Em um dos
Sutras Agama, que foi um dos primeiros sermões do Budha, havia um conto
bastante interessante: Era um vez um homem indiano que possuía quatro esposas.
De acordo com o sistema social e circunstâncias da Índia antiga, era possível
um homem possuir várias esposas. Não raro também era, no período Heian
(794-1185) no Japão, uma mulher possuir vários maridos. O indiano estava
bastante doente, e estava para morrer. Ao final de sua vida, ele se sentia
extremamente solitário e foi então que ele resolveu perguntar a sua primeira
esposa se ela o acompanharia ao outro mundo. Minha amada esposa, disse: Eu
tenho amado você dia e noite, e cuidei de você por toda a minha vida. Neste
momento, que estou para morrer, me diga se, por favor, viria comigo aonde quer
que eu vá após minha morte? Ele esperava que sua mulher lhe respondesse sim, no
entanto, ela lhe disse: Meu amado marido, eu sei que você sempre me amou, e
agora você vai morrer (...), porém, este é o momento em que me separo de você.
Adeus, meu amor. Então ele chamou sua segunda esposa ao leito de sua morte e
implorou a ela que o seguisse e disse: Minha querida segunda esposa, você sabe
do meu amor por você. Algumas vezes me senti inseguro que me deixasse, mas lhe
segurei firme e intensamente. Minha querida, lhe peço, venha comigo (...). A
segunda esposa, ao contrário, se expressou friamente: Querido marido, sua
primeira esposa se negou a acompanha-lo, por qual motivo eu haveria de
segui-lo? Você me amou somente pelo seu próprio ego e sentimento egoísta. Deitado
em seu leito de morte, chamou sua terceira esposa e também lhe pediu que o
acompanhasse, e ela respondeu-lhe com lágrimas em seus olhos: Meu querido,
tenho pena de ti, e me sinto muito entristecida, por isto lhe acompanharei até
ao momento de seu enterro. Este será meu último dever a cumprir contigo. E ela
também refutou em acompanha-lo em sua morte. Três esposas se recusaram a tal
pedido, e agora, ele se lembrava que tinha uma quarta esposa, por quem ele
nunca teve nenhum afeto. Ele a tratava como uma escrava, e sempre se mostrava
enfadado com ela. Ele agora, refletindo, pensava que ela certamente diria não a
ele, mas estava tão amedrontado e sentindo-se extremamente solitário, que
resolveu se esforçar em pedir a ela que o acompanhasse ao “outro mundo”. A
quarta esposa, para sua surpresa, contente, aceitou o pedido de seu esposo.
“Meu querido esposo”, ela disse, irei com você. Não importa o que aconteça,
estou determinada a estar ao seu lado para todo o sempre. Não há como eu ficar
separada de você. Esta é a parábola sobre “Um homem e suas quatro esposas”. O
Budha Sakyamuni concluiu tal história com as seguintes palavras: Todo homem e
toda mulher possui 4 esposas ou maridos. O que estas esposas deste conto
representam? A primeira esposa consiste em nosso corpo. Nós amamos nosso corpo
dia e noite. De manhã, lavamos o rosto, escolhemos nossas roupas e sapatos, e
os vestimos. Nós alimentamos nosso corpo, cuidamos, amamos e o contemplamos
como a primeira esposa do conto. Mas infelizmente, ao final de nossas vidas, o
corpo, a primeira esposa, não pode nos acompanhar em nosso momento de morte
seguindo ao “próximo mundo”. Conforme é dito: Quando o último suspiro deixa
nossos corpos, a cor saudável de nossas faces se transforma, e perdemos esta
aparência de uma vida radiante. Nossos queridos entes e amigos podem lamentar
nossa morte, mas nada podem fazer diante disto. Nosso corpo então é cremado, e
tudo o que resta são nada mais do que cinzas brancas. Este é o destino de nosso
corpo. A segunda esposa representa as coisas materiais, nossa fortuna,
dinheiro, propriedades, fama, posição social, e emprego que lutamos bastante
para conquistar. Nós somos afeiçoados a estas posses materiais. Sentimos medo
em perder todas estas coisas, e ainda sempre desejamos obter mais e mais. Não
há limite. Ao final de nossas vidas, tais posses não podem vir junto conosco ao
momento de nossa morte. Qualquer que seja esta fortuna acumulada e conquistada,
nós simplesmente a deixamos aqui. Viemos a este mundo de mãos vazias, e durante
nossas vidas, alimentamos a ilusão de que realmente conquistamos uma verdadeira
fortuna. Ao momento de nossa morte, também seguimos de mãos vazias. Não há como
levarmos conosco tal fortuna material, assim como a segunda esposa disse ao
marido: Você me segurou e cuidou de mim pelo seu ego e sentimento egoísta.
Agora é o momento de dizer adeus. A terceira esposa. Todos nós temos uma
terceira esposa. Esta consiste no relacionamento que temos com nossos pais,
irmãos, irmãs, todos os parentes, amigos e a sociedade em geral. Eles nos
acompanharão somente até o momento de nosso sepultamento, com lágrimas em seus
olhos. Eles ficam entristecidos e compadecidos
com nossa morte, mas não há nada mais além que possam fazer. Portanto, não
podemos basear nossas vidas e nos tornar dependentes de nosso corpo físico, da
fortuna que acumulamos, e das pessoas que nos circundam, e da sociedade em
geral. Nascemos sozinhos, e morreremos sozinhos. Não há ninguém e nada que nos
acompanhará no momento de nossa morte. A quarta esposa segundo o Budha
Sakyamuni é a nossa mente (ou a consciência, Alaya no budismo). Quando
observamos e reconhecemos profundamente que nossas mentes estão preenchidas com
sentimentos de ira, avidez (gula) e descontentamento, estamos tendo uma boa
percepção e realmente enxergando nossas próprias vidas. A ira, a avidez e tal
descontentamento representam nosso carma, a lei da causa e efeito. Nós nunca
nos separamos do carma que cada um possui. Como a quarta esposa disse: Eu o
seguirei onde quer que vá. A partir daqui, comentários do editor do Mosaico.
Nosso carma representa a colheita dos frutos que plantamos ao longo de nossa
encarnação passada e presente. Como dito em Gálatas 6:7 “Não vos enganeis; Deus
não se deixa escarnecer, pois tudo o que o homem semear, isso também ceifará”.
Ao renascermos trazemos conosco os méritos ou deméritos advindos desse
processo. Como não podemos mensurar aquilo que fizemos em outras vidas,
valorando se mais vícios ou virtudes realizamos, sempre em todas os
renascimentos, devemos praticar a benevolência e a boa vontade para com todos
os seres. Desse modo, a compaixão, o altruísmo e a abnegação nos possibilitam
reparar ou retificar aquilo que sofreríamos mais decididamente devido ao nosso
egoísmo, inveja, ira e rancor pelo próximo que praticamos voluntária ou
premeditadamente. Evidentemente, antes de chegarmos ao Nirvana ou estado
Desperto nos tornando um Budha em expressão e essencial, sofreremos em todas as
vidas, pois o sofrimento é inerente a todos os seres dentro da busca pela
libertação do Samsara, (a roda circunscrita da vida, morte, renascimento e
sofrimento) mas praticando a fraternidade, fugindo da ignorância e assumindo
uma posição de concentração meditativa e contemplativa baseado no desapego do
materialismo, racionalismo e dualismo podemos conquista um seguro caminho para
nossa evolução espiritual. O bardo, estado intermediário entre os
renascimentos, têm inúmeras particularidades explicadas no Livro Tibetano dos
Mortos. Como exemplo temos o período do devachan (comparado ao céu cristão),
estipulado entre mil a mil e quinhentos anos. Uma fase de descanso e júbilo,
concedida àqueles que por seus méritos e virtudes praticaram a benevolência e
compaixão à todos os seres, vivendo uma vida desapegada do materialismo e
prazeres mundanos, ajudando na evolução de todos os reinos. Aos que morreram
numa situação de apego a estrutura econômica e ao hedonismo social, realizando
aquilo que as escrituras sagradas chamam de obras da carne em Gálatas
5:19-21 “Porque as obras da
carne são manifesta, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia,
idolatria (no sentido esotérico interior), feitiçaria (magia negra),
inimizades, porfias (discussões), emulações (competir rivalizando primazia de
conceitos espirituais), iras, pelejas, dissensões, heresias, inveja,
homicídios, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, acerca das
quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não
herdarão o reino de Deus”, terão enormes dificuldades em se desligaram de sua
personalidade. Que sendo o veículo sutil do corpo humano, que nesse caso não
existe, agrega por determinado tempo, todos esses horríveis vícios e pecados.
Assim sofrerão no pós morte, as consequências desses delitos efetuados, sendo
uma disciplina pedagógica e temporária, atrasando a entrada no devachan. Uma
espécie de purgação dos pecados com um propósito específico de limpeza
temporária. Isso é necessário, para que a personalidade seja completamente
desintegrada dando lugar a individualidade, representada por Atma, a centelha
divina originária, Budhi, o Logos Cósmico eterno e Manas, a mescla da
humanidade aperfeiçoada evolutivamente, com a divindade Inefável e Inominável.
Colaboração de Cristiane Kajimura. Http://www.maisbelashistoriasbudistas.com.
Abraço. Davi.
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