por
Nyanatiloka Thera
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Quando se contempla o mundo e
pensa-se acerca do destino dos seres, para muitas pessoas parece que tudo na
natureza é injusto. Por que, pode-se perguntar, uma pessoa é rica e poderosa e
outra pobre e aflita? Por que alguém leva uma vida boa e saudável enquanto
outro desde o nascimento é doente e fraco? Por que uns são dotados de aparência
agradável, inteligência e sentidos perfeitos enquanto outros são feios e
repulsivos, mentalmente deficientes, cegos, surdos e mudos? Por que uma criança
nasce em meio à miséria mais completa e cercada de pessoas vis, criada como
criminosa, enquanto outra nasce cercada de fartura e conforto, filha de pais de
mente nobre, e desfruta todas as vantagens de um tratamento agradável, a melhor
educação mental e moral, e vê tão somente boas coisas ao seu redor? Por que
alguns, frequentemente sem o mínimo esforço, são bem sucedidos em todos os seus
empreendimentos, enquanto todos os planos de outra pessoa falham? Por que
alguns vivem no luxo enquanto outros vivem na pobreza e na aflição? Por que uns
são felizes e outros infelizes? Por que alguns vivem uma longa vida, enquanto
outros são levados pela morte no auge da vida? Por que as coisas são desse
modo? Por que tais diferenças existem na natureza? Dentre todas as
circunstâncias e condições que constituem o destino de um ser, nenhuma, de
acordo com o ensinamento do Budha, pode vir a existir sem causa prévia e sem a
presença de um número de condições necessárias. Assim como, por exemplo, de uma
semente podre de manga nunca surgirá um pé de manga com frutos doces e
saudáveis, do mesmo modo más ações volitivas (intencionais) ou mau kamma,
produzido em nascimentos prévios, são as sementes ou causas raízes de um
destino ruim num nascimento posterior. É um postulado necessário do pensamento
que o destino bom e ruim de um ser, bem como seu caráter latente, não pode ser
o produto de mero acaso, mas necessariamente tem suas causas num nascimento
prévio. De acordo com o Budismo, nenhuma entidade orgânica, física ou psíquica,
pode vir à existência sem uma causa prévia, isto é, sem um estado apropriado
precedente a partir do qual se desenvolva. De modo semelhante, nenhuma entidade
orgânica pode jamais ser produzida por algo externo a si mesma. [2] Esta pode originar-se apenas de si mesma,
isto é, deve existir desde já no embrião. Para ser preciso, além desta causa e
condição raiz, ou semente, existem ainda muitas condições menores requeridas
para seu efetivo surgimento e desenvolvimento, assim como o pé de manga, além
de sua causa principal, a semente, requer para que germine, cresça e se
desenvolva outras condições como água, terra, luz, calor, etc. Deste modo, a
causa verdadeira do nascimento de um ser, junto com seu caráter e destino,
remonta às volições kâmmicas (cármicas) produzidas num nascimento anterior. De
acordo com o Budismo, existem três fatores necessários para o renascimento de
um ser humano, ou seja, para a formação de um embrião no útero materno. São
eles: o óvulo da fêmea, o esperma do macho e a energia do karma (kammavega),
que nos suttas é chamado metaforicamente de "gandhabba", isto
é, "espírito" ou "alma". Esta energia do kamma,
carma projeta-se do indivíduo moribundo no momento da morte. O pai e a mãe
fornecem apenas material físico necessário para a formação do embrião. No que
diz respeito aos traços característicos, as tendências e faculdades latentes no
embrião podem ser explicadas pelo ensinamento do Budha da seguinte maneira: o
moribundo, com todo seu ser convulsivamente apegado à vida, no momento exato da
morte emite as energias kârmicas que, como um raio de luz, atingem o útero
pronto para a concepção. Assim, mediante o encontro entre energias kârmicas,
esperma e óvulo, surge a célula ovo como um precipitado. [3]. Podemos comparar este processo com as vibrações do ar
produzidas pela fala, que, ao atingir o órgão auditivo de outro ser humano
produzem som, que é uma sensação puramente objetiva. Neste caso, não ocorre uma
transmigração do som, mas apenas uma transferência de energia, chamada de
vibração do ar. De modo similar, a energia do karma, emitida pelo
moribundo, produz, a partir do material fornecido pelos pais, o novo ser
embrionário. Mas nenhuma transmigração de um ser real, ou entidade alma ocorre
nessa ocasião, simplesmente a transmissão da energia kâmmica. Portanto,
podemos dizer que o atual processo vital (Upapatti Bhava) é a
objetificação do correspondente processo kâmmico pré natal. Assim, nada
transmigra de uma vida para outra. E aquilo que chamamos nosso ego é na verdade
apenas o processo contínuo de mudança, de contínuo surgir e perecer. Os
momentos, pois, seguem-se uns aos outros, dia após dia, ano após ano, vida após
vida. Exatamente como a onda, que aparentemente corre pela superfície do lago,
não passa de contínuo surgir e desaparecer de sempre novas massas d’água, cada
momento renovado pela transmissão de energia, quando visto de perto e em
sentido último, não representa uma entidade ego que passa pelo oceano do Samsara,
mas apenas um processo de fenômenos físicos e psíquicos que ocorre sempre de
novo, movido pelo apego à vida. É sem dúvida verdade que a condição mental dos
pais, no momento da concepção, tem influência considerável sobre o caráter do
ser embrionário, e que a natureza da mãe pode produzir grande impressão no
caráter do ser que ela carrega no ventre. A unidade indivisível da
individualidade psíquica da criança, entretanto, não pode ser produzida pelos
pais. Não se deve aqui confundir a causa efetiva, estado anterior a partir do
qual o atual estado surge, com as influências e condições externas. Se fosse
realmente o caso que o novo indivíduo, como unidade inseparável, fosse o
produto dos seus pais, gêmeos nunca exibiriam tendências totalmente opostas. Em
tal caso, crianças e especialmente gêmeos possuiriam, sem exceção, o mesmo
caráter dos pais. Em todos os tempos e países da terra, a crença no
renascimento foi sustentada por muitas pessoas; esta crença deriva de um
instinto ou intuição que jaz dormente em todos os seres. Em todos os tempos
grandes pensadores ensinaram a continuidade da vida após a morte. Desde tempos
imemoriais alguns ensinavam acerca da metempsicose [4], ou seja, transformação da alma, ou
metamorfose, ou transformação do corpo, etc, como por exemplo, as doutrinas
esotéricas do Egito antigo, Pitágoras, Empédocles, Platão, Plotino, Píndaro,
Virgílio, bem como algumas tribos africanas. Muitos pensadores modernos também
ensinam a continuação do processo vital depois da morte. O grande cientista
alemão Edgar Dacque (1878-1914), no livro The primeval World, Saga and
Mankind," [5] falando acerca da crença difundida entre
todos os povos do mundo numa transmigração após a morte, nos dá o seguinte
aviso:
Pessoas
cultas e familiarizadas com ciência, como os antigos egípcios e indianos, agiam
e viviam de acordo com esta crença. Eles abandonaram estas crenças somente
depois do surgimento do realismo e racionalismo ingênuo dos gregos e judeus.
Por esta razão seria melhor, quanto a este problema, não assumir a atitude fria
da pseudo civilização moderna, mas ao invés disso, adotar uma atitude reverente
ao tentar resolver este problema em toda sua profundidade.
Esta lei de renascimento pode
tornar-se compreensível mediante a suposição de um fluxo vital subconsciente
(em páli, Bhavanga Sota), mencionada no Abidhamma Pitaka e
explicada em detalhe nos comentários, especialmente o Visuddhimagga. A
importância fundamental de Bhavanga Sota, ou corrente vital
subconsciente, como hipótese para explicação de várias doutrinas Budistas como
renascimento, karma, lembrança de vidas passadas, etc, não foi até agora
suficientemente reconhecida ou compreendida pelos estudiosos ocidentais. O
termo Bhavanga Sota é idêntico aquilo que os psicólogos modernos como
Carl gustav Jung (1875-1961), chamam de alma ou subconsciente, não querendo
dizer com isso, obviamente a entidade eterna dos ensinamentos cristãos, mas um
processo subconsciente sempre em mudança. Esta corrente de vida subconsciente é
condição necessária para toda a vida. Nele, todas as impressões e experiências
são armazenadas, ou melhor, aparecem como um processo múltiplo de imagens
passadas, ou fotografias da memória, que, entretanto, como tais se escondem da
consciência completa, mas que, especialmente nos sonhos, cruzam o limiar da
consciência tornando-se totalmente conscientes. O professor James [6] (cujas palavras traduzo aqui a partir da
versão alemã) diz: "muitas realizações de gênio têm aqui seu início. Na
conversão, na experiência mística e como oração, tal fato coopera com a vida
religiosa. Contém todas as reminiscências momentaneamente inativas e fontes
para todas as nossas paixões vagamente motivadas, impulsos, intuições,
hipóteses, fantasias e superstições; em resumo, todas as nossas operações não
racionais daí resultam. É a fonte dos sonhos, etc. Jung, em seu livro “Problemas
da Alma em Nossos Dias”, afirma: "da fonte viva do instinto brota toda
criatividade." E em outro lugar: "o que quer que tenha sido criado
pela mente humana resulta de conteúdos que são germes inconscientes (ou
subconscientes)." E mais: "o termo instinto é, obviamente, nada mais
que um nome coletivo para todos os fatores orgânicos e psíquicos, cuja natureza
é em grande parte desconhecida para nós."
A existência de um fluxo vital
subconsciente, ou Bhavanga Sota, é um postulado necessário de nosso
pensamento. Caso tudo que nós vimos, ouvimos, pensamos, experienciamos e
fizemos não fosse, sem exceção, registrado de algum modo em algum lugar, quer
seja no extremamente complexo sistema nervoso comparável a um gravador ou disco
fonográfico ou no subconsciente ou inconsciente, nunca seríamos capazes
de lembrar o que estivemos pensando num momento precedente; não saberíamos da
existência de outros seres e coisas; não saberíamos quem são os nossos pais,
professores, amigos e assim por diante; nem saberíamos como pensar, visto que o
pensamento é condicionado pela lembrança de experiências anteriores. Nossa
mente seria uma completa tabula rasa, mais vazia que a mente de um recém
nascido, mais vazia até que o embrião no útero materno. Portanto,
o fluxo vital subconsciente, ou Bhavanga Sota, pode ser chamado de
precipitado de nossas ações e experiências anteriores, que deve estar ocorrendo
desde tempos imemoriais e deve ainda continuar por um período incomensurável de
tempo por vir. Portanto, o que constitui a natureza mais íntima do ser humano,
ou de qualquer outro ser, é este fluxo vital subconsciente, do qual não sabemos
de onde vem nem para onde vai. Como disse Heráclito: “Nos mesmos rios [7] entramos e não entramos, somos e não
somos.” [8] De forma semelhante diz o Milindapanha:
“na ca so, na ca anno; nem é o mesmo, nem é um outro (que renasce).”
Toda a vida, seja corpórea, consciente ou subconsciente, é um fluxo, um
processo contínuo de vir a ser, mudança e transformação. Não há elemento
persistente a ser descoberto neste processo. Dessa forma, não há um ego
permanente, uma personalidade a ser encontrada, somente estes fenômenos
transitórios. Acerca
da irrealidade do ego, o psicólogo húngaro Volgyesi em sua Mensagem para um
Mundo Nervoso disse:
"Sob
influência das mais recentes descobertas, os psicólogos começaram a perceber a
verdade acerca da entidade ego, o valor meramente relativo do sentimento do eu
(ego feeling), da grande dependência deste homenzinho em relação ao complexo de
fatores inexaurível do mundo ... a ideia de um eu independente, de um livre
arbítrio autônomo: devemos abandonar estas ideias e reconciliar-nos com a
verdade de que não existe eu real algum. Aquilo que tomamos por nossa sensação
de eu não é nada além da mais maravilhosa fata morgana [9] feita pela natureza."
Em sentido último, não existem
nem mesmo coisas tais como estados mentais, isto é, coisas estacionárias.
Sensação, percepção, consciência, etc, são na realidade meros processos de
sentir, perceber, tornar-se consciente, etc, dentro dos quais e fora dos quais
não se esconde nenhum tipo de entidade separada e permanente. Posto
isto, um entendimento real da doutrina do Budha acerca de karma e
renascimento é possível apenas para aquele que vislumbrou a natureza sem ego,
ou anatta, e a condicionalidade, ou Idappaccayata, de todos os
fenômenos da existência. Desta forma, diz-nos o Visuddhimagga (Cap XIX):
Por todo
lugar, em todos os reinos de existência, o nobre discípulo vê somente fenômenos
mentais e corporais que operam devido à concatenação de causas e efeitos.
Nenhum produtor do ato volitivo ou kamma ele vê, além do próprio kamma,
nenhum recipiente do resultado do kamma, além deste mesmo resultado. E
ele sabe muito bem que os sábios usam apenas linguagem convencional quando, no
que diz respeito ao ato kâmmico, eles falam de um agente, ou com respeito ao
resultado do kamma, de um recipiente.
Nenhum
agente das ações é encontrado,
ninguém que colha os frutos;
fenômenos vazios prosseguem:
isto apenas é a visão correta.
ninguém que colha os frutos;
fenômenos vazios prosseguem:
isto apenas é a visão correta.
E
enquanto as ações e seus resultados
seguem sempre de novo, tudo condicionando,
não se encontra um princípio,
como com a semente e a árvore.
seguem sempre de novo, tudo condicionando,
não se encontra um princípio,
como com a semente e a árvore.
Nenhum
deus, nenhum Brahma, pode ser chamado
o criador desta roda da vida:
fenômenos vazios seguem,
todos dependentes de condições.
o criador desta roda da vida:
fenômenos vazios seguem,
todos dependentes de condições.
No Milindapanha o rei
pergunta a Nagasena:
O que é
isto, venerável senhor, que renascerá?
Uma combinação psico física (Nama Rupa). Ó Rei.
Mas como, Venerável Senhor? Essa seria a mesma combinação psico-física atual?
Não, Ó Rei. Mas a presente combinação psico física produz kâmmicamente atividades volitivas saudáveis e prejudiciais, e graças a tal kamma, uma nova combinação psico-física irá renascer.
Uma combinação psico física (Nama Rupa). Ó Rei.
Mas como, Venerável Senhor? Essa seria a mesma combinação psico-física atual?
Não, Ó Rei. Mas a presente combinação psico física produz kâmmicamente atividades volitivas saudáveis e prejudiciais, e graças a tal kamma, uma nova combinação psico-física irá renascer.
Uma vez que em sentido último (Paramathavasena)
não há uma entidade ego, ou personalidade, não se pode falar apropriadamente
que tal ente renasce. O que nos interessa aqui é este processo psicofísico, que
cessa com a morte, de modo a continuar depois em outro lugar. De modo
similar, lemos no Milindapanha:
O
renascimento, Venerável Senhor, ocorre sem transmigração?
Sim, Ó Rei.
Mas como, Venerável senhor, pode ocorrer renascimento sem o passamento de algo? Por favor, dê-me um símile.
Se, Ó Rei, um homem acende uma vela com a ajuda de outra vela, a luz de uma vela passa para a outra vela?
Não, Venerável Senhor.
Assim mesmo, Ó Rei, ocorre o renascimento sem transmigração."
Sim, Ó Rei.
Mas como, Venerável senhor, pode ocorrer renascimento sem o passamento de algo? Por favor, dê-me um símile.
Se, Ó Rei, um homem acende uma vela com a ajuda de outra vela, a luz de uma vela passa para a outra vela?
Não, Venerável Senhor.
Assim mesmo, Ó Rei, ocorre o renascimento sem transmigração."
Além disso, temos no Visudhimagga
(Cap. XVII):
Quem
quer que não tenha uma idéia clara acerca da morte e não saiba que esta
consiste na dissolução dos cinco agregados da existência corporeidade,
sensações, percepções, formações mentais, consciência) pensa que há uma pessoa,
ou ser, que morre e transmigra para um novo corpo, etc. Quem quer que não tenha
uma ideia clara acerca do renascimento, e não saiba que este consiste no
surgimento dos cinco agregados da existência, pensa que é uma pessoa ou ser que
renasce, ou que a pessoa reaparece em um novo corpo. Quem quer que não tenha
uma idéia clara de Samsara, o ciclo de renascimentos, pensa ser uma
pessoa real que vaga deste mundo para um outro, que vem daquele mundo para
este, etc. Aquele que não tem uma idéia clara acerca da fenomenalidade da
existência, pensa que o fenômeno é o ego ou algo pertencente ao ego, ou algo
permanente alegre ou prazeroso. Aquele que não tem uma ideia clara acerca da
origem condicionada dos fenômenos da existência bem como acerca da origem das
volições kâmmicas condicionadas pela ignorância, pensa que é o ego que
compreende ou que falha em compreender, que age ou provoca a ação, que entra
numa nova existência com o renascimento. Ou ele pensa que os átomos ou o
Criador, etc, com a ajuda de processos embrionários, moldam o corpo dotando-o
com suas várias faculdades; que é o ego que recebe as impressões dos sentidos,
que sente, que deseja, que se apega, que entra na existência novamente em outro
mundo. Ou ele pensa que todos os seres passam a existir devido ao destino ou ao
acaso.
Isso é
um mero fenômeno, uma coisa condicionada,
que surge na existência seguinte.
Mas não transmigra para lá de uma vida anterior
e no entanto, não pode surgir sem uma causa prévia.
que surge na existência seguinte.
Mas não transmigra para lá de uma vida anterior
e no entanto, não pode surgir sem uma causa prévia.
Quando
esse fenômeno físico mental (o feto) condicionalmente originado surge, diz-se
que o ser entrou na (próxima) existência. Entretanto, nenhum ser (Satta),
ou princípio vital (Jiva) transmigrou da existência prévia para esta
existência, e ainda assim, este embrião não poderia ter surgido sem uma causa
prévia.
Tal fato pode ser comparado com
o reflexo do nosso rosto no espelho, ou com o eco de nossa voz. Assim como a
imagem no espelho e o eco são produzidos por nosso rosto ou voz sem que haja o
passamento do rosto ou da voz, o mesmo ocorre com a consciência do
renascimento. Caso existisse uma completa identidade ou mesmidade entre a vida
anterior e a atual, o leite nunca se tornaria coalhada; e caso ocorresse uma
alteridade absoluta, a coalhada nunca poderia ser condicionada pelo leite.
Portanto, não se deve admitir nem uma completa identidade, nem uma absoluta
alteridade com relação aos diferentes estágios da existência. Assim, na ca
so, na ca anno: “nem é o mesmo, nem é um outro.” Como dito acima: toda a
vida, seja corpórea, consciente ou subconsciente, é um fluxo, um contínuo
processo de tornar-se, mudança e transformação. Para resumir o precedente
podemos dizer: em sentido último não há seres ou coisas reais, nem criadores ou
criações; existe apenas este processo de fenômenos corpóreos e mentais. A
totalidade desse processo de existência tem um lado ativo e um passivo. O lado
ativo ou causal da existência consiste do processo do kamma (Kamma
Bhava), ou seja, atividade kâmmica benéfica ou prejudicial. O lado passivo
ou causado consiste dos resultados do kamma, ou vipaka, o assim
chamado processo de renascimento (upapatti-bhava), i.e. o surgimento,
crescimento, decadência e passamento de todos esses fenômenos neutros sob o
ponto de vista de Kamma. Desta forma, em sentido absoluto, não existe
ser real que vague pelo ciclo dos renascimentos, mas meramente o que ocorre é
este duplo processo de atividades kâmmicas e resultados kâmmicos. A vida
presente é, por assim dizer, o reflexo da passada, e a vida futura é o reflexo
da presente. A vida presente é o resultado da atividade kâmmica passada, e a vida
futura o resultado da atividade kâmmica presente. Portanto, não há em lugar
algum uma entidade ego a ser encontrada que possa ser o executor da atividade
kâmmica ou o recebedor do resultado kâmmico. Assim, o Budismo não ensina uma
transmigração real, visto que em sentido absoluto não há tal coisa como um ser
ou entidade ego, menos ainda a transmigração desta. Em cada
pessoa, como dito antes, parece que jaz dormente a débil noção instintiva de
que a morte não pode ser o fim de todas as coisas, mas que algum tipo de
continuidade deve existir. Em que sentido pode acontecer isso, entretanto, não
é imediatamente claro. Talvez seja verdadeiro que uma prova direta do
renascimento não possa ser dada. Temos, porém, relatos autênticos acerca de
crianças em Burma e outros locais que às vezes são capazes de lembrar de modo
bastante claro (provavelmente em sonhos) eventos de sua vida anterior. A
propósito, aquilo que vemos nos sonhos é em grande parte reflexos distorcidos
de eventos e coisas reais experimentados nesta ou em outra vida. E como
poderíamos explicar o surgimento de prodígios como Jeremy Bentham, que aos
quatro anos era capaz de ler e escrever grego e latim; ou John Stuart Mill
(1806-1873), que aos três anos já lia grego e aos seis escrevera uma história de
Roma; ou Babington Macaulay (1800-1859), que aos seis escreveu um compêndio de
história mundial; ou Beethoven (1770-1827), que aos sete dava concertos
públicos; ou Mozart, que compunha antes dos seis anos; ou Voltaire (1694-1778),
que leu as fábulas de La Fontaine (1621-1695) aos três anos de idade. Não
teriam estes prodígios e gênios, que em grande parte vieram de famílias de pais
iletrados, construído em vidas anteriores as fundações de suas faculdades
extraordinárias? Natura non facit saltus: a natureza não dá saltos. Podemos
afirmar corretamente que a doutrina Budista de kamma e renascimento
oferece a única explicação plausível para todas as variações e dessimilaridades
na natureza. De uma semente de maçã pode surgir apenas uma macieira, não uma
mangueira; de uma semente de manga somente uma mangueira, não uma macieira.
Assim, todas as coisas animadas como seres humanos, animais, etc.,
provavelmente mesmo as plantas e até os cristais devem, necessariamente, ser
manifestações ou objetivações de algum tipo específico de impulso subconsciente
ou vontade de viver. Quanto a estes últimos pontos citados o Budismo nada diz;
simplesmente afirma que toda vida vegetal pertence a ordem germinal ou Bija
Niyama. O Budismo ensina que se em nascimentos anteriores, o kamma
corporal, verbal e mental, ou as atividades volitivas, foram más e inferiores e
assim influenciaram de modo desfavorável o fluxo vital subconsciente (bhavanga sota),
então também os resultados, manifestos na vida presente deverão ser maus e
desagradáveis. O caráter e as novas ações induzidas ou condicionadas pelos
quadros e imagens negativas do fluxo mental subconsciente também deverão ser
maus e desagradáveis. Se os seres, entretanto, semearam boas sementes nas vidas
passadas, irão colher bons frutos na vida atual. No Culakammavibhanga
Sutta (MN 37.3) um brâmane apresenta o problema:
Mestre
Gautama, qual é a causa e condição pela qual os seres humanos são vistos como
inferiores ou superiores? Pois, as pessoas podem ter vida curta ou vida longa,
podem ser doentias ou saudáveis, feias ou bonitas, sem poder ou poderosas,
pobres ou ricas, nascidas em classes inferiores ou superiores, tolas ou sábias.
Qual é a causa e condição, Mestre Gotama, pela qual os seres humanos são vistos
como inferiores ou superiores?
O
Abençoado respondeu:
Os seres
são os donos das suas ações, estudante, herdeiros das suas ações, nascem das
suas ações, estão atados às suas ações, possuem as suas ações como refúgio. É a
ação que distingue os seres entre inferiores ou superiores.
No Anguttara Nikaya III, 40 se
diz: Matar, roubar, adulterar, mentir, caluniar, fala grosseira e fútil, quando
praticados, cultivados e quando nos engajamos freqüentemente nessas atividades,
isto nos conduzirá ao inferno, ao mundo animal ou ao mundo dos fantasmas
famintos. E mais: “Aquele que mata e é cruel vai para o inferno ou, caso
renasça como humano, terá uma vida curta. Aquele que tortura outros seres, será
afligido por doenças. O que odeia será horrendo, o invejoso não exercerá
influência, o teimoso ocupará posições inferiores, o indolente será ignorante.”
Em sentido contrário, beleza, influência, riquezas, status nobre e
inteligência. George Grimm (1846-1887), no livro A Doutrina do Budha,
tenta mostrar como a lei da afinidade pode no momento da morte regular o
alcance da ligação com o novo óvulo. Ele diz:
Aquele
que é desprovido de compaixão e mata seres humanos ou mesmo animais, carrega
dentro de si a inclinação para abreviar vidas. Ele encontra satisfação, mesmo
prazer, na vida abreviada de outras criaturas. Óvulos de vida curta têm,
portanto, alguma afinidade que faz com que eles sejam conhecidos por tal pessoa
após a morte, o que põe o indivíduo no campo de ação de um novo óvulo, para seu
próprio prejuízo. De modo semelhante, óvulos que carregam em si a
potencialidade de desenvolver um corpo deformado, possuem afinidades com
pessoas que encontram prazer em maltratar e desfigurar outros.
Qualquer pessoa raivosa origina dentro de si mesma uma afinidade por corpos feios e seus germes respectivos, pois é marca característica da raiva desfigurar o rosto.
Aquele que é ciumento, avarento, arrogante, carrega dentro de si a tendência de invejar as coisas dos outros e desprezá-los. Em conformidade com isso, os óvulos destinados a se desenvolver em circunstancias externas de pobreza possuem afinidades com tais pessoas.
Qualquer pessoa raivosa origina dentro de si mesma uma afinidade por corpos feios e seus germes respectivos, pois é marca característica da raiva desfigurar o rosto.
Aquele que é ciumento, avarento, arrogante, carrega dentro de si a tendência de invejar as coisas dos outros e desprezá-los. Em conformidade com isso, os óvulos destinados a se desenvolver em circunstancias externas de pobreza possuem afinidades com tais pessoas.
Gostaria aqui de retificar
várias aplicações erradas do termo kamma prevalecentes no Ocidente e
afirmar de uma vez por todas: a palavra páli kamma vem da raiz kar,
fazer, fabricar, agir, significando, portanto, ação, feito, etc. Como termo
técnico Budista, kamma é o nome para as volições ou intenções benéficas
e prejudiciais (Kusala e Akusala Cetana), os fatores mentais e a
consciência com eles associados, manifestados como ação física, verbal ou
mental. Já nos suttas encontramos: Intenção (Cetana), monges, que eu
chamo kamma. Mediante a intenção é que se executa o kamma por
meio do corpo, linguagem e mente (Cetanaham Bhikkhave Kammam Vadami;
cetayitva kammam karoti kayena vacaya manasa). Portanto, kamma é
ação volitiva ou intencional, nada mais, nada menos. Deste
fato resultam as três afirmações seguintes:
1. O
termo kamma nunca compreende o resultado da ação, como muitas pessoas no
Ocidente, desorientadas pela teosofia, desejariam que fosse. Kamma é a
ação volitiva benéfica ou prejudicial e kamma Vipaka é o resultado da
ação.
2.
Algumas pessoas consideram cada ocorrência, mesmo nossas novas ações benéficas
e prejudiciais, como resultado de nosso kamma pré-natal. Em outras
palavras, eles acreditam que os resultados de novo se convertem em causas de
novos resultados, e assim sucessivamente ad infinitum. Desta forma eles
caracterizam o Budismo como fatalismo; eles chegam a conclusão de que, neste
caso, nosso destino não pode ser influenciado ou mudado, e nenhuma libertação
pode ser alcançada.
3. Há
uma terceira aplicação errada do termo kamma, que é uma ampliação da
primeira visão segundo a qual o termo kamma diz respeito ao resultado da
ação. É a suposição de um assim chamado kamma conjunto, kamma de
massa, kamma grupal ou kamma coletivo. De acordo com esta visão,
um grupo de pessoas, por exemplo, uma nação, deve ser responsável pelas más
ações praticadas anteriormente pelo mesmo povo. Na realidade, entretanto, o
povo presente pode não ser constituído pelos mesmos indivíduos que fizeram as
ações prejudiciais. Para o Budismo, é verdade que qualquer pessoa que sofra
fisicamente, sofre pelas suas ações passadas e presentes. Portanto, cada um
daqueles indivíduos nascidos na nação sofredora se está sofrendo fisicamente,
tal fato se deve ao mal praticado em outro lugar, aqui ou em alguma das
inumeráveis esferas de existência, ele pode não ter nada a ver com as más ações
da nação. Podemos dizer que pelo mau kamma ele foi atraído à condição
infernal apropriada para si mesmo. Em resumo, o termo kamma se aplica,
em cada caso, somente à atividade volitiva (intenção, atitude) benéfica e
prejudicial de indivíduos singulares. O kamma, dessa forma, é a causa ou
semente da qual os resultados advirão ao individuo, nesta vida ou numa outra. [10]
Consequentemente,
está nas mãos do ser humano o poder para moldar seu destino futuro mediante a
vontade e a ação ou kamma, seja este um destino elevado ou inferior, de
felicidade ou miséria. Além disso, o kamma é a raiz ou semente não
apenas para continuação do processo vital após a morte, ou seja, o
renascimento, mas mesmo nessa vida presente, nossas ações ou kamma podem
produzir bons ou maus resultados, bem como exercer influência decisiva em nosso
caráter e destino atuais. Assim, por exemplo, se praticamos diuturnamente a
benevolência (amor bondade) em relação a todos os seres vivos, tanto humanos
quanto animais, iremos crescer em bondade enquanto o ódio e todas as más ações
feitas através do ódio, bem como os estados mentais aflitivos assim produzidos,
não irão surgir facilmente em nós; nossa natureza e caráter se tornarão firmes,
felizes, pacíficos e calmos. Se praticarmos altruísmo e liberalidade, a cobiça
e a avareza irão diminuir. Se praticarmos amor e benevolência, a raiva e o ódio
irão desvanecer. Se desenvolvermos sabedoria e conhecimento, a ignorância e a
delusão (engano) irão gradativamente desaparecer. Quanto menos cobiça, ódio e
ignorância (Lobha, Dosa, Moha) habitarem em nossos corações, menos vezes
iremos cometer ações más e prejudiciais com o corpo, a linguagem e a mente.
Isto porque todas as coisas más, todos os destinos ruins, na verdade são
enraizados na cobiça, no ódio e na ignorância; dessas três coisas, ignorância
ou delusão (Moha, Avijja) é a raiz mestra e causa primeira de todo mal e
miséria no mundo. Se não existir mais ignorância, não haverá mais cobiça e
ódio, nem renascimento, nem sofrimento. Tal objetivo, entretanto, em sentido
último, será realizado apenas pelos Santos (Arahants), quer dizer,
aqueles que, de uma vez por todas, se libertaram dessas três raízes; isto é
realizado através do insight penetrativo, ou Vipassana, em relação à
impermanência, insatisfatoriedade e insubstancialidade (Anicca, Dhukkha e
Anatta) de todo este processo vital e pelo desapego a todas as formas de existência
que dele resultam. Tão logo cobiça, ódio e ignorância se tornem extintas total
e completamente, e, portanto, a vontade e a sede pela vida, que produzem um
apego convulsivo à existência cheguem a um fim, então não haverá mais
renascimento, e terá sido realizado o objetivo mostrado pelo Iluminado, a
saber, extinção de todo renascimento e sofrimento. Assim, o Arahant não
executa mais kamma, isto é, não produz mais ações volitivas kâmmicamente
benéficas ou prejudiciais. Ele está livre desta vontade afirmadora da vida
expressa em ações físicas, palavras ou pensamentos, livre desta semente ou
causa de toda vida e existência. Agora, aquilo que chamamos de caráter é na
realidade, a soma dessas tendências subconscientes produzidas em parte pelas
atividades volitivas (kamma) pré natais, em parte por nossas ações
volitivas atuais. Tais tendências podem, ao longo da vida, tornarem-se
indutoras de atividade volitiva benéfica ou prejudicial do corpo, fala ou
mente. Caso, entretanto, a sede pela vida enraizada na ignorância seja
completamente extinta, então não ocorrerá a entrada numa nova existência. Uma
vez que a raiz de uma palmeira seja completamente destruída, a palmeira
morrerá. Da mesma maneira, uma vez que as três raízes más da afirmação da vida:
cobiça, raiva, ignorância, forem para sempre destruídas, não ocorrerá o
ingresso numa nova existência. Aqui não devemos esquecer que tais expressões
relativas a uma pessoa como eu, ele, santo, etc, são meros nomes convencionais
para o que em realidade não passa de um processo vital impessoal. Devo dizer,
em conexão com isto, que de acordo com o Budismo, é somente a última volição
kâmmica imediatamente anterior a morte, chamada de kamma próximo da
morte, que decide quanto ao renascimento que seguirá imediatamente. Nos países
Budistas, portanto, é costume fazer com que o moribundo relembre suas boas
ações, de modo a que surja nele um estado mental feliz e kâmmicamente puro,
como preparação para um renascimento favorável. Ou os parentes mostram a ele
coisas belas que serão ofertadas ao Budha para seu bem e benefício, dizendo:
Isto, meu querido, iremos oferecer ao Budha para seu próprio bem e benefício.
Também podem deixar que ele ouça um sermão religioso, ou que sinta o aroma de
flores, ou que prove doces ou toque roupas preciosas dizendo: Isto, meu
querido, iremos oferecer ao Budha para seu próprio bem e benefício. No Visuddhimagga
(Cap. XVII) é dito que, no momento que antecede a morte, como regra, na memória
do malfeitor vai aparecer a imagem de qualquer mal por ele cometido; ou que
pode aparecer em seus olhos mentais uma circunstância auxiliar ou objeto,
chamada de Kamma Nimitta, conectada com a má ação, como sangue, uma
adaga manchada de sangue, etc; ou ele pode ver diante de sua mente uma
indicação de seu renascimento miserável iminente, Gati Nimitta, como
chamas ardentes, etc. Para outro moribundo, pode aparecer diante da mente a
imagem de um objeto voluptuoso incitador de seu desejo sensual. Para um bom homem pode aparecer
diante de si qualquer ato nobre, Kamma, feito antes por ele; ou um
objeto presente naquele momento, o Kamma Nimitta; ou ele pode ver em sua
mente uma indicação de seu iminente renascimento, Gati Nimitta, como
palácios celestiais, etc. Encontramos nos suttas a distinção entre três tipos de Kamma
ou ações volitivas, considerando o tempo de amadurecimento, a saber: (1) kamma
que produz frutos nessa vida (Ditthadhamma Vedaniya Kamma); (2) Kamma
que produz fruto na vida seguinte (Upapajja Vedaniya Kamma); (3) Kamma
que produz fruto em vidas posteriores (Aparapariya Vedaniya Kamma). As
explicações acerca destes tópicos são muito técnicas para o leitor em geral.
Elas implicam o seguinte: o estágio do processo chamado de kamma
volitivo consiste, na mente, de uma série momentos de pensamento impulsivos, ou
javana-citta, que se sucedem em grande velocidade. Destes momentos
impulsivos, o primeiro dará resultado nesta vida, o ultimo na próxima e os
intermediários em vidas posteriores. Os dois tipos de Kamma que dão
frutos nessa vida e na seguinte podem por vezes se tornar inefetivos (Ahosi
Kamma). O Kamma, portanto, que dá frutos em vidas posteriores será
sempre efetivo, em qualquer tempo e lugar que surja uma oportunidade para que
ele produza seu resultado; e enquanto o processo vital continue este Kamma
nunca se tornará inefetivo. O Visuddhimagga divide o Kamma, de
acordo com suas funções, em quatro tipos: Kamma gerador, Kamma
mantenedor, Kamma neutralizador e kamma destrutivo, dos quais
todos podem ser saudáveis ou prejudiciais. Dentre estes quatro tipos, o gerador
(Janaka Kamma) produz no momento do nascimento e ao longo da vida os
fenômenos neutros corpóreos e mentais, tais como os cinco tipos de consciência
sensória e os fatores mentais a eles associados, como sensação, percepção,
impactos sensoriais, etc. O kamma mantenedor (Upatthambhaka Kamma),
entretanto, não produz nenhum tipo de resultado kâmmico; mas tão logo qualquer
outra volição kâmmica tenha efetivado o renascimento e um resultado kâmmico
tenha sido produzido, este kamma mantém ou suporta segundo sua natureza,
o fenômeno agradável ou desagradável e faz com que ele prossiga. O kamma
neutralizador (Upapilaka Kamma) também não produz resultado kâmmico
algum; mas tão logo qualquer outra volição kâmmica tenha efetivado o
renascimento e um resultado kâmmico tenha sido produzido ele neutraliza
conforme sua própria natureza, o fenômeno agradável ou desagradável e não
permite que este continue. O kamma destrutivo (Upaghataka Kamma)
não produz resultado kâmmico algum; mas tão logo qualquer outra volição Kâmmica
tenha efetivado o renascimento e um resultado kâmmico tenha sido produzido ele
então destrói o kamma mais fraco e permite apenas seu próprio resultado
kâmmico agradável ou desagradável. No Comentário ao Culakammavibhanga Sutta, o kamma
gerador é comparado a um fazendeiro semeando; o kamma mantenedor, com a
irrigação, adubação e cuidado com a plantação, etc., kamma neutralizador
seria a seca que causa uma colheita pobre e o kamma destrutivo se
compara com o fogo que destrói toda colheita. Outro exemplo é o seguinte: o
nascimento de Devadatta numa família real foi devido a seu bom kamma
produtivo. O fato de ele tornar-se monge e realizar elevados poderes espirituais
deveu-se a seu bom kamma mantenedor. Sua intenção de matar o Buda foi um
kamma neutralizador enquanto que o fato dele causar um cisma na Ordem
foi um kamma destrutivo, devido ao qual ele renasceu num mundo de
miséria. Descrever em detalhe todas as multifacetadas divisões do kamma
encontradas nos Comentários é algo que vai muito além do escopo desta breve
exposição. O que eu queria deixar claro nesta conferência é o seguinte: a
doutrina Budista do renascimento nada tem a ver com a transmigração de uma alma
ou entidade ego, uma vez que em sentido último não existe um tal ego, tão
somente um processo continuadamente mutante de fenômenos físicos e mentais.
Além disso, foi minha intenção apontar que o processo do kamma e o do
renascimento podem tornar-se ambos compreensíveis apenas pela suposição de um
fluxo subconsciente de vida por trás de tudo na natureza.
Notas:
[1]
Palestra, Universidade do Ceilão, 1947. [Retorna]
[2] Tudo
que um corpo é está contido, como semente ou possibilidade, no embrião, (nota
do tradutor). [Retorna]
[3]
Chama-se precipitado ao sólido resultante ou de uma reação química, ou da
excessiva saturação de um composto. A metáfora aqui, portanto, consiste em
comparar o processo e os componentes do novo ser com uma reação química. [Retorna]
[4] O
termo metempsicose é encontrado na filosofia grega, associado principalmente
aos nomes de Pitágoras e Platão. Grosso modo metempsicose refere-se a noção de
transmigração das almas através de vários corpos, humanos e não-humanos. Outro
nome é metensomatose, usado por Plotino. Platão no Fedro atribui a metempsicose
um papel purificador, ou seja, depois de um certo número de vidas, retorna-se
ao convívio dos deuses, e caso se viva uma vida filosófica, esta purificação
pode ser abreviada. [Retorna]
[5]
Paleontólogo de renome que pretendia investigar o fundo de verdade presente nas
várias tradições míticas da humanidade. Referência: The Scientist and the Fairy Tale,
por: E.H. Krauss. In: http://www.theosophy-nw.org/theosnw/world/general/my-kraus.htm [Retorna
[6] Provavelmente William James em The Varieties of Religious
Experience. Tradução publicada pela cultrix:
As Variedades da Experiência Religiosa. [Retorna]
[7] Há, aqui um jogo de palavras intraduzível, a palavra stream (fluxo,
correnteza) que traduzimos por fluxo (de consciência) também se refere a
correnteza de um rio. [Retorna]
[9] O efeito de Fata Morgana, do
italiano fata Morgana (ou seja: fada Morgana), em
referência à fictícia feiticeira (Fada Morgana) meia-irmã do Rei
Artur que, segundo a lenda, era uma fada que conseguia mudar de aparência,
é um efeito de ilusão óptica.Trata-se de uma miragem que se deve
a uma inversão térmica. Objetos que se encontrem
no horizonte como, por exemplo, ilhas, falésias, barcos ou
icebergues, adquirem uma aparência alargada e elevada, similar aos
"castelos de contos de fadas".
A Fata Morgana mais célebre é a que se produz no Estreito de Messina, entre a Calábria e a Sicília. Com tempo calmo, a separação regular entre o ar quente e o ar frio (mais denso) perto da superfície terrestre pode atuar como uma lente refractante, produzindo uma imagem invertida, sobre a qual a imagem distante parece flutuar. Os efeitos Fata Morgana costumam ser visíveis de manhã, depois de uma noite fria. É um efeito habitual em vales de alta montanha, onde o efeito se vê acentuado pela curvatura do vale, que cancela a curvatura da Terra. Também se costuma ver de manhã nos mares árticos, com o mar muito calmo, e é habitual nas superfícies geladas da Antártida. Os efeitos de Fata Morgana são miragens ditas superiores, diferentes das miragens inferiores, que são mais comuns e criam a ilusão de lagos de água distantes nos desertos ou em estradas com o asfalto muito quente. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fata_Morgana. [Retorna]
A Fata Morgana mais célebre é a que se produz no Estreito de Messina, entre a Calábria e a Sicília. Com tempo calmo, a separação regular entre o ar quente e o ar frio (mais denso) perto da superfície terrestre pode atuar como uma lente refractante, produzindo uma imagem invertida, sobre a qual a imagem distante parece flutuar. Os efeitos Fata Morgana costumam ser visíveis de manhã, depois de uma noite fria. É um efeito habitual em vales de alta montanha, onde o efeito se vê acentuado pela curvatura do vale, que cancela a curvatura da Terra. Também se costuma ver de manhã nos mares árticos, com o mar muito calmo, e é habitual nas superfícies geladas da Antártida. Os efeitos de Fata Morgana são miragens ditas superiores, diferentes das miragens inferiores, que são mais comuns e criam a ilusão de lagos de água distantes nos desertos ou em estradas com o asfalto muito quente. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fata_Morgana. [Retorna]
[10] Devo adicionar aqui que o termo páli vipaka, que geralmente
traduzo por efeito ou resultado não é realmente idêntico a estes dois
termos. De acordo com o Kathavatthu, ele diz respeito apenas ao
resultado mental produzido pelo kamma, tal como a sensação física
prazerosa e dolorosa e todos os demais fenômenos mentais primários. Os
fenômenos corporais, como os cinco órgãos dos sentidos, etc., não são chamados vipaka
e sim kammaja ou kamma-samutthana, ou seja, nascido do kamma ou
produzido pelo kamma, (nota do autor). http://acessoaoinsight.net/. Abraço. Davi.
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