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Autobiografia de Um Iogue – Paramahansa Yogananda (1893-1952). A MULHER IOGUE
QUE NUNCA SE ALIMENTA. Senhor, para onde vamos esta manhã? O senhor Wright, que
dirigia o Ford, afastou os olhos da estrada o tempo suficiente para encarar-me
com um piscar de olho interrogativo. Ele raramente sabia, de antemão, que parte
de Bengala (região da Índia) descobriria a seguir. Se Deus quiser – repliquei
com devoção – estamos a caminho de conhecer a oitava maravilha do mundo: uma
santa cujo alimento é o ar puro! Depois de Teresa Neumann (1898-1962), as
maravilhas se repetem. Mas mesmo assim o senhor Wright riu ansiosamente e até
aumentou a velocidade do carro. Mais material extraordinário para seu diário de
viagem! O seu, porém, não era o de um turista comum! Acabávamos de deixar para
trás a escola de Ranchi; havíamos nos levantado antes do sol. Além de meu
secretário e de mim, três amigos bengalis estavam no grupo. Sorvemos o ar
revigorante, o vinho natural da manhã. Nosso motorista guiava o automóvel com
todo o cuidado, entre camponeses madrugadores e carretas de duas rodas, puxadas
lentamente por zebus de enormes gibas e inclinadas a disputar a estrada com um
intruso que buzinava. Senhor, gostaríamos de saber mais a respeito da santa que
jejua. Seu nome é Giri Bala – informei aos companheiros. A primeira vez que
ouvi sobre ela foi há alguns anos, de um amável erudito, Sthiti Lal Nundy. Ele
vinha com frequência à casa de Gaspar Road para dar lições particulares a meu
irmão Bishnu. Conheço bem Giri Bala, dissera-me Sthiti Babu. Ela emprega certa
técnica iogue que lhe permite viver sem comer. Fui seu vizinho em Nawabganj,
perto de Ichapur (1). Decidi observá-la de perto e nunca encontrei evidência de
que comesse ou bebesse. Meu interesse cresceu a tal ponto que um dia procurei o
Marajá de Burdwan (2) e pedi-lhe que realizasse uma investigação. Espantado com
a história, ele a convidou ao seu palácio. Ela concordou em submeter-se a um
teste e viveu dois meses fechada numa pequena parte da residência do marajá.
Posteriormente, voltou ao palácio para uma permanência de 20 dias e depois para
um terceiro teste de 15 dias. O próprio marajá declarou-me que os três
rigorosos escrutínios o convenceram, acima de qualquer dúvida, de que ela
jamais comia. E concluí: Esta história de Sthiti Babu permaneceu em minha mente
por mais de 25 anos. Algumas vezes, nos Estados Unidos, eu me indagava se o rio
do tempo não tragaria a yogini (3) antes que eu a pudesse conhecer. Agora ela
deve ser bem idosa. Ainda não sei onde mora, nem se ainda está viva. Mas em algumas
horas chegaremos a Purulia; o irmão de Giri Bala tem uma casa lá. As dez e
meia, nosso pequeno grupo conversava com seu irmão, Lambodar Dey, advogado em
Purulia. Sim, minha irmã ainda vive. Às vezes ela fica comigo aqui, mas no
momento está na casa de nossa família em Biur. Lambodar Babu lançou um olhar
desconfiado ao Ford. Acho, Swamiji, que jamais qualquer automóvel se aventurou
em interior tão remoto quanto Biur. Seria melhor se todos se resignassem aos
solavancos de uma carreta de bois. Nosso grupo, em uníssono, jurou lealdade ao
“Orgulho de Detroit”. O Ford vem dos Estados Unidos – eu disse ao advogado.
Seria uma vergonha privá-lo da oportunidade de conhecer o coração de Bengala!
Que Ganesh (4) os acompanhe! Disse Lambodar Babu, rindo. E acrescentou
cortesmente – Se conseguirem chegar até lá, tenho certeza de que Giri Bala
ficará contente em vê-lo. Ela está chegando aos 70 anos, mas continua com
excelente saúde. Senhor, diga-me por favor: é realmente verdade que ela não
come nada? Olhei diretamente em seus olhos, as reveladoras janelas da alma. É
verdade. Seu olhar era franco e leal. Durante mais de cinco década, jamais a vi
comer sequer uma migalha. Se o fim do mundo chegasse de repente, eu ficaria
menos surpreso do que se visse minha irmã se alimentando! A risada foi geral,
devido à improbabilidade desses dois acontecimentos cósmicos. Giri Bala nunca
procurou a solidão inacessível para suas práticas de yoga – continuou Lambodar
Babu. Viveu a vida inteira cercada pelos parentes e amigos. Todos estão agora
perfeitamente acostumados ao seu estado incomum. Qualquer um deles ficaria
estupefato se Giri Bala subitamente decidisse comer qualquer coisa! Minha irmã
vive em discreto retiro, como convém a uma viúva hindu, mas nosso pequeno
círculo em Purulia e Biur sabe que ela é, literalmente, uma mulher
“excepcional”. A sinceridade do irmão era evidente. Nosso pequeno grupo
agradeceu calorosamente e partiu para Biur. Paramos num mercado para comprar
luchis e caril, atraindo um enxame de garotos, que rodearam o senhor Wright
para vê-lo comer com as mãos à maneira simples dos hindus (5). Um exigente
apetite fez com que nos fortalecêssemos para uma tarde que, sem que
suspeitássemos no momento, seria bastante penosa. Nosso caminho agora nos
levava para o leste, cruzando arrozais banhados pelo sol, até o distrito
Burdwan de Bengala. Prosseguíamos por estradas margeadas por densa vegetação:
as canções de mainás e tordos de pescoço listrado brotavam de árvores cujas
ramagens se pareciam a enormes guarda-sóis. De vez em quando uma carreta de
bois, o chiante rim-rim do eixo e das rodas de madeira com aros de ferro
contrastava de forma nítida, em nossa mente, com o rápido e suave deslizar dos
pneus no asfalto aristocrático das cidades. Dick, pare! Meu súbito pedido
provocou um solavanco de protesto do Ford. Esta mangueira sobrecarregada de
frutos está bradando um amável convite! Nós cinco saltamos como crianças para o
chão coberto de mangas; a árvore soltara benevolamente os frutos que estavam
maduros. Muitas mangas nascem para não serem vistas – parafraseei – e
desperdiçam sua doçura no chão pedregoso. Nada igual a isto nos Estados Unidos,
hein, Swamiji? Disse rindo Sailesh Mazundar, um de meus estudantes bengalis.
Não. Admiti, repleto de mangas e contentamento. Que falta senti desta fruta no
Ocidente! Sem mangas, o paraíso para o hindu é inconcebível! Atirei uma pedra e
fiz despencar uma beldade orgulhosa do ramo mais alto. Dick – perguntei, entre
nacos de ambrosia aquecida ao sol tropical, todas as câmeras fotográficas estão
no carro? Sim senhor, no porta-malas. Se Giri Bala for realmente uma santa,
quero escrever a respeito dela no Ocidente. Uma yogini hindu com poderes tão
inspiradores não deveria viver e morrer desconhecida (...) como a maioria
destas mangas. Meia hora mais tarde eu ainda vagava naquela paz silvestre.
Senhor, devemos alcançar Giri Bala antes que o sol se ponha se quisermos ter
suficiente luz para as fotografias – comentou o senhor Wright, acrescentando
com um sorriso. Os Ocidentais são um bando de céticos; sem fotos, não podemos
esperar que acreditem nesta senhora! Essa pitada de sabedoria era
inquestionável. Dei as costas à tentação e voltei para o carro. Você tem razão,
Dick – suspirei, enquanto acelerávamos. Sacrifico o paraíso de mangas no altar
do realismo Ocidental. Temos que conseguir fotografias! A estrada se tornou
gradativamente mais doentia: rugas na trilha das carretas, verrugas de barro
endurecido – as tristes enfermidades da velhice. De vez em quando nosso grupo
descia do carro para permitir ao senhor Wright manobrar mais facilmente o Ford,
enquanto empurrávamos por trás. Lambodar Babu disse a verdade – reconheceu
Sailesh. O carro não está nos carregando; nós é que estamos carregando o carro!
O tédio de entrar e sair do carro era amenizado uma vez ou outra pelo
aparecimento de uma aldeia, cada uma delas um cenário de pitoresca
simplicidade. Nosso caminho se torcia e dava voltas por bosques de palmeiras
entre vilarejos antigos e intactos, aninhados à sombra da floresta, registrou o
senhor Wright em seu diário de viagem, em 5 de maio de 1936. Muito fascinantes
são estes aglomerados de choupanas de barro e sapê, decoradas com um dos nomes
de Deus na porta. Muitas criancinhas nuas, brincando inocentemente, param para
arregalar os olhos ou fugir precipitadamente desta carreta enorme, preta e sem
bois, cortando alucinada a aldeia. As mulheres simplesmente espiam das sombras,
enquanto os homens se refestelam preguiçosamente sob as árvores, à margem do
caminho, encobrindo sua curiosidade sob um ar de indiferença. Num desses
lugares, todos os habitantes tomavam banho alegremente num grande açude (todos
vestidos, mas trocando depois as roupas molhadas por outras secas). Mulheres
carregando água para casa, em enormes jarras de latão. A estrada nos conduzia
por altos e baixos, como em divertida caçada; fomos sacudidos em todas as
direções, mergulhamos em pequenos arroios, demos meia-volta para contornar um
corredor inacabado. Deslizamos por leitos de rios secos e arenosos, e
finalmente, quase às cinco horas da tarde, nos aproximamos do distrito de
Bankura, escondida peal proteção da folhagem densa. É inacessível aos viajantes
na estação das chuvas, segundo nos disseram: nessa época, os riachos são
torrentes furiosas e as estradas parecem serpentes, cuspindo seu veneno, a
lama. Pedindo um guia a um grupo de devotos que voltava para casa após as
orações no templo (num campo solitário), fomos assediados por uma dúzia de
garotos escassamente vestidos, que subiram nos lados do carro, ansiosos para
nos levar até Giri Bala. O caminho levava a um bosque de tamareiras que
abrigava um grupo de choças de barro, mas antes de alcança-lo, o Ford
inclinou-se momentaneamente em ângulo perigoso, arremessou-se para o alto e
voltou ao chão. A estreita trilha, contornando árvores e açudes, conduziu-nos
por cristas, buracos e sulcos profundos. O carro ficou ancorado em uma moita de
arbustos; a seguir, encalhou numa pequena elevação, obrigando-nos a remover
parte da terra. Prosseguimos, lenta e cuidadosamente. De súbito, o caminho foi
interrompido por um amontoado de galhos no meio da trilha de carretas, sendo
necessário um desvio descendente à beira de um precipício que ia terminar num
açude seco, do qual fomos resgatados com pás, enxadas e raspadeiras. Repetidas
vezes o caminho nos pareceu intransitável, mas a peregrinação precisava
continuar; garotos atenciosos buscavam as pás e demoliam os obstáculos (benção
de Ganesh) enquanto centenas de crianças e pais olhavam. Logo estávamos em
nosso caminho ao longo dos dois antiquíssimos sulcos de carretas – mulheres nos
observando com olhos arregalados da porta de suas choupanas, homens seguindo o
carro de ambos os lados e por trás, crianças correndo para aumentar a
procissão. O nosso carro talvez tenha sido o
primeiro a transitar por estas estradas; o “Sindicato dos Carros de
Bois” deve ser onipotente aqui! Que sensação causamos – um grupo pilotado por
um americano, pioneiros a bordo de um carro resfolegante a mexer diretamente
com a estabilidade da aldeia, invadindo sua antiga privacidade e santidade!
Paramos numa viela estreita, a uns 30 metros do lar ancestral de Giri Bala.
Sentíamos a vibração da vitória após a longa luta com a estrada, coroada por um
último e rude trecho. Acercamo-nos de uma construção grande, de dois andares,
de tijolos e argamassa, dominando as choças de adobe à sua volta. A casa estava
passando por consertos, pois em torno dela se via o característico andaime
tropical de bambus. Com inquieta expectativa e júbilo contido, paramos diante
das portas abertas; ali vivia a criatura abençoada pelo Senhor com o toque dos
que não têm fome. Sempre boquiabertos mostravam-se os habitantes da aldeia,
jovens e velhos, nus e vestidos, mulheres um pouco à distância. Mas também
interrogativas, homens e meninos audaciosamente em nosso calcanhares admirando
o espetáculo sem precedentes. Logo uma figura de baixa estatura surgiu à
soleira da porta – Giri Bala! Estava envolta num traje de seda de um dourado
pálido; ao modo tipicamente hindu, avançou, modesta e hesitante. Espiando-nos
por sob a dobra superior do pano swadeshi que lhe cobria a cabeça. Seus olhos
reluziam como brasas vivas por entre as sombras da roupa; ficamos enamorados
por seu rosto de benevolência e auto realização , livre da mácula do apego
terrestre. Mansamente ela se aproximou e em silêncio consentiu que tirássemos
algumas fotos e a filmássemos (6). Paciente e timidamente suportou nossas
técnicas fotográficas, de ajustes de posição e de luz. Por fim, tínhamos
guardado para a posteridade muitas imagens da única mulher no mundo que se sabe
ter vivido sem comer nem beber pro mais de 50 anos (Teresa Neumann (1898-1962),
naturalmente, jejua desde 1923). Muito maternal era a expressão de Giri Bala ao
permanecer diante de nós, inteiramente coberta por suas vestes soltas e
flutuantes, sem que nada se visse de seu corpo a não ser a face de olhos
baixos, as mãos e os diminutos pés. Um rosto de rara paz e de inocente
equilíbrio – lábios largos, trêmulos, infantis, um nariz feminino, olhos
amendoados e reluzentes, e um sorriso pensativo. Compartilhei das impressões do
senhor Wright sobre Giri Bala: a espiritualidade a envolvia, tal qual o seu véu
de suave brilho. Ela fez pranam diante de mim, que é o gesto costumeiro de
saudação de uma dona de casa a um monge. Seu encanto simples e sorriso quieto
nos deram uma acolhida superior a uma oratória melíflua; esquecida ficou a
nossa viagem difícil e empoeirada. A pequena santa sentou-se de pernas cruzadas
na varanda. Embora demonstrasse os sinais da idade, não tinha aspecto
macilento; a pela cor de oliva conservava sua tradicional tonalidade pura e
saudável. Mãe – eu disse em bengali – durante mais de 25 anos pensei com
ansiedade nesta peregrinação! Sthiti Lal Nundy Babu falou-me sobre sua vida
sagrada. Ela concordou com a cabeça, em sinal de reconhecimento: Sim, meu bom
vizinho em Nawabganj. Nestes anos todos atravessei os mares, mas nunca esqueci
meu plano de vê-la um dia. O drama sublime que a senhora aqui representa
modestamente deveria ser proclamado a um mundo que há muito esqueceu o divino
alimento interior. A santa ergueu o olhar por um momento, sorrindo com sereno
interesse. Baba (venerado pai) sabe o que é melhor – respondeu mansamente.
Fiquei contente por ela não se sentir ofendida: nunca se sabe como os iogues e
as yoginis reagirão à ideia de publicidade. Via de regra eles a evitam,
desejoso de prosseguir em silêncio a profunda investigação da alma. Uma
autorização interna, quando chega a hora, lhes permite exibir a sua vida
abertamente, em benefício das mentes buscadoras. Mãe – continuei – perdoe-me,
então, por sobrecarrega-la com tantas perguntas. Por favor, responda somente às
que lhe agradarem; compreenderei seu silêncio também. Ela estendeu as mãos em
gesto gracioso. Responderei com prazer, na medida em que uma pessoa
insignificante como eu possa dar respostas satisfatórias. Oh não,
insignificante não! Protestei sinceramente. A senhora é uma grande alma. Sou a
humilde serva de todos – e acrescentou, curiosamente. Gosto de cozinhar e de
alimentar os outros. Passatempo estranho, pensei, para uma santa que não come!
Que seus próprios lábios me digam, mãe: é verdade que vive sem alimento? É
verdade. Ela ficou em silêncio por alguns instantes; seu próximo comentário
indicava que estivera lutando com cálculos mentais. Desde a idade de 12 anos e quatro
meses até minha idade atual de 68 anos – um período superior de 50 anos – não
tenho ingerido alimento sólido nem líquido. Não sente a tentação de comer?
Afirmou régia e simplesmente esta verdade axiomática, velha conhecida de um
mundo que gira em torno de três refeições por dia! Mas a senhora se alimenta de
alguma coisa! Havia em meu tom de voz uma objeção. Entendendo imediatamente,
ela sorriu. Sem dúvida! Sua nutrição provém das energias mais refinadas do ar e
da luz solar (7) e do poder cósmico que reabastece seu corpo através do bulbo
raquiano. Baba sabe. Ela novamente concordou, em seu modo suave e sem ênfase.
Mãe, por favor, conte-me sobre os primeiros anos de sua vida, que é de profundo
interesse para toda a Índia e até para nossos irmãos e irmãs do exterior. Giri
Bala pôs de lado sua reserva habitual, relaxando para a conversa informal.
Assim seja. Sua voz era baixa e firme. Nasci nesta região de florestas. Minha
infância nada teve de excepcional, a não ser pelo fato de que eu tinha um
apetite insaciável. Meu noivado ocorreu aos nove anos de idade. “Filha”,
advertia minha mãe frequentemente, “tente controlar sua gula. Quando vier a
época de viver entre estranhos na família do seu marido, que pensarão de você
se passar os dias apenas comendo”? A calamidade que ela havia previsto
aconteceu. Eu tinha apenas 12 anos quando me reuni à família do meu marido em
Nawabganj. Minha sogra me humilhava o dia inteiro, falando dos meus hábitos de
gulodice. Entretanto, suas censuras foram uma benção disfarçada: despertaram
minhas tendências espirituais adormecidas. Certa manhã, sua crítica mordaz foi
impiedosa. Logo vou lhe provar, disse eu, sentindo a ferroada até a medula, que
nunca mais tocarei em comida enquanto viver. Ah, é? Minha sogra riu com
menosprezo. Como pode viver sem comer, quando não pode nem viver sem comer
demais? Esse comentário era irrefutável. Contudo, uma resolução de aço tinha
entrado no meu coração. Num lugar isolado, procurei meu Pai Celestial. Orei sem
cessar: Senhor, por favor, manda-me um guru, alguém que possa ensinar-me a
viver de tua luz e não de comida. Um êxtase me sobreveio. Sob encantamento
beatífico, parti para o ghat de Nawabganj, à beira do rio Ganges. No caminho
encontrei o sacerdote da família do meu marido. Venerável senhor, disse eu
confiantemente, faça a gentileza de dizer como se vive sem comida. Ele me olhou
fixamente, sem responder. E afinal falou, consoladoramente. Filha, venha ao
templo hoje à noite. Conduzirei uma cerimônia védica especialmente para você.
Esta resposta vaga não era a que eu procurava, continuei em direção ao ghat. O
sol matutino penetrava na água; purifiquei-me no rio Ganges, como se fosse para
uma iniciação sagrada. Ao me afastar da margem do rio, com a roupa molhada, em
plena luz do dia, vi meu mestre materializar-se à minha frente! Querida
pequenina, disse com voa de amorosa compaixão, sou o guru enviado por Deus para
satisfazer sua prece urgente. Ele ficou profundamente comovido com a essência
incomum da sua oração! De hoje em diante você viverá da luz astral; os átomos
do seu corpo serão recarregados pela corrente infinita. Giri Bala silenciou.
Tomei o lápis e o bloco de anotações do senhor Wright e traduzi para o inglês
alguns itens da conversa a fim de informa-lo. A santa retomou a história, sua
voz suave quase inaudível. O ghat estava deserto, mas meu guru lançou em torno
de nós uma aura de luz protetora, para que nenhum banhista vagando por ali nos
incomodasse. Ele me iniciou numa técnica de Kria Yoga que liberta o corpo da
dependência do grosseiro alimento dos mortais. A técnica inclui o uso de certo
mantra (8) e um exercício respiratório mais difícil que os realizáveis por uma
pessoa comum. Não há magia nem drogas medicinais; nada além da Kria. Imitando o
repórter de um jornal americano que, sem perceber, me ensinou seu método de
entrevistar, interroguei Giri Bala sobre
muitos assuntos que achei que interessariam ao mundo. Ela me deu, pouco a
pouco, as seguintes informações: Nunca tive filhos; fiquei viúva há muitos
anos. Durmo muito pouco, já que sono e vigília são iguais para mim. Medito à
noite, cumprindo meus deveres domésticos durante o dia. Sinto ligeiramente a
mudança de clima de uma estação para outra. Nunca estive doente nem sofri de
qualquer moléstia. Sinto apenas uma leve dor quando sou ferida acidentalmente.
Não tenho excreções físicas. Posso controlar as batidas de meu coração e minha
respiração. Tenho visões frequentes de meu guru e de outras grandes almas. Mãe
– perguntei – por que não ensina aos outros o método de viver sem comer? Minhas
ambiciosas esperanças para os milhões de famintos do mundo forma rapidamente
destruídas. Não – ela negou com a cabeça – Recebi ordens rígidas do meu guru
para não divulgar o segredo. Não é desejo dele intrometer-se no drama divino da
criação. Os agricultores não me agradeceriam se eu ensinasse muita gente a
viver sem comida! As frutas deliciosas jazeriam inutilmente no chão. Parece que
a miséria, a fome e a doença são chicotes de nosso karma que, em última
instância, nos fazem buscar o verdadeiro significado da vida. Mãe – eu disse
devagar – Então de que adianta a senhora ter sido eleita para viver sem
alimento? Provar que o homem é Espírito. Seu rosto iluminou-se de sabedoria.
Demonstrar que, pelo progresso divino, o homem pode gradualmente aprender a viver
da Luz Eterna, e não da comida (9). A santa mergulhou em profundo estado
meditativo. Seu olhar se interiorizou; as suaves profundezas de seus olhos
tornaram-se inexpressivas. Ela exalou um certo suspiro, prelúdio do transe do
êxtase sem respiração. Por algum tempo, voou para o reino onde não há
perguntas, ao paraíso da alegria interior! A escuridão tropical descera. A luz
de uma pequena lâmpada de querosene tremeluzia com intermitência sobre a cabeça
de muitos camponeses que haviam se agachado silenciosamente nas sombras.
Coriscantes vagalumes e distantes lamparinas a óleo das choças teciam rútilos e
caprichosos arabescos na noite de veludo. Soava o momento doloroso da partida;
uma jornada lenta, tediosa, era a perspectiva do pequeno grupo. Giri Bala – disse
eu quando a santa abriu os olhos – me dê por favor um lembrança: uma pequena
tira de um de seus saris. Logo ela voltou com uma peça de seda de Benares,
cidade de Índia, estendendo-a em suas mãos enquanto se prostrava repentinamente
no solo. Mãe – disse-lhe com reverência, sou eu que devo pedir para tocar os
seus pés abençoados! REFERÊNCIA: (1). No norte de Bengala – Índia. (2). Sua
Alteza Sir Bijay Chand Mahtah, já falecido. Sua família possui, sem dúvida,
algum registro das três investigações do marajá a respeito de Giri Bala. (3).
Mulher iogue. (4). Removedor de obstáculos, o deus da boa sorte. (5). Sri
Yukteswar costumava dizer; “O Senhor nos deu os frutos da boa terra. Gostamos
de ver nossa comida, cheirá-la e saboreá-la – o hindu também gosta de apalpá-la!”
E, se ninguém mais está presente à refeição, não nos desgosta ouvi-la! (6). O
senhor Wright também Sri Yukteswar durante seu último Festival do Solstício de
Inverno, em Serampore. (7). “O que comemos é radiação, nosso alimento são
certos quanta de energia”, disse o doutor George W. Crile (1864-1943) de
Clevand – Estados Unidos, numa reunião de médicos em Memphis em 17 de maio de
1933. Trechos de seu discurso foram assim relatados: “Os raios do sol fornecem
esta radiação importantíssima aos alimentos, que liberam correntes elétricas no
sistema nervosos, ou seja, no circuito elétrico do corpo. Segundo o doutor
Crile, os átomos são sistemas solares. São veículos cheios de radiação solar,
como molas em espiral. Estes átomos cheios de energia, impossíveis de contar,
são ingeridos como alimento. Uma vez no corpo humano, os átomos, estes tensos
veículos, são descarregados no protoplasma do corpo, a radiação fornecendo nova
energia química, novas correntes elétricas. Seu corpo é feito desses átomos,
disse o doutor Crile. Eles são os músculos, cérebro e órgãos sensoriais, como
os olhos e ouvidos”. Algum dia os cientistas descobrirão como o homem pode
viver diretamente da energia solar. O doutor William L. Laurence escreveu no
The New York Times: A clorofila é a única substância conhecida na natureza que
possui o poder de agir como armadilha da luz solar. Ela aprisiona a energia do
sol, armazenando-a na planta. Sem isso não haveria vida. Nós obtemos a energia
necessária para viver da energia solar armazenada no alimento planta que
comemos ou na carne dos animais que comem as plantas. A energia que obtemos do
carvão ou do petróleo é a energia solar aprisionada pela clorofila na vida
vegetal de milhões de anos atrás vivemos do sol por intermédio da clorofila. (8).
Poderoso cântico vibratório. A tradução literal do sânscrito mantra é
“instrumento do pensamento”. Significa os “sons ideais e inaudíveis que
representam um aspecto da criação; quando vocalizado em sílabas, um mantra
constitui terminologia universal. (Webster’s New International Dictionary, 2ª
ed.). Os poderes infinitos do som derivam de Om, o “Verbo” ou zumbido criador
do Motor Cósmico. (9). O estado de não comer atingido por Giri Bala é um poder
iogue mencionado nos Yoga Sutras de Patânjali (III,31). Ela emprega certo
exercício respiratório que afeta o chakra vishuddha, o quinto centro de
energias sutis localizado na coluna. O chakra vishuddha, oposto à garganta,
controla o quinto elemento, akash ou éter, infiltrado nos espaços
intra-atômicos das células físicas. A concentração neste chakra (roda) capacita
o devoto a viver de energia etérica. Teresa Neumann não vive de alimento denso,
nem pratica uma técnica iogue científica para não comer. A explicação oculta-se
nas complexidades do karma pessoal. Muitas vidas de dedicação a Deus estão por
trás de pessoas como Teres Neumann ou Giri Bala, mas seus canais de
exteriorização diferem. Entre os santos cristãos que viveram sem comer
(apresentavam também os estigmas) pode-se mencionar: Santa Lidwina de Schiedam (1380-1433),
a Beata Elisabeth de Rent, Santa Catarina de Siena (1347-1380), Maria Dominica
Lazarri (1815-1848), a Beata Angela de Foligno (1248-1309) e Louise Lateau
(1850-1883). São Nicolau de Flue (Bruder Klaus, eremita do século XV, cuja
súplica apaixonada em favor de uma união salvou a Confederação Suíça),
absteve-se de alimento por 20 anos. Livro Autobiografia de Um Iogue –
Paramahansa Yogananda. Abraço. Davi
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