Teosofia.
Artigo da Revista Theosophy in Australian. Texto de Linda Oliveira. II. SOBRE
TORNAR-SE TOTALMENTE HUMANO. ABERTURA. O que será essa ponte ou deveríamos
dizer esta abertura? Na terminologia teosófica, a palavra normalmente usada é
antahkarana. Helena P. Blavastky (1831-1899)
descreve-a como o caminho ou a ponte entre os aspectos mais e menos elevados de
manas, que serve como um meio de comunicação entre os dois. Mas também se diz
que esse termo refere a diversas pontes ou aberturas deste tipo entre inúmeros
centros no ser humano, ligações de “substância de consciência vibrante”. Isso
nos dá a impressão de que um antahkarana está muito vivo, em movimento. Se um
antahkarana pode unir determinados centros dentro do ser humano, então, de
alguma forma, ele desempenha uma função de ligação. Isso nos remete a fohat,
aquela essência de eletricidade cósmica ou consciência cósmica, que se diz ser
sempre presente do início ao fim de um Universo, aquela energia Universal viva
que também possui um efeito de ligação ou união na vida. De forma semelhante,
um antahkarana permanentemente aberto pode nos ligar à nossa natureza superior
ou interior, reunindo-nos com nossa Fonte. Quando o antahakarana, que liga os
dois aspectos de manas, se abre para o interior da mente, podem acontecer
grandes insights criativos no ser humano – insights sobre ciência, sobre a
vida, a verdade e assim por diante. Surge a questão: como criamos essa
abertura, essa ponte? O processo pode acontecer mais conscientemente, quando a
mente tem a capacidade de se manter perceptiva, mas silenciosa, tal como quando
em contemplação ou meditação reflexiva. Na verdade, este antahkarana pode abrir
e fechar com regularidade em pessoas cujo foco de consciência não está completamente
imerso no mundo material. DESENVOLVIMENTO E PURIFICAÇÃO RADICAL. Será que a
aquisição de poderes auxilia o processo de renovação? Blavatsky tem uma
resposta muito interessante e bem relevante para essa pergunta. Alguns podem
pensar sobre a jornada do Adeptado como um processo cumulativo – o
desenvolvimento de faculdades e poderes adicionais. Contudo, ela diz: Muitas
pessoas parecem pensar que o Adeptado não é resultante de um desenvolvimento
radical, mas uma construção suplementar. Parecem imaginar que um Adepto é um
homem que (...) primeiro adquire um poder e depois outro, mas assim que
alcançar um determinado número desses poderes, é imediatamente rotulado de
Adepto. Sem titubear, ela define aquisição de poderes para alcançar o Adeptado
uma “fantasia equivocada”, embora reconheça que “poderes” como a clarividência
e a viagem extra corpo tende a fascinar a maioria. A Sociedade teosófica,
observou, não foi fundada para ensinar maneiras novas e fáceis de aquisição de
“poderes”. Muito mais do que isso, sua missão é “reacender a tocha da verdade
há tanto extinta para todos, exceto para uns poucos, e manter esta verdade viva
por meio da formação de uma união fraterna da humanidade, o único solo sobre o
qual a boa semente pode germinar. De qualquer maneira, diz-se que determinados
poderes interiores se desenvolvem no curso da própria evolução. Se buscarmos
seu desenvolvimento, provavelmente será prematuro. Sábio seria focalizar, em
vez disso, em criar a união da humanidade, o “único solo sobre o qual a semente
pode crescer” – sementes estas que não brotam do solo do eu pessoal. Nessa
citação, Blavatsky usou o termo “desenvolvimento radical” para dar ênfase. O
que será que significa? Aquilo que é radical é fundamental ou básico. Assim,
desenvolvimento radical pode ser considerado como aquela mudança ou
desenvolvimento que abre caminho para que a nossa natureza fundamental ou
básica venha à tona. Podemos presumir que a abertura ou ponte permanente para a
nossa natureza interior, o antahkarana, é formada pelo desenvolvimento radical,
que envolve a purificação e transmutação daquilo que já existe dentre de nós,
em vez de aumentar nosso estoque de qualidades, poderes e habilidades. Isso nos
leva a outro ponto de renovação, que é um aspecto íntimo do desenvolvimento radical
(...). AUTOOBERSAÇÃO; Em vez de adquirir poderes, nossa primeira e mais
importante lição é, certamente, nos enxergarmos de forma verdadeira. Sri Ram
(1889-1973) deu algumas dicas sobre isso numa palestra chamada “Uma Revolução
em Si Mesmo”. Ele observou que é preciso estar ciente do conteúdo de nossa
consciência, em primeira instância, antes que a mudança radical ocorra (o
desenvolvimento radical de Blavatsky). Ele comparou as reações e ideias
presentes na mente com um tipo de saco de conteúdo variado, estando a boca do
saco quase fechada e cheia de informações sobre o mundo. Ele sugeriu que nosso
pensamento se movimenta grandemente ao redor e entre essas ideias. Na verdade,
essa perspectiva talvez não seja pouco plausível. Ao virarmos a mente do avesso,
nós a esvaziamos, não sendo possível virar a mente do avesso permanentemente,
talvez seja possível tentar fazer isso pelo menos temporariamente quando um
problema se apresenta. Sri Ram foi além. Disse que quando se deixa ir embora
todo conteúdo da mente, a consciência, que é indestrutível e
extraordinariamente flexível, é restaurada à sua condição original, sem
qualquer distorção, livre de associações com o conteúdo do passado, pura e
capaz de refletir a verdade. Isso pode nos parecer quase impossível, mas os
momentos de meditação podem gradualmente ajudar a nos prepararmos para este
tipo de mente. Em qualquer caso, para a maioria de nós, provavelmente é um
processo gradual. Isso nos traz mais um item de renovação HUMILDADE. Talvez o
próximo comentário de Sri Ram seja o mais importante: A condição da mente,
quando pura, é uma condição de humildade, na qual existe em si a possibilidade
da sabedoria. O que humildade significa de fato? Não quer dizer auto
depreciação, o que implicaria ter prazer em ser mais importante. Em vez disso,
a humildade é comparada por Sri Ram à sombra de um filme ou placa fotográfica
extraordinariamente sensível sobre a qual tudo é verdadeiramente refletido. Ele
a descreve como um estado de “negatividade magistral na qual todo positivo dentro
de seu campo é automaticamente compreendido”. Portanto, qualquer afirmação de
si mesmo tem que cessar para a humildade existir. Este é, então, o estado no
qual o antahkarana para a nossa natureza interior pode ser totalmente aberto:
por meio da pureza e de uma natureza genuinamente humilde. Seis itens
importantes de renovação foram sugeridos aqui: descontentamento, esforço,
abertura, desenvolvimento/transformação radical, auto-observação e humildade.
TORNANDO-SE TOTALMENTE HUMANO – O QUE ISSO PODE SIGNIFICAR? Estes itens podem
oferecer assistência. No entanto, parte da maravilha da jornada para a
HUMANIDADE total é que de muitas formas ela é um mistério que nos movimenta
para a frente. Ela claramente envolve o cultivo de um modo diferente de viver. Os
ensinamentos de Sabedoria Perene podem nos ajudar, mas precisam ser
perfeitamente integrados em nossas vidas, em vez de impostos por nossa mente.
Outro pensamento de Sri Ram é pertinente aqui: A Teosofia tem que ser
compreendida pelo coração, mas deve ser expressa pelas mãos, ou seja, em atos
de diversas maneiras. Em outras palavras, ela tem que transformar nossa vida.
Temos que viver de forma diferente (...) imprimindo uma nova qualidade em cada
ato individual de nossas vidas (...). Assim, cada departamento de nossa vida
pode ser iluminado, pode ser belo, espiritualizado, recriado, reconfigurado,
por esta sabedoria que chamamos Teosofifa – The Theosophical Revolution – A
Revolução Teosófica. A jornada para nossa plena humanidade passa, portanto, por
uma série de recriações, renascimentos, renascenças e transformações envolvendo
cada departamento da vida. Temos o potencial de dar a cada aspecto de nossa
vida um novo formato, para espiritualiza-la, para recriá-la. Mas se
consideramos cada expansão de consciência como uma conquista fixa sobre a qual
podemos construir, então não entendemos bem a mensagem. Pois a transformação
parece ser uma experiência de natureza muito mais qualitativa do que
quantitativa. Fazendo uma analogia, pode-se pensar em um copo d’água como um
símbolo de um ser humano. A quantidade de água não varia. No entanto, podemos
alterá-la ao passa-la por filtros. Cada filtro representa um tipo de qualidade.
Entretanto, não é possível quantificar exatamente que volume de filtragem deve
ocorrer antes que a água (nós) se transforme qualitativamente na mais perfeita
representação possível daquilo que ela é em essência. De modo semelhante, o ser
humano em evolução, eventualmente, pode tender a adotar uma abordagem de vida
muito mais qualitativa do que quantitativa. Como uma nova qualidade de
consciência acontece por meio de uma transformação, parece que algo mais morre
ou desaparece, ou é pelo menos transmutado. Finalmente, quando morremos para o
velho ou para aquilo que é impermanente, transmutamos ou mudamos nossa
natureza, abrimo-nos para o que somos em essência, para aquele aspecto de nossa
natureza que é mais duradouro. Cada ser humano, em última instância, produz,
através de svabhava – auto geração – sua singularidade. QUANDO OCORRE A
RENOVAÇÃO HUMANA? Nossa literatura pode sugerir que as mais dramáticas
transformações da consciência ocorrem como resultado de nossas experiências na
vida física, mas não é incomum acontecer no silêncio, após algum tipo de
tempestade interior. Como dito em Luz no Caminho. “Busca a flor que desabrocha
durante o silêncio que segue à tormenta, e não antes” (...) enquanto a natureza
toda não tiver sido vencida e se tornado submissa ao Eu Interior, a flor não
poderá abrir-se. Então, sobrevirá uma calma como a que nos países tropicais
sucede a uma chuva torrencial (...) E no silêncio profundo ocorrerá o
misterioso sucesso, o qual provará que se encontrou o caminho (...). O silêncio
pode durar apenas um momento, ou pode prolongar-se por milhares de anos, porém,
terá fim. Contudo, reterás contigo a sua força. Uma e outra vez terás que dar e
ganhar a batalha. O repouso da natureza só pode ser um intervalo”. Assim, o
processo é repetido diversas vezes até que a partir de um ser humano incipiente
surja um ser humano plenamente realizado. Se nos mostrassem uma imagem do que
nos tornaríamos como um ser humano plenamente realizado, todos poderiam achar
que éramos completamente irreconhecíveis. Tal é, ao que parece, a extensão do
efeito regenerativo de se tornar totalmente humano. Então, o que significa ser
plenamente humano? Poderíamos dizer, provisoriamente, que ser completamente
humano é perceber nossa singularidade, é viver de forma totalmente diferente,
tendo uma mente pura e uma natureza genuinamente humilde, sendo uma “simples força
benéfica na natureza”, para usar as palavras de Helena P. Blavatsky
(1831-1891). É se abrir para a vida do Universo, ser um sistema vivo, ser o que
naturalmente somos, internamente, sempre vitalizados pelo que é permanente e
puro. O egocentrismo com seus aliados com a agressão, indulgência, ambição etc,
seria transmutado em Eu Uno firmemente estabelecido naquele que está dentro de
nós, que é Universal, porém único. O ensinamento inspirador sobre a existência
de Mahatmas ou Grandes Almas sugerem que, eventualmente, é possível vivenciar
uma alegria profunda e permanente que irá permanecer inabalável com as
vicissitudes da vida. Tal ser humano realmente será um poderoso centro de paz,
expandindo-se para novas perspectivas de evolução que dificilmente poderemos
imaginar. Assim, o órfão irá se reunir com sua verdadeira linhagem, seu coração
espiritual. E então, somente então, saberemos quem realmente somos. Revista
Teosófica – As Coisas Transitórias. Abraço. Davi
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