De um modo
geral, a maioria das pessoas já ouviu falar do Buddha ou conhece algumas das
suas frases ou ensinamentos. Yasodhara foi a sua esposa e conheci uma versão da
sua história, quando frequentava a Biblioteca do Monastério Amaravati do
Budismo Theravada, a 50 Km de Londres, no Reino Unido. Durante a minha última
estadia neste Monastério procurei incessantemente informações sobre alguma “lay
women” (mulher que não fosse freira) que me inspirasse, no meu retorno à vida
lá fora. Estava longe de pensar que o exemplo mais inspirador que iria
encontrar seria o da mulher de Siddhartha Gautama, uma mulher lindíssima
exteriormente e interiormente, tal como é relatado na sua história. Buddha e
Yasodhara foram considerados como dois nascimentos auspiciosos, próspero,
esperançoso na sua época. Eles não eram duas crianças normais, mas sim crianças
que tinham dentro de si o potencial para serem grandes líderes e sair da roda
de Samsara, ou seja não voltar a nascer na forma humana. Por isso, havia a
crença de que seriam duas crianças do sexo masculino. No entanto, numa das
famílias nasceu uma menina a quem deram o nome de Yasodhara. Yasodhara era uma
mulher muito generosa e justa. Apesar de viver numa família abastada, uma das
suas maiores interrogações era porque razão os empregados não podiam comer da
mesma comida que os membros do palácio. Ela não conseguia compactuar com o fato
de uns viverem com tanto e outros com tão pouco. Siddhartha era o seu primo e
por volta dos seus 16 anos chegou a hora dele se casar. Assim, muitas mulheres
foram até ao seu palácio para se apresentarem como candidatas. O que atraiu a
atenção de Yasodhara para Siddhartha foi um episódio que o seu irmão lhe
contou. Ele contou uma história de como Buddha reclamou um cisne como sendo
seu, sem o matar. Ele disse: O pássaro pertence aquele que salvar a sua vida e
não aquele que a tirar. Estes eram os mesmos valores de Yasodhara e foi a
atitude compassiva e a coragem em questionar a tradição de caçar daquela época,
que a levou a ir ao palácio apresentar-se como candidata. O palácio estava
cheio de mulheres, pois Buddha era conhecido como sendo um homem muito bonito e
inteligente. Mas, logo que Buddha vê Yasodhara, ele escolhe-a como sua noiva.
Ele sabia que já a tinha amado durante muitas vidas e sentiu esse
reconhecimento e um amor profundo por ela. Buddha ajoelhou-se aos pés de
Yasodhara e pediu para ela ser a sua mulher. Yasodhara aceitou e tornou-se na
esposa de Siddhartha Gautama. O ponto mais interessante desta história é que
Yasodhara depois também reconheceu Buddha. Ela não aceitou o seu pedido de
forma passiva. Ambos escolheram permanecer um com o outro mais uma vida, pois
sabiam que esta seria a sua última vida e queriam fazê-lo juntos. Mesmo tendo
sido avisada que Buddha poderia deixá-la no futuro, Yasodhara não recuou. A
lealdade, o amor e o apoio que sempre tinham dado um ao outro em outras vidas
foi mais forte. Além disso, eles tinham o mesmo sonho para o mundo e
partilhavam das mesmas ideias e causas. O amor deles transformou-se numa missão
e numa parceria espiritual. Yasodhara fez a vida de Siddhartha muito feliz e
trouxe sentido para a vida dele. Nutriu-o, amou-o e fortaleceu-o durante 13
anos. Repartiram alegrias, planos, projetos e fizeram um filho. Na altura em
que Buddha sentiu o impulso para um desenvolvimento espiritual maior, ele
compartilhou-o com Yasodhara que prontamente o apoiou. Ela encorajou-o a sair
do palácio e a começar a sua jornada. Antes da sua partida fizeram amor pela
última vez, e depois Buddha foi atrás do objetivo que ambos partilhavam. A
história que me contaram, de que Buddha tinha abandonado a sua mulher e o seu
filho, e que tinha existido rancor, não ressoou muito comigo. No meu íntimo eu
sempre senti que não tinha havido abandono nem rancor. Buddha era um homem sério
e amoroso e sempre acreditei que ele fez o que fez pela sua mulher, pelo seu
filho, e por um amor universal a todos os seres deste e de outros mundos.
Yasodhara era uma mulher muito compreensiva, sabia da missão do seu amor e
apesar de ir sentir muito a sua falta, apoiou a sua decisão. Desde o momento
que Buddha saiu do palácio Yasodhara seguiu os seus passos. Quando soube que a
sua roupa era uma túnica, ela trocou os seus lindos vestidos e vestiu uma
túnica também. Quando ele tirou todos os ornamentos que trazia consigo e passou
a comer apenas uma refeição por dia, Yasodhara fez o mesmo. Quando Buddha
trocou o luxo por uma vida simples, Yasodhara deixou de dormir num local
luxuoso, e transformou o seu quarto, de forma a seguir os passos do seu amado. Buddha
tornou-se num ascético e Yasodhara também. Recusou todas as propostas de
casamento que recebeu posteriormente, rapou o cabelo e tornou-se celibatária.
Enquanto Buddha foi atrás da iluminação fora do palácio, Yasodhara ficou no
palácio, mas não esqueceu a iluminação nem o filho de ambos. Os dois sabiam que
esta seria a sua última vida e estavam dispostos a fazer tudo para isso
acontecer. A intenção, a determinação e o foco de ambos estava alinhada, porque
era o amor que os unia. O pai de Yasodhara pediu-lhe para ela governar o seu
reino, mas ela respondeu que não, e continuou o seu caminho espiritual. Quando
Buddha apareceu de novo no palácio como Desperto, Yasodhara formou a ordem de
monjas e o filho de ambos entrou para a ordem dos monges. Yasodhara tornou-se
discípula do seu marido, continuou a desenvolver a sua espiritualidade e
iluminou bastante rápido. No dia em que soube que ia morrer, Yasodhara chegou
ao pé de Buddha e agradeceu-lhe por ele lhe ter mostrado o caminho. Ajoelhou-se
aos pés do homem que tinha sido seu marido e seu mestre e disse: Eu sou o meu
único refúgio. Depois da despedida deixou o corpo físico e entrou no reino
imortal, do Nirvana. Yasodhara faleceu dois anos antes de Buddha, com 78 anos.
Esta versão da história de Yasodhara e Buddha é contada na tradição
Sarvastivada, a Escola inicial do Budismo. Também há relatos em textos antigos,
como o Pali Vinaya, o Mulasarvastivada, o Lokottaravada, o Dharmaguptaka, e o
Mahisasaka Vinaya. O livro Buddha Mom: A Journey Through Mindful Mothering” de
Jacqueline Kramer (1951- )
dá dicas preciosas para as mulheres desenvolverem uma prática espiritual
enquanto mães e mulheres de família. Apaixonei-me por esta versão da história
assim que a li e tal como acontece na maioria das histórias dos salvadores do
mundo, o papel da mulher não ganha muito destaque. No entanto, sem a presença
do feminino será que o masculino tinha conseguido materializar a sua missão?
Será que não foi o amor que impulsionou a determinação e a coragem necessária
para que Buddha não desistisse do que sabia que tinha que fazer? Será que todos
aqueles anos que Buddha e Yasodhara passaram juntos, não foram imprescindíveis
para que Buddha pudesse concretizar o seu objetivo, que não era mais do que o
objetivo de ambos? Será que a fidelidade de Yasodhara não foi essencial para
que Buddha fosse energizado pela força do amor? Buddha não teve mais nenhuma
mulher, Yasodhara não teve mais nenhum homem. Mesmo fisicamente separados, eles
sempre estiveram espiritualmente unidos. Será que o amor mundano que ambos
viveram com total entrega, dedicação e profundidade não foi fundamental para
que o amor Universal pudesse existir? Yasodhara era uma mulher muito poderosa e
inteligente, tal como Buddha. Ambos partilharam a mesma missão e os mesmos
sinais promissores de que dois líderes iam surgir para ajudar a humanidade.
Buddha ficou conhecido como o Desperto, tem todo o seu mérito e valor, mas por
trás dele existia uma grande mulher Yasodhara, que mais uma vez foi devota ao
seu amor, o apoiou e no final também Despertou. No catolicismo também Jesus
teve o apoio de uma amiga íntima, Maria Madalena, uma peça chave no seu
percurso, mesmo que a Igreja Católica não o queira reconhecer. Em tantas outras
histórias existe a presença do feminino. Se não é um grande amor é uma mãe ou
uma irmã, mas não tenho dúvidas que sem esta presença o desfecho podia ter sido
bem diferente. O masculino precisa do feminino para se desenvolver e se
fortalecer. Nenhuma destas mulheres procurou reconhecimento e muito menos
sobressair. A oportunidade de poderem ser devotas ao seu amor pela última vez
era tudo o que elas desejavam. Talvez tenha sido o seu altruísmo e a sua
profundidade no amor, que ensinou o masculino a ser profundo na sua forma de
amar. Tal como Buddha disse ao seu pai, quando este elogiou Yasodhara pela
devoção que ela demonstrou durante todos os anos em que ele esteve fora: Não só
neste último nascimento, mas também em anteriores, Yasodhara era dedicada e
fiel a mim. Admito que sinto uma pontinha de inveja de Yasodhara. Para mim esta
é uma parceria que vale a pena viver. Tem amor, tem sexo, tem espiritualidade e
a mesma causa e no fim tem solicitude, cuidado e iluminação. É original, é
única e não é para qualquer um. Que esta versão possa trazer mais dignidade às
mulheres no budismo e a lembrança de que o feminino também é um símbolo de
devoção e de iluminação. www.clarissecunha.com.br.
Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário