quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O Cristianismo e as Igrejas.



Cristianismo. Cristianismo e História. Leonardo Boff (1938-  ). 4.7. Aos poucos, duas grandes formações eclesiais se firmaram na história, uma no Ocidente, a Igreja Católico Romana e outra no Oriente, a Igreja Católica Ortodoxa. Há ainda outras Igrejas Católicas menores como a Melquita, a Copta e outras. Estas duas formações maiores possuem características próprias, derivadas principalmente dos estilos de vida das culturas circundantes. A Ocidental deixou-se influenciar fortemente pelo direito romano e pela burocracia palaciana imperial, por isso é mais centralizada e fortemente estruturada ao redor do poder e da figura de Cristo Pantocrator (o que governa tudo). A Oriental se desenvolveu de forma mais autônoma, com os diferentes patriarcados, cujo exercício do poder se assemelha aos dos sátrapas médio orientais, mas num sentido mais espiritual que jurídico. A força da mensagem cristã é colocada nas solenes e longuíssimas celebrações litúrgicas, conferindo centralidade à eucarística e dando ênfase à figura do Cristo ressuscitado, do Espírito Santo e de Virgem Maria, cuja presença como que se encarna nos belíssimos ícones que enchem as igrejas e as casas dos fieis. O engajamento social é diminuto, já que consideram ser dever do Estado cuidar do bom andamento da sociedade e a Igreja a cura das almas. Ambas as Igrejas são consideradas os dois pulmões pelos quais respira o cristianismo. Lamentavelmente, por disputas políticas e teológicas, particularmente por causa da doutrina da procedência do Espírito Santo, filioque, e da reivindicação do primado jurisdicional por parte do bispo de Roma, romperam em 1054. Criou-se um cisma, mas isso não afetou a substância da fé, já que ambas assumem as doutrinas cristológicas e trinitárias dos primeiros cinco concílios ecumênicos. 4.8. No século XVI, com a Reforma Protestante, surgiram várias Igrejas Evangélicas, especialmente com Jan Hus (1369-1415), Martinho Lutero (1483-1546), Ulrico Zwinglio (1484-1531) e João Calvino (1509-1564). Todas elas pretendem anunciar um Evangelho depurado das distorções históricas e doutrinárias ocorridas no seio da Igreja Católica Romana. Depois delas, pelo mundo afora, surgiu uma pletora de denominações cristãs, cada qual tentando assumir a totalidade do legado de Jesus e de vive-lo nos contextos culturais mais diversos. Forte é o fenômeno das Igrejas Pentecostais e Carismáticas, tanto Evangélicas quanto Católicas. Para ambas o Espírito Santo  é a fonte de inspiração. Introduziram criatividade e alegria nas comunidades, antes muito centradas na cruz, e romperam o monopólio da palavra mantido pela hierarquia. Entretanto se mostram pouco sensíveis aos conflitos históricos, ao tema da justiça social e da libertação concreta dos oprimidos. Nelas vigora um excesso de Pai Nosso em detrimento do Pão Nosso, unidade querida por Jesus em seu sonho do Reino. 4.9. Entretanto, seria redutor interpretar a emergência desse pluralismo eclesial como ruptura do manto inconsútil, inteiriço, de Cristo. Num sentido positivo, elas representam formas diferentes de dar carne histórica a herança de Jesus. O único vicio que contamina grande parte destas Igrejas, incluindo especialmente a Católica Romana, é a pretensão de cada uma ser melhor que a outra, quando não a única verdadeira e portadora exclusiva do sonho de Jesus. O Ecumenismo visa a que todas se reconheçam mutuamente para, juntas, apresentarem com mais convencimento e brilho a mensagem profundamente humana e divina de Jesus. Os quatro evangelhos servem de preferência do verdadeiro Ecumenismo, pois, embora diferentes, reconhecem-se mutuamente como autênticos e dão testemunho do único Evangelho vivo que é Jesus. Ou então a fé na Santíssima Trindade, na qual há a diversidade de Pessoas, todas igualmente infinitas e eternas, mas se acolhendo mutuamente no amor e na comunhão, de forma tão profunda, que são um só Deus. Por que deveria ser diferente com as Igrejas? Em suas diferenças e singularidades, formam a Igreja de Jesus e a Igreja de Deus na terra. A diversidade das comunidades eclesiais encontra uma correspondência na biodiversidade da natureza. 5. Cristianismo à mercê do poder sagrado e político. 4.10. Caminho singular percorreu a Igreja Romano Católica sobre a qual nos deteremos com certo detalhe por ser aquela na qual nos inscrevemos e por ser a mais numerosa. Para melhor entender sua atual configuração histórica, importa considerar seus dois eixos estruturadores. Um político, a ideia do Império Romano, e outro teológico, a ideia da Cidade de Deus de Santo Agostinho (354-430). Do Império Romano herdou o sentido do direito, da hierarquia, da burocracia e a perspectiva imperial de conquistar todos os povos à mensagem cristã. De Santo Agostinho assumiu a ideia de que ele representa a Cidade de Deus em contraposição da cidade dos homens, onde reina o pecado e satanás. A Igreja é o pequeno mundo reconciliado não contaminado pela cidade dos homens. Ocorre, entretanto, que esse imaginado mundo reconciliado também é perpassado pela cidade dos homens, com suas vaidades, vícios e pecados. Assim como a Igreja nunca poderá ser identificada com o Reino de Deus, da mesma forma ela nunca realizará plenamente a Cidade de Deus. Nela, as duas cidades se mesclam e tornam dramática a existência da Igreja que permanentemente precisa de conversão e de purificação. 4.11. Entretanto, por circunstâncias históricas, alheias à  sua própria natureza, a Igreja institucional foi solicitada a assumir uma função de poder político dentro do Império Romano, que já se encontrava numa fase avançada de decadência. Isso teve início a partir do ano de 325 com o Imperador Constantino, e oficialmente instaurada como instituição político religiosa em 392, quando Teodósio (347-395), o Grande, impôs o cristianismo como única religião oficial do Estado. Com o imperador bizantino Justiniano I (483-565), que unira Ocidente e Oriente e reconquistara o Norte da África. Ainda elabora a primeira codificação jurídica à base da fé cristã, o Código Justiniano (529), o cristianismo foi feito obrigatório para todos os povos. As demais religiões foram perseguidas, proibidas e até eliminadas. Os perseguidos de ontem passaram a perseguidores de agora. Os mártires  de um lado, os cristãos, produziram mártires de outro lado, os “pagãos”. A partir de então a instituição Igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias, pompas e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo de vida dos bispos, cardeais e papas. Este modo de ser, não raro, escandaliza os fiéis que vêm da leitura dos Evangelhos, onde descobrem o Nazareno, pobre e humilde, próximo do povo e longe dos palácios e dos templos. É o preço que têm que pagar, perder os simples e os pobres que acabam não sendo evangelizados ou feitos mera massa, consumidora de bens simbólicos. 4.12. A categoria chave que estrutura a Igreja Romana é a potestas sacras, o poder sagrado. Esse poder é hierarquizado, exercido por um corpo especializado, os clérigos, tendo como cabeça o papa, portador supremo do poder sagrado. Esse poder ganhou, com o tempo, formas cada vez mais centralizadas, mostrando por vezes características totalitárias e até tirânicas. São Bernado (1090-1153), por exemplo, chega escrever ao Papa Eugênio III (1088-1153) que ele é “mais sucessor de Constantino do que de Pedro.”. Essa tendência já se anunciava antes, com o Papa Gregório VII (1020-1085), em 1075, especialmente em seu decreto Dictatus Papae (a ditadura papal). Ele se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo secular, submetendo a seu beneplácito reis e imperadores, pondo-os consoante suas conveniências. Na mesma linha de radicalização, Inocêncio III (1161-1216), o Papa mais poderoso da história, pois toda a Europa até a Rússia lhe era submetida, pelos pactos de suserania. Apresentou-se não apenas como sucessor de Pedro, mas como representante de Cristo. Em seguida, Inocêncio IV (1195-1254), não satisfeito, deu o último passo e se anunciou como representante de Deus, e por isso senhor universal da Terra. Munido com esse poder divino, os papas se arrogavam o direito de distribuir porções da Terra a quem quisessem, como efetivamente ocorreu. Os papas, pelo Tratado de Tordesilhas, dividiram o mundo por conquistar entre Espanha e Portugal. O Papa Nicolau V (1397-1455), com a bula Romanus pontifex, concedeu a Portugal uma metade, e Alexandre VI (1451-1503) com a bula Inter Caetera a outra metade à Espanha. Só faltava proclamar o papa infalível, o que aconteceu em 1870 com o Concílio Vaticano I (1869-1870) sob Pio XI (1857-1939). Atribuiu-se ao papa o absoluto poder: “ordinário, supremo, pleno, imediato e universal” (cânon 331), atributos, na verdade, só cabíveis a Deus. Não sem razão, alguns teólogos, súcubos (os que se deixaram dominar) dos papas, os chamassem de deus minor in terra, vale dizer, o deus menor na Terra. Do Livro Cristianismo o mínimo do mínimo. Abraço. Davi.

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