Rosa
Cruz. www.fraternidaderosacruz.org. Livreto Introdutório aos Ensinamentos da
Sabedoria do Ocidente. Por Antônio de Macedo. O substantivo esoterismo é de
formação relativamente recente, por comparação com o adjetivo «esotérico», de
origem grega, donde deriva. O adjetivo eksôterikos , ê, on (exterior, destinado
aos leigos, popular, exotérico) já existia em grego clássico, ao passo que o
adjetivo esôterikos, ê, on (no interior, na intimidade, esotérico – interior)
surgiu na época helenística sob o Império romano. Diversos autores os
utilizaram. Veremos dentro em pouco alguns exemplos. Têm a sua origem,
respectivamente, em eisô ou esô (como preposição significa - dentro de - com o
advérbio significa - dentro), e eksô (como prep. Significa - fora de - como
advérbio significa fora). Destas partículas gramaticais (preposição, advérbio)
os gregos derivaram comparativos e superlativos, tal como no caso dos
adjetivos. Em regra, o sufixo grego para o comparativo é - teros, e para o
superlativo é - tatos. Por exemplo, o adjetivo kouphos, leve, tem como
comparativo kouphoteros - mais leve, e como superlativo kouphotatos, levíssimo.
Do mesmo modo, do advérbio preposição. Esô obtém-se o complemento esôteros,
mais interior, e o sup. esôtatos, muito interior, interno, íntimo. O adjetivo
esôterikos deriva, portanto, do comparativo esôteros. Certos autores, porém,
talvez mais imaginosos, propõem outra etimologia, baseada no verbo têrô que
significa observar, espiar; guardar, conservar. Assim, esô + têrô significaria
qualquer coisa como «espiar por dentro e guardar no interior». Platão (427 AC
347) no seu diálogo Alcibíades (390 AC) utiliza a expressão ta esô no sentido
de «as coisas interiores, e no diálogo Teeteto (360 AC) utiliza ta eksô com o
significado de «as coisas exteriores». Por sua vez Aristóteles (384 AC 322)
utiliza o adjetivo eksôterikos na sua Ética a Nicómaco (I, 13), cerca do ano
350 AC, para qualificar o que ele chama os «discursos exotéricos, ou seja, as
suas obras de juventude, de fácil acesso a um público mais geral. O primeiro
testemunho do adjetivo esôterikos encontramo-lo em Luciano de Samosata
(120-180) na sua obra satírica O Leilão das Vidas, parágrafo nº 26 (também
chamado O Leilão das Escolas Filosóficas), composta cerca do ano 166. Mais
tarde, os adjetivos eksôterikos e esôterikos passaram a ser aplicados, por
engano, aos ensinamentos de Aristóteles por Clemente de Alexandria (150 -215)
na sua obra Strômateis, composta cerca do ano 208: As pessoas da escola de
Aristóteles diziam que, entre as suas obras, algumas são esotéricas e outras
destinadas ao público ou exotéricas» (Strômateis, Livro V, cap. 9, 58).
Clemente supunha que Aristóteles (384 AC 322) era um iniciado, portanto seriam
esotéricos os ensinamentos que facultava no seu Liceu a discípulos já
instruídos. Era na verdade, apenas um ensino oral e Aristóteles qualificava-o
como «ensinamento acromático, que quer dizer «transmitido oralmente», nada
tendo de esotérico no sentido iniciático do termo. O teólogo alexandrino Orígenes
(185-254), discípulo de Clemente, já usa ambos os adjetivos em conotação com o
«oculto», ou melhor, o iniciático; contestando as críticas do anticristão
Celso, diz Orígenes: Chamar oculta à nossa doutrina é totalmente absurdo. E de
resto, que haja certos pontos, nela, para além do exotérico (externo), portanto
não chegam aos ouvidos do vulgo, não é coisa exclusiva do Cristianismo, pois
também entre os filósofos era corrente haver umas doutrinas exotéricas, e
outras esotéricas. Assim, havia indivíduos que de Pitágoras só sabiam “o que
ele disse” por intermédio de terceiros; ao passo que outros eram secretamente
iniciados em doutrinas que não deviam chegar a ouvidos profanos e ainda não
purificados» (Contra Celsum, Livro I, 7). O termo «esotérico» começou a ser
usado como substantivo a partir de Jâmblico (240-330), filósofo e místico
neoplatónico que se refere aos discípulos da escola pitagórica nos seguintes
termos: Estes, se tivessem sido julgados dignos de participar nos ensinamentos
graças ao seu modo de vida e à sua civilidade, após um silêncio de cinco anos,
tornavam-se daí em diante esotéricos, eram ouvintes de Pitágoras, usa vam
vestes de linho e tinham direito a vê-lo. (Vita Pythagorica, cap. 17, 72). O
conceito de esoterismo é de criação muito mais recente. Johann Gottfried Herder
(1744- 1803), que se opôs ao racionalismo Iluminista da sua época, foi o
primeiro autor a utilizar a expressão esoterische Wissenschaften (ciências
esotéricas), referenciável no tomo XV das suas Sämtliche Werke, e o substantivo
l’ésotérisme surgiu pela primeira vez na obra Histoire critique du gnosticisme
et de ses influences (1828), de Jacques Matter (1791-1864). Na sequência,
deve-se ao ocultista e cabalista Eliphas Lévi (1810-1875) a vulgarização dos
termos esoterismo e ocultismo (este último na sua acepção moderna e mais lata
de corpus de «ciências ocultas», diferente da Occulta Philosophia ou Magia, de
Agrippa, por exemplo). A partir de então o termo adquiriu uma voga crescente,
sobretudo depois que Helena Petrovna Blsvatsky (1831-1899), Alfred Percy
Sinnett (1840-1921), Annie W. Besant (1847-1933), Charles. W. Leadbeater
(1854-1934), etc, da corrente teosofista da Sociedade Teosófica popularizaram o
conceito, desde o último quartel do século XIX e ao longo dos inícios do século
XX. Paralelamente, certos autores começaram a encarar o estudo do esoterismo de
um ponto de vista mais académico, não se considerando, eles mesmos, esotéricos,
mas investigadores quer da história quer das ideias de determinadas correntes
espirituais, místicas ou ocultas. Entre estes contam-se por exemplo, nos finais
do século XIX, George Robert S. Mead (1861-1933) e Arthur Edward Waite
(1857-1942), cujos trabalhos, apesar de tudo, ainda se encontram a meio-caminho
entre o «discurso esotérico» e a pesquisa universitária. No primeiro quartel do
século XX, Max Heindel (1865-1919) estabeleceu a distinção técnica entre «o
oculto» e «o místico», e, embora inserido numa específica corrente esotérica,
deu forma consistente, nas suas obras, quer à vertente mística quer à vertente
oculta do esoterismo. Por sua vez Rudolf Steiner (1861- 1925), igualmente
inserido numa corrente esotérica bem definida, abordou o esoterismo segundo um
duplo enquadramento, ocultista e científico. René Guénon (1886-1951) trabalhou
o esoterismo, genericamente, segundo uma perspectiva mais filosófica do que
histórico-crítica, tendo o cuidado de distinguir entre o esoterismo cristão, o
islâmico e o védico; todavia, o grande impulso para o estudo do esoterismo de
um ponto de vista de investigação académica surgiu a partir de 1928, com a tese
de Auguste Viatte (1901-1993) sobre o Iluminismo, seguindo-se as pesquisas e os
trabalhos de Will-Erich Peuckert (1895-1969) sobre a pansofia e o
rosacrucianismo, de Lynn Thorndike (1882-1965) sobre a história da magia, da
Prof.ª Frances A. Yates (1899-1981) sobre o Iluminismo rosacruz e o esoterismo
renascentista, etc., devendo-se a esta última o principal estímulo para uma
pesquisa universitária, rigorosa, incidindo sobre o «território esotérico», o
que fez alterar o respectivo panorama investigativo a partir dos anos 60 e 70
do século XX. O prof. Antoine Faivre (1934 - ), mais recentemente, chama a
atenção para os estudos de Ernest Lee Tuveson (1915-1996) sobre o hermetismo na
literatura anglo-saxónica dos séculos XVIII e XIX, e de Massimo Introvigne
(1955 - ) sobre os movimentos «mágicos» dos séculos XIX e XX, sobretudo pelo
facto de proporem abordagens novas, interdisciplinares. Atualmente, é já
bastante vasto o leque de autores que estudam o esoterismo em ambiente de
investigação académica, tendo-se tornado consensual a designação de
esoterólogos para alguns desses investigadores, o que pressupõe uma ciência da
Esoterologia que está a ter acolhimento nos curricular de algumas
Universidades. Nem todos coincidem, porém, nas suas posições e definições do
campo investigativo do «esoterismo», podendo de certo modo, e sem tentar uma
conciliação entre os diferentes autores, dizer-se que existem vários
«esoterismos». Por amor à brevidade, limitar-me-ei a salientar alguns
esoterólogos contemporâneos cujos trabalhos são de capital relevância para a
compreensão do objeto temático do esoterismo: Prof. Antoine Faivre — Director
de Estudos da École Pratique des Hautes Études - Section Sciences Religieuses
(Sorbonne, França); Dr. Wouter J. Hanegraaff — Professor de História da
Filosofia Hermética e Correntes Relacionadas - Faculdade de Humanidades da
Universidade de Amsterdam (Holanda) e orientador de pesquisas sobre História
das Correntes Esotéricas - Departamento de Ciência das Religiões da
Universidade de Utrecht (Holanda); Prof. Pierre A. Riffard — Investigador de
Metodologia de Esoterismo e professor Catedrático na Université de Novakchott
(Mauritânia); Prof. Massimo Introvigne — Historiador das Correntes Esotéricas
Contemporâneas e Diretor do Centro Studi sulle Nuove Religioni, Turim (Itália);
Prof. Roland Edighoffer — Professor emérito na Université de Paris III
(Sorbonne Nouvelle, França); Prof. José Manuel Anes — Grão-Mestre da GLRP/LP
(Maçonaria Regular de Portugal) e professor de História das Correntes
Esotéricas no Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da Universidade
Nova de Lisboa (Portugal). Em termos muito simplificados podemos dizer que duas
grandes tendências gerais se perfilam entre estes autores: uma, poder-se-á
designá-la por universalismo pró-esotérico, e outra, por «estruturação
histórico-crítica». O prof. Wouter J. Hanegraaff ainda considera uma terceira
tendência a que chama «formas de anti-esoterismo, que, por não serem indispensáveis
neste breve resumo, me abstenho de considerar aqui. Na linha do «universalismo
pró-esotérico» incluem-se os trabalhos e a actividade universitária de
professores como Pierre A. Riffard (1946 -) e José M. Anes (1944 - ), por
exemplo. Segundo Riffard, o esoterismo tanto existe no Ocidente como no
Oriente, desde a pré-história até aos nossos dias, e tem a ver com o mistério
da existência tal como é percebido pelos seres humanos; além disso, Riffard
critica certos investigadores académicos que procuram estudar o esoterismo «de
fora», como se pudesse existir um «fenómeno cultural esotérico»
independentemente do esoterismo em si. Segundo Riffard, a essência do
esoterismo é, ela mesma, «esotérica»; na sua monumental obra de perto de 400
páginas, L’ésotérisme, Riffard interroga-se: «Pode alguém ser um esoterólogo
sem ser, ao mesmo tempo, um esotérico? De acordo com este ponto de vista,
elabora uma descrição do esoterismo segundo as oito invariáveis que, em sua
óptica, o caracterizam: (1) A impessoalidade do autor; (2) A oposição
esotérico/exotérico; (3) A noção de «o sutil» como mediador entre o espírito e
a matéria; (4) Analogias e correspondências; (5) A importância dos números; (6)
As ciências ocultas; (7) As artes ocultas; (8) A Iniciação. Uma posição totalmente
diferente é assumida pelos profs. Antoine Faivre e Wouter J. Hanegraaff, por
exemplo, defensores da linha «histórico-crítica». Segundo Faivre não se deve
falar em «esoterismo» mas em «esoterismos», ou melhor, em «correntes esotéricas
e místicas», uma vez que ele considera que não há um esoterismo em si, mas
apenas correntes, autores, textos, etc. Para que o esoterismo constitua uma
especialidade académica reconhecida pela comunidade científica, Antoine Faivre
define -o do seguinte modo, de acordo com a Direção de Estudos da Section des
Sciences Religieuses (Sorbonne), que ele mesmo integra com outros docentes: um
corpus de textos que constituem a expressão dum certo número de correntes
espirituais, na história Ocidental moderna e contemporânea, ligadas entre si
por um «ar de família», bem como uma «forma de pensamento» que subjaz a essas
correntes. Considerado de forma extensiva, esse corpus estende -se da
Antiguidade tardia até hoje; considerado de forma limitativa, abarca um período
que vai do Renascimento até à época contemporânea. Isto implica que, ao
contrário das teses «universalistas», ficam excluídos do conceito de esoterismo
alguns significados que Antoine Faivre enumera de modo a deixar bem claro o
que, de acordo com o seu critério, o esoterismo não é: (a) Um termo genérico,
mais ou menos vago, que serve para os editores e livreiros classificarem
coleções de livros ou rotularem prateleiras, e onde cabem o paranormal, as
ciências ocultas, as tradições sapienciais exóticas, etc.; (b) Um termo que evoca
a ideia de ensinamentos secretos e uma «disciplina do arcano», com
diferenciação entre iniciados e profanos; (c) Um termo aplicável a um certo
número de processos mais experienciais que racionais, e que se aproxima da
ideia de Gnose no sentido universal, propondo-se atingir, mediante certas
técnicas experienciais, o Centro do Ser (Deus, o Homem, a Natureza, etc.), não
se excluindo, desta concepção, uma atitude filosófica que advoga a unidade
transcendente de todas as religiões e tradições. Em contrapartida, aquela forma
de pensamento que Faivre considera como própria do conceito de esoterismo
distinguir-se-ia por seis características ou componentes fundamentais, das
quais quatro são «intrínsecas, no sentido em que a sua presença simultânea é
uma condição necessária e suficiente para que um discurso seja identificado
como esotérico, e duas são «secundárias» ou «extrínsecas», e cuja presença pode
ou não coexistir ao lado das outras quatro. São elas: (1) A ideia de
correspondência (O que é em cima é como o que é em baixo, segundo a Tábua da
Esmeralda ) (2) A Natureza viva (o Cosmos não é apenas complexo, plural,
hierarquizado, etc: é sobretudo uma Grande Entidade Cósmica viva); (3)
Imaginação e mediadores (a imaginação é a faculdade superior de penetrar nos códigos
que se ocultam nos mediadores, os quais, por sua vez, são os rituais, as
imagens do Tarot, as mandalas, etc., etc., símbolos carregados de polissemia
cuja decifração cognitiva permite o acesso ao mundus imaginalis definido por
Henri Corbin); (4) A experiência da transmutação (percurso espi ritual
simbolizado alquimicamente por três graus: nigredo, ou obra em negro, morte,
decapitação; albedo, ou obra elevada ao branco; e rubedo, ou obra elevada ao
vermelho, pedra filosofal); (5) A prática da concordância (prática que visa
descobrir os denominadores comuns a duas ou mais tradições aparentemente
distintas, na expectativa de que, mediante esse estudo comparativo, se alcance
o «filão escondido» que levaria à «Tradição primordial», da qual todas as
tradições e ou religiões concretas seriam apenas os «galhos» visíveis da grande
«árvore» perene e oculta); (6) A transmissão (conjunto de «canais de filiação
pelos quais se processa a continuidade de mestre a discípulo, ou de iniciação
no interior duma sociedade, no pressuposto de que ninguém se pode iniciar
sozinho e que o «segundo nascimento» passa obrigatoriamente por esta
disciplina). Outros autores simplificam a questão considerando que o esoterismo
se constituiu no Ocidente como disciplina autónoma, a pouco e pouco, a partir
de finais da Idade Média, porque a teologia e a ciência absorveram certos temas
que o integravam, eliminando outros que, por serem mais inquietantes ou
pertencerem ao imaginário mais perturbador, acabaram, com essa expulsão ou
mesmo perseguição, por integrar as correntes esotéricas ocidentais, sobretudo a
partir do Renascimento. No Oriente, pelo contrário, a teologia contém os temas
esotéricos e por conseguinte o esoterismo não precisa de se constituir como
disciplina aparte. Segundo este ponto de vista, pode -se falar em esoterismo
associado às várias escolas e tendências que se desenvolveram no Ocidente na
linha dos ensinamentos de Marsilio Ficino (1433-1499), de Pico della Mirandola
(1463-1494) e de Johannes Reuchlin (1455-1522), esoterismo esse que floresceu,
sobretudo, na Europa e nos séculos XVI e XVII. A sua principal característica é
a rejeição da linguagem comunicativa como expressão da verdade, e a pretensão
de que é nas camadas não-semânticas da linguagem que se oculta a antiga Sabedoria.
Em extensão a este conceito, não se pode ignorar a importância do pensamento
judaico e dos textos hebreus na Europa, cujo torat hasod (conhecimento
esotérico) constituiu um corpo específico de tradições secretas na cultura
judaica, no centro do qual, e a partir do século XIII, se encontra a Cabala,
que teve uma influência de indiscutível relevo no esoterismo cristão. www.fraternidaderosacruz.org.
Abraço. Davi.
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