Cristianismo.
Cristianismo e História. Leonardo Boff (1938-
). 4.7. Aos poucos, duas grandes formações eclesiais se firmaram na
história, uma no Ocidente, a Igreja Católico Romana e outra no Oriente, a
Igreja Católica Ortodoxa. Há ainda outras Igrejas Católicas menores como a
Melquita, a Copta e outras. Estas duas formações maiores possuem
características próprias, derivadas principalmente dos estilos de vida das
culturas circundantes. A Ocidental deixou-se influenciar fortemente pelo
direito romano e pela burocracia palaciana imperial, por isso é mais
centralizada e fortemente estruturada ao redor do poder e da figura de Cristo
Pantocrator (o que governa tudo). A Oriental se desenvolveu de forma mais
autônoma, com os diferentes patriarcados, cujo exercício do poder se assemelha
aos dos sátrapas médio orientais, mas num sentido mais espiritual que jurídico.
A força da mensagem cristã é colocada nas solenes e longuíssimas celebrações
litúrgicas, conferindo centralidade à eucarística e dando ênfase à figura do
Cristo ressuscitado, do Espírito Santo e de Virgem Maria, cuja presença como
que se encarna nos belíssimos ícones que enchem as igrejas e as casas dos
fieis. O engajamento social é diminuto, já que consideram ser dever do Estado
cuidar do bom andamento da sociedade e a Igreja a cura das almas. Ambas as
Igrejas são consideradas os dois pulmões pelos quais respira o cristianismo.
Lamentavelmente, por disputas políticas e teológicas, particularmente por causa
da doutrina da procedência do Espírito Santo, filioque, e da reivindicação do
primado jurisdicional por parte do bispo de Roma, romperam em 1054. Criou-se um
cisma, mas isso não afetou a substância da fé, já que ambas assumem as
doutrinas cristológicas e trinitárias dos primeiros cinco concílios ecumênicos.
4.8. No século XVI, com a Reforma Protestante, surgiram várias Igrejas
Evangélicas, especialmente com Jan Hus (1369-1415), Martinho Lutero
(1483-1546), Ulrico Zwinglio (1484-1531) e João Calvino (1509-1564). Todas elas
pretendem anunciar um Evangelho depurado das distorções históricas e
doutrinárias ocorridas no seio da Igreja Católica Romana. Depois delas, pelo
mundo afora, surgiu uma pletora de denominações cristãs, cada qual tentando
assumir a totalidade do legado de Jesus e de vive-lo nos contextos culturais
mais diversos. Forte é o fenômeno das Igrejas Pentecostais e Carismáticas,
tanto Evangélicas quanto Católicas. Para ambas o Espírito Santo é a fonte de inspiração. Introduziram
criatividade e alegria nas comunidades, antes muito centradas na cruz, e
romperam o monopólio da palavra mantido pela hierarquia. Entretanto se mostram
pouco sensíveis aos conflitos históricos, ao tema da justiça social e da
libertação concreta dos oprimidos. Nelas vigora um excesso de Pai Nosso em
detrimento do Pão Nosso, unidade querida por Jesus em seu sonho do Reino. 4.9.
Entretanto, seria redutor interpretar a emergência desse pluralismo eclesial
como ruptura do manto inconsútil, inteiriço, de Cristo. Num sentido positivo,
elas representam formas diferentes de dar carne histórica a herança de Jesus. O
único vicio que contamina grande parte destas Igrejas, incluindo especialmente
a Católica Romana, é a pretensão de cada uma ser melhor que a outra, quando não
a única verdadeira e portadora exclusiva do sonho de Jesus. O Ecumenismo visa a
que todas se reconheçam mutuamente para, juntas, apresentarem com mais
convencimento e brilho a mensagem profundamente humana e divina de Jesus. Os
quatro evangelhos servem de preferência do verdadeiro Ecumenismo, pois, embora
diferentes, reconhecem-se mutuamente como autênticos e dão testemunho do único
Evangelho vivo que é Jesus. Ou então a fé na Santíssima Trindade, na qual há a
diversidade de Pessoas, todas igualmente infinitas e eternas, mas se acolhendo
mutuamente no amor e na comunhão, de forma tão profunda, que são um só Deus.
Por que deveria ser diferente com as Igrejas? Em suas diferenças e
singularidades, formam a Igreja de Jesus e a Igreja de Deus na terra. A
diversidade das comunidades eclesiais encontra uma correspondência na biodiversidade
da natureza. 5. Cristianismo à mercê do poder sagrado e político. 4.10. Caminho
singular percorreu a Igreja Romano Católica sobre a qual nos deteremos com
certo detalhe por ser aquela na qual nos inscrevemos e por ser a mais numerosa.
Para melhor entender sua atual configuração histórica, importa considerar seus
dois eixos estruturadores. Um político, a ideia do Império Romano, e outro
teológico, a ideia da Cidade de Deus de Santo Agostinho (354-430). Do Império
Romano herdou o sentido do direito, da hierarquia, da burocracia e a
perspectiva imperial de conquistar todos os povos à mensagem cristã. De Santo
Agostinho assumiu a ideia de que ele representa a Cidade de Deus em
contraposição da cidade dos homens, onde reina o pecado e satanás. A Igreja é o
pequeno mundo reconciliado não contaminado pela cidade dos homens. Ocorre,
entretanto, que esse imaginado mundo reconciliado também é perpassado pela
cidade dos homens, com suas vaidades, vícios e pecados. Assim como a Igreja
nunca poderá ser identificada com o Reino de Deus, da mesma forma ela nunca
realizará plenamente a Cidade de Deus. Nela, as duas cidades se mesclam e
tornam dramática a existência da Igreja que permanentemente precisa de
conversão e de purificação. 4.11. Entretanto, por circunstâncias históricas,
alheias à sua própria natureza, a Igreja
institucional foi solicitada a assumir uma função de poder político dentro do
Império Romano, que já se encontrava numa fase avançada de decadência. Isso teve
início a partir do ano de 325 com o Imperador Constantino, e oficialmente
instaurada como instituição político religiosa em 392, quando Teodósio
(347-395), o Grande, impôs o cristianismo como única religião oficial do
Estado. Com o imperador bizantino Justiniano I (483-565), que unira Ocidente e
Oriente e reconquistara o Norte da África. Ainda elabora a primeira codificação
jurídica à base da fé cristã, o Código Justiniano (529), o cristianismo foi
feito obrigatório para todos os povos. As demais religiões foram perseguidas,
proibidas e até eliminadas. Os perseguidos de ontem passaram a perseguidores de
agora. Os mártires de um lado, os
cristãos, produziram mártires de outro lado, os “pagãos”. A partir de então a
instituição Igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias, pompas e
hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo de vida dos
bispos, cardeais e papas. Este modo de ser, não raro, escandaliza os fiéis que
vêm da leitura dos Evangelhos, onde descobrem o Nazareno, pobre e humilde,
próximo do povo e longe dos palácios e dos templos. É o preço que têm que
pagar, perder os simples e os pobres que acabam não sendo evangelizados ou
feitos mera massa, consumidora de bens simbólicos. 4.12. A categoria chave que
estrutura a Igreja Romana é a potestas sacras, o poder sagrado. Esse poder é
hierarquizado, exercido por um corpo especializado, os clérigos, tendo como
cabeça o papa, portador supremo do poder sagrado. Esse poder ganhou, com o
tempo, formas cada vez mais centralizadas, mostrando por vezes características
totalitárias e até tirânicas. São Bernado (1090-1153), por exemplo, chega
escrever ao Papa Eugênio III (1088-1153) que ele é “mais sucessor de
Constantino do que de Pedro.”. Essa tendência já se anunciava antes, com o Papa
Gregório VII (1020-1085), em 1075, especialmente em seu decreto Dictatus Papae
(a ditadura papal). Ele se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo
secular, submetendo a seu beneplácito reis e imperadores, pondo-os consoante
suas conveniências. Na mesma linha de radicalização, Inocêncio III (1161-1216),
o Papa mais poderoso da história, pois toda a Europa até a Rússia lhe era
submetida, pelos pactos de suserania. Apresentou-se não apenas como sucessor de
Pedro, mas como representante de Cristo. Em seguida, Inocêncio IV (1195-1254),
não satisfeito, deu o último passo e se anunciou como representante de Deus, e
por isso senhor universal da Terra. Munido com esse poder divino, os papas se
arrogavam o direito de distribuir porções da Terra a quem quisessem, como
efetivamente ocorreu. Os papas, pelo Tratado de Tordesilhas, dividiram o mundo
por conquistar entre Espanha e Portugal. O Papa Nicolau V (1397-1455), com a
bula Romanus pontifex, concedeu a Portugal uma metade, e Alexandre VI
(1451-1503) com a bula Inter Caetera a outra metade à Espanha. Só faltava
proclamar o papa infalível, o que aconteceu em 1870 com o Concílio Vaticano I
(1869-1870) sob Pio XI (1857-1939). Atribuiu-se ao papa o absoluto poder:
“ordinário, supremo, pleno, imediato e universal” (cânon 331), atributos, na
verdade, só cabíveis a Deus. Não sem razão, alguns teólogos, súcubos (os que se
deixaram dominar) dos papas, os chamassem de deus minor in terra, vale dizer, o
deus menor na Terra. Do Livro Cristianismo o mínimo do mínimo. Abraço. Davi.
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