terça-feira, 28 de junho de 2016

II. O EVANGELHO DE BUDHA.



Budismo. Texto do Yogi Kharishnanda Saraswati (1922-2001). Capítulo três. A VERDADE REDENTORA. As coisas do mundo e seus habitantes estão sujeitos a mudanças. São produtos de algo que já existiu anteriormente. Todo ser vivente é produto de  seus anteriores, porque a lei de causa e efeito é inflexível e sem exceções. Porém, nas coisas que mudam sem cessar existe sempre um Verdade oculta. A Verdade dá realidade às coisas. A Verdade é imutável. E a Verdade deseja revelar-se; a Verdade aspira ser consciente; a Verdade se esforça por conhecer-se a si mesma. A Verdade existe na pedra, porque a pedra existe verdadeiramente, e não há força no mundo. Deus, homem ou demônio, que possa fingir que não exista. Porém, a pedra não é consciente. A Verdade existe na planta e sua vida pode expressar-se: nasce, floresce e frutifica. Sua beleza é maravilhosa, mas não é consciente. A Verdade existe na animal; o animal se move, percebe as coisas que o rodeiam, distingue e escolhe. Nele há consciência; porém, não tem ainda a consciência da Verdade. Existe unicamente a consciência do eu. A consciência do eu cega os olhos do espírito e oculta a Verdade. É a origem do erro, a fonte das ilusões e o germe do pecado. O eu (1) engendra o egoísmo. Todo mal procede do eu. Toda injustiça é produto da afirmação do eu. O eu é o princípio de todo ódio, da iniquidade, da calúnia, da impudicícia, da obscenidade, do roubo, da fadiga, da opressão e do derramamento de sangue. O eu é Mara, o tentador; o malfeitor, o criador do mal. O eu seduz pelos prazeres. O eu promete um paraíso encantador. O eu é o véu do feiticeiro Mara. Porém, os prazeres do eu são ilusórios; seu labirinto paradisíaco é o caminho do inferno, e sua beleza uma chama ao calor do desejo. Quem nos livrará da tirania do eu? Quem nos salvará de nossas misérias? Quem nos restabelecerá a vida feliz? Tudo é miséria no mundo de Samsara; tudo é miséria e sofrimento. Porém, a felicidade da Verdade sobrepuja toda miséria. A Verdade dá a paz ao espírito ansioso; vence o erro, extingue as chamas do desejo e conduz ao nirvana. Bem aventurado é aquele que encontra a paz no nirvana. Está livre das lutas e tribulações da vida, está ao abrigo de todas as transformações, desafia o nascimento e a morte, e permanece indiferente nos males da vida. Bem aventurado é aquele em que encarnou a Verdade, porque conseguiu seu fim e se unificou com a Verdade. É vencedor sem que nada mais possa feri-lo; é glorioso e feliz sem sofrimento; é forte mesmo sobrecarregado sob o peso do trabalho; é imortal embora morra. A imortalidade é a essência de sua alma. Bem aventurado aquele que alcançou o sacro estado de Budha, porque salvará os seus irmãos. A Verdade reside nele. A perfeita sabedoria esclarece o seu entendimento. A justiça inspira as suas ações. A Verdade é um poder ativo para o bem, indestrutível e invencível. Cultivem a Verdade em seu espírito e difundam-na pela humanidade, porque unicamente a Verdade salva do pecado e da miséria. A Verdade é o Budha, e o Budha é a Verdade. Bendito seja o Budha. (1). A filosofia hindu divide o ser humano em Eu superior, que é imortal, espiritual e eterno, e o eu inferior, que é mortal, material e transitório. O texto se refere ao eu inferior. O PRÍNCIPE SIDHARTA ALCANÇA O BUDHADO. Capítulo um. O NASCIMENTO DE BUDHA. Havia em Kapilavastu um rei sákia, firme em seus propósitos e reverenciado pelos homens, um dos descendentes de Ikchvaku, chamado Suddhodana. Sua esposa, Mayadevi, era maravilhosamente bela, como um lírio aquático, e de coração tão puro quanto o lótus. Qual rainha do céu, vivia na Terra, imaculada e pura de desejos. Seu real marido a reverenciava pela sua santidade, e o espírito da Verdade desceu sobre ela. Quando  compreendeu que a hora de ser mãe estava próxima, pediu ao rei que a levasse à casa de seu pai, e Suddhodan, atencioso para com sua esposa e pelo filho que ia nascer, atendeu, feliz, a esse pedido. Quando Mayadevi atravessava o jardim de Lumbini, (atual Nepal), chegou a hora: preparou-se então um leito sob uma árvore com um enorme tronco, e a criança nasceu no alvorecer do dia, radiante e perfeita. A feliz notícia chegou ao palácio, e o rei Suddhodana mandou que levassem ao jardim de Lumbini o palanquim de cores refulgentes para transportar o recém nascido. Então os Anjos, os Lípicas que anotam as ações dos homens, ocultando o seu angélico esplendor sob humildes roupas de carregadores, desceram dos mundos superiores para segurar os varais de palanquim. O rei Suddhodana, porém, que ignorava a presença dos quatro Anjos na Terra, receou presságios funestos que só findaram no momento em que seus adivinhos previram que o menino seria um príncipe  dominador do mundo e dotado dos sete dons celestiais. Naquele tempo, o rishi (2) Asita levava no bosque uma vida de eremita. Era um brâmane de cabelos grisalhos, cujos ouvidos há muito tempo estavam cerrados às coisas da Terra e percebiam somente os sons celestiais. Estando ele em oração sob a árvore baniana, ouviu os cânticos pelos devas (anjos) em louvor ao nascimento do Budha. Pela sua idade e pelos jejuns que fazia. Asita era afamado tanto pela sua sabedoria como pela sua habilidade de interpretar os desígnios humanos e fazer profecias. Por isso, o rei o convidou para ver a regia criança recém nascida. Quando o velho contemplou o príncipe, chorou e suspirou profundamente. O rei, ao ver as lágrimas de Asita, perguntou-lhe assustado: O que o Senhor viu em meu filho que lhe causou tanto sentimento e tanta mágoa? Mas o coração de Asita transbordava de felicidade, e reconhecendo que o rei estava preocupado, respondeu-lhe: Ó rei, qual Lua em sua plenitude, Sua Majestade deve sentir viva alegria, porque gerou um filho de maravilhosa nobreza. Não adoro o Brahma, porém adoro este menino, que os próprios deuses abandonaram seus templos para virem adorá-lo. Afaste todo temor e toda dúvida. Os presságios (prognóstico) espirituais indicam que o recém nascido libertará o mundo. Porém, lembre-se de que sou velho e não pude reter as lágrimas, pois o meu fim se aproxima. O seu filho governará o mundo. Nasceu para o bem de toda criatura e de todo ser vivente. A pureza de sua doutrina se assemelhará à margem que recebe o náufrago. Seu poder de meditação será com o fervor de um lago, e toda criatura inflamada no ardor da luxúria se tranquilizará espontaneamente. Sobre o fogo da concupiscência se estenderá a nuvem da compaixão, apagando-o com a chuva da Lei. Ele abrirá as pesadas portas do desespero, e livrará todas as criaturas da trama das redes que elas mesmas teceram com sua loucura e ignorância. O rei da Lei apareceu para libertar da escravidão os pobres, os miseráveis e os desesperados. E prostrando-se diante do berço da criança. Asita exclamou: Ó criança! Eu adoro você. Você é Ele. Vejo a rosada luz impressa na planta dos pés, o suave desenho da suástica, os 32 sagrados signos capitais e os 80 secundários. Você será Budha. Pregará a Lei e salvará a todos os que a aprenderem. Não o ouvirei, porque estou próximo da morte. E dirigindo-se o rei, Asita acrescentou: Sabe, ó rei, que este seu filho é a Flor da árvore humana, que só produz uma flor após miríades de anos; porém, quando aberta, enche o mundo como o aroma da Sabedoria e o mel do Amor. Depois, disse à rainha: E a senhora, doce rainha, amada dos deuses e dos homens. Devido a este magno acontecimento, já está sagrada demais para continuar sofrendo. Como a vida é sofrimento, daqui a sete dias chegará sem dor ao fim da dor. Quando o rei e a rainha ouviram essas palavras de Asita, ficaram felizes em seus corações e deram ao menino que acabara de nascer o nome de Savarthasiddh, que quer dizer: Completa prosperidade, ou Êxito feliz, e num diminutivo carinhoso e familiar o chamaram de Sidharta. Então, a rainha disse à sua irmã Pradjapati: A mãe que deu à luz um futuro Budha não terá outro filho. Eu abandonarei logo este mundo, o rei meu esposo e meu filho Sidharta. Quando eu não mais existir, seja você a mãe dele! E Pradjapati, chorando, prometeu isso a ela. Na sétima noite, a rainha Mayadevi dormiu sorrindo e não despertou mais do seu sono. Passou feliz ao seu Trayastrinshas, onde inumeráveis devas (anjos) adoram e servem a radiante Mãe. Quando a rainha morreu. Pradjjapati tomou o menino Sidharta e o educou. E assim como pouco a pouco brilha cada vez mais a luz da Lua, a régia criança cresceu dia a dia em espírito e em corpo: a Verdade e o amor residiam em seu coração. (2). Rishi, literalmente revelador. Trata-se de um santo sábio ou iluminado, cantor ou poeta de divina inspiração.  Capítulo dois. SUA JUVENTUDE E SEU CASAMENTO. Quando o príncipe Sidharta completou 18 anos, o rei mandou construir para ele três magníficos palácios; um de madeira de cedro, quente, para o inverno; outro de mármore betado, para o estio, e outro de ladrilhos cozidos para o outono. Ao redor desses palácios floresciam amenos jardins regados de alegres arroios e soalhados de formosos bosquezinhos com lindos caramanchões, onde Sidharta passava horas felizes, pois sua vida era saudável e em suas veias corria sangue jovem. Logo, porém, as sombras do tédio obscureceram a alegria do príncipe, como se algo lhe faltasse para completar esse bem estar. O rei consultou seus ministros, e o mais ancião deles lhe respondeu: O amor curará esse leve descontentamento. Seu coração virgem deve ser entretido com o feitiço da graça feminina. Que sabe este jovem da formosura, o que sejam os encantadores lábios, ou os olhos que jogam o céu no esquecimento? Una-o uma doce esposa, porque facilmente um cabelo de mulher ata melhor os pensamentos que nem cadeias de bronze poderiam sujeitar. E o rei replicou: Se lhe buscarmos esposas, o amor seguramente escolherá com outros olhos, e se lhe apresentarmos um jardim de belezas para que escolha a flor que mais o agrade, receberá com doce sorriso o gozo que ignora. O ministro retrucou: O rei deve ordenar um festival em que as donzelas do reino desfilem em graça e juventude nos famosos desportes dos sákias. Que o príncipe outorgue o prêmio à formosura, e quando as vencedoras passarem em frente do seu trono, notaremos se alguma consegue desvanecer a persistente tristeza de seu semblante juvenil. Desse modo poderemos escolher para o Amor com os próprios olhos de Amor. O rei aceitou esse conselho, e, consequentemente, a partir do dia seguinte os pregoeiros convidaram donzelas formosas para participarem do concurso de beleza que se celebraria no palácio, onde o príncipe distribuiria prêmios; um objeto de arte para cada uma, e um de maior valor para a mais formosa. As donzelas de Kapilavastu encheram os jardins do palácio, vestidas de vistosos trajes de lindas cores. Lentamente, elas desfilaram diante do trono, com os olhos fixos no chão, sem se atreverem a erguê-los. Chegou a última, a jovem Yasodhara. Os que estavam junto ao príncipe viram que ele pareceu ficar perturbado quando a radiante jovem, cujas formas pareciam esculpidas no céu, se aproximou. Seu ar era como o da deusa Parpati, seus olhos como os de uma corça na estação do amor, e seu rosto de inefável encanto. Foi a única que ousou olhar o príncipe de frente, com as mãos cruzadas sobre o peito e erguido o graciosos colo. A donzela perguntou-lhe sorridente: Há prêmio para mim? O príncipe respondeu-lhe: Acabaram-se os prêmios; porém toma este em compensação, querida irmã, porque de sua graça se orgulhará toda a nossa ditosa cidade. Dito isso, o príncipe tirou o seu colar de esmeraldas e colocou o fio de contas verdes no pescoço da jovem Yasodhara. Seus olhos se encontraram e desse olhar brotou o amor. Yasodhara era filha de Suprabudha, monarca do reino vizinho, e, segundo a lei dos sákias, quando alguém pedia em casamento uma mulher de nobre estirpe, tinha que demostrar sua destreza nas artes da guerra e em torneios contra os demais pretendentes. Sidharta venceu todos seus rivais nas provas de arco, de espada e de corrida hípica. O rei Suprabudha disse então a Sidharta: Nosso coração desejava ver você alcançar o prêmio, porque você é o preferido; porém, como conseguiu aprender em meio a uma vida calma e sonhadora o que outros não conseguiram aprender na caça nem na guerra, nem nas porfias do mundo? Receba, ó príncipe, o tesouro a que fez jus. A essas palavras a amável jovem levantou-se de seu assento e, passando entre a multidão, pegou uma grinalda de jasmins, cobriu sua fronte com o véu preto salpicado de ouro e aproximou-se de onde estava Sidharta. A jovem, cujo semblante irradiava a alegria celeste de um amor feliz, inclinou-se diante do príncipe e, apoiando a cabeça no peito de Sidharta, prostrou-se aos seus pés, dizendo com os olhos radiantes de felicidade: Amado príncipe. Olhe-me. Sou sua. O rei Suddhodana deu a eles o belo palácio de Vishramvan. Do Livro O Evangelho de Budha. Vida e doutrina de Sidharta Gautama. Abraço. Davi.

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