segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A GLOBALIZAÇÃO.



Espiritualidade. Escrito por Leonardo Boff. (2001). A GLOBALIZAÇÃO DO INIMIGO. As declarações do Presidente George W. Bush (mandatário americano de 2001-2009) são inequívocas: o terrorismo será enfrentado em qualquer parte do mundo; se atacarão também aqueles países que dão guarida às redes do terror. Quem não aceita esta luta é contra os EUA e a favor do terrorismo. Aqui há uma manifesta globalização do inimigo e uma globalização da guerra com características singulares, combinando a brutalidade da guerra tecnológica moderna com a guerra suja da inteligência que implica atos de terror e o assassinato planejado de lideranças tidas por terroristas. Esta estratégia nos projeta cenários sombrios e altamente perigosos para a convivência da humanidade no processo inexorável da globalização, fase nova da história da Terra (Gaia) e da espécie homo sapiens e demens. O primeiro efeito ocorreu nos EUA: a criação do Conselho de Defesa Interna, dotado de uma Força-Tarefa de Rastreamento de Terroristas, fundos específicos e de sua correspondente ideologia justificadora. Nós conhecemos o que significa o Estado de Segurança Nacional cujo ideólogo mor Carl von Clausewitz (1780-1831), da guerra de guerrilha (a guerra é a continuação da política com outros meios) inspirou os processos de seu funcionamento. Em nome da segurança inverte-se o sentido básico do direito: todos são supostamente terroristas até prova em contrário. Em consequência disso, surgem as espionagens, os grampos, as prisões para interrogatórios, as violências por parte dos corpos de segurança e as torturas. Cria-se o império da suspeita e do medo e a quebra da confiança societária, base de qualquer pacto social. Há o risco do terror de Estado. Dois temores bem fundados acolitam semelhante universalização do inimigo: a delimitação do que seja terrorismo e a identificação dos nichos alimentadores de terrorismo. A formulação de bem-mal, amigo-inimigo do Presidente Bush nos remete a um dos grandes teóricos modernos da filosofia política de transfundo nazi fascista, Carl Schmitt (1888-1985). Em seu O Conceito do Político (1932, Vozes 1992) diz: "a essência da existência política de um povo é sua capacidade de definir o amigo e o inimigo" (p.76). Quem é inimigo? "É aquele existencialmente algo outro e estrangeiro, de modo que, no caso extremo, há possibilidade de conflitos com ele (...). Se a alteridade do estrangeiro representa a negação da própria forma de existência do povo, deve ser repelido e combatido para a preservação da própria forma de vida. Ao nível da realidade psicológica, o inimigo facilmente vem a ser tratado como mal e feio"(p.52). Bush interpretou a barbárie de 11 de setembro de guerra contra a humanidade, contra o bem e o mal, contra a democracia e a economia globalizada de mercado que tantos benefícios (na pressuposição dele) trouxe para a humanidade. Quem for contra tal leitura, é inimigo, o outro e o estrangeiro que cabe combater e eliminar. Tal estratégia pode levar a violência para dentro dos EUA e para todos os quadrantes do mundo. É a violência total do sistema contra todos os seus críticos e opositores. Estamos assistindo a concretização desta lógica maniqueísta (qualquer visão do mundo que o divide em poderes oposto e incompatíveis) por parte da administração norte-americana e por parte dos talibãs. O segundo problema aventado é a identificação dos nichos fomentadores de inimigos. Na atual estratégia são países tidos por párias ou bandidos. Dentro de pouco perceberá que mais importantes são ideologias libertárias e religiões de resistência e libertação como ocorreu em todo o Terceiro Mundo e na oposição ao regime soviético. Elas criam verdadeiras místicas de engajamento e fazem surgir militantes altamente comprometidos com a superação da presente ordem social mundial, devido às altas taxas de iniquidade social que produz. Entre eles se contam as históricas esquerdas anti capitalistas, os movimentos transnacionais contra o tipo hegemônico de globalização econômico financeira e os setores religiosos ligados à mudanças sociais como o cristianismo de libertação nascido na América Latina e ativo na África, na Ásia e em setores importantes da sociedade civil norte-americana e europeia, grupos fortes do islamismo popular, de cunho fundamentalista e setores teológicos islâmicos que resgatam as origens libertárias da gesta de Maomé e o sentido original do Alcorão. Todos esses serão considerados inimigos eventuais. Conhecemos as consequências de tais identificações: a vigilância, a tentativa de desqualificação pública, os sequestros, as torturas, os assassinatos. Será que os EUA não acolheram uma lógica que os condenará repetir com mais furor o que ocorreu na América Latina nos anos 60 sob os Regimes de Segurança Nacional (bem entendido, segurança do capital)? Tais espectros não são fantasias sinistras. Os ninhos de serpentes foram criados. E elas crescem, se multiplicam e podem morder mortalmente em nível global. PAPEL DAS RELIGIÕES NAS POLÍTICAS MUNDIAIS. A religião e a teologia subjazem aos principais conflitos mundiais, na Irlanda, ex-Iugoslávia, na Palestina, em Caxemira e no Afeganistão. Talibã significa estudante das universidades corânicas, especialmente de teologia. Em 1994 assumiram o poder sobre 90% do território afegão, impondo uma política teocrática fundamentalista que abrigou a rede de terrorismo montada por Osama Bin Laden (1957-2011) contra quem se faz uma guerra de vergonha, pois, contra um dos três países mais pobres do mundo e assolado por 22 anos de guerra ininterrupta e uma inclemente estiagem de três anos. A importância da religião foi quase completamente olvidada (esquecida) pelos estrategistas das políticas mundiais. A maioria dos chefes de Estado e de seus conselheiros são filhos da modernidade secularista e discípulos dos mestres da suspeita que tentaram deslegitimar o discurso religioso. Muitos deles consideram a religião um fóssil do passado mágico da humanidade ou coisa de quem não tem razão como as crianças ou de quem já perdeu a razão como os velhos. Consequentemente não há porque entrar na consideração nas estratégias da política externa mundial. Essa omissão mostrou-se duplamente danosa, pois levou a erros palmares na política concernente ao Líbano, ao Irã, à Palestina e agora ao Afeganistão e não soube avaliar positivamente a contribuição que a religião pôde trazer para a paz como se mostrou na Nicarágua, nas Filipinas, na África do Sul e antes, na paz franco alemã e alemã polonesa. Samuel P. Huntington (1927-2008), assessor do Pentágono, corresponsável pela desastrosa estratégia de guerra no Vietnã, tornou-se famoso por propor um novo paradigma de pensamento estratégico mundial para substituir a Guerra Fria. Cunhou a expressão "Guerra de Civilizações" forma de identificar o estilo futuro das guerras em contexto da globalização. Ao responder às várias críticas que lhe foram feitas e ao reconhecer honestamente certas lacunas, no Foreign Affairs (novembro/dezembro de 1993,186-194) fez uma afirmação de grande relevância para o tema que nos ocupa: "No mundo moderno a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas (...). O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia política nem o interesse econômico; mas aquilo com que as pessoas se identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É por estas coisas que elas combatem e até estão dispostos a dar a sua vida"(p.191 e 194). Em outras palavras, se reconhece a centralidade do fator religião na sedimentação de um povo e na definição das identidades étnicas. Obviamente a religião não substitui a instância econômica, política, cultural e militar. Mas cabe a ela formular as motivações profundas e criar aquela mística que confere força à um povo e que, em dados momentos, pode fornecer as justificações tanto para a guerra quanto para a paz, como estamos assistindo agora em ambos os lados, norte-americano e talibã (Barak Obama ao assumir a presidência dos EUA, em 2009, havia prometido tirar os soldados americanos do solo afegão. No entanto, desde 2001, eles combatem os talibãs no Afeganistão. Assim ficará para o próximo governo, a partir de 2017 a possível retirada da tropa de mais 8.000 soldados). Um dado fundamental é descurado (negligente) com referência ao islamismo nos países onde é dominante. Devido à fé num Deus único, não se faz a separação entre o político e o religioso, coisa que os países ocidentais o fizeram a partir do século XVII (1601-1700). Tendem a fazer do Alcorão referência única na organização da sociedade e do Estado. Na visão deles atacar militarmente um Estado muçulmano é atacar o islamismo como religião. Significa ressuscitar o fantasma das antigas cruzadas. E então respondem com a jihad que originalmente não significa guerra santa, mas fervor pela causa de Deus no mundo, agora traduzida em forma de terrorismo. Se tal imbricação (uma se sobreponha em parte à outra) político religiosa existe não é com guerras que se estabelece a paz política como o querem as potências ocidentais. Faz-se mister antes um diálogo inter-religioso e uma pacificação religiosa. Sustentamos a mesma tese de um dos maiores teólogos cristãos Hans Küng (1928-  ): "não haverá paz política, se não houver simultaneamente paz religiosa". E essa só surgirá se as religiões, ao invés de marcarem suas diferenças, buscarem os pontos comuns. O próprio Huntington ao concluir seu livro apela para "o princípio dos pontos comuns" como base para a paz possível num mundo globalizado e multicultural. Há convergências notáveis entre as religiões. Pois, todas elas buscam a justiça, favorecem a concórdia, fomentam a solidariedade, pregam o amor e o perdão e mostram sensibilidade para com os pobres e condenados da Terra. Por aqui há caminho que nos leva à paz e à convivência fraterna entre todos. CONFIRMADA A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. Mais que premiar uma pessoa, o prêmio Right Livelihood premia uma causa. Qual é a causa que move toda uma geração de cristãos no Terceiro Mundo, dentro os quais me inscrevo como teólogo brasileiro, na periferia dos grandes centros metropolitanos de reflexão, já há mais de 30 anos? É a causa dos condenados da Terra que constituem as grandes maiorias da humanidade. No final dos anos 60 toda uma geração de cristãos e teólogos se colocaram e ainda colocam a questão: como anunciar o amor e a misericórdia de Deus para milhões que passam fome e são condenados a serem não pessoas? Somente anunciando um Deus vivo e libertador, aliado dos pobres e excluídos, podemos sem cinismo e com verdade dizer: Ele é efetivamente um Deus bom e misericordioso. As palavras do Êxodo 3:7-10 foram atualizadas para a nossa geração “Eu ouvi a opressão do meu povo, ouvi seus gritos de aflição, conheço seus sofrimentos. Desci para libertá-los (...). Agora vai que eu te envio para que libertes o meu povo”. Estas palavras foram dirigidas a cada um de nós, a cada Igreja, à cada consciência minimamente ética e humanitária. Deus habita, sim, numa luz inacessível. É um mistério insondável com o qual não podemos brincar. Mas face ao padecimento humano, deixa sua transcendência, toma partido pelos oprimidos contra seus opressores e decide intervir, animar profetas como Oséias e suscitar líderes como Moisés, para libertar seus filhos e filhas humilhados e ofendidos. Nos anos 70 (século XX) os oprimidos eram os pobres econômicos e em função das mínimas condições de vida e de trabalho se formulou um processo de libertação social e política à luz da fé. Nos anos 80 (século XX) os índios e negros como os oprimidos históricos de nossos povos e eram animados a serem eles mesmos sujeitos de sus libertação. Nos anos 90 (século XX) enfatizou-se singularidade da opressão das mulheres que há milênios sob submetidas ao patriarcalismo e feitas invisíveis na sociedade. Buscam ser atoras da história em pé de igualdade com os homens, diferentes e complementares. Todos esses gritam por vida e liberdade. Setores importantes das Igrejas históricas se organizaram para responder ao grito dos oprimidos. E o fizeram pela prática libertadora através das comunidades eclesiais de base (só no meu país – Brasil – existem 100.000 delas), dos inúmeros centros de defesa dos direitos humanos, das pastorais sociais por Terra, casa, saúde, educação e segurança, através da leitura popular e libertadora da Bíblia. A reflexão que se fez a partir destas práticas se chama teologia da libertação. É a teologia das Igrejas que tomaram a sério a questão dos pobres e excluídos. Por isso está presente além da América Latina, na África, na Ásia, e nos grupos comprometidos pela justiça internacional, pela causa feminista e pela ecologia nos países centrais. A teologia da libertação tentou com sucesso mostrar que a fé judaico cristã pode ser um elemento de mobilização social em função de mudanças profundas na sociedade que tragam mais justiça para todos, mais participação para os marginalizados e mais dignidade para os injustamente humilhados. A revolução não é monopólio do marxismo e das tradições políticas contestatárias. Um cristão porque é cristão pode ser um autêntico revolucionário. Somos herdeiros de alguém que em razão de seu anúncio e prática libertadora foi perseguido, preso, torturado e crucificado. Sua ressurreição significa uma insurreição contra a ordem deste mundo que legitima discriminações, sacraliza privilégios e torna impossível a convivência na justiça, no cuidado, na compaixão e na paz. Não só os pobres e oprimidos gritam. Gritam as águas, gritam os animais, gritam as florestas, gritam os solos, enfim, grita a Terra como super organismo vivo, chamada Gaia. Gritam porque são sistematicamente agredidos. Gritam porque são ameaçados de desaparecer. A cada dia cerca de 10 espécies de seres vivos desparecem devido à agressividade crescente do processo industrialista contemporâneo. A mesma lógica que explora as classes e subjuga nações, depreda os ecossistemas e extenua o Planeta Terra. A Terra como seus filhos e filhas empobrecidos precisa de libertação. Todos vivemos oprimidos sob um paradigma de civilização que nos exilou da comunidade de vida, que se relaciona com violência sobre a natureza e que nos fez perder a reverência face à sacralidade e à majestade do Universo. Esquecemos que somos um elo da imensa corrente de vida e que somos corresponsáveis pelo destino comum da humanidade e da Terra. Destas percepções nasceu uma teologia ecológica de libertação. Segundo esta teologia, a injustiça social se transforma em injustiça ecológica porque atinge a pessoa humana e a sociedade que são parte e parcela da natureza. Não basta uma ecologia ambiental que apenas cuida do entorno humano. Precisamos de uma ecologia social que reeduque o ser humano a conviver com a natureza e a se relacionar cooperativa e fraternalmente com ela. Já fizemos demasiadas intervenções na natureza e contra ela. Modificamos a base físico química da Terra. O que precisamos, urgentemente, é modificar nossa mente e nosso coração. Se quisermos salvar a biosfera e garantir um futuro bem aventurado para todos precisamos de uma ecologia mental e espiritual. A Terra está doente. Temos em nossas mentes e corações demasiada arrogância, vontade de poder como dominação, tendências à discriminação, à subjugação, e à destruição do outro. O projeto da tecno científico que tantos benefícios trouxe para a vida humana, permitiu o surgimento do princípio de auto destruição. A máquina de morte já construída pode devastar toda a biosfera e impossibilitar o projeto planetário humano. Precisamos, em contrapartida, criar o princípio de corresponsabilidade e de cuidado por tudo o que é e por tudo o que vive. A forma dominante de globalização representa uma tragédia para a maioria da humanidade. A razão reside no fato de que tanto a economia mundialmente integrada quanto o mercado se regem pela competição e não pela cooperação. Se dermos livre curso à competição sem a cooperação podemos nos devorar colocar em alto risco todo o sistema vida. Desta vez não há uma arca de Noé que salve alguns e deixa perecer os demais. Queremos nos salvar todos juntos. Precisamos desentranhar tendências que estão também presentes  em nossa mente e em nosso coração: a solidariedade, a compaixão, o cuidado, a comunhão e a amorização (relação de amor coletivo, amor com o próximo. Exemplo: cuidar do outro é zelar à que está diálogo Eu Tu seja libertadora, sinergética e construtora de uma aliança perene de paz e harmonia). Tais valores e forças interiores poderão fundar um novo paradigma de civilização, a civilização da humanidade reunificada na Casa Comum, no Planeta Terra. Viver tais dimensões significa viver a verdadeira espiritualidade humana. Ela não é monopólio das igrejas e das religiões, mas a dimensão mais profunda do ser humano. Por ela percebemos que as coisas todas do Universo não estão justapostas umas às outras, mas estão inter retro conectadas entre si. Um elo liga e religa tudo constituindo a sagrada unidade do Universo. Esse elo secreto é a Fonte originária de todo o ser. É aquilo que todas as religiões chamam de Deus, mistério de vida e de ternura, cujo nome não se encontra em nenhum dicionário, só no coração. Meu empenho, há mais de 30 anos, como teólogo da libertação integral, foi pensar e repensar, viver e transmitir essa mensagem: Terra e humanidade formam uma única realidade. Na verdade, nós seres humanos, somos a própria Terra que sente, pensa, ama e venera. Temos uma mesma origem e um mesmo destino. Somos chamados a ser não o Satã da Terra, mas seu Anjo bom. Chegamos a uma encruzilhada em que devemos decidir pelo futuro que queremos. E queremos manter a família humana unida junto com a grande família biótica, inseridos nas forças diretivas que regem todo o Universo. Nossa missão é de celebrar a grandeza da criação e religa-la ao Seio de onde veio e para onde vai, com cuidado, leveza, alegria, reverência e amor. Agradeço o prêmio Right Livelihood que consagrou essa perspectiva, porque foi vista como benfazeja para o futuro dos pobres, da humanidade e do Sistema Terra. Muito obrigado. www.leonaroboff.com.br. Leonardo Boff recebeu este prêmio Right Livelihood em 7 de dezembro de 2001, em Estocolmo, no parlamento Sueco. É um prêmio alternativo ao Nobel da Paz àqueles que se destacam no compromisso em favor da paz, reconciliação, justiça, celebração do espírito humano e proteção ao meio ambiente. Dividiu o prêmio de US$ 187.000 mil com mais algumas personalidades que se sobressaíram naquele ano. Abraço. Davi.

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