terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

II. Cultivando Emoções Construtivas.



Budismo Tibetano.  Complementação da palestra de sua Santidade o Dalai Lama em São Paulo, Brasil em 2011. Ao falar desse conceito budista da interdependência que é a lei da causalidade, esse conceito diz que todos os fenômenos estão se transformando a cada segundo, eles todos ocorrem a partir de suas próprias causas e condições; então todo resultado depende inteiramente de suas causas e condições. Essa a primeira maneira de se entender a interdependência. Dentro da tradição sânscrita, nós encontramos duas escolas de pensamento: a escola Cittamatra e a escola Madhyamika. Os entendimentos da escola Madhyamika, a meu ver, são os mais profundos; na escola Madhyamika se diz que não apenas o resultado depende da causa, mas a causa também é totalmente dependente do resultado; para que uma causa possa ser causa ela vai depender do resultado; e também existe uma outra distinção que se faz em Madhyamika do conceito de interdependência que é a ligação entre a parte e o todo, entre o átomo e o todo. O fato da existência de uma pessoa ser totalmente definida a partir dos agregados físicos dela, não existe uma noção de pessoa que se assente no conjunto dos agregados, este é o postulado da falta de existência intrínseca do eu. Nós encontramos este postulado nas quatro escolas budistas: Vaibhashika, Sautrantika, Cittamatra e Madhyamika. Além da ausência da existência intrínseca das pessoas, o budismo também fala que os fenômenos não têm existência intrínseca. Se nós olharmos os cinco agregados que formam a base para designarmos, por exemplo, uma pessoa, se nós formos examinar os agregados que a compõem, vamos ver que eles também, por sua vez, dependem de suas partes. Isso vale não só para os agregados físicos que existem no mundo grosseiro observado, mas também vale para as essências a partir das quais esses cinco agregados físicos provém. Essas essências também são desprovidas de existência intrínseca. Isso vale tanto para o nível mais grosseiro quanto para o nível mais sutil; se nós olharmos coisas mais etéreas como o espaço, veremos que elas são desprovidas de existência intrínseca, também são dependentes de seus componentes. Isso é válido não só para o mundo externo que é observado, mas se aplica também à própria mente que observa os fenômenos, ela também não tem existência intrínseca, e é assim que se descreve a falta de existência intrínseca dos fenômenos. Dentro da tradição budista que vem do sânscrito, nós encontramos dois tipos de vacuidade quando falamos dos seres sencientes: existe a vacuidade do Eu e existe a vacuidade da base do Eu. As diferentes escolas budistas, como Cittamatra e Madhyamika, têm conceitos, têm postulados diferentes sobre a vacuidade: Sunyata. Qual o sentido de desenvolvermos todas essas complicações filosóficas? Porque a causa última do sofrimento é a ignorância e quando falamos de ignorância, falamos de dois tipos: aquilo que pode ser chamado de mera ignorância, por exemplo, não saber o que é ABC: uma criança, até que chega o dia em que ela vai a escola e onde alguém lhe ensina o alfabeto, ela não conhece o ABC, então essa ignorância é uma falta de conhecimento. O segundo tipo de ignorância é uma percepção ou uma apreensão errônea da realidade: alguém olhar a letra A e achar que é B, olhar B e achar que é o C. A remoção completa da ignorância só acontece quando se chega ao estado búdhico. No budismo se diz que a apreensão errônea da realidade é a causa última do sofrimento e, sendo assim, qual seria o antídoto que poderia se contrapor a essa causa? Não é a oração, também não é a mera meditação, tampouco bodhicita, ela não pode ter essa função, nem a compaixão infinita pode debelar essa concepção errônea da realidade. A única coisa que pode desempenhar esse papel é a sabedoria; através da sabedoria você pode ir se familiarizando mais e mais com a realidade até por fim chegar a entendê-la e quando você, de fato, entende plenamente a realidade em sua instância última, isso debela a ignorância e, por conseguinte, o sofrimento. De modo geral, nós temos uma apreensão incorreta da realidade: se eu olho para vocês e vocês olham para mim, vocês podem estar me vendo como um ser absoluto, independente de vocês; eu sou o Dalai Lama e você é você. Mas essa é uma compreensão incorreta: não existe nada que seja independente de forma absoluta; todas as coisas são interdependentes e, a partir dessa concepção errônea da realidade, surge a base do apego, a base de todas as emoções negativas. Quanto às emoções positivas, elas podem ser cultivadas a partir de um treinamento; então, se você pratica o amor e a bondade, isso reduz as emoções negativas como a inveja ou a raiva. Em termos últimos, o que vai debelar as emoções negativas é a sabedoria, é você se familiarizar com o que, de fato, é a realidade em sua instância última; então, você poderá entender que as coisas aparecem aos nossos olhos como absolutas e independentes, mas isso é apenas uma miragem. Quando, de fato, você tem essa compreensão, essa é a base a partir da qual as emoções destrutivas podem ser dissipadas. Na tradição sânscrita do budismo se diz que o Budha girou a roda do darma três vezes: no primeiro giro, ele falou sobre a base do budismo: as quatro nobres verdades. No segundo giro da roda do darma, o Budha deu explicações adicionais sobre a terceira nobre verdade que é a verdade da cessação, a possibilidade da cessação, baseada no conceito das duas verdades: a verdade convencional e a verdade última. No terceiro giro da roda do darma, o Budha ofereceu ensinamentos mais elaborados sobre a quarta nobre verdade: que é a possibilidade da eliminação de todas as emoções destrutivas e isso é possível porque no nível mais sutil da natureza da mente, ela é clara como a luz. A natureza da água é ser limpa e pura, mas muitas vezes quando ela se mistura com o barro ou outra substância, ela fica turva, porém por mais suja que ela possa estar, a sua natureza essencial é límpida. Isso vale para a nossa mente: por mais turva que a nossa mente possa estar pelas nossas emoções destrutivas, a realidade última da nossa mente é que ela é límpida e por isso essa separação se torna possível. As emoções destrutivas nos divorciam da realidade. A sabedoria pode dar a compreensão da realidade última e esse é o antídoto. Por mais potentes que possam ser as emoções destrutivas, por mais sobrecarregada de negatividades que possa estar uma mente, essas negatividades podem ser absolutamente limpas, pois elas não são a natureza última. Embora tibetano, tenho uma conexão direta com a tradição da Universidade de Nalanda. Isso porque, no Tibete, o ensino foi introduzido por um grande mestre chamado Shantarakshita, um grande erudito que dava ensinamentos na Universidade de Nalanda. Ele chegou ao Tibete no século VIII (701-800) a convite do Imperador; como ele era monge, ele introduziu a tradição monástica no Tibete, mas ele era também um grande filósofo, um grande erudito, então ele introduziu também ensinamentos de Madhyamika, de lógica, de epistemologia; deu ensinamentos tão profundos e completos que até os dias de hoje esses textos são estudados. Também veio ao Tibete um grande mestre tântrico, Padmasambava. Podemos então dizer que o budismo tibetano é completo: ele inclui a tradição dos sutras que vem do páli, toda a versão que vem do sânscrito e toda a versão tântrica. É importante enfatizar essa raiz do budismo, proveniente da Universidade de Nalanda; na tradição tibetana, encontramos basicamente 300 volumes de textos, sendo que 100 textos contém as palavras do próprio Budha e os demais são comentários sobre as palavras do Budha. É muito importante que esses textos sejam estudados, eles não devem ser tomados apenas como objetos de veneração para se colocar sobre o altar e para se dirigir as orações, para que eles possam ser de fato eficazes, precisam ser usados, estudados. Ao longo da implantação do budismo no Tibete, em diferentes regiões, diferentes ensinamentos foram criados e diferentes nomes foram dados às escolas que cultivavam esses ensinamentos. Foi assim que apareceu a seita dos chapéus vermelhos e dos chapéus amarelos, fico com vontade de criar uma nova seita, a dos chapéus verdes!, mas isso não é importante; o importante é que todos têm uma raiz comum, essa nobre tradição da Universidade de Nalanda. Às vezes, por causa dessas diferentes seitas, também se desenvolveu o sectarismo no Tibete, as pessoas se apegavam à sua própria seita. Mas também no Tibete se desenvolveu um movimento muito importante de não sectarismo e um grande mestre dessa tradição é Jamyang Khyentse Wangpo (1820-1892). Eu cultivo, estudo e prezo as tradições não sectárias do budismo tibetano; originalmente os Dalai Lamas pertenciam à seita dos chapéus vermelhos mas, ao longo da história, muitos Dalai Lamas, inclusive o atual Dalai Lama, receberam ensinamentos das diferentes escolas do budismo tibetano: dos Sakyas, dos Nyngmas, dos Kagyus. Isso ajuda muito; não faz muito sentido ficar apegado apenas à sua tradição, isso vai limitar o seu conhecimento, ao passo que se você se coloca aberto para receber os ensinamentos das diferentes tradições, isso vai fortalecê-lo. http://www.bodisatva.com.br. Abraço. Davi.

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