meses, pois o médico poderia morrer antes de
nós. Assim se olharmos profundamente nós veremos coisas que, se não olhássemos
profundamente, não veríamos. Olhando profundamente nós podemos resgatar nossa
liberdade do medo, e com esta liberdade, com nosso não-medo, podemos viver
felizes esses seis meses. Todos nós somos iguais no que diz respeito à vida e
morte: estamos todos morrendo. Assim ela é igual, acontecerá a todo o mundo. Todo o mundo tem
de morrer, mas antes de nós morrermos, vamos viver corretamente. Eu estou
empenhado em viver corretamente até morrer. Esta é uma coisa muito consciente
de se dizer. Se nós vamos morrer, então temos que viver o melhor possível, e se
nós podemos viver seis meses do melhor modo, então a qualidade destes seis
meses será tal como se estivéssemos vivendo durante seis anos, ou sessenta
anos. Se nossa vida está envolvida nas correntes do sofrimento, então nossa
vida não tem o mesmo sentido de como se vivêssemos em liberdade. Assim, sabendo
que nós temos de morrer, eu estou empenhado em viver minha vida corretamente,
profundamente. Todos nós temos que morrer, mas se nós não podemos viver em paz,
alegria, e liberdade antes que nós morramos, então nós vivemos como se já
estivéssemos mortos, até mesmo antes disto acontecer. Em primeiro lugar, o
Buddha nos ensina que temos de lutar para resgatar nossa liberdade, para poder
viver os momentos de nossa vida diária profundamente. Nestes momentos de nossa
vida diária nós podemos ter paz, podemos ter alegria, e podemos curar o
sofrimento que temos em nossos corpos e em nossas mentes. Vivendo profundamente
em cada momento de nossa vida nos ajuda a estar em contato com as maravilhosas
coisas da vida, nos ajuda a nutrir nosso corpo e nossa mente com estes
elementos maravilhosos, e ao mesmo tempo nos ajuda a envolver e transformar o
sofrimento que sentimos. Assim viver profundamente no momento presente de nossa
vida diária é viver uma vida de maravilhas, nutrição, e cura. Vivendo assim
podemos resgatar nossa liberdade, e viver profundamente: nós fazemos surgir a
verdade, despertamos o entendimento, e nossos medos, nossas ansiedades, nossos
sofrimentos e nossas tristezas evaporarão, e nos tornaremos uma fonte de
alegria e de vida para nós mesmos e para aqueles ao nosso redor. De acordo com
Budismo, este é o método de vivenciar com felicidade o momento presente.
Observando cuidadosamente, nós veremos que estes comentários do Conhecimento do
Melhor Modo de Viver Sozinho são os mais antigos textos humanos sobre como
viver o momento presente, assim este é um Sutra muito importante. Nós
deveríamos estudá-lo cuidadosamente, e então aplicá-lo em nossas vidas e na
nossa prática. Sabemos que todos os ensinamentos relacionados com o ensino
sobre viver no momento presente deveriam ser estudados da mesma maneira. Havia
um monge cujo nome era Thera. Seus amigos provavelmente lhe deram o nome Thera,
que quer dizer "o ancião." Aquele monge gostava de viver sozinho. Ele
sempre saia para o pedido de esmolas sozinho. Ele gostava de fazer a meditação
andante sozinho. Ele gostava de comer sozinho, ele gostava de lavar suas roupas
sozinho. Ele realmente gostava de fazer tudo sozinho. Ele parecia gostar de
evitar seus companheiros de prática tanto quanto possível. Todos os monges
tinham ouvido o Buddha louvar o modo melhor de se viver sozinho, mas o modo
como o Buddha usava o significado de "viver só," queria dizer não ser
aprisionado pelo passado, não ser pressionado pelo futuro, e não ser arrebatado
pelo que estava acontecendo no presente. O Buddha não quis dizer que viver só
significa se distanciar e se separar de seus companheiros de prática. Não
obstante, este monge gostava de fazer as coisas sozinho, comendo sozinho, indo
para a cidade sozinho, e evitando outras pessoas. Os outros monges sabiam que
ele gostava de fazer as coisas sozinho, mas eles sentiam que havia algo não
muito certo sobre tal modo de vida. Sentiam que ele realmente não estava praticando
de acordo com o espírito dos ensinamentos de Buddha. Assim os outros monges
foram ao Buddha e disseram, "Senhor Buddha, um de nossos companheiros
praticantes chamado Thera, o ancião, gosta de fazer tudo sozinho: caminhada
meditativa, refeição meditativa, trabalhando sempre sozinho, e nós não sabemos
se viver assim realmente seja viver verdadeiramente só." E Buddha disse,
"Onde este monge está? Peçam-lhe para vir aqui e tomar uma xícara de chá
conosco." Assim os monges foram e convidaram Thera a unir-se a eles, e o
Buddha disse, "Eu ouvi que gostas de viver só. Como tu vives por conta
própria? Por favor dizei-me." E Thera disse, "Senhor Buddha, eu me
sento em meditação só, eu como sozinho, eu lavo minhas roupas sozinho, eu vou à
aldeia para pedir esmolas sozinho ". E o Buddha disse, "Oh, sendo
esta a verdade, então tu realmente vives só. Mas talvez o modo em que vivas só
não seja o melhor modo para viver sozinho, há um modo melhor para se viver
só." E então o Buddha recitou um gatha: "Se tu vives sem ser
aprisionado pelo passado, não sendo pressionado pelo futuro, não sendo
arrebatado pelas formas e imagens do momento presente, vivendo cada momento de
sua vida profundamente, este será o verdadeiro modo de viver sozinho."
Quando Thera ouviu isto, soube que tinha estado vivendo só apenas de forma
externa, e que havia um modo mais profundo para se viver só. O Sutra onde esta
história é contada é chamado o Theranama Sutra, está no Samyutta Nikaya, e
também há um Sutra equivalente no Samyukta Agama, é o de Número 71 no Samyukta
Agama. A essência do Sutra é um poema. O Buddha escrevia poemas, mas os poemas
do Buddha eram idealizados mais para nos mostrar como praticar. O gatha que
fala sobre a arte de viver sozinho é chamado o gatha de Bhaddekaratta.
Bhaddekaratta quer dizer "o melhor modo para viver só." Muitas
pessoas traduziram mal este título: Um mestre traduziu isto como
"praticando durante uma noite." Também há outro mestre que traduziu
este título como "estando presente." A tradução correta é "O
melhor modo de praticar a vida solitária." Este poema diz:
Não persiga o passado.
Não se perca no futuro.
O passado já não existe.
O futuro ainda não veio.
Olhando a vida profundamente como ela é
exatamente no aqui e agora,
o praticante vive
em estabilidade e liberdade.
Não se perca no futuro.
O passado já não existe.
O futuro ainda não veio.
Olhando a vida profundamente como ela é
exatamente no aqui e agora,
o praticante vive
em estabilidade e liberdade.
Toda a essência dos ensinos de
Buddha está contida nestas palavras. Nós sabemos que estabilidade e liberdade
são as duas características do nirvana, e esta é a meta de nossa prática. A
meta de nossa prática é todo aquele momento de nossa vida diária em que podemos
produzir estabilidade e liberdade: caminhando, se deitando, se sentando,
ficando em pé, nós produzimos liberdade e estabilidade. Nirvana é algo que nós
podemos tocar neste exato momento presente, não apenas com nossas mentes, mas
também com nosso corpo. Quando nossos pés estão caminhando de um modo vagaroso,
sólido e livre, então nossos pés estão tocando o nirvana. Tão logo nós
atinjamos estabilidade e liberdade, o nirvana estará lá. O nível de liberdade e
estabilidade nos indica se fomos capazes de tocar o nirvana profundamente. Não
persiga o passado. Existem pessoas que estão cansadas do presente e pensam que
o passado era mais bonito, e que a vida era antes mais bonita. Eles sempre
pensam que o passado era mais bonito. Assim, eles não podem ver a felicidade no
presente. Muitos de nós somos envolvidos neste modo de pensamento. O passado já
não existe mais, e nós o comparamos com o presente, e dizemos que o passado era
mais bonito que o presente; mas mesmo quando tivemos aqueles momentos no
passado nós realmente não os estimávamos então, porque no passado nós não
éramos capazes de viver no momento presente. Nós sempre estávamos correndo em
busca do futuro, e se fôssemos levados agora de volta ao passado, faríamos o
mesmo. Naquele tempo a vida era mais bonita, o sol era mais luminoso, a lua era
mais luminosa -- essas são palavras de uma canção francesa. Existem pessoas que
buscam o passado, não porque elas pensam que o passado fosse bonito, mas porque
o passado lhes fez sofrer, o passado foi um trauma, uma profunda ferida para
elas. Nós sofremos, nós fomos feridos, nós morremos no passado, e essas
profundas feridas estão nos chamando de volta o passado, gritando "Volte
aqui, volte ao passado. Eu sou o objetivo, você não pode me escapar!" Isso
é o que o passado nos diz. Nós somos iguais a ovelhas que correm atrás do
passado, para nos enclausurar, nos encarcerar, nos fazer sofrer. O passado é
também uma prisão muito grande. Nós ouvimos as palavras do passado, e corremos atrás
do passado, recusamos viver nossa vida no momento presente, sempre estamos
regressando para o passado. Assim o Buddha diz, "não persiga o passado.
"Estas são as palavras de nosso mestre: "Não persiga o passado."
Nós deveríamos escrever um poema, como nós podemos escrever um poema de modo a
podermos realizar isto? Às vezes nós estamos sentados com um amigo. Nosso amigo
está sentado lá, mas nós nos sentimos abandonados por ele, porque nosso amigo
está se afogando no passado. Nosso amigo está sentados junto a nós, mas nosso
amigo não estão conosco, nosso amigo está aprisionado pelo passado. Nosso amigo
está lá, mas nosso amigo realmente não está lá. Sabemos que nós estamos
sentados lá, e sentimos que nosso amigo não está sentado lá conosco. Assim nós
achamos um modo para tirar nosso amigo do passado, e dizemos a ele: "Um
centavo por seus pensamentos. Em quê você está pensando? Me fale. Eu lhe darei
dez centavos se você me disser." Aquela pessoa pode despertar,
sobressaltar-se, sorrir e se livrar da prisão do passado. Se somos monges ou
monjas, deveríamos saber fazer isto. Nós deveríamos ser capazes de saber o modo
de libertar nosso amigo de prática que está aprisionado e se afogando no
passado. Nós temos que usar nosso amor, nossa consciência, e nossa amizade, para
ajudar a tirar aquela pessoa da prisão do passado. Se nós somos monges ou
monjas, deveríamos saber como usar nossos irmãos e irmãs de prática para nos
ajudar a sair de nossa prisão do passado. Portanto, viver em um Sangha tem
estes tipos de benefícios! O Sanghakaya nos ajuda a cada passo. O Sanghakaya
nos tira de nossa prisão do passado. O Sanghakaya nos segura pelas mãos e nos
conduz passo a passo ao presente, para que possamos desenvolver a capacidade de
viver pacificamente no presente. O momento quando raspamos nossa cabeça, o
momento quando nosso mestre derrama a água da compaixão em nossa cabeça, este
momento é o momento em que nós estamos renascidos, nascidos uma segunda vez.
Todo o Sangha está presente ao redor de nós, com as mãos unidas, enquanto as
gotas de água compassiva nos penetram. Com a água que é derramada no topo de
nossas cabeças, nos tornamos uma pessoa nova naquele momento. Aquele momento é
o momento quando nós morremos. Nós permitimos ao passado morrer, e permitimos
ao presente nascer. Nosso mestre e o Sangha estão nos trazendo à vida, nos
dando uma alma nova, um corpo novo, um corpo de preceitos, um corpo de Dharma,
e este corpo de preceitos, este corpo de Dharma está protegido pelo Buddha,
Dharma, Sangha e seus preceitos. Não há nenhuma razão para temermos, e não há
nenhuma razão para sentirmo-nos isolados ou sós. Não há nenhuma razão para nós
nos preocuparmos sobre qualquer coisa. Não há nenhuma necessidade de nos
preocuparmos sobre todas as coisas que aconteceram no passado, toda a amargura
do passado. Nós podemos nos ajoelhar, podemos fechar nossos olhos, unir nossas
mãos, e visualizar este momento com a água da compaixão caindo em nossas
cabeças, e podemos nos ver nascendo novamente. Nosso mestre e o Sangha estão
transmitindo-nos o nosso corpo de preceitos, e nós temos o dever de permitir
que nosso mestre e o Sangha nos conduzam passo a passo neste novo caminho. Nós
percebemos que estamos protegidos, estamos seguros, com a segurança do Buddha,
o Dharma e o Sangha e seus preceitos; e nunca antes em nossa vida nós nos
sentimos como neste momento. Se permitimos que o Sangha nos desperte, se
permitimos que nosso mestre nos desperte, veremos que estamos em um estado de
segurança que nunca estivemos antes. Se vivermos assim diariamente, nossos
sentimentos de ansiedade, de medo, desaparecerão. Nós poderemos viver felizes
no momento presente, e cada passo nos levará para a felicidade do momento
presente, para a liberdade. Isso é nossa prática diária. "Não procure o
passado" é o que isto significa. Às vezes não queremos voltar ao passado,
mas o passado coloca suas garras em nós e nos puxa para trás, portanto temos
que organizar as coisas cuidadosamente, e temos que basear nossa organização no
apoio do Buddha, Dharma e Sangha. Nós temos que olhar diretamente no passado e
sorrir para ele, dizendo, "Você já não pode mais me oprimir. Eu estou
livre de você." Só a energia de consciência, as Três Jóias de Buddha,
Dharma, e Sangha, têm bastante poder e força para nos ajudar a ficarmos livres do
passado. Nós percebemos que o passado é apenas um fantasma. Sabemos que o
passado é um fantasma, mas permitimos que o fantasma nos aprisione. Então um
praticante deve saber como ter domínio do presente com a ajuda do Buddha, o
Dharma, o Sangha e os preceitos para que possa voltar ao presente, e não
permitir que os fantasmas do passado nos puxe de volta. "Não persiga o
passado", pode ouvir o Buddha dizer isto para você? Não imagine coisas e
se perca no futuro. O que é o futuro? O futuro é o fantasma número dois? Por que
temos tanto medo do futuro? O que é o medo? Seria o medo os nossos planos sobre
as coisas que acontecerão amanhã? Ou seria nosso medo as projeções que nós
temos do futuro, o amanhã? Talvez isto acontecerá, ou aquilo vai acontecer… nós
projetamos as coisas assim. E isso é o que nos faz ter medo. O medo não ocorre
naturalmente, o medo surge de nossos pensamentos. Nosso pensamento de que isto
acontecerá amanhã, aquilo acontecerá amanhã. Perceba que o futuro é algo que
não está ainda lá. Porque o futuro nunca está lá -- uma vez que "lá"
é o presente. Mas o futuro é um fantasma. Um fantasma gigantesco, que nos suga,
e nosso medo surge de nossas projeções de que amanhã isto acontecerá, ou amanhã
eu serei assim. "O que será de mim amanhã?" Nosso medo está baseado
nisso. E os fantasmas do passado e os fantasmas do futuro são dois fantasmas
com a grande responsabilidade de tirar nossa liberdade. Nós somos os escravos
destes dois fantasmas. O que é Mara? Quem é Mara? Mara é o passado, Mara é o
futuro, esses dois Maras nos seguem e condicionam nossas vidas, nos comandam.
Nós não deveríamos permitir que isto aconteça, não deveríamos sucumbir à
influência destes dois fantasmas. Nós temos que ter uma maneira de lidar com
estes dois fantasmas, e o método é o modo melhor de se viver só, o modo de
viver cada momento no momento presente, não perseguir o passado e não ansiar o
futuro. "O passado não mais existe. O futuro ainda não chegou." Isso
é simples lógica. Todos nós sabemos que o passado é apenas um fantasma, por que
deveríamos ficar tão apegados a ele? E o futuro é apenas um fantasma, por que
temos de ter tanto medo dele? Existe uma coisa, e é o presente, mas nós não
sabemos viver o momento presente, e nós permitimos que o passado e o futuro nos
afogue, nos subjugue. "O passado não mais existe. O futuro ainda não
chegou." Existem outras palavras no Sutra que sejam mais precisas, mais
concisas? Na verdade nenhuma. Vocês deveriam viver seus momentos diários
profundamente, à medida em que acontecem: vivam e saibam que estão vivendo.
Como uma flor, vocês sabem que ela está viva, podem observá-la profundamente,
podem viver profundamente com ela, e podem ver os níveis profundos da flor.
Vocês vivem com um sorriso, vocês vivem com os raios de sol. Todas estas coisas
se tornam os objetos de seu olhar aprofundado. Elas são seus amigos na prática.
O praticante reside na estabilidade e liberdade, e "residir"
significa viver pacificamente. O praticante significa alguém que possui
sabedoria, não significa alguém que adquiriu um título, ou que tenha estado em
uma universidade. Aqui significa alguém que possui sabedoria, quer dizer,
alguém que não é carregado pelos fantasmas do passado, que não é agarrado pelos
fantasmas do futuro, alguém que é capaz de viver de um modo pacífico e jovial,
sempre no momento presente. Esta pessoa pode se sentar quieta, caminhar em paz,
e esta pessoa tem a essência da paz e liberdade dentro de si, e é uma pessoa
sábia. Outro modo de traduzir esta frase seria: "a pessoa sábia reside na
paz com solidez e liberdade." Todos os ensinamentos do Buddha que tem sido
oferecidos, o Dharma, e o Sangha, estão lá para nos ajudar a viver no momento
presente. Quando um monge dá um passo, o monge deve praticar vivenciando-o
pacificamente. Cada passo que o monge dá deve ser sólido e livre, e o monge
está dando passos como o Buddha. Quando uma monja se senta, ela deveria
sentar-se solidamente, como uma montanha, sentando-se em consciência . Nós
sempre estamos sendo carregados pelo passado e pelo futuro, mas no Sangha, todo
o mundo está treinando para praticar o viver no momento presente, assim quando
nós vivemos em um Sangha temos a oportunidade para fazer isto, nos sentar
solidamente. Quando nós comemos, realmente comemos. Nós temos quarenta e cinco
minutos ou uma hora para comer, e estes são quarenta e cinco minutos ou uma
hora de felicidade, porque nós realmente estamos lá. Nós estamos lavando nossas
roupas, e isso é nossa prática. Varrer o chão é nossa prática, limpar o
banheiro é nossa prática. A principal questão sobre a prática é que nós
realmente estamos ali fazendo estas coisas, e temos o Sangha a nos apoiar
nisso. "Nós devemos ser diligentes hoje, esperar até amanhã será muito
tarde." Existe apenas o hoje, vamos fazer o melhor que podemos hoje.
Pessoas nos deram todas as condições para praticar a consciência, e todavia nós
não a praticamos, dizemos que faremos isto amanhã, que não precisamos fazer
hoje. Mas amanhã é muito tarde, devido à impermanência. "A morte vem
inesperadamente, como nós poderemos barganhar com ela?" Então você diz
para a morte, "Oh, eu não tive tempo para praticar corretamente, me dê
alguns dias." Porém, nós não podemos barganhar assim com a morte, não
podemos fazer um acordo com ela. Então a morte se torna algo que nos estimula,
nos motiva, nos ajuda a viver em solidez e liberdade. Assim quando o médico
diz, " Você tem mais seis meses," nós podemos dizer, "Certo,
então eu viverei estes seis meses corretamente." E o médico deveria dizer,
"eu farei o mesmo," porque o médico também não sabe quanto tempo viverá.
Assim o fato de ter que morrer ajuda o praticante a saber que os dias que lhe
restam tem de ser vividos corretamente, solidamente, em liberdade, com
felicidade. Isso é o melhor modo de preparar o futuro para seus descendentes.
Quando o médico diz que você tem seis meses mais para viver, isso é como um
sino de consciência para você. Todos nós temos mais seis meses para viver, ou
sete meses, ou dez anos, e o Buddha diz, "Seja diligente hoje, esperar até
amanhã é muito tarde. A morte vem inesperadamente." A pessoa que sabe como
viver em consciência dia e noite o Buddha denomina "aquele que sabe o modo
melhor de viver só." Aqui eles chamam o Buddha o grande muni. Assim o modo
de viver só é viver residindo na consciência noite e dia. Nós ouvimos falar de
histórias de fantasmas e temos medo, mas nós temos uma tendência a gostar de
ouvir histórias de fantasmas. As pessoas dizem que de acordo com os cientistas
não existem fantasmas, mas claramente existem fantasmas: fantasmas do passado,
fantasmas do futuro, esses dois fantasmas que nós encontramos diariamente.
Quando éramos crianças, os adultos diziam: "Quando você encontrar um
fantasma faça o mudra da paz e diga Om mani padme hum!" e assim aprendemos
isso de cor. E uma noite nós tivemos um sonho, e vimos um fantasma, fizemos o
mudra de paz e dissemos, "Om mani padme hum!" mas o fantasma não
parecia ter ficado com medo. O fantasma apenas ficou lá. Mas aquele tipo de
fantasma que nós vimos em um sonho não era um fantasma ruim. Os fantasmas ruins
são os fantasmas do passado e do futuro. Os fantasmas do passado e do futuro,
embora sejam fantasmas ruins, se nós sabemos lidar com eles nunca cairemos sob
sua influência, só temos que sorrir para eles, só precisamos respirar e
retornar para nossa consciência, e a energia de consciência nos ajudará a
sorrir e dizer "Oh, eu sei que você é um fantasma", e eles não podem
fazer nada para nos ferir, porque naquele sorriso está o Buddha, o Dharma e o
Sangha. A razão de sermos capturados pelos fantasmas do passado e do futuro é porque
não sabemos que eles são fantasmas, e o sorriso que dados para eles é o sorriso
do esclarecimento. Ele possui a consciência inserida nele, assim nós deveríamos
praticar o ato de sorrir para o fantasma do passado, e dizer, "eu sei que
você é o fantasma do passado, e isso é tudo que você é ". E então você
está livre. O fantasma do futuro é o mesmo. Quando temos medo do futuro,
sabemos que o fantasma do futuro está lá. Nós temos de olhar aquele medo, e
temos que dizer, "eu sei que você é apenas um fantasma." Mara aparece
muitas vezes em nossa vida diária. Toda vez que Mara aparece, nós temos que
dizer, "eu sei que você é Mara." E o Buddha sorri e diz o mesmo
quando vê Mara. Nos sutras, Mara sempre está aparecendo e tudo que o praticante
precisa fazer é sorrir e dizer, "eu o reconheço, sei que você é
Mara." Assim quem conhece a prática, sabe que o sorriso de consciência
diante do Mara do passado ou do Mara do futuro é o único modo de lidar com
eles, e quando nós sorrimos assim, isto mostra que temos amor por nós mesmos, e
não fazemos do passado ou do futuro um inimigo. O passado e o futuro não são
nossos inimigos.Agora nós vamos ler desde o princípio o Discurso do
Conhecimento do Melhor Modo de Viver Sozinho: Eu ouvi estas palavras do Buddha
certa vez quando o Senhor estava no monastério no Bosque de Jeta, na cidade de
Sravasti. Ele chamou todos os monges e os instruiu, "Bhikkhus!" E os
Bhikkhus responderam, "Nós estamos aqui." O Abençoado ensinou: "
Eu vos ensinarei qual o significado do conhecimento do melhor modo de viver
sozinho. Começarei com um esboço do ensinamento, e então darei uma explicação
detalhada. Bhikkhus, por favor escutai cuidadosamente”. Abençoado, nós estamos
escutando." O Buddha ensinou: Vemos claramente que o Buddha possui um
poema aqui, e o Buddha tinha composto este poema, pedindo para os monges que
viessem e escutassem-no recitar o poema que compôs, exatamente como o poema que
ele deu ao monge, Thera. O Buddha respondeu muito amavelmente a Thera. Ele
disse, "Viver só como tu vives, comer só, caminhar só, sentar-se só, estes
verdadeiramente são modos de se viver sozinho, mas não são o melhor modo de
viver só." Buddha pensou, "eu tenho que ensinar-vos
corretamente." E então Buddha recitou este poema: "Bhikkhus, qual é
significado de 'perseguir o passado?' Quando alguém pensa sobre o modo como seu
corpo estava no passado, o modo como seus sentimentos estavam no passado, o
modo como suas percepções estavam no passado, o modo como seus fatores mentais
estavam no passado, o modo como sua consciência estava no passado; quando ele
pensa nestas coisas, e sua mente é arrastada e fica apegada a estas coisas que
pertencem ao passado, então esta pessoa está perseguindo o passado. "Quem
é aquela pessoa? Aquela pessoa somos todos nós. Nós todos temos sido vítimas do
passado. Nós fomos feridos no passado. Nosso corpo foi maltratado no passado,
nossos sentimentos foram destruídos no passado, nossas percepções foram
obscurecidas no passado, nossos fatores mentais estiveram envolvidos em
tristeza e lamentações no passado, e nossa consciência tem sido coberta em
ignorância no passado. Em resumo, no passado, uma pessoa que tem forma,
sentimentos, percepções, formações mentais e consciência - nós mesmos no
passado -, tem sofrido e estas experiências, estas impressões estão
cuidadosamente escondidas nas profundidades de nosso inconsciente. E assim não
queremos procurá-las, não queremos relembrá-las, porque toda vez que nos
lembramos delas nós sofremos, nos sentimos triste, nos preocupamos. E pensamos
que se o passado foi assim, como será o futuro? Assim, quando o fantasma do
passado surge -- e ele é seguido de perto pelo fantasma do futuro --, temos
medo do futuro porque nosso passado foi daquela forma. E porque nossas
experiências do passado foram tão tristes, sabemos que se elas forem reavivadas
sofreríamos e não poderíamos aguentar, assim nós rangemos os dentes para acabar
com isso e fazemos o máximo para enterrar todas as nossas experiências passadas
profundamente em nosso inconsciente. Às vezes quando estamos dormindo elas se
agitam dentro de nós e ressurgem, e quanto mais tentamos reprimi-las, mais elas
tentam ressurgir. Nós temos um mecanismo de defesa que faz o melhor possível
para esconder nosso sofrimento de nós mesmos e criar algum tipo de paz e
alegria de um modo superficial. Eis como nós conseguimos continuar vivendo.
Sabemos que há uma bomba, explosivos, profundamente dentro de nossa
consciência, mas que estão encobertos por muitas capas. Nós os enterramos, os
empurramos para baixo, e em nossa vida diária, embora não queiramos pensar
nestas coisas, elas se movem secretamente na periferia e nos dizem o que
deveríamos fazer, nos forçam a fazer coisas. Quando nós falamos, queremos dizer
algo suave, mas não dizemos algo suave porque alguma outra coisa está nos
ordenando do fundo de nós que digamos algo grosseiro. Queremos abrir nossos
corações às pessoas, mas nós não podemos fazer isto, porque estamos sendo
comandados pelos sofrimentos que escondemos profundamente em nossa consciência.
Assim, no passado nosso corpo era assim, nossos sentimentos eram assim, nossas
percepções eram assim, nossas formações mentais eram assim, nossa consciência
era assim. Quando pensamos nestas coisas, e nossa mente é arrastada e fica
apegada a estas coisas que pertencem ao passado, então estamos perseguindo o
passado. Se uma pessoa conscientemente ou inconscientemente regressa ao
passado, esta pessoa ainda está perseguindo o passado. Em primeiro lugar,
estamos feridos pelo passado, e secundariamente, sejam do passado experiências
muito belas ou feridas, essas coisas nos puxam de volta ao passado. Então,
devemos estar atentos de que se não praticarmos sempre seremos uma vítima do
Mara do passado. Buddha não quer dizer que devamos esquecer o passado, ou
enterrá-lo, ou fingir que o passado nunca aconteceu. Não é isso que Buddha dá a
entender. Por que? Porque o passado se tornou o presente, e se nós podemos
viver profundamente o presente podemos transformar o passado. No presente temos
energias de hábito, energias de hábito muito evidentes no presente, e quando
podemos reconhecer esses energias de hábito, e sorrir para essas energias de
hábito, poderemos nos livrar dessas energias de hábito e as transformar.
Deixem-me recordá-los novamente, podemos voltar ao passado de dois modos. Um
modo é conscientemente, expressamente, e o outro é inconscientemente, com um
fantasma puxando-nos de volta ao passado. Ao mesmo tempo, o método de prática
que nós usamos, chamado "vivendo pacificamente no momento presente,"
não é para esconder o fato de que somos influenciados pelo passado, porque todo
o sofrimento do passado, toda a ignorância e paixão do passado, estão presentes
neste momento. Estão presentes na forma do presente, no modo como nós nos
comportamos, no modo como falamos, no modo como caminhamos, essas coisas estão
condicionadas pelo que aconteceu no passado. Portanto temos que viver o momento
presente para que possamos ver claramente o que está acontecendo no presente, e
quando nós vemos claramente, podemos sorrir para isso, e podemos transformá-lo.
O Buddha afirma que a pessoa sábia vive pacificamente no momento presente,
olhando a vida profundamente no momento presente. Há dois modos de viver: o
primeiro é estar em contato com as coisas maravilhosas da vida, as coisas que
têm a capacidade para nos nutrir; assim vivemos no momento presente de modo a
estar em contato com os elementos maravilhosos que têm a capacidade de nutrir e
curar. E o segundo modo é viver no momento presente de forma a olhar
profundamente e poder ver os hábitos, as costumes que estão nos comandando, que
estão nos ordenando que digamos coisas que não queremos dizer, que estão
ordenando que pensemos coisas que não queremos pensar e ordenando que façamos
coisas não queremos fazer, porque eles são destrutivos para nós e para nossa paz.
Só quando vivemos pacificamente no momento presente podemos reconhecer e
transformar tudo isto. E uma vez que nós o transformamos, então o Mara do
passado não pode fazer nada para nos machucar. No passado nós sofremos, e
devido ao nosso sofrimento no passado, temos medo. É por isso que no presente
temos medo. Não há nada tão importante assim do qual devamos ter medo, contudo
nós ainda temos medo. Este medo não está baseado em qualquer coisa - é apenas
um hábito. E devido a este hábito temos padrões de comportamento que provoca
humores que nos faz sentir mal, perdemos nosso bem estar, nosso sentimento de
bem estar. Temos que olhar a vida profundamente como ela é no momento presente
e ver a face destas coisas, estas energias de hábito, e dizermos, "Ah ,isto
é uma energia de hábito; isso é algo que está me impedindo de abrir meu
coração, me impedindo de ser capaz de amar." E quando estamos em contato e
reconhecendo esta energia com um sorriso, esta energia de hábito desaparecerá e
o Mara do passado também será transformado. Então, nesta seção, ensina o Buddha
que se nós nos permitimos retornar ao passado, permitimos ao Mara do passado
nos controlar, e então não temos a oportunidade de viver o presente, e não
seremos nutridos e curados pelas coisas maravilhosas do presente."
Bhikkhus, qual é significado de 'perseguir o passado?' Quando alguém pensa
sobre o modo como seu corpo estava no passado, o modo como seus sentimentos
estavam no passado, o modo como suas percepções estavam no passado, o modo como
seus fatores mentais estavam no passado, o modo como sua consciência estava no
passado… " isto significa que nós podemos pensar sobre o passado, mas não
deveríamos permitir que o passado nos controlasse. O Buddha nunca disse que nós
não podemos pensar no passado - nós temos o direito de pensar no passado,
pensar que no passado isto me aconteceu, que meu corpo era assim, minha mente
era assim, nós podemos pensar nisto, mas não deixem estas coisas os puxarem
para todo o lado, ou os aprisionarem. "Se alguém pensa no modo que estas
coisas estavam no passado, mas sua mente não fica escravizada nem apegada a
estas coisas que pertencem ao passado, então esta pessoa não está perseguindo o
passado." Algumas pessoas pensam que viver pacificamente no momento
presente significa de que elas só podem pensar no presente, que não podem
pensar no passado, mas isso não é verdade. Se nós podemos nos estabelecer
solidamente no presente, podemos olhar o passado profundamente e podemos ficar
livres do passado. Por exemplo, nós contamos uma estória de algo que nos
aconteceu no passado. Há dois modos de contar a estória: um, contamos a estória
de tal modo que somos completamente apanhados, ficamos presos por aquela
história do passado, choramos como uma chuva torrencial e então não podemos mais
encontrar meios de escapar disso. O outro modo é quando nos estabelecemos
solidamente no momento presente com um irmão ou uma irmã [um amigo ou uma
amiga] ao lado de nós, e contamos a estória de nosso passado para eles ouvirem,
contamos o que aconteceu exatamente, mas falamos disto de um modo muito
equilibrado, e o passado não nos puxa para fazer-nos chorar, lágrimas caindo.
Nós vivemos solidamente no presente de modo a olhar profundamente para o
passado. Não deveríamos dizer que a prática de consciência em Plum Village não
lhes permitem olhar o passado. Uma vez que estamos vivendo solidamente no
presente, podemos olhar o passado. Se somos fracos na prática, precisamos saber
como produzir mais consciência , e temos os irmãos e irmãs que nos apóiam para que
possamos olhar o passado sem sermos arrastados por ele. E é por isso que o
Sangha é importante. Se você quer olhar profundamente no passado, deveria saber
quem é mais forte, você ou o fantasma do passado. Se você sente que o fantasma
do passado ainda é mais forte que você, deveria praticar mais a meditação
andante e a meditação sentada para se fazer mais forte, e então tenha seus
irmãos e irmãs sentados perto de você quando olhar profundamente o passado.
Assim, este é o programa, poder encarar o passado. Se você vive em um Sangha,
com pessoas praticando com você, você tem uma condição muito favorável para
poder olhar profundamente no passado. "Bhikkhus, qual é o significado 'se
perder no futuro? ' Quando alguém pensa no modo que seu corpo será no futuro, o
modo que seus sentimentos serão no futuro, o modo que suas percepções serão no
futuro, o modo que seus fatores mentais serão no futuro, o modo que sua
consciência será no futuro; quando se pensa nisto e a mente é arrastada e fica
devaneando sobre as coisas que pertencem ao futuro, então esta pessoa está se
perdendo no futuro." E assim temos um tipo de medo. Todas estas coisas são
Mara, e se o Mara do passado ou o Mara do futuro lhes controla, vocês não mais
serão realmente capazes de viver o momento presente. Vocês deveriam saber que a
Terra Pura, o Sukhavati, o Paraíso, só está no momento presente, e perdemos a
Terra Pura ou Paraíso porque os fantasmas do passado e do futuro nos puxam para
longe do presente. Um Arhat é alguém que pode destruir o Mara do passado e do
futuro. Tristeza e medo são os nomes de Mara, de dois fantasmas, dois imensos
fantasmas. Nós deveríamos voltar à história da pessoa que é avisada pelo médico
que só lhe resta seis meses para viver. Ele diz, "Certo, sei que morrerei
em seis meses." Mas ele não deveria estar tão seguro que o médico tem
razão, porque os médicos freqüentemente erram em suas previsões. Algumas
pessoas são avisadas que têm só seis meses para viver mas vivem por muitos
anos. Isto depende do modo que nós vivemos. Como sempre, nós dizemos,
"Muito bem, de agora até minha morte vou viver corretamente, com paz,
liberdade e solidez, e vou fazer da minha qualidade de vida o melhor
possível." E uma vez que esta pessoa fique livre, não é presa pelo passado
ou pelo futuro, não tem medo do futuro e pode viver solidamente, livre no
momento presente, e vê profundamente que o que a vida significa, então esta
pessoa perceberá que seu tempo de vida é ilimitado. Nós lemos outros sutras.
Sabemos que sutras como o Sutra do Lótus e o Vajracchedika Sutra falam sobre o
tempo de vida do Buddha como sendo ilimitado. A idéia de um tempo de vida - de
que nascemos num momento em particular, e que morreremos em outro momento em
particular, e que a vida entre esses dois momentos vem a ser nosso tempo de
vida -- existe porque não sabemos viver solidamente e livremente no momento
presente. Se nós vivemos solidamente e livremente no momento presente e olhamos
a vida profundamente, descobriremos que nosso tempo de vida é ilimitado, como o
tempo de vida do Buddha. E a coisa que é chamada "nascimento" não
pode tocar nossas vidas, e a morte não pode tocar nosso tempo de vida.
Percebemos que não há nenhuma vida, nascimento e morte -- há manifestação e
latência. Podemos estar em contato com o não-nascimento e a não-morte, e depois
de seis meses ou sessenta anos, não faz nenhuma diferença. Quando podemos estar
em contato com a natureza inata e imortal, nascimento e morte não nos pode
oprimir mais. É isso que Tue Trung Thuong Si disse: "A idéia de nascimento
e morte nos oprimia, mas agora ela não nos pode tocar mais." E quando o
médico nos diz que temos apenas seis meses para viver, ou se ele diz que temos
um mês ou trinta anos, não faz nenhuma diferença, porque nós vamos viver nosso
tempo com paz, solidez e liberdade. E se podemos fazer isso, podemos viver
muito mais tempo que o médico. O médico pode até morrer antes de nós, porque o
médico vive sem consciência , sem paz, sem alegria, sem um Sangha, mas nós
fomos despertados pelo som deste sino, e decidimos viver nossa vida com paz,
com alegria e esta vida de paz e alegria pode nos ajudar a viver muito mais
tempo que o médico. "Bhikkhus, qual o significado de 'não se perder no
futuro?' Quando alguém pensa no modo que seu corpo será no futuro, no modo que
seus sentimentos serão no futuro, no modo que suas percepções serão no futuro,
no modo que seus fatores mentais serão no futuro, no modo que sua consciência
será no futuro; quando se pensa desta forma mas a mente não é arrastada ou fica
devaneando sobre as coisas que pertencem ao futuro, então esta pessoa não está
se perdendo no futuro." Vivendo pacificamente no futuro, não temos medo.
Pensamos que tudo o que nos acontecerá no futuro não nos causará medo. Não
temos medo da morte, porque vivemos profundamente, olhamos profundamente, e
estamos em contato com o mundo do não-nascimento e não-morte, e assim naquele
momento sabemos que este cadáver não é nós, não nos identificamos com o corpo,
assim não temos nenhum medo. Existem pessoas que pensam no momento em que
morrerão, e elas sofrem, elas sofrem pensando em deixar seus entes queridos. E
há outras que pensam sobre a morte, e eles podem até sorrir. Por que isso? Qual
é a diferença? A diferença é que esta pessoa pode viver o momento presente
profundamente, e então vê a natureza de não-nascimento e não-morte da vida,
enquanto que aquela outra pessoa não faz assim. Assim, é por deliberadamente
não querermos pensar na morte que a tememos. Nós [aqui] realmente pensamos na
morte, e fazemos isto para olhá-la profundamente. É dito aos praticantes que
diariamente eles devem repetir as Cinco Lembranças:
"Eu pertenço à natureza do
envelhecimento; não há nenhum modo de escapar do envelhecimento.
"Eu pertenço à natureza
das doenças; não há nenhum modo de escapar de sofrer alguma doença.
"Eu pertenço à natureza da
morte; não há nenhum modo de escapar da morte.
"Tudo aquilo que me é
querido e todos que amo pertencem à natureza da mudança. Não há nenhum modo de
evitar me separar deles."
O Buddha nos disse para
praticar assim diariamente. Buddha é nosso médico. Buddha nos faz lembrar isto
para nos ajudar a retornar ao momento presente e viver profundamente o momento
presente. E se nós podemos viver profundamente o momento presente, iremos além
das idéias de envelhecimento, morte e doenças. Nós podemos sorrir, e se
quaisquer destas coisas acontecer conosco estaremos felizes, porque esta será
uma oportunidade para um recomeço. A Quinta Lembrança é "Minhas ações são
meus únicos verdadeiros pertences. Eu não posso escapar às consequências de
minhas ações. Minhas ações são o solo sobre o qual eu piso." No Sutra
vemos claramente que viver no momento presente não impede nosso pensamento
sobre o passado ou o futuro, mas nós temos que viver no momento presente de
forma a toda vez que olharmos profundamente o passado ou o futuro, nos
libertamos e podemos superar nossos medos e nossa tristeza no que concerne a
estas coisas. Porque nos ensinamentos da integração do ser, interpenetração, o
passado faz o futuro, e o futuro é feito do passado. Portanto, estando em
contato com o presente já estamos em contato com o passado e o futuro, mas não
estamos sendo arrastados pelos Maras do passado e do futuro. Vamos ler mais:
"Bhikkhus, qual o significado de 'ser afastado do presente'? Quando alguém
não estuda, ou não aprende qualquer coisa sobre o Desperto, ou sobre os
ensinamentos de amor e compreensão, ou sobre a comunidade que vive em harmonia
e consciência; quando esta pessoa não sabe nada sobre os nobres mestres e seus
ensinamentos, e pensa, 'Este corpo sou eu mesmo; eu sou este corpo. Estes
sentimentos são eu mesmo; eu sou estes sentimentos. Esta percepção sou eu
mesmo; eu sou esta percepção. Este fator mental sou eu mesmo; eu sou este fator
mental. Esta consciência sou eu mesmo; eu sou esta consciência.' Então esta
pessoa está sendo afastada do presente ". Esta seção é muito clara, seu
significado pode ser explicado muito claramente pelas duas linhas:
"Olhando a vida profundamente como ela é exatamente no aqui e agora”.
Quando olhamos a vida profundamente como ela é, nós não pensamos "este
corpo é meu", ou dizemos "este corpo sou eu". Nós não dizemos
"quando este corpo não existir mais, eu não existirei mais", porque
pensando assim teremos medo. E pensar desta forma é o que permite ao Mara do
passado e do futuro controlar-nos. Viver então profundamente o momento presente
é descobrir a natureza do ser integrado, a natureza de interpenetração de todas
as coisas, de forma que não somos conduzidos à toa pela idéia ignorante do ego.
Nós não pensamos, "eu sou este corpo, eu sou apenas este corpo; eu sou
este sentimento, eu sou apenas este sentimento; eu sou este fator mental, este
fator mental sou eu." Quando não nos identificamos com o corpo, os
sentimentos, etc., então não ficamos presos à idéia de um ego, e neste momento
não há nenhum fantasma que possa nos influenciar, seja do passado ou do futuro,
porque quando podemos viver assim já estamos no mundo do não-nascimento e da
não-morte. Quando estamos em contato com este mundo do não-nascimento e não
morte, não podemos ser aprisionados pelo passado, e o futuro não pode produzir
nenhum medo em nós. Esta é a essência, a nata dos ensinamentos de Buddha.
"Bhikkhus, qual o significado de "não ser afastado do presente'
Quando alguém estuda, ou aprende qualquer coisa sobre o Desperto, ou sobre os
ensinamentos de amor e compreensão, ou sobre a comunidade que vive em harmonia
e consciência; quando esta pessoa sabe sobre os nobres mestres e seus
ensinamentos e os pratica, e não pensa, 'Este corpo sou eu mesmo; eu sou este
corpo. Estes sentimentos são eu mesmo; eu sou estes sentimentos. Esta percepção
sou eu mesmo; eu sou esta percepção. Este fator mental sou eu mesmo; eu sou
este fator mental. Esta consciência sou eu mesmo; eu sou esta consciência.'
Então esta pessoa não está sendo afastada do presente." Poucas palavras,
mas nós podemos usá-las toda nossa vida - a quê pertence nossos corpos, a quê
pertence nossos sentimentos, nossas formações mentais? -- nós as vivenciamos
diariamente, e percebemos as causas e condições que provocaram estas coisas.
Percebemos que o corpo é só um corpo, originado e condicionado, os sentimentos
são sentimentos, originados e condicionados, e nós já não estamos presos a
estas coisas, e assim o passado, o futuro e o presente não podem nos oprimir,
não podem nos conduzir a esmo. "Bhikkhus, eu vos apresentei o esboço e uma
explicação detalhada do conhecimento sobre o modo melhor de viver
sozinho."Assim o Buddha ensinou, e os Bhikkhus ficaram encantados de pôr
seus ensinamentos em prática”. (Sons de Thay escrevendo) eka significa um,
vihari significa viver, e viver sozinho… quando vivemos com um fantasma nós não
estamos vivendo sozinhos, estamos vivendo com outro. Você está sentado lá, está
comendo sua comida, mas possui o fantasma sentado junto a você, e portanto não
está vivendo só. Quando vemos um irmão ou uma irmã sentados com um fantasma,
temos que dizer, "Quem está sentado com você?" e então nosso irmão ou
a irmã despertará. Assim, não permitam que aquele fantasma os oprima. Nós temos
que destruir os fantasmas, destruam Mara. No presente temos paixões, apegos,
tristezas, projetos, e quando vivemos com estas coisas não estamos vivendo a
sós, estamos vivendo com os fantasmas, e um praticante não deveria morar com
fantasmas, nós deveríamos viver sozinhos. http://www.nossacasa.net.shunya/
Abraço. Davi.
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