Hinduísmo. Texto de
Swami Dayananda Saraswati (1930-2015). ARSHAVIDYA – A VISÃO DOS RISHIS.
A palavra sânscrita arsha significa aquilo que vem de um rishi.
Um rishi é aquele que conhece ou vê, portanto, um rishi é
um vidente. Vidente de quê? Ele é um vidente do que é, das coisas que outros
não vêem. Vidya significa conhecimento, que se opõe ao erro e
a ignorância. Assim, arsha vidya designa o conhecimento
dos rishis. Nós temos um corpo de conhecimento que vem de geração a
geração através da linhagem do professor e do aluno (guru-sishya-parampara).
Este corpo de conhecimento é chamado de Veda. É constituído por dois tópicos
principais. Um deles é o tópico que lida com valores, o certo e o errado,
várias formas de oração e rituais para diferentes fins. Dois tópicos no
Veda. Um ser humano tem uma série de desejos. E os desejos de uma
determinada pessoa não precisa ser os desejos da outra pessoa. Além disso, uma
pessoa que agora tem um desejo, muitas não têm o mesmo desejo mais tarde, mesmo
que não foi satisfeito. Ela pode crescer fora dele. Assim, esses desejos (kamah)
são muitos e variados (binnah). A fim de cumprir estes desejos, uma
pessoa faz tentativas de acordo com sua habilidade e conhecimento, mas ainda
assim, há muitas variáveis ocultas. Para controlar as variáveis ocultas uns
recorrem à oração. Este tipo de oração, uma oração específica para obter um
determinado resultado é mencionado na primeira parte do Veda. Há muitas orações
para fins muitos diferentes. Finalmente, no final, o Veda tem um tópico chamado
Vedanta. Este tópico trata daquele que deseja. É importante entender a
diferença entre esses dois tópicos. Um lida com seus desejos, tenta ajudá-lo a
satisfazer os seus desejos. O outro trata daquele que muito deseja. Por que eu
sou uma pessoa que deseja? Mesmo se eu satisfazer alguns desejos, eu não vou dizer
que eu satisfiz todos os meus desejos. Havia desejos que eu não podia
satisfazer quando eu era jovem e mesmo agora, há desejos que não posso
satisfazer – como os desejos de uma sociedade ideal, de um amigo ou cônjuge
idealmente disponível que eu sempre sonhei. Esses desejos nunca são satisfeitos
e talvez nunca serão atendidos. Nunca se pode ficar tranquilo, dizendo:
"eu satisfiz todos os meus desejos. Quando ser aquele que
deseja é um problema. O desejo que tenho é apenas o privilégio de uma
pessoa feliz, livre e completa. Sendo um ser humano dotado com essa liberdade
de escolha, ao contrário de um animal, eu tenho esse privilégio de desejar; que
é uma das três capacidades dadas a um ser humano, o poder, a liberdade para
desejar, conhecer e de agir (iccha-sakti, jnana-sakti, kriya-sakti).
Estas três saktis são dadas a mim. É um privilégio para mim
alimentar um desejo e depois satisfazê-lo. Se for satisfeito, eu sou feliz e se
ele não for satisfeito sou feliz. Mas, geralmente, não nos sentimos assim. Aquele
que deseja no início é aquele que deseja no meio e continua a ser aquele que
deseja no fim. Quando criança, eu sou aquele que deseja e quando eu chegar aos
dezenove eu ainda sou aquele que deseja. Então ser uma pessoa que deseja é uma
realidade. Se esta realidade é verdadeira, então eu não tenho nenhuma
oportunidade de encontrar satisfação na minha vida. Então, eu continuo lutando
por toda a minha vida. Você cruza oceanos, chega a lugares distantes e realiza
muito. Ainda assim, aquela pessoa que está querendo, aquela pessoa que tem um
senso de inadequação, nunca se vai. Ela está sempre presente. Assim, parece que
todos os seus esforços são inúteis, porque você não vê nenhuma diferença em si
mesmo, apesar de todas as suas realizações. Essa é uma situação realmente
trágica: eu queria ser alguém e naquele alguém eu não vejo uma pessoa que fez
isso. Vejo apenas uma outra pessoa "tornar-se", na verdade, a mesma
pessoa que “se torna”. Eu chego a um ponto onde eu não posso mais “vir a ser”
por causa da minha velhice, pois isso é algo peculiar a um ser humano. O ser
humano é autoconsciente e por isso, tem complexos. Eu quero ser
"alguém", porque há a conclusão que eu obtenho, dentro dos limites do
meu próprio complexo corpo-mente-sentido. Eu sou somente isso e eu quero ser
"alguém". A tentativa decorre da minha própria conclusão, uma
conclusão que é universal. Esta conclusão é que eu sou incompleto e tenho que
me tornar completo. Nisto, cada um tem certas necessidade peculiares de
acordo com o seu passado, mas essas necessidades são um fenômeno universal;
pois esta pessoa que quer continuar a existir sem qualquer senso de realização,
nela, consequentemente, há sempre uma busca. Se alguém reconhece isso e quer
resolver este problema de busca, a busca se torna uma busca espiritual. Uma
busca é uma busca, se você procura por dinheiro, poder, posição e trabalha para
isso; ou você procura uma solução para este problema básico. Nós chamamos isso
de pesquisa básica espiritual, na medida em que não há nenhum desejo particular
que se é encontrado. Que eu sou aquele que deseja, que eu sou uma pessoa que
quer, que eu sou alguém confinado neste complexo corpo-mente-sentido, que eu
sou diferente de tudo o mais, e, portanto, sou uma pessoa, inadequada
incompleta, que deve tornar-se adequada e completa – esta busca não tem nenhum
objeto em particular no mundo, pois é centrada em mim mesmo. Quando seu desejo
é centrado em um objeto, você o chama de um desejo material. Se ele está
centrado em si mesmo, sobre o problema de ser uma pessoa que quer, essa pessoa
tem que mudar. Essa pessoa pode mudar? Se essa pessoa tem que mudar, então deve
haver uma realidade diferente sobre essa pessoa. Caso contrário nenhuma mudança
é possível. Se eu sou uma pessoa incompleta, em essência, então na realidade eu
sou incompleto. Não há nenhuma maneira de consertar esse problema. Mas eu estou
sempre me esforçando para arrumar esse problema. Então, isso não é algo
exclusivo para uma determinada pessoa, pois todo mundo tem esse desejo
espiritual, se podemos chamar isso espiritual. Resolvendo o problema de ser
aquele que deseja. O Vedanta é assim chamado porque está no fim do Veda.
Não tem nenhum outro significado, é apenas um nome de posição. Este corpo de
conhecimento que chamamos de Veda tem em sua extremidade um segundo tópico que
trata este problema de eu ser aquele que deseja. Eu posso ser aquele que deseja
sem que seja um problema, se eu ver isso como um privilégio que me foi dado,
então, eu sou livre o suficiente para ter alguns desejos e satisfazê-los. Eu
também sou suficientemente livre para ser feliz, mesmo se eles não forem
satisfeitos. Então, sozinho, isto se torna um privilégio. Caso contrário, todo
desejo é um desejo de ligação porque tem que ser atendido. Este problema é
abordado no Vedanta que também é chamado Upanisad. Upanisad é
um diálogo entre um professor e um aluno que é dado na forma de um diálogo,
porque aqui alguma coisa tem de ser entendida. O tópico lida com o que se
pretende entender, não uma simples confiança. E isso é uma questão de
conhecimento e é preciso conhecê-lo através de um professor, que também é
revelado no diálogo. O tópico é você; o seu pensamento de si mesmo como aquele
que deseja e o fato de que isto é um erro. Você tem o privilégio de desejar,
sem dúvida, mas você não é aquele que deseja. Enquanto aquele que deseja é
você, você não é aquele que deseja. Desejo é algo que você aprecia como um
privilégio e o Vedanta aceita isso. Na verdade, se você é livre, você pode ter
mais alguns desejos, porque o desejo não envolve um desejo de se tornar livre
de incompletude. Atrás de cada desejo, há um desejo de ser seguro. O desejo de
ter mais dinheiro não é por causa do dinheiro em si, mas por segurança. Que eu
sou inseguro é uma conclusão; esta conclusão me faz buscar por segurança e no
dinheiro eu vejo segurança. Atrás do objeto de cada desejo há outra coisa que
estamos procurando que é identificado pelo Vedanta como um impulso espiritual.
A busca em sua vida é espiritual, quer você goste ou não, é a procura por
segurança. Você não pode aceitar que você é inseguro, porque sua natureza é a
segurança. Não há nada mais seguro do que si mesmo. Isso é o que o Vedanta diz.
O Vedanta nos pede para ver o que ele tem a dizer. Então, em que base você
conclui que é inseguro? Você fez um indagação (vicara) sobre si mesmo?
No entanto, não é depois do vicara que você conclui que é
inseguro. Isto se dá sem qualquer indagação, pois todo mundo nasce com a
ignorância e essa ignorância é dupla. Uma delas é a ignorância de si mesmo e a
outra é a ignorância do mundo. Minha mente, sentidos e capacidade de inferência
podem ser melhorados na medida que eu cresço. A percepção e a inferência,
nossos dois principais meios de conhecimento, são destinados para entender as
coisas que podemos objetivar. Mas a ignorância original sobre mim mesmo, com a
qual eu comecei a minha vida, não vai embora. Sem saber o que o Ser é, com a
conclusão que eu sou aquele que deseja, que eu sou incompleto, inseguro e
infeliz é um dado adquirido, considerado como real porque todo mundo tem
conclusões semelhantes. Mas para determinar a verdade, a maioria não desempenha
qualquer papel. Todo mundo acreditava que o Sol se levantava pelo céu do
oriente e viajava pelos céus a cada dia. Um colega disse que isso não era
verdade. Toda a humanidade foi contra uma pessoa. Todos pensavam que a Terra
fosse plana, mas uma pessoa disse que era um globo. É assim que é a verdade.
Ela não é determinada pelo consenso da maioria. É determinada pelo fato de que
é verdadeira ou não. Na visão do Vedanta você é a segurança que você está
procurando no dinheiro, no poder, etc. Você é a felicidade que você está
procurando nas várias formas de prazer e assim por diante. Felicidade, aqui,
significa a plenitude que é oposta ao sentido de incompletude. Você quer ser uma
pessoa inteira porque é exatamente isso que você é. Você realmente não quer ser
um mortal e por isso que há sempre uma tentativa de se ver livre dessa
mortalidade. Você quer prolongar a sua longevidade, sabendo muito bem, é claro,
que um dia você vai sucumbir. Ainda assim, é muito difícil aceitar a morte. Eu
quero viver um dia mais. Mas e quanto as pessoas que cometem suicídio? Não é
que eles queiram colocar um fim às suas vidas, é porque há um outro impulso
igualmente poderoso para ser feliz e seguro. Se houver um perigo para a
segurança ou a felicidade, na percepção dessa pessoa, ela pode cometer
suicídio. A busca por segurança e felicidade é tão real quanto o amor pela
longevidade. Na visão do Vedanta as conclusões de que você tem o prazo
determinado, incompleto, inseguro estão errados. Nessa visão você é a verdade
de tudo. Você não pode se tornar mais do que plenitude, porque a plenitude é a
sua natureza. E assim, você é a própria essência do tempo; você é atemporal. Em
outras palavras você é sat-chit-ananda. Nessa visão você é tudo
isso e é isso que você está procurando na vida. O Vedanta lida com a realidade
de viver; dá sentido à sua vida, ao contrário dos que tateiam no escuro sobre o
que fazer na vida na busca de uma coisa ou outra. Ele dá a liberdade a partir
desta luta constante. Onde quer que esteja e tudo o que esteja fazendo, você
pode se encontrar livre o bastante para ser o que você é. Esta liberdade
particular é inata a você e é isso que é revelado na declaração que você
é sat-cit-ananda. Não é uma afirmação mística, mas é revelada pelo
Vedanta metodicamente, através de um método muito sofisticado de ensino. Auto
crescimento. Como parte deste programa de ensino que faz você ver que você
é livre, este arsha-vidya, ou Vedanta, tem um programa para seu
próprio auto-crescimento. Isso é o que chamamos de Yoga. Como revelado na Gita e
também nas Upanishads, Yoga é uma forma de viver que ajuda você a
crescer no seu potencial. Como um ser humano, há espaço para mais crescimento.
Um filhote de tigre precisa levar, eventulamente, uma vida de tigre –
independente e forte. Para fazer isso, o filhote tem que crescer para se tornar
um adulto. Quando ele se torna um adulto, ele não tem outro programa a seguir.
Ele vive a vida de um tigre sem complexos. A criança humana também cresce para
se tornar um adulto, mas com isso, o crescimento ainda não terminou. Há um
conflito constante e todo conflito é para o crescimento. Então, temos que lidar
com cada conflito e crescer para ser uma pessoa que está livre de conflitos,
pois todo mundo tem que crescer nessa pessoa. Deixe-a levar toda a vida, mas
isso ainda é um programa que alguém pode se permitir realizar, que não se pode
dar ao luxo de não realizar. Tudo tem que se tornar significativo para mim. E
se isso está me sujeitando sempre a conflitos, há um problema real de
crescimento. Então, temos que tomar a iniciativa para crescer como um ser
humano completo. Assim, temos dois programas no Vedanta – um é para ajudar a
pessoa a crescer, a se tornar objetiva, imparcial e isenta de conflitos e viver
uma vida de riqueza. Esse tipo de vida, que é enriquecida pelo seu próprio auto
crescimento é o que é visado pelo programa de Yoga. O Vedanta ensina como agir
nisso. Então, ele tem a palavra final de que você é o todo. Na verdade, você
tem que provar que você não é. Todo o processo de bater de frente contra o que
Vedanta diz é o que chamamos de processo de aprendizagem. Você tenta provar que
o Vedanta está errado e que o Vedanta sempre tem uma resposta. Finalmente você
tem a dizer: "Eu sou o todo."Uma vez que você diz isso e vê que você
é o todo, ninguém pode tirar isso de você. Essa é a beleza dele. Não há nenhuma
promessa realizada aqui. O Vedanta não diz que você vai se tornar o todo. Ele
diz que você é o todo. O que é que inibe esta compreensão? O Vedanta remove
todos os fatores inibidores metodicamente, cognitivamente; pois isto é o que
você está interessado na vida. Assim, toda a sua vida pode ser convertida em
Yoga e então tudo se torna significativo. E isso se dá por causa da atitude que
você descobre em si mesmo, na consequencia do entendimento de determinadas
realidades. Assim, o Vedanta é um corpo de conhecimento que lida com a
realidade da vida, da vida inteligente, com o fim de encontrar a própria
realização.
Om tat sat.
www.yoga.pro.br. Abraço. Davi.
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