Filme. A ANIMAÇÃO MARY AND MAX - Uma Amizade Diferente (2009)
do diretor e roteirista Adam Elliot (1944-
), apesar de aparentemente
insinuar tema infantil, é um drama mais para adolescentes e adultos. Ao
assistir a pelica, recordo-me das aulas de graduação em filosofia na
Universidade de Brasília – Brasil pela
disciplina chamada Existencialismo. Foram ministrada pelo professor Júlio
Cabrera, um simpático docente argentino, que com doutorado conhecia
profundamente a cátedra do magistério. Ele usou nesse semestre dois autores
latino americanos: Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno. No primeiro foi abordado o livro
Meditações de Quixote onde as alegorias de Dom Quixote e Sancho Pança eram
refletidas a luz do existencialismo. Uma tarefa não muito fácil, pois as
imaginações de Quixote que extrapolavam o campo da realidade como factíveis;
eram observadas nos moinhos de ventos consideradas como dezenas de gigantes. Perto
dos moinhos, delirava ao lembrar de sua deusa Dulcinéia Tobosa. Ao encontrar
dois rebanhos de ovelhas, imaginou-os como exércitos com armas e generais. Dom
Quixote era um Fidalgo filho de pais ricos. No entanto, durante sua vida ele
foi perdendo sua riqueza, pagando dívidas e comprando livros. Nessa caminhada
de encontro a si mesmo, prejudica muitas pessoas e auxilia física e
financeiramente outras pessoas. Do segundo autor se abordou a obra Do
Sentimento Trágico da Vida, que mostra o homem de carne e osso que nasce, sofre
e morre; tendo que lidar com a consciência de seu fim. São reflexões de um ser
dividido entre o que vive – a fé, a crença na eternidade – e o que pensa a
razão que tudo destrói. Sem que um passe sem o outro, é o sentimento trágico, o
grande dilema da humanidade. As obras citadas tem tudo a ver com a animação na
perspectiva da existência humana com seus paradoxos, incompreensões, fantasias
e perguntas que não podemos responder. Mary e Max é a história de dois amigos,
no mínimo excêntricos, pois ele mora nos Estados Unidos em Nova Iorque e tem
mais de quarenta anos e ela mora na Austrália em Melbourne tendo apenas oito
anos. As idiossincrasia mostradas no drama pelos personagens são a realidade
exposta de nosso cotidiano humano, sobre humano e sob humano. Os tediosos dias
vividos por Mary em sua bucólica cidade interiorana, expressavam sua solidão e
recolhimento assistindo seu desenho favorito, os Noblets, criando seu próprios
brinquedos com sucata e dialogando com seu galo que tanto apreciava chamado
Ethel. Na escola, Mary, recorrentemente sofria bullying (atitude verbal
agressiva, física ou psicológica) dos colegas por ter uma mancha na testa.
Muitos de nós já enfrentou situações parecidas em nosso tempo de infância, e,
sabemos, como foi difícil suportar o infortúnio, principalmente quando era
coletivamente realizado. Algo entristecia Mary: o não de ter amigos e a
indiferença de seus pais em relação a ela que era filha única. Como podemos
avaliar nem todos tivéssemos país e mães ternos e lisonjeiros. Há sempre
aqueles filhos que foram agredidos e ultrajados pela ignorância expressa na
violência de pais narcisistas e inconsequentes na criação e educação familiar.
Mary não chegou nesse estágio, mas os desajustes convivências no lar produziu
uma personalidade fraca e problemática para enfrentar a dura realidade da vida.
Falamos assim, como se soubéssemos o limite da normalidade e patologia, que
stricto senso, nenhum psicólogo teria a coragem de mensurar. O materialismo,
racionalismo e a técnica cientificista ainda não elaborou esse limite, que não
é objetivo, mas subjetivo e inconsciente. Entretanto, suponho, que os fatos
bons ou maus que vivenciamos ou presenciamos na primeira infância e adolescência acabam forjando nosso caráter e
personalidade. Do outro lado do mundo, morava Max, um excêntrico judeu
quarentão com costumes estranhos e que lutava para superar uma doença congênita
chamada Síndrome de Asperger (Transtorno Global do Desenvolvimento, TGD,
resultante de uma desordem genética muito semelhante em relação ao autismo).
Morava com alguns animais onde dividia seu apartamento. O periquito Mister
Cookie, o gato Hal e alguns peixinhos. Hal costumava estar em todos os cômodos
da casa, sempre de olhos nos peixinhos, que aguardava uma oportunidade para
abocanha-los. Não foi necessário, todos morriam misteriosamente. Max tinha um
amigo imaginário por nome Ravioli. Os dois viam-se em conversas sobre a
condição de Max, principalmente, sua obesidade mórbida. Quantos de nós
trabalhamos dietas mirabolantes, que até enganam por certo tempo, mas ao final
do interregno entre o sobre peso e o peso, começamos novamente o processo de
aumento da gordura excedente. Disciplina, motivação e riscos de doenças
precisam ser estimuladores da luta contra o excesso de peso. Max e Mary
coincidiam em alguns pontos: o desenho preferido, o vício por chocolates e o
isolamento comportamental. Mary tinha uma família no mínimo incomum (desajustada), parecida
com muitas das que somos agraciados, devido ao carma passado que pela Lei
Divina devemos corrigir no renascimento futuro. Sua mãe era viciada em
cherez, uma bebida forte de origem espanhola, e periodicamente, Mary a
encontrava bêbada em casa. Imagina uma situação dessa que possivelmente
poderíamos viver. Como encarar uma dificuldade como aquela que nos trouxe ao
mundo? Mãe e filha foram comprar mantimentos pra casa, e de repente, sua mãe
sabendo que o dinheiro era insuficiente para adquirir o que desejava, roubou
alguns produtos escondendo-os em sua roupa. Acontece que o dono do estabelecimento
percebeu o furto, e tentou pegá-la, mas ela conseguiu fugir com Max que ainda
era uma adolescente. Mary aproveitou a oportunidade, que estava num mercado,
para consultar um catálogo telefônico, e, como procurava um amigo para se
corresponder, encontrou o endereço de Max Jerry Horowitz de Nova Iorque
anotando-o para escrever posteriormente. O pai de Mary trabalhava numa fábrica
de produtos enlatados em série. A seção onde desempenhava suas funções o deixou
extremamente metódico, e por anos a fio, repetia as mesmas coisas dentro de sua
própria casa, se afastando da mulher e filha; vivendo um mundo totalmente
aparte dos familiares. Tinha um estranho costume de colecionar animais
empalhados, algo que, ao vermos mesmo no cinema, ficamos perplexos e um sentimento
de compaixão nos vêm à tona, imaginando como a crueldade humana é capaz de
tamanho hedonismo. Como todos morremos, mais cedo ou mais tarde, os pais de
Mary falecem. Ela, infelizmente, devido ao tédio e melancolia toma uma dosagem
exagerada dum suposto antidepressivo. Ele, após a aposentadoria, não tendo nada
que fazer e inventando situações, resolve procurar raridades à beira mar. Ai
uma descarga elétrica o apanha tendo morte instantânea. As duas vicissitudes
foram terríveis para Mary, que encontra num vizinho, que tornou-se seu amigo,
um ombro amigo para suportar tamanho infortúnio. Esse seu Adjacente por quem
Mary acaba se apaixonando, é alguém esquisito, visto que, tinha uma expressiva
gagueira, mal pronunciando as palavras e de conduta patologicamente suspeita. A
fragilidade de Mary incitou-a tomar decisão pelo casamento com esse sujeito
suspeito, e como esperado, durou pouco tempo. Ele aparece na casa de Mary dias
depois das núpcias dizendo que viajará
para outra cidade à encontrar um amigo de infância. O drama traz o tema
das patologias do inconsciente relacionadas a neurose, e em alguns casos, a
psicose que se manifesta na fragmentação da personalidade, onde o indivíduo
perde a consciente do eu pessoal tentando viver suas partes psíquicas separadas
de seu todo egóico. Esse evento é um dos mais forte da animação, pois leva Mary
a uma angústia e desespero profundo. Ela tenta o suicídio elevada a uma cadeira
com uma corda presa ao pescoço, sendo que, milagrosamente seu gato de estimação
Ethel surge no momento oportuno para evitar a tragédia. Ele, o gato, vêm lhe
avisar que o carteiro chegou ao portão do quintal trazendo uma correspondência.
Todas as tradições e filosofias religiosas condenam o suicídio, e com razão,
pois segundo o ocultismo aquele que atenta contra sua vida traz para si
disciplina cármica em outras vidas, além de sofrer com o tempo em que demorará
para desencarnar sua personalidade que o torna escravo de si mesmo. Esse é um
período de extrema dor e fustigamento em seu corpo sutil, rememorado em sua
sensação e emoção. Também seu descanso no devachan (céu) é abreviado como
correção de tal atitude egocêntrica e mesquinha. Acaba renascendo com
brevidade. Os suicidas tornam-se almas penadas (involução) que atormentam e
perturbam pessoas vivas e mortas nos mundos consciente e inconsciente. Assim
tal atitude é totalmente reprovada e rejeitada pela espiritualidade superior
comprometida com a evolução dos seres humanos e não humanos rumo ao nirvana
(iluminação) e samadhi (despertar). Max também têm suas dificuldades e não são
poucas. Quando criança sofre um trauma onde é perseguido por uma ave que lhe
tenta ferir. Como é judeu confessando à fé e crença em Elohim o D’us Uno e
Incognoscível. Ao terminar os estudos seculares começa a questionar pontos de
seus dogmas, duvidando da pessoalidade de Yavéh, mas reconhecendo que ele está
em tudo e em todos. Tem manias obsessivas devido a sua doença. Comia
compulsivamente, estava sempre preocupado com seu peso. Sentia nervosismo,
rangendo os dentes quando alguma coisa trouxesse preocupação a ele. Quantos de
nós temos algum tipo de anomalia psíquica que só com terapia ou análise temos
condições de controlar, sendo que a cura, não é uma realidade nesses casos. O
perfeccionismo de Max querendo consertar o mundo o levava a brigar com os
mendigos nas ruas de Nova Iorque, que mesmo pedindo esmolas eram capazes de
jogar grandes quantidades de ponta de cigarros na rua. Essa situação levou Max
a recorrer as autoridades da cidade para que tomassem providência. Tinha o costume
de olhar ao espelho e deduzir que estava doente. Quantos em nossa sociedade
estressada e deprimida são hipocondríacos vendo doença e ansiedade em
situações, as mais triviais da vida. Desde que lhes causem impaciência e
desespero físico ou psicológico. Max tirou seu tempo de serviço militar,
trabalhou numa fábrica e nos tempos da guerra fria foi confundido por
autoridades policiais como um simpatizante do fascismo, regime autoritário
italiano. Isso causou-lhe receio em se socializar com medo de, talvez, ser
preso a qualquer momento. Uma herança do antissemitismo. Aqui poderíamos pensar na Síndrome do Pânico, um mal
que afeta milhões de pessoas pelo mundo a fora, em especial no Ocidente. Em seu
apartamento vivia com uma doméstica cega, que mal cuidando dela mesma, fazia a
comida para Max misturando os mantimentos e até deixando objetos nas vasilhas.
Max jogou na loteria americana por anos os mesmos números, e, num belo dia, foi
contemplado com o prêmio máximo. Distribuiu a fortuna com os amigos: sua criada
cega, uma amiga dançarina e doou parte para uma instituição que cuidava de
animais. O drama não detalha o resultado daqueles que ganharam os valores, mas
a cega logo morreu, a dançarina acabou com a quantia em pouco tempo com viagens
e prazeres mundanos. O que receberá o dinheiro pra cuidar dos animais, desviou
os recursos para seu benefício pessoal. A ideia passada é que o dinheiro, mesmo
as grandes somas, não trazem felicidade, pelo contrário, em muitos casos,
preocupação, tristeza e sofrimento. Max não foi um bom gestor da fortuna ganha
com a premiação. Precisamos com responsabilidade administrar nossos recursos
sejam muito ou pouco, tendo critérios para ao distribuí-los, se for o caso, aos
necessitados e pessoas que cuidam da fraternidade humana. A amizade de Mary e
Max foi construída com essas vicissitudes existenciais. Começaram a se
corresponder; sendo que no início tudo corria bem e questionamentos e respostas
eram sempre bem recebidas e aceitas. Mary pergunta a Max donde vêm as crianças?
Como judeu e conhecedor dos princípios da Cabalá, Max não usou o senso comum,
descrito na Bíblia para dizer apenas que isso ocorria quando uma mulher e um homem
se juntavam sexualmente vindo a gravidez, gestação e o parto. Ele sabia que
Mary, por ser criança, ainda fantasiava o nascimento. Também havia conceito do Criacionismo como semente do cristianismo. Assim elaborou uma alegoria na qual
mostrou o advento humano relacionado a Evolução da espécie até chegar na
humana. Esse ponto é sugestivo, pois no Ocidente apenas o conceito Criacionista
é hegemônico inclusive nas escolas que são as formadoras de opinião, além das
Escrituras Sagradas que carregam o monopólio da autoridade vendo literalmente a
formação do mundo e dos seres nele existentes. Mas isso tem mudado com o Papa Francisco que declarou em outubro de 2016 que a teoria do Big Bang e a Evolução são reais; questionando assim a explicação literal da criação do mundo e a origem do homem propostos pela Bíblia. O que ocorre é que a interpretação só alcança uma razoabilidade quando aplicamos a abstração científica, entendendo a profundidade do texto de Gênesis 1 e 2 revelado por metáforas e alegorias. No Oriente é diferente, pois a Criação passa pela Evolução de todas as formas e estruturas matérias
existentes, algo mais compreensivo e logicamente mais didático. Max sabiamente tenta conciliar os dois lados ao inferir seu
argumento metafórico para Mary, levando-a a pensar numa cadeia, subscrita num
processo de ordem da consciência primitiva para uma consciência evolutiva que
alcança a totalidade das interações sensitivas e emotivas. Eles trocavam carinho,
respeito e consideração nas cartas de ambos os lados. Entretanto, como sabemos,
nem tudo são flores; começaram as dificuldades logo depois que Mary teve a
frustração do casamento mal sucedido. Mary foi para a faculdade, sendo um dos
motivos, entender a patologia de Max (sua síndrome de Asper) além de esquecer
os recentes incidentes. Ela concluiu a graduação e emplacou o mestrado,
tornando-se especialista em algumas doenças psíquicas. Entretanto as diferenças
com o amigo Max se avolumavam. Ela ganhou notoriedade e a faculdade resolveu
publicar sua tese para que a comunidade
científica e opinião pública pudesse participar das descobertas e dos
benefícios futuros que adviriam aos portadores desse mal. Max tornando-se cada
vez mais intransigente em seu ponto de vista, levando implicitamente Mary a
destruir sua publicação, por causa de sua impertinência em questões que não
dizem respeito ao mundo acadêmico. O egoísmo de Max era manifestado por não
querer que sua doença fosse destacada, e estudada para uma possível cura. Coisa
que Mary não conseguia compreender. Era a chance de outras pessoas na mesma
situação poderem ter esperança de dias melhores, vivendo uma “normalidade” existencial.
A cena onde ela faz consumir os volumes já prontos para ir à editora e
posteriormente serem vendidos, é triste e comovente. A amizade entre os dois é
rompida com uma carta inquietante de Max, fazendo-os cair na taciturnidade por
dois anos. O silêncio é quebrado por Mary que o escreve pedindo consentimento
para visitá-lo em Nova Iorque. Ele permite e ambos reatam novamente a amizade.
Mary não sabe que Max nesse tempo, fez tratamento e terapia para vencer sua
morbidade, seu complexo de perfeição e sua compulsividade sem alcançar nenhum
sucesso. Mary teve nesse tempo um caso amoroso, que não vingou como amor
“verdadeiro”, mas que deixou um fruto, um bebê, que ela aprendeu a amar com
sentimento de ternura e carinho. O dia e hora da viagem foi acertada com Max. O
filme termina com Mary chegando ao prédio onde Max mora. Ela leva seu bebê,
ainda de colo, numa mochila nas suas costas. Sobe dois lances de escada. Aperta
a primeira campainha e não é o número. Aperta a segunda, que é o número
correto, mas ninguém abre a porta. Com a mão ao brinco, percebe a porta
destravada, abre-a e entra. Chama Max, mais de uma vez, adentra a cozinha. E,
voltando-se à sala, vê aquele indivíduo corpulento e obeso, imóvel, sentado ao
sofá. Ela chega mais perto e reconhece aquilo no qual não queria acreditar; seu
amigo que nunca pessoalmente conhecera, está morto. A angústia e tristeza toma conta de
seu semblante (...) sem saber que atitude tomar. Um filme extremamente realista que me faz pensar nas
quatro nobres verdades do budismo. Budha disse: nascimento é sofrimento;
velhice é sofrimento; doença é sofrimento; morte é sofrimento”. Mas o caminho
nobre de oito aspecto nos leva a extinção do sofrimento e consequentemente ao
nirvana (iluminação). São eles: o ponto de vista correto, pensamento correto,
fala correta, ação correta, meio de vida correto, esforço correto, atenção
correta e concentração correta. Que o desejo do despertar (samadhy) da consciência possa
arder em nossos corações. Assistam e tirem suas conclusões. A animação está
disponível no youtube dublado em vários idiomas. Beijos. Davi.
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