Judaísmo. AMIZADE. O que é um amigo? Alguém com quem você fala todos os
dias? Alguém com quem você sai para tomar um café e falar sobre como passou o
dia? O termo amizade não tem um significado aceito universalmente. Em certas
culturas é usado com extrema facilidade, em outras, como na Rússia, amizade
implica profundos laços emocionais mais importantes do que qualquer outro tipo
de relacionamento. A Torá dá ao termo amigo grande importância, segundo a obra
"Sabedoria", de Ben Sira: "Um amigo fiel não tem preço; seu
valor está além do que o dinheiro pode comprar". "Um amigo fiel é um
abrigo seguro; aquele que o encontrar, terá encontrado um tesouro". O
amigo é uma mão estendida na hora certa. Ao definir os graus de profundidade de
relacionamentos, a Torá diz "Seu amigo, aquele que é como se fosse sua
própria alma". (Deut.13:7). O amigo verdadeiro é uma alma gêmea. Alguém
que conhece o outro na profundidade de sua alma, em quem confia, com quem
compartilha alegrias e tristezas através de um gesto, um sorriso, uma palavra.
É difícil encontrar um amigo e, ao encontrá-lo, devemos preservá-lo como
verdadeiro tesouro. A Ética dos Pais nos ensina que devemos
"comprá-lo" com amizade, afeto, sinceridade, preocupação. O Rebe
Mendel de Kotz (1787-1859) afirmava que cada indivíduo deveria ter pelo menos
um amigo a quem pudesse contar todos os seus segredos, mesmo os mais íntimos.
Até mesmo aqueles que nos envergonham, aquelas emoções ou ideias que são tão
delicadas e íntimas que, ao expô-las, é como se revelássemos a nossa essência.
Para o Rabino Yehoshua Ben Korcha, "o que seu amigo realmente pensa sobre
você" é uma incógnita que faz parte das sete dimensões do desconhecido.
Talvez seu amigo esteja secretamente aborrecido com aquelas armadilhas nas
quais você cai dezenas de vezes, prometendo a si mesmo não fraquejar mais. Se
você soubesse exatamente a verdade sobre a atitude dele a seu respeito, sua
amizade teria ainda o mesmo valor? A amizade profunda, aquela na qual o amigo
se sente tão próximo do outro, como se fosse uma segunda alma, implica uma
certeza de compreensão que é uma das verdades do amor. Não é necessário
esconder desse amigo os seus defeitos e fraquezas pelo temor de causar zombaria
ou aversão. Esta intimidade com o amigo é possível sem que ele nos exponha a qualquer
humilhação, pois "todos os erros estão cobertos pelo amor". A palavra
"chaver", amigo, em hebraico, faz do mesmo um companheiro do seu
próprio ser. Um companheiro (a) solidário na jornada da vida, nesta
"aventura intelectual" que é a descoberta do seu "eu", na
qual se está plenamente envolvido. Na busca pelo "eu", o amigo (a)
ajuda o outro a se elevar acima de suas próprias necessidades, suas limitações,
que muitas vezes o fazem esquecer o porquê de sua existência. O desafio essencial
do homem é viver plenamente seu potencial. Caso contrário, segundo o Rebe Ari
(Rabi Isaac Luria (1534-1572), cabalista de Safed) a vida não passaria de uma
morte camuflada. Ao vir para este mundo material, nossa alma se afasta - de uma
forma ou outra - de sua verdadeira essência e a meta de nossas vidas é
incorporar a sabedoria da alma. O rabino Shneur Zalman de Liadi (1745-1812)
ensina: "Mesmo que o mundo inteiro diga que você é grande, não o creia;
talvez você seja o maior do mundo, mas ainda assim vive o desgaste do seu
próprio ser". Diferentemente do amor entre um casal ou entre pais e
filhos, a amizade não cega nossa percepção sobre o nosso amigo. O verdadeiro
amigo vai, portanto, exigir que você viva sua própria vida em toda a sua
plenitude. Ele o obrigará a ser você mesmo. Não permitirá que você se satisfaça
com menos do que pode ser. "O homem que tem a sorte de ter um amigo,
ouve-o clamar para que viva de acordo com suas potencialidades. E, como a sua
amizade o faz elevar-se até sua verdadeira essência, cria-se um profundo laço
entre os dois". Existem também amizades perversas, pois está dito:
"És amigo daqueles que são destrutivos" (Provérbios). Estas não visam
o crescimento do amigo. Apenas lhe servem de cúmplice nas ações condenáveis,
sem lhe prestar a mínima ajuda para que viva sua verdadeira dimensão interna. A
essência do homem está em seu intelecto, na sua mente - no seu pensamento, na
neshamá - a parte de nossa alma ligada com o Divino. E isto salienta o fato de
que a condição autêntica da amizade tem relação estreita com nossa mente. O
Talmud ensina: "Quando você abandonar um amigo" (...). Mas será que
realmente abandonamos um amigo? De forma alguma! Nem em sonho! E segue o
Talmud: (...) separe-se, mas só se o propósito for um problema intelectual não
resolvido". Querendo sua presença, seu amigo repensará sobre tal
divergência e, assim, estará pensando em você. Isto irá uni-los numa
cumplicidade definitiva. No ápice da separação, a esperança de um dia poder
reencontrar o amigo para confidenciar um com o outro, cada um participando ao
outro suas importantes descobertas, elevará o nível do vigor intelectual
compartilhado. Pois está escrito: "Um homem afia a mente de seu amigo
" (Provérbios 27:17). Para entender a verdadeira dimensão da amizade é
importante analisar-se a palavra melech, rei, em hebraico, composta das letras
mem, lamed, e caf. Estas letras constituem a plena definição do homem: mem, da
palavra moach, cérebro, inteligência; lamed, de lev, coração, sensibilidade;
caf - de caved, os sentidos. Estes três conceitos correspondem aos três níveis
de alma do homem: a neshamá, que tem como característica o pensamento, a
compreensão superior; ruach, onde se alojam a emoção e nefesh, os instintos. A
verdadeira liberdade é alcançada quando estes três níveis da alma do homem
atuam em equilíbrio. E, quando o ser humano alcança a plenitude nessas três
esferas, tem perfeita consciência da hierarquia dos níveis do ser - ele é um
rei - a quem se aplicam os mandamentos
próprios dos reis. Os reis têm 30 privilégios, entre os quais a extraordinária
felicidade de ter o direito de romper qualquer "barreira". Por isso o
Talmud afirma que o verdadeiro amigo liberta o outro de todas as suas prisões
internas, ao lhe abrir as portas de um universo de pura liberdade. Por outro
lado, o homem que vive aquém de sua plenitude - talvez por não ter um amigo que
lhe exija seu desempenho máximo - é apenas um escravo, ao qual se aplicam todas
as leis dos escravos. Vive "pobremente", preso a limites que não
consegue superar. Apesar de lhe parecer muitas vezes ter uma vida muito
louvável, esta vida, na verdade, anula-o. A amizade é acima de tudo uma relação
do intelecto. Juntos, os amigos vivem a mais audaciosa experiência intelectual.
Pouco importa se um deles não compreende uma verdade; o outro a explicará,
pouco importando também qual dos dois a entende ou deixa de entender. A palavra
moach, que designa a inteligência (literalmente, o cérebro), contém 48 facetas
segundo o valor numérico de suas letras. Este número representa as 48 prerrogativas
do sábio, de acordo com o Pirkei Avot, a Ética dos Pais. Quando é dito que
"lhe são revelados os segredos da Torá", a quem mais isto se
referiria, senão ao amigo? Se o ser humano vive a plenitude do seu ser, no
nível da alma que D´us lhe deu, ele é um sábio, desde que um amigo lhe indique
todos os novos atributos que deve adquirir. Essa análise da primeira dimensão
do homem - a inteligência - coloca a amizade no seu nível essencial, o da
comunicação. A segunda dimensão do homem é sua sensibilidade, seu afeto, seu
coração. O Pirkei Avot nos alerta que um bom coração é o que o homem deve
permanentemente procurar, já que é o recipiente de todas as qualidades. Um
amigo não esmaga o outro por suas diferenças. Da forma mais gentil e hábil leva
este outro a entender o que tem a lhe dizer. A sensibilidade está no mesmo
nível da inteligência e estabelece o laço entre o conhecimento e o amor. A
terceira dimensão é a dos sentidos, transfigurados pela inteligência e
sensibilidade, nessa fecundação de todos os níveis que definem o homem. Como a
sensibilidade participa da ambição, que é um desejo como qualquer outro, um
amigo pode muito bem intervir sobre a personalidade do outro, como nos dois
outros níveis do ser, através de seu olhar lúcido e sincero. A relação de amizade
implica confiança, reciprocidade perfeita, sem que se façam contas. Um poderá
ser mais forte que o outro, ou um poderá contar com o outro, depender do outro,
mas deverá sempre haver reciprocidade. Os amigos devem "poder encostar-se
um no outro", contar com o outro. A Torá diz que "Dois é melhor do
que um, pois se um fraquejar, o outro o erguerá. Mas sofra pelo que estiver só,
pois ao cair, não terá quem o reerga". (Eclesiastes 4:9-10). A palavra
hebraica para mão é yad uma das palavras em hebraico que definem a amizade é
yedid, composta de dois yad, ou seja, "de mãos dadas". Com a
intensidade da amizade, o sentimento de confiança se intensifica. A amizade
situa-se também além das relações de força, como as do mestre desatento, que
derrama torrentes de verdades sobre uma alma frágil, que já não aguenta mais
tantos novos conhecimentos. É uma doce e delicada relação, na qual cada um pode
ter seu próprio ritmo e seus defeitos são perfeitamente tolerados. A amizade
pode chegar até o sacrifício da própria vida, para que o amigo viva e reine
perfeitamente feliz. É uma escolha livre, preciosa e definitiva. Permite a
confidência, por mais íntima que seja, sem temer nenhuma condenação, porque a
pessoa se sente amada. Ela sabe dar e não mede o que recebe em troca. E anula
qualquer distância. A amizade entre o rei David e Jonathan, descrita no livro
de Samuel, é considerada ideal - uma amizade na qual não havia cobrança, porém
cada um dava o máximo de si próprio, naturalmente. Entretanto, como esse tipo
de amizade é rara, devemos ser cuidadosos ao escolher nossos amigos. http://www.morasha.com.br. Abraço. Davi.
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