quarta-feira, 5 de outubro de 2016

MARY AND MAX. UMA AMIZADE DIFERENTE.


Filme. A ANIMAÇÃO MARY AND MAX - Uma Amizade Diferente (2009) do diretor e roteirista Adam Elliot (1944-  ), apesar de aparentemente  insinuar tema infantil, é um drama mais para adolescentes e adultos. Ao assistir a pelica, recordo-me das aulas de graduação em filosofia na Universidade de Brasília – Brasil  pela disciplina chamada Existencialismo. Foram ministrada pelo professor Júlio Cabrera, um simpático docente argentino, que com doutorado conhecia profundamente a cátedra do magistério. Ele usou nesse semestre dois autores latino americanos: Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno. No primeiro foi abordado o livro Meditações de Quixote onde as alegorias de Dom Quixote e Sancho Pança eram refletidas a luz do existencialismo. Uma tarefa não muito fácil, pois as imaginações de Quixote que extrapolavam o campo da realidade como factíveis; eram observadas nos moinhos de ventos consideradas como dezenas de gigantes. Perto dos moinhos, delirava ao lembrar de sua deusa Dulcinéia Tobosa. Ao encontrar dois rebanhos de ovelhas, imaginou-os como exércitos com armas e generais. Dom Quixote era um Fidalgo filho de pais ricos. No entanto, durante sua vida ele foi perdendo sua riqueza, pagando dívidas e comprando livros. Nessa caminhada de encontro a si mesmo, prejudica muitas pessoas e auxilia física e financeiramente outras pessoas. Do segundo autor se abordou a obra Do Sentimento Trágico da Vida, que mostra o homem de carne e osso que nasce, sofre e morre; tendo que lidar com a consciência de seu fim. São reflexões de um ser dividido entre o que vive – a fé, a crença na eternidade – e o que pensa a razão que tudo destrói. Sem que um passe sem o outro, é o sentimento trágico, o grande dilema da humanidade. As obras citadas tem tudo a ver com a animação na perspectiva da existência humana com seus paradoxos, incompreensões, fantasias e perguntas que não podemos responder. Mary e Max é a história de dois amigos, no mínimo excêntricos, pois ele mora nos Estados Unidos em Nova Iorque e tem mais de quarenta anos e ela mora na Austrália em Melbourne tendo apenas oito anos. As idiossincrasia mostradas no drama pelos personagens são a realidade exposta de nosso cotidiano humano, sobre humano e sob humano. Os tediosos dias vividos por Mary em sua bucólica cidade interiorana, expressavam sua solidão e recolhimento assistindo seu desenho favorito, os Noblets, criando seu próprios brinquedos com sucata e dialogando com seu galo que tanto apreciava chamado Ethel. Na escola, Mary, recorrentemente sofria bullying (atitude verbal agressiva, física ou psicológica) dos colegas por ter uma mancha na testa. Muitos de nós já enfrentou situações parecidas em nosso tempo de infância, e, sabemos, como foi difícil suportar o infortúnio, principalmente quando era coletivamente realizado. Algo entristecia Mary: o não de ter amigos e a indiferença de seus pais em relação a ela que era filha única. Como podemos avaliar nem todos tivéssemos país e mães ternos e lisonjeiros. Há sempre aqueles filhos que foram agredidos e ultrajados pela ignorância expressa na violência de pais narcisistas e inconsequentes na criação e educação familiar. Mary não chegou nesse estágio, mas os desajustes convivências no lar produziu uma personalidade fraca e problemática para enfrentar a dura realidade da vida. Falamos assim, como se soubéssemos o limite da normalidade e patologia, que stricto senso, nenhum psicólogo teria a coragem de mensurar. O materialismo, racionalismo e a técnica cientificista ainda não elaborou esse limite, que não é objetivo, mas subjetivo e inconsciente. Entretanto, suponho, que os fatos bons ou maus que vivenciamos ou presenciamos na primeira infância e adolescência acabam forjando nosso caráter e personalidade. Do outro lado do mundo, morava Max, um excêntrico judeu quarentão com costumes estranhos e que lutava para superar uma doença congênita chamada Síndrome de Asperger (Transtorno Global do Desenvolvimento, TGD, resultante de uma desordem genética muito semelhante em relação ao autismo). Morava com alguns animais onde dividia seu apartamento. O periquito Mister Cookie, o gato Hal e alguns peixinhos. Hal costumava estar em todos os cômodos da casa, sempre de olhos nos peixinhos, que aguardava uma oportunidade para abocanha-los. Não foi necessário, todos morriam misteriosamente. Max tinha um amigo imaginário por nome Ravioli. Os dois viam-se em conversas sobre a condição de Max, principalmente, sua obesidade mórbida. Quantos de nós trabalhamos dietas mirabolantes, que até enganam por certo tempo, mas ao final do interregno entre o sobre peso e o peso, começamos novamente o processo de aumento da gordura excedente. Disciplina, motivação e riscos de doenças precisam ser estimuladores da luta contra o excesso de peso. Max e Mary coincidiam em alguns pontos: o desenho preferido, o vício por chocolates e o isolamento comportamental. Mary tinha uma família no mínimo incomum (desajustada), parecida com muitas das que somos agraciados, devido ao carma passado que pela Lei Divina devemos corrigir no renascimento futuro. Sua mãe era viciada em cherez, uma bebida forte de origem espanhola, e periodicamente, Mary a encontrava bêbada em casa. Imagina uma situação dessa que possivelmente poderíamos viver. Como encarar uma dificuldade como aquela que nos trouxe ao mundo? Mãe e filha foram comprar mantimentos pra casa, e de repente, sua mãe sabendo que o dinheiro era insuficiente para adquirir o que desejava, roubou alguns produtos escondendo-os em sua roupa. Acontece que o dono do estabelecimento percebeu o furto, e tentou pegá-la, mas ela conseguiu fugir com Max que ainda era uma adolescente. Mary aproveitou a oportunidade, que estava num mercado, para consultar um catálogo telefônico, e, como procurava um amigo para se corresponder, encontrou o endereço de Max Jerry Horowitz de Nova Iorque anotando-o para escrever posteriormente. O pai de Mary trabalhava numa fábrica de produtos enlatados em série. A seção onde desempenhava suas funções o deixou extremamente metódico, e por anos a fio, repetia as mesmas coisas dentro de sua própria casa, se afastando da mulher e filha; vivendo um mundo totalmente aparte dos familiares. Tinha um estranho costume de colecionar animais empalhados, algo que, ao vermos mesmo no cinema, ficamos perplexos e um sentimento de compaixão nos vêm à tona, imaginando como a crueldade humana é capaz de tamanho hedonismo. Como todos morremos, mais cedo ou mais tarde, os pais de Mary falecem. Ela, infelizmente, devido ao tédio e melancolia toma uma dosagem exagerada dum suposto antidepressivo. Ele, após a aposentadoria, não tendo nada que fazer e inventando situações, resolve procurar raridades à beira mar. Ai uma descarga elétrica o apanha tendo morte instantânea. As duas vicissitudes foram terríveis para Mary, que encontra num vizinho, que tornou-se seu amigo, um ombro amigo para suportar tamanho infortúnio. Esse seu Adjacente por quem Mary acaba se apaixonando, é alguém esquisito, visto que, tinha uma expressiva gagueira, mal pronunciando as palavras e de conduta patologicamente suspeita. A fragilidade de Mary incitou-a tomar decisão pelo casamento com esse sujeito suspeito, e como esperado, durou pouco tempo. Ele aparece na casa de Mary dias depois das núpcias dizendo que viajará  para outra cidade à encontrar um amigo de infância. O drama traz o tema das patologias do inconsciente relacionadas a neurose, e em alguns casos, a psicose que se manifesta na fragmentação da personalidade, onde o indivíduo perde a consciente do eu pessoal tentando viver suas partes psíquicas separadas de seu todo egóico. Esse evento é um dos mais forte da animação, pois leva Mary a uma angústia e desespero profundo. Ela tenta o suicídio elevada a uma cadeira com uma corda presa ao pescoço, sendo que, milagrosamente seu gato de estimação Ethel surge no momento oportuno para evitar a tragédia. Ele, o gato, vêm lhe avisar que o carteiro chegou ao portão do quintal trazendo uma correspondência. Todas as tradições e filosofias religiosas condenam o suicídio, e com razão, pois segundo o ocultismo aquele que atenta contra sua vida traz para si disciplina cármica em outras vidas, além de sofrer com o tempo em que demorará para desencarnar sua personalidade que o torna escravo de si mesmo. Esse é um período de extrema dor e fustigamento em seu corpo sutil, rememorado em sua sensação e emoção. Também seu descanso no devachan (céu) é abreviado como correção de tal atitude egocêntrica e mesquinha. Acaba renascendo com brevidade. Os suicidas tornam-se almas penadas (involução) que atormentam e perturbam pessoas vivas e mortas nos mundos consciente e inconsciente. Assim tal atitude é totalmente reprovada e rejeitada pela espiritualidade superior comprometida com a evolução dos seres humanos e não humanos rumo ao nirvana (iluminação) e samadhi (despertar). Max também têm suas dificuldades e não são poucas. Quando criança sofre um trauma onde é perseguido por uma ave que lhe tenta ferir. Como é judeu confessando à fé e crença em Elohim o D’us Uno e Incognoscível. Ao terminar os estudos seculares começa a questionar pontos de seus dogmas, duvidando da pessoalidade de Yavéh, mas reconhecendo que ele está em tudo e em todos. Tem manias obsessivas devido a sua doença. Comia compulsivamente, estava sempre preocupado com seu peso. Sentia nervosismo, rangendo os dentes quando alguma coisa trouxesse preocupação a ele. Quantos de nós temos algum tipo de anomalia psíquica que só com terapia ou análise temos condições de controlar, sendo que a cura, não é uma realidade nesses casos. O perfeccionismo de Max querendo consertar o mundo o levava a brigar com os mendigos nas ruas de Nova Iorque, que mesmo pedindo esmolas eram capazes de jogar grandes quantidades de ponta de cigarros na rua. Essa situação levou Max a recorrer as autoridades da cidade para que tomassem providência. Tinha o costume de olhar ao espelho e deduzir que estava doente. Quantos em nossa sociedade estressada e deprimida são hipocondríacos vendo doença e ansiedade em situações, as mais triviais da vida. Desde que lhes causem impaciência e desespero físico ou psicológico. Max tirou seu tempo de serviço militar, trabalhou numa fábrica e nos tempos da guerra fria foi confundido por autoridades policiais como um simpatizante do fascismo, regime autoritário italiano. Isso causou-lhe receio em se socializar com medo de, talvez, ser preso a qualquer momento. Uma herança do antissemitismo. Aqui poderíamos pensar na Síndrome do Pânico, um mal que afeta milhões de pessoas pelo mundo a fora, em especial no Ocidente. Em seu apartamento vivia com uma doméstica cega, que mal cuidando dela mesma, fazia a comida para Max misturando os mantimentos e até deixando objetos nas vasilhas. Max jogou na loteria americana por anos os mesmos números, e, num belo dia, foi contemplado com o prêmio máximo. Distribuiu a fortuna com os amigos: sua criada cega, uma amiga dançarina e doou parte para uma instituição que cuidava de animais. O drama não detalha o resultado daqueles que ganharam os valores, mas a cega logo morreu, a dançarina acabou com a quantia em pouco tempo com viagens e prazeres mundanos. O que receberá o dinheiro pra cuidar dos animais, desviou os recursos para seu benefício pessoal. A ideia passada é que o dinheiro, mesmo as grandes somas, não trazem felicidade, pelo contrário, em muitos casos, preocupação, tristeza e sofrimento. Max não foi um bom gestor da fortuna ganha com a premiação. Precisamos com responsabilidade administrar nossos recursos sejam muito ou pouco, tendo critérios para ao distribuí-los, se for o caso, aos necessitados e pessoas que cuidam da fraternidade humana. A amizade de Mary e Max foi construída com essas vicissitudes existenciais. Começaram a se corresponder; sendo que no início tudo corria bem e questionamentos e respostas eram sempre bem recebidas e aceitas. Mary pergunta a Max donde vêm as crianças? Como judeu e conhecedor dos princípios da Cabalá, Max não usou o senso comum, descrito na Bíblia para dizer apenas que isso ocorria quando uma mulher e um homem se juntavam sexualmente vindo a gravidez, gestação e o parto. Ele sabia que Mary, por ser criança, ainda fantasiava o nascimento. Também havia conceito do Criacionismo como semente do cristianismo. Assim elaborou uma alegoria na qual mostrou o advento humano relacionado a Evolução da espécie até chegar na humana. Esse ponto é sugestivo, pois no Ocidente apenas o conceito Criacionista é hegemônico inclusive nas escolas que são as formadoras de opinião, além das Escrituras Sagradas que carregam o monopólio da autoridade vendo literalmente a formação do mundo e dos seres nele existentes. Mas isso tem mudado com o Papa Francisco que declarou em outubro de 2016 que a teoria do Big Bang e a Evolução são reais; questionando assim a explicação literal da criação do mundo e a origem do homem propostos pela Bíblia. O que ocorre é que a interpretação só alcança uma razoabilidade quando aplicamos a abstração científica, entendendo a profundidade do texto de Gênesis 1 e 2 revelado por metáforas e alegorias. No Oriente é diferente, pois a Criação passa pela Evolução de todas as formas e estruturas matérias existentes, algo mais compreensivo e logicamente mais didático. Max sabiamente tenta conciliar os dois lados ao inferir seu argumento metafórico para Mary, levando-a a pensar numa cadeia, subscrita num processo de ordem da consciência primitiva para uma consciência evolutiva que alcança a totalidade das interações sensitivas e emotivas. Eles trocavam carinho, respeito e consideração nas cartas de ambos os lados. Entretanto, como sabemos, nem tudo são flores; começaram as dificuldades logo depois que Mary teve a frustração do casamento mal sucedido. Mary foi para a faculdade, sendo um dos motivos, entender a patologia de Max (sua síndrome de Asper) além de esquecer os recentes incidentes. Ela concluiu a graduação e emplacou o mestrado, tornando-se especialista em algumas doenças psíquicas. Entretanto as diferenças com o amigo Max se avolumavam. Ela ganhou notoriedade e a faculdade resolveu publicar sua tese  para que a comunidade científica e opinião pública pudesse participar das descobertas e dos benefícios futuros que adviriam aos portadores desse mal. Max tornando-se cada vez mais intransigente em seu ponto de vista, levando implicitamente Mary a destruir sua publicação, por causa de sua impertinência em questões que não dizem respeito ao mundo acadêmico. O egoísmo de Max era manifestado por não querer que sua doença fosse destacada, e estudada para uma possível cura. Coisa que Mary não conseguia compreender. Era a chance de outras pessoas na mesma situação poderem ter esperança de dias melhores, vivendo uma “normalidade” existencial. A cena onde ela faz consumir os volumes já prontos para ir à editora e posteriormente serem vendidos, é triste e comovente. A amizade entre os dois é rompida com uma carta inquietante de Max, fazendo-os cair na taciturnidade por dois anos. O silêncio é quebrado por Mary que o escreve pedindo consentimento para visitá-lo em Nova Iorque. Ele permite e ambos reatam novamente a amizade. Mary não sabe que Max nesse tempo, fez tratamento e terapia para vencer sua morbidade, seu complexo de perfeição e sua compulsividade sem alcançar nenhum sucesso. Mary teve nesse tempo um caso amoroso, que não vingou como amor “verdadeiro”, mas que deixou um fruto, um bebê, que ela aprendeu a amar com sentimento de ternura e carinho. O dia e hora da viagem foi acertada com Max. O filme termina com Mary chegando ao prédio onde Max mora. Ela leva seu bebê, ainda de colo, numa mochila nas suas costas. Sobe dois lances de escada. Aperta a primeira campainha e não é o número. Aperta a segunda, que é o número correto, mas ninguém abre a porta. Com a mão ao brinco, percebe a porta destravada, abre-a e entra. Chama Max, mais de uma vez, adentra a cozinha. E, voltando-se à sala, vê aquele indivíduo corpulento e obeso, imóvel, sentado ao sofá. Ela chega mais perto e reconhece aquilo no qual não queria acreditar; seu amigo que nunca pessoalmente conhecera, está morto. A angústia e tristeza toma conta de seu semblante (...) sem saber que atitude tomar. Um filme extremamente realista que me faz pensar nas quatro nobres verdades do budismo. Budha disse: nascimento é sofrimento; velhice é sofrimento; doença é sofrimento; morte é sofrimento”. Mas o caminho nobre de oito aspecto nos leva a extinção do sofrimento e consequentemente ao nirvana (iluminação). São eles: o ponto de vista correto, pensamento correto, fala correta, ação correta, meio de vida correto, esforço correto, atenção correta e concentração correta. Que o desejo do despertar (samadhy) da consciência possa arder em nossos corações. Assistam e tirem suas conclusões. A animação está disponível no youtube dublado em vários idiomas. Beijos. Davi.                 

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