quinta-feira, 27 de outubro de 2016

MEDITAÇÃO DA MONTANHA.



Meditação. MEDITAÇÃO DA MONTANHA. Por Jon Kabat-Zinn (1944-  ). Quando se trata de meditação as montanhas têm muito à ensinar, tendo um significado arquetípico em todas as culturas. As montanhas são lugares sagrados. As pessoas sempre buscam orientação espiritual e renovação nelas. A montanha é o símbolo do primeiro eixo do mundo (monte Meru – Tanzânia), a morada dos deuses (monte Olimpo – Grécia), o lugar onde o líder espiritual encontra Deus e recebe dele (ou dela) mandamentos e procedimentos (monte Sinai - Egito). As montanhas são consideradas sagradas, personificando medo e harmonia, aspereza e majestade. Estando acima de tudo em nosso planeta, elas nos acenam e nos inundam com sua diáfana (translúcida) presença. Sua natureza é elementar: rocha. Rocha dura, rocha sólida. As montanhas são lugares de visões, onde se pode tocar a escala panorâmica do mundo natural e sua interseção com as frágeis e, contudo, tenazes raízes da vida. As montanhas desempenharam papeis-chave na nossa história e pré-história. Para os povos tradicionais, as montanhas foram e ainda são, mãe, pai, guardiã, protetora e aliada. Na prática da meditação, às vezes pode ser útil “pedir emprestadas” as maravilhosas qualidades arquetípicas das montanhas e usá-las para incentivar nosso propósito e decisão de reter o momento com pureza e simplicidade básicas. A imagem da montanha fixada na retina da mente e no corpo pode refrescar nossa memória sobre por que estamos sentados, em primeiro lugar, e sobre o que isso verdadeiramente significa, cada vez que tomamos nosso assento para nos demorarmos no reino do não fazer. As montanhas são a quintessência emblemática da presença continuada e da tranquilidade. A meditação da montanha pode ser praticada da maneira apresentada a seguir, ou modificada para refletir sua visão pessoal e o significado que ela tem para você. Pode ser feita em qualquer postura, mas acho que ela é mais poderosa quando estou sentado no chão de pernas cruzadas, de maneira que meu corpo pareça e se sinta mais próximo a uma montanha, por dentro e por fora. Estar nas montanhas ou ter a vista de uma montanha ajuda, mas não é necessário. Aqui é a imagem interior que é fonte de poder. Pinte a mais bela montanha que você conhece ou de que ouviu falar ou pode imaginar, uma cuja forma lhe diga algo. Ao focalizar a imagem ou o sentimento da montanha na retina de sua mente, observe sua forma total, seu pico imponente, a base enraizada na rocha da crosta terrestre, as encostas, íngremes ou delicadamente inclinadas. Observe também como ela é sólida, como é imóvel, como é bela, quer vista à distância ou de perto – uma beleza que emana de sua singular marca de contorno e forma, e, ao mesmo tempo, incorporando qualidades universais de “ser montanha”, transcendendo contornos ou formas particulares. Talvez sua montanha tenha neve no cume e árvores nas encostas mais baixas. Talvez tenha um pico proeminente, talvez uma série de picos ou um altiplano. Não importa sua forma, apenas sente e respire com a imagem dessa montanha, observando-a, registrando suas qualidades. Quando se sentir pronto, verifique se pode trazer a montanha para o seu próprio corpo, de modo que seu corpo e a montanha na retina de sua mente se tornem unos. Sua cabeça passa a ser o imponente cume; seus ombros e braços, as encostas da montanha; suas nádegas e pernas, a base sólida enraizada na sua almofada, no chão ou na cadeira. Experimente no seu corpo a sensação de elevação, a axial e elevada qualidade da montanha entranhada em sua própria espinha. Convide a si mesmo a tornar-se uma montanha que respira, despreocupadamente, na sua quietude, completamente naquilo que você é – além das palavras e pensamentos, uma presença centrada, enraizada, imóvel. Agora, como você bem sabe, durante o dia, enquanto o sol caminha no céu, a montanha fica sentada. Luz, sombra e cores mudam virtualmente, a cada momento, na imutável quietude da montanha. Mesmo o olho destreinado percebe mudanças a cada hora. Isso evoca as obras-primas de Claude Monet (1940-1926), que tinha o hábito de armar muitos cavaletes e pintar a vida de seus objetos inanimados, hora a hora, trocando de tela, à medida que o jogo de luz, sombra e cor se transformava em catedral, rio ou montanha, consequentemente despertando a atenção do espectador. À medida que a luz muda, que a noite sucede o dia e o dia a noite, a montanha senta-se, simplesmente sendo ela mesma. Ela permanece quieta enquanto as estações fluem e o clima muda, momento a momento, dia a dia. A calma permitindo todas as mudanças. No verão, não há neve na montanha, exceto talvez no próprio cume ou em penhascos protegidos da luz direta do sol. No outono, a montanha pode exibir um manto com cores de brilho flamejante; no inverno, um cobertor de neve e gelo. Em qualquer estação, às vezes, ela pode se ver envolvida em nuvens ou neblina ou batida pela chuva congelante. Os turistas que vêm visitá-la podem ficar decepcionados se não conseguem vê-la claramente, mas, para a montanha, dá no mesmo – vista ou não vista, com o sol ou com nuvens, ensolarada ou fria, ela fica apenas sentada, sendo ela mesma. Às vezes visitada por tempestades violentas, atingida por neve, chuva e ventos de magnitude impensável - no meio de tudo isso, ela fica sentada. A primavera chega, os pássaros cantam nas árvores mais uma vez, as folhas voltam para as árvores que as tinham perdido, as flores brotam nos prados altos e nas escarpas, correntezas transbordam com a água da neve derretida. No meio de tudo, a montanha permanece sentada, indiferente ao tempo, ao que acontece na superfície e ao mundo das aparências. Quando sentamos com essa imagem na mente, podemos incorporar a mesma quietude inabalável e de enraizamento diante de tudo que muda em nossas próprias vidas, em segundos, horas e anos. Em nossas vidas e na nossa prática de meditação, experimentamos constantemente a natureza mutante da mente, do corpo e do mundo exterior. Experimentamos períodos de luz e de trevas, cores vivas e monotonia insípida. Experimentamos tempestades de variadas intensidades e violência, no mundo exterior e em nossas próprias vidas e mentes. Golpeados pelos fortes ventos, pelo frio e pela chuva, suportamos períodos de trevas e dor, bem como saboreamos momentos de alegria e elevação. Até a nossa aparência muda constantemente, assim como a da montanha, experimentando o tempo e o passar do tempo. Ao nos tornarmos montanha na nossa meditação, podemos nos ligar à sua força e estabilidade e adotá-las para nosso próprio uso. Podemos usar suas energias a fim de fortalecer nossos esforços para enfrentar cada momento com concentração, estabilidade e clareza. Ela pode nos ajudar a ver nossos pensamentos e sentimentos, nossas preocupações, nossas tempestades e crises emocionais; até mesmo as coisas que acontecem a “nós” são muito semelhantes ao clima da montanha. Tendemos a tomar isso como algo pessoal, mas sua característica mais forte é impessoal. O clima de nossas próprias vidas não deve ser ignorado ou negado. Deve ser encontrado, respeitado, sentido, conhecido pelo que ele é, e mantido em plena vigília, já que pode nos matar. Dessa forma, chegaremos a conhecer um silêncio e calma e sabedoria mais profundos do que imaginávamos, exatamente dentro das tempestades. As montanhas têm isso para nos ensinar, e mais ainda, se soubermos escutá-las. Contudo, quando tudo foi dito e feito, a meditação da montanha é somente um instrumento, um dedo nos apontando em direção a algum lugar. Ainda temos de olhar, para então ir. Apesar de a imagem da montanha poder nos ajudar a nos tornarmos mais estáveis, nós seres humanos somos bem mais interessantes e complexos do que as montanhas. Somos montanhas que respiram, que se movimentam, que dançam. Podemos ser simultaneamente duros como a rocha, firmes, inamovíveis, e ao mesmo tempo suaves, delicados e fluidos. Temos um vasto potencial à nossa disposição. Podemos ver e sentir. Podemos saber e compreender. Podemos aprender; podemos crescer; podemos curar; especialmente se aprendermos a estar atentos à harmonia interna das coisas e manter o eixo central da montanha a cada dificuldade e obstáculo.
Os pássaros desaparecem no céu,
E agora a última nuvem escoa.
Sentamos juntos, a montanha e eu,
Até que apenas a montanha permaneça.
Tente:
- Mantenha a imagem da montanha na mente enquanto você se sentar para a meditação formal.
- Explore sua utilidade ao aprofundar sua capacidade para permanecer em quietude;
- Sente-se por períodos mais longos de tempo;
- Sente-se diante de adversidades, dificuldades, tempestades ou insipidez da mente.
- Pergunte-se o que você está aprendendo de suas experiências com essa prática.
- Você pode ver algumas sutis transformações que estejam ocorrendo na sua atitude em relação a coisas que mudam na sua vida?
- Pode carregar consigo a imagem da montanha na vida diária?
- Pode ver a montanha nos outros e lhes permitir que tenham sua própria forma e contorno, cada montanha sendo única em si mesma?
   Livro A Mente Alerta -  Como viver intensamente cada momento de sua vida através da Meditação. Sociedade Vipassana de Meditação. http://www.sociedadevipassana.org.br. Abraço. Davi.

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