Meditação. MEDITAÇÃO
DA MONTANHA. Por Jon Kabat-Zinn (1944- ). Quando se trata de
meditação as montanhas têm muito à ensinar, tendo um significado arquetípico em
todas as culturas. As montanhas são lugares sagrados. As pessoas sempre buscam
orientação espiritual e renovação nelas. A montanha é o símbolo do primeiro
eixo do mundo (monte Meru – Tanzânia), a morada dos deuses (monte Olimpo –
Grécia), o lugar onde o líder espiritual encontra Deus e recebe dele (ou dela)
mandamentos e procedimentos (monte Sinai - Egito). As montanhas são consideradas
sagradas, personificando medo e harmonia, aspereza e majestade. Estando acima
de tudo em nosso planeta, elas nos acenam e nos inundam com sua diáfana
(translúcida) presença. Sua natureza é elementar: rocha. Rocha dura, rocha
sólida. As montanhas são lugares de visões, onde se pode tocar a escala
panorâmica do mundo natural e sua interseção com as frágeis e, contudo, tenazes
raízes da vida. As montanhas desempenharam papeis-chave na nossa história e pré-história.
Para os povos tradicionais, as montanhas foram e ainda são, mãe, pai, guardiã,
protetora e aliada. Na prática da meditação, às vezes pode ser útil “pedir
emprestadas” as maravilhosas qualidades arquetípicas das montanhas e usá-las
para incentivar nosso propósito e decisão de reter o momento com pureza e
simplicidade básicas. A imagem da montanha fixada na retina da mente e no corpo
pode refrescar nossa memória sobre por que estamos sentados, em primeiro lugar,
e sobre o que isso verdadeiramente significa, cada vez que tomamos nosso
assento para nos demorarmos no reino do não fazer. As montanhas são a
quintessência emblemática da presença continuada e da tranquilidade. A
meditação da montanha pode ser praticada da maneira apresentada a seguir, ou
modificada para refletir sua visão pessoal e o significado que ela tem para
você. Pode ser feita em qualquer postura, mas acho que ela é mais poderosa
quando estou sentado no chão de pernas cruzadas, de maneira que meu corpo
pareça e se sinta mais próximo a uma montanha, por dentro e por fora. Estar nas
montanhas ou ter a vista de uma montanha ajuda, mas não é necessário. Aqui é a
imagem interior que é fonte de poder. Pinte a mais bela montanha que você
conhece ou de que ouviu falar ou pode imaginar, uma cuja forma lhe diga algo.
Ao focalizar a imagem ou o sentimento da montanha na retina de sua mente,
observe sua forma total, seu pico imponente, a base enraizada na rocha da
crosta terrestre, as encostas, íngremes ou delicadamente inclinadas. Observe
também como ela é sólida, como é imóvel, como é bela, quer vista à distância ou
de perto – uma beleza que emana de sua singular marca de contorno e forma, e,
ao mesmo tempo, incorporando qualidades universais de “ser montanha”,
transcendendo contornos ou formas particulares. Talvez sua montanha tenha neve
no cume e árvores nas encostas mais baixas. Talvez tenha um pico proeminente,
talvez uma série de picos ou um altiplano. Não importa sua forma, apenas sente
e respire com a imagem dessa montanha, observando-a, registrando suas
qualidades. Quando se sentir pronto, verifique se pode trazer a montanha para o
seu próprio corpo, de modo que seu corpo e a montanha na retina de sua mente se
tornem unos. Sua cabeça passa a ser o imponente cume; seus ombros e braços, as
encostas da montanha; suas nádegas e pernas, a base sólida enraizada na sua
almofada, no chão ou na cadeira. Experimente no seu corpo a sensação de
elevação, a axial e elevada qualidade da montanha entranhada em sua própria
espinha. Convide a si mesmo a tornar-se uma montanha que respira,
despreocupadamente, na sua quietude, completamente naquilo que você é – além
das palavras e pensamentos, uma presença centrada, enraizada, imóvel. Agora,
como você bem sabe, durante o dia, enquanto o sol caminha no céu, a montanha
fica sentada. Luz, sombra e cores mudam virtualmente, a cada momento, na
imutável quietude da montanha. Mesmo o olho destreinado percebe mudanças a cada
hora. Isso evoca as obras-primas de Claude Monet (1940-1926), que tinha o
hábito de armar muitos cavaletes e pintar a vida de seus objetos inanimados,
hora a hora, trocando de tela, à medida que o jogo de luz, sombra e cor se
transformava em catedral, rio ou montanha, consequentemente despertando a
atenção do espectador. À medida que a luz muda, que a noite sucede o dia e o
dia a noite, a montanha senta-se, simplesmente sendo ela mesma. Ela permanece
quieta enquanto as estações fluem e o clima muda, momento a momento, dia a dia.
A calma permitindo todas as mudanças. No verão, não há neve na montanha, exceto
talvez no próprio cume ou em penhascos protegidos da luz direta do sol. No
outono, a montanha pode exibir um manto com cores de brilho flamejante; no
inverno, um cobertor de neve e gelo. Em qualquer estação, às vezes, ela pode se
ver envolvida em nuvens ou neblina ou batida pela chuva congelante. Os turistas
que vêm visitá-la podem ficar decepcionados se não conseguem vê-la claramente,
mas, para a montanha, dá no mesmo – vista ou não vista, com o sol ou com
nuvens, ensolarada ou fria, ela fica apenas sentada, sendo ela mesma. Às vezes
visitada por tempestades violentas, atingida por neve, chuva e ventos de
magnitude impensável - no meio de tudo isso, ela fica sentada. A primavera
chega, os pássaros cantam nas árvores mais uma vez, as folhas voltam para as
árvores que as tinham perdido, as flores brotam nos prados altos e nas
escarpas, correntezas transbordam com a água da neve derretida. No meio de
tudo, a montanha permanece sentada, indiferente ao tempo, ao que acontece na
superfície e ao mundo das aparências. Quando sentamos com essa imagem na mente,
podemos incorporar a mesma quietude inabalável e de enraizamento diante de tudo
que muda em nossas próprias vidas, em segundos, horas e anos. Em nossas vidas e
na nossa prática de meditação, experimentamos constantemente a natureza mutante
da mente, do corpo e do mundo exterior. Experimentamos períodos de luz e de
trevas, cores vivas e monotonia insípida. Experimentamos tempestades de
variadas intensidades e violência, no mundo exterior e em nossas próprias vidas
e mentes. Golpeados pelos fortes ventos, pelo frio e pela chuva, suportamos
períodos de trevas e dor, bem como saboreamos momentos de alegria e elevação.
Até a nossa aparência muda constantemente, assim como a da montanha,
experimentando o tempo e o passar do tempo. Ao nos tornarmos montanha na nossa
meditação, podemos nos ligar à sua força e estabilidade e adotá-las para nosso
próprio uso. Podemos usar suas energias a fim de fortalecer nossos esforços
para enfrentar cada momento com concentração, estabilidade e clareza. Ela pode
nos ajudar a ver nossos pensamentos e sentimentos, nossas preocupações, nossas
tempestades e crises emocionais; até mesmo as coisas que acontecem a “nós” são
muito semelhantes ao clima da montanha. Tendemos a tomar isso como algo
pessoal, mas sua característica mais forte é impessoal. O clima de nossas
próprias vidas não deve ser ignorado ou negado. Deve ser encontrado,
respeitado, sentido, conhecido pelo que ele é, e mantido em plena vigília, já
que pode nos matar. Dessa forma, chegaremos a conhecer um silêncio e calma e
sabedoria mais profundos do que imaginávamos, exatamente dentro das
tempestades. As montanhas têm isso para nos ensinar, e mais ainda, se soubermos
escutá-las. Contudo, quando tudo foi dito e feito, a meditação da montanha é
somente um instrumento, um dedo nos apontando em direção a algum lugar. Ainda
temos de olhar, para então ir. Apesar de a imagem da montanha poder nos ajudar
a nos tornarmos mais estáveis, nós seres humanos somos bem mais interessantes e
complexos do que as montanhas. Somos montanhas que respiram, que se movimentam,
que dançam. Podemos ser simultaneamente duros como a rocha, firmes,
inamovíveis, e ao mesmo tempo suaves, delicados e fluidos. Temos um vasto
potencial à nossa disposição. Podemos ver e sentir. Podemos saber e
compreender. Podemos aprender; podemos crescer; podemos curar; especialmente se
aprendermos a estar atentos à harmonia interna das coisas e manter o eixo
central da montanha a cada dificuldade e obstáculo.
Os pássaros
desaparecem no céu,
E agora a última nuvem escoa.
Sentamos juntos, a montanha e eu,
Até que apenas a montanha permaneça.
E agora a última nuvem escoa.
Sentamos juntos, a montanha e eu,
Até que apenas a montanha permaneça.
Tente:
- Mantenha a imagem da montanha na mente enquanto você se sentar
para a meditação formal.
- Explore sua utilidade ao aprofundar sua capacidade para
permanecer em quietude;
- Sente-se por períodos mais longos de tempo;
- Sente-se diante de adversidades, dificuldades, tempestades ou
insipidez da mente.
- Pergunte-se o que você está aprendendo de suas experiências
com essa prática.
- Você pode ver algumas sutis transformações que estejam
ocorrendo na sua atitude em relação a coisas que mudam na sua vida?
- Pode carregar consigo a imagem da montanha na vida diária?
- Pode ver a montanha nos outros e lhes permitir que tenham sua
própria forma e contorno, cada montanha sendo única em si mesma?
Livro A Mente Alerta - Como viver intensamente cada momento de sua
vida através da Meditação. Sociedade Vipassana de Meditação. http://www.sociedadevipassana.org.br.
Abraço. Davi.
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