Espiritualidade. Texto de Osho (1931-1990). O
QUE É O HOMEM EXATAMENTE ? O homem é um mero talvez, uma possibilidade, um
potencial, um tornar-se, uma vontade. O homem não é, ainda. O homem ainda tem
que ser. Essa é a agonia do homem e o seu êxtase também. A besta (animal) é, e
nenhum crescimento lhe é possível. É um produto acabado. Na besta não há
qualquer possibilidade de procura, de busca, de ser. Nesse caso, não há
qualquer liberdade. A besta está em absoluta escravidão. A besta vive e morre
sem saber que ela vive e morre. A besta é, mas ela não sabe que ela é. O
homem é e sabe que ele é, mas não sabe quem ele é. O homem é um processo constante. Alguma coisa está sempre acontecendo,
está sempre na beira do acontecimento. O homem é uma excitação, uma aventura,
uma peregrinação. Nenhuma besta
(animal) pode sequer fugir de seu destino. Ele é sempre predeterminado. A besta
tem um destino absoluto. Nada acontecerá de outro jeito. A besta é
pré-programada. O homem não tem qualquer programa prévio, ele é simplesmente
uma abertura. Mil e uma coisas são possíveis. Por isso surge a ansiedade: 'Ser
isso ou ser aquilo? Ir para a direita ou para a esquerda? Viver desse jeito ou
viver daquele jeito? E o que é certo? E o que irá me satisfazer?' A cada momento o homem tem que decidir. E,
obviamente, quando você decide, você treme. Há sempre a possibilidade de você
escolher errado. Na verdade, as possibilidades de escolher errado são maiores.
Em mil e um caminhos, apenas um será o certo. Por isso uma grande tremedeira e
angústia: "Eu vou fazer isso? Sendo eu mesmo, eu serei bem sucedido? Ou
isso vai ser apenas um grande e inútil esforço e ao final terei só frustração e
fracasso? Eu serei capaz de conhecer vida abundante? Essa vida se tornará uma
base para uma vida ainda maior que virá? Ou isso nada mais é do que uma morte?
Existe apenas um túmulo no final, ou alguma coisa mais?' O homem é um ser aberto. Tudo é possível, mas nada é certo. A besta é absolutamente
certa. Ela tem uma definição. O homem não tem definição. Assim quando você me pergunta: O que é o homem exatamente? você está formulando errado a
pergunta. O homem não é algo exatamente. Ele é apenas uma vaga vontade, um
sonho muito, muito vago de coisas que podem ser, de coisas que podem ser
possíveis, que podem não ser possíveis. O homem é uma hesitação. A cada momento
o homem é pego pela hesitação, porque um simples passo errado destruirá toda a
sua vida. O homem pode perder. Nenhuma besta pode sequer perder. Mas
porque o homem pode perder, ele pode ganhar também. Ambas as possibilidades vêm
juntas. O homem pode crescer, o homem é crescimento. O mero talvez pode se
tornar verdade. O potencial pode ser transformado em realidade. A semente pode
se tornar um florescimento. Aquilo que era apenas não manifesto, pode se manifestar
e então acontece um grande esplendor, uma grande bênção. O Budha é, sabe que ele é, e também sabe quem ele é.
Esses são os três estágios do crescimento: a besta, o homem e o Budha. A besta
tem apenas uma dimensão: ela é, ela existe, completamente inconsciente de que
ela existe. Por isso ela não pode pensar em morte. A morte não é um problema
para a besta. A morte somente pode se tornar um problema quando você sabe que
você é. Com esse conhecimento surge o medo de que um dia você pode deixar de
ser. Porque houve um tempo em que você não era e haverá de novo um tempo em que
você deixará de ser. A sua existência é momentânea. Você pode desaparecer a
qualquer momento. Você desaparecerá algum dia. A morte está por acontecer. É
somente o homem que sabe a respeito da morte. É por isso que o homem cria
a religião. Religião é a resposta do homem diante da possibilidade da morte. É
o esforço do homem para vencer a morte. Nenhum animal é religioso, não pode
ser. Sem a consciência da morte, não há possibilidade de religião. Mas antes
que você se torne consciente da morte, você terá que se tornar consciente de
que você é. Esse é o pré-requisito básico. Assim o homem sabe que ele é, e
também se torna consciente e apreensivo de que a qualquer momento ele deixará
de ser. O tempo é curto. Para a besta (animal) o tempo é não existencial, o
tempo não existe. A besta vive num mundo sem tempo, vive a cada momento. Não
pensa no passado nem imagina acerca do futuro. O homem não consegue viver
no presente. Ele pensa no passado e em toda a sua nostalgia. Nos dias que foram
dourados e que não são mais. E pensa, imagina, fantasia a respeito do futuro,
de como os dias deveriam ser. O homem pensa no passado e no futuro. As
bestas vivem apenas no presente. Mas elas não estão conscientes de que isso é o
presente. Elas não conseguem ser conscientes do presente. Somente quem é
consciente do passado e do futuro, pode ser consciente do presente, porque o
presente está espremido entre o passado e o futuro. Os animais não têm ansiedade. A memória não os
perturba e as imaginações não agitam seus corações. Eles são simples. A
existência não tem qualquer complexidade para eles. Quando eles vivem, eles
vivem. Quando eles morrem, eles morrem. Eles são inocentes. O tempo não chegou
para corromper o ser deles. Mas o homem
vive no tempo. Ele é consciente de que ele é, mas ele não é consciente de quem
ele é. E isso se torna um grande problema. Quem sou eu? Essa é a pergunta
fundamental que homem algum consegue responder. A partir dessa pergunta fundamental
surge toda a filosofia, toda a religião, toda a poesia, toda a arte. São
diferentes maneiras de se levantar essa pergunta: Quem sou eu? e diferentes
maneiras de respondê-la. Mas a pergunta é só uma: Quem sou eu? Se você tentar compreender a vida do homem, você
verá a persistência dessa simples pergunta. Sim, o homem que é louco por
dinheiro também está tentando responder à pergunta: Quem sou eu?. Ele pensa que
ao ter dinheiro ele saberá quem ele é, ele saberá que ele é rico. Ele terá uma
certa identidade. O homem que está buscando o poder está basicamente tentando
responder à pergunta: Quem eu sou?. Ao se tornar o Primeiro Ministro de um país
ele saberá que ele é o Primeiro Ministro. Mas
essas respostas são superficiais e não irão satisfazê-lo realmente. Elas podem
satisfazer apenas ao medíocre. Elas não podem satisfazer a uma pessoa
verdadeiramente inteligente. Mesmo quando você tiver se tornado muito rico, a
sua inteligência persistirá em perguntar: Quem é você? Sim, você tem dinheiro,
mas quem é você? Você não é o dinheiro. Você não pode ser aquilo que você
possui. Quem é essa pessoa que possui? Sim, você se tornou o Primeiro Ministro
de um país, mas aquilo é só uma função, aquilo não é o seu ser. Quem é você?
Quem é essa pessoa que não era Primeiro Ministro e que agora é um Primeiro
Ministro, e que amanhã talvez possa não ser mais? Essa função de Primeiro
Ministro é só um episódio (...) na vida de quem? A pergunta persiste. Ela não pode ser respondida por esses empenhos e
esforços superficiais. Mas basicamente o homem está tentando fazer isso. Ele se
torna um marido, se torna uma mãe, um pai, isso e aquilo (...) mas o desejo
básico é de alguma maneira ter uma identidade: eu sou a esposa, eu sou o
marido, eu sou o pai, eu sou a mãe. Mas você ainda não teve a pergunta
respondida. Ser uma mãe ou um pai, é simplesmente acidental, é a superfície. O
seu centro mais interior permanece intocado. Essa não é a real identidade. Essa é uma identidade falsa. A criança
morrerá, então quem é você? Você já não será mais mãe. O marido pode deixá-la,
então quem é você? Você já não será mais uma esposa. Essas identidades são muito frágeis e o homem vive
constantemente enfrentando crises de identidade. Ele tenta arduamente se
ajustar a alguma definição quanto a si mesmo, mas ela acaba escorregando de
suas mãos. Somente a pessoa religiosa formula realmente a pergunta, e a
formula na direção certa. O Budha
existe da mesma forma que a besta (animal) existe. O Budha sabe que ele é, da
mesma forma que o homem sabe. Mas uma terceira dimensão se abriu: ele sabe quem
ele é, ele chegou a ver o seu ser mais interior. Ele não procurou pela
identidade no mundo exterior, porque lá não pode estar qualquer identidade.
Como ela pode estar no mundo exterior? Você é a sua interioridade, você é o seu
mundo interno, você é a sua subjetividade. Como você pode conhecer isso através
de objetos? Você pode ter uma bela
casa, mas isso é o mundo exterior. Você pode ter belas peças de arte, pinturas,
antiguidades, mas elas são o mundo exterior. Elas não podem definir você. Você
permanece não-definido por elas. Um dia a casa pega fogo e toda a sua
identidade foi queimada, e você está parado na rua, de novo confuso: quem sou
eu? É por isso que as pessoas cometem
suicídio. Se elas perderam o dinheiro, se elas faliram, elas cometem suicídio.
Porque elas cometem suicídio? Alguém pode pensar porque? O dinheiro pode ser
ganho novamente (...). Mas olhe para dentro dessas pessoas. Aquela era a
identidade delas. Elas acreditaram por muito tempo que “eu sou isso”. Agora,
toda a minha conta bancária se esgotou e de novo o problema surge: quem sou eu?
E elas desperdiçaram toda a vida criando aquela conta bancária. Agora elas não
estão preparadas para começar todo aquele esforço de novo. Isso é demais. Elas
fracassaram completamente. Na verdade,
ao falirem, o suicídio já havia ocorrido. A identidade delas já havia ido. Elas
agora não sabem mais quem elas são. A sua face desapareceu. Como elas podem
viver sem uma face? A mulher que você tem amado morre e você comete suicídio,
ou começa a pensar em cometer suicídio, porque aquela mulher era a sua
identidade. Agora você foi deixado sozinho, vazio. E para reiniciar tudo de
novo, começar do nada, parece ser demais. É melhor terminar já com toda essa
história. Esses são os três estágios. E
quando eu digo a besta, existem muitos homens que são como as bestas. Eles não
estão nem mesmo conscientes de que eles são. Eles vivem mecanicamente. Existem
muitas pessoas que são homens, eles sabem que eles são, mas eles não sabem quem
eles são. E no meio deles, existem somente uns poucos, aquelas raras pessoas
que sabem quem elas são. Elas se tornam tridimensionais. O homem é uma ponte entre a besta e o Budha.
Lembre-se, o homem é uma ponte. Não construa a sua casa sobre a ponte, a ponte
não existe para isso. A ponte tem que ser atravessada. Não permaneça um homem,
senão você permanecerá na ansiedade e angústia, porque o homem não é um lugar
para se ficar e se acomodar. Ele é uma passagem a ser ultrapassada. Ele é uma
escada. Você não pode ficar estacionado numa escada. Ela é apenas uma ligação
de um ponto a outro ponto. A besta é e está num certo estado de
satisfação. Sem ansiedade, sem medo, sem morte, sem ambição, sem buscas,
completamente calma e quieta. Porém inconsciente. O Budha está de novo no
estado de satisfação, completamente em paz, à vontade, ele chegou, a jornada
terminou. Não há nenhum lugar para ir. Ele já alcançou. Entre esses dois está o
homem: meio besta (animal), meio Budha. Daí surge a tensão: uma parte se
movendo para trás e a outra parte se movendo para a frente. O homem está
rasgado em pedaços. Deixe-me repetir: o
homem ainda não é um ser. O homem perdeu uma maneira de ser, o ser de uma
besta. E o homem ainda não alcançou a outra maneira de ser, o ser de um Budha.
E o homem está constantemente se movimentando entre esses dois seres, entre
essas duas margens. Você não pode
voltar, porque na existência não existe movimento de volta. Você não pode
voltar no tempo. O tempo só tem uma dimensão: ele flui em direção à frente. Você
só pode ir em direção à frente. Não perca tempo pensando que você também pode
ser uma besta (animal) e que pode viver como uma besta: comer, beber e se
divertir. Isso não é possível para um ser humano. Ele terá que pensar, ele terá
que ponderar. Ele não pode se dar ao luxo de não pensar. E é muito arriscado
fazer isso porque você ficará estagnado e se tornará uma poça de água suja. O
seu frescor e a sua vitalidade são possíveis apenas se você seguir num fluxo e
fluir até alcançar o oceano. Àquele oceano eu estou chamando de Budha. Budha, o
estado de consciência. O homem tem que se tornar um Budha, tem que criar
aquele desejo intenso, aquela vontade intensa de se tornar um Budha. Esteja
numa busca apaixonada por isso. Coloque toda a energia que você tiver. Torne-se
flamejante com essa vontade (...) e você pode se tornar um Budha. E no dia em
que você se tornar um Budha, você terá se tornado um ser novamente. Um ser num
nível mais alto, no mais elevado nível. Nada existe mais elevado que isso. Você
me pergunta: O que é o homem
exatamente? Enquanto homem, o homem não é algo exato, é apenas um fenômeno
vago, uma nuvem, um nevoeiro. O homem não é exato porque ele é uma multidão. O
homem é muitos homens, por isso ele é um nevoeiro. A unidade está faltando.
Você não tem o centro. O centro surge somente através da consciência. O homem
vive simplesmente como uma madeira boiando. É por isso que eu digo que o
homem é um mero talvez, um confuso paradoxo, um ser absurdo. Ele é e não é. Ele
está no meio. Ele é o único animal que pode enlouquecer a si mesmo. Nenhum
animal pode enlouquecer a si mesmo, somente o homem, porque o homem tem a
capacidade de se tornar sábio. Se você
não crescer em sabedoria, você irá se comportar como um louco. Isso é o que a
maioria das pessoas no mundo está fazendo. Se você observar a partir de um
ponto de vista isento, você ficará surpreso como as pessoas estão vivendo (...)
em tanta confusão, em tanta bagunça, em tanta loucura. Como elas estão se
movendo? Elas não estão se movendo em absoluto. Elas estão correndo sem sair do
mesmo lugar. E se observar o homem, você ficará surpreso pois é muito raro
cruzar com um homem sábio. Tolos e tolos (...). Tolos em abundância. Mas
lembre-se de que nenhum outro animal pode se comportar como um tolo. Você já viu
um cachorro comportando-se como um tolo? Nunca. Eles não podem ser tolos porque
eles não podem ser sábios. Ambas as possibilidades surgem simultaneamente.
Observe a si mesmo. Observe a suas tolices.
Esteja constantemente alerta em relação ao que você está fazendo com a sua
vida. Esta é uma vida preciosa. O valor que ela tem é tanto que não pode ser
medido, não pode ser avaliado. Mas porque ela lhe é dada como uma dádiva, você
não aprecia o seu valor. Porque ela tem sido uma bênção de Deus, você acha que
ela já está certa e garantida. Isso é tolice. Não a considere como certa e
garantida. Ela é uma oportunidade para o crescimento. E você terá que
responder a Deus pelo que fez com a sua vida. Você deixou a vida do mesmo jeito
que você a recebeu? Ou ainda pior? Pense a respeito disso, de que o homem um
dia terá que responder. E a não ser que você seja um Budha, você não será capaz
de responder. Porque ser um Budha é ser um Deus, e essa é a sua intrínseca
possibilidade. E a não ser que você seja um Deus, você não se sentirá
completo. E somente então você conhecerá exatamente o que você é. Agora,
neste momento, você não é nada, apenas um mero talvez. www.oshobrasil.com.br. Ótimo final de semana. Beijos. Davi.
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