Budismo.
Um homem confuso perguntou ao Budha: ouvi dizer que alguns monges meditam com
expectativas, outros sem expectativas e outros ainda são indiferentes ao
resultado. O que é melhor? O Budha respondeu: quer eles meditem com ou sem
expectativas, se tiverem as ideias erradas e os métodos errados, não obterão
nenhuns frutos da sua meditação. Pense
bem. Imagine que um homem pretende obter algum óleo, pondo alguma areia numa
tigela e depois salpicando-a com sal. Ele pode pressionar o que quiser, mas não
obterá o óleo, pois aquele não é o método. Outra pessoa precisa de leite. Começa a puxar pelos
cornos (chifre) de uma vaca jovem. Quer tenha ou não algumas expectativas, ela
não obterá qualquer leite a partir dos cornos, já que esse não é o método. Ou
se alguém enche uma vasilha de água e a agita para tentar obter manteiga,
ficará com nada mais que água. É como encher uma malga com sementes de óleo e
pressioná-las, ou tirar leite a uma vaca espremendo os mamilos ou encher um
recipiente com natas e agitá-lo. É o método certo. ~ Majjhima Nikaya. Que tipo de meditação ensinou o Budha. Budha
também falou de duas qualidades que pensava serem fundamentais para o estado
plenamente desperto: tranquilidade e "insite" (visão penetrante,
discernimento). Duas coisas conduzem à compreensão suprema. Quais são eles?
Tranquilidade e “insiste”. Se desenvolvermos tranquilidade, que benefício
podemos esperar? A mente desenvolve-se. O benefício de uma mente desenvolvida é
que não somos mais escravos dos nossos impulsos. Se desenvolvermos
"insite", que benefícios isso trará? Encontraremos sabedoria. E o
ponto de desenvolver sabedoria é que isso nos traz liberdade face à cegueira da
ignorância. Uma mente limitada por impulso inconsiderado e ignorância nunca
poderá desenvolver a verdadeira compreensão. Mas, pela via da tranquilidade e
"insight", a mente encontrará a liberdade. ~ Anguttara Nikaya. É interessante que as
duas formas mais populares de meditação budista ensinadas na atualidade
chamam-se Samatha e Vipassana.
A meditação Samatha baseia-se na intenção e no esforço
persistente da parte do meditante para concentrar a mente em algum objeto de
meditação específico: sendo o objetivo o de desenvolver a capacidade da mente
para se concentrar, porque quando a mente está num estado altamente
concentrado, sabe-se que fica tranquila e, uma tal mente, pensa-se, teria o
"insite" mais profundo possível. Uma vez que o Budha explicou que
apenas o método certo daria fruto, será válido explorar se a meditação Samatha,
tal como é entendida e praticada hoje, é o método certo para trazer
tranquilidade à mente. O termo Samatha signicifa, de fato,
calma ou tranquilidade: um estado integrado em que a mente não está de nenhuma
forma excitada ou ativa. Está relacionado diretamente com o termo Samadhi,
o estado em que a mente está completamente quieta e imóvel e se mantém sem
esforço em total concentração. O
que cria este estado tranquilo da mente? No seu estado plenamente desenvolvido,
a tranquilidade é produzida pela paz, liberdade e despertar ilimitados que são
experimentados no estado não condicionado, infinito do Nirvana. É a liberdade total e
a felicidade absoluta do Nirvana que
absorve automaticamente e espontaneamente e concentra a mente. Medita, e na tua sabedoria,
realiza o Nirvana, a felicidade mais alta. ~ Dhammapada.
O
mal-entendido em relação à meditação Samatha,
tal como é entendida e praticada hoje, é que, simplesmente, a mente não
necessita de ser treinada para adquirir a capacidade de se concentrar através
da aplicação de práticas exercitadas de concentração. A mente atingirá automática e espontaneamente este estado
altamente tranquilo e concentrado simplesmente pelo fato de ou meditante
conhecer a técnica de como permitir que a mente seja atraída sem esforço para a
felicidade do Nirvana. É uma experiência comum que a
mente fica naturalmente concentrada com qualquer coisa que lhe forneça paz e
contentamento; esta é uma capacidade inerente da mente, portanto, não são
necessários treino ou práticas de concentração. É
a realização produzida naturalmente pelo estado de Nirvana que concentra a mente, e isto
acontece sem qualquer esforço da parte do meditante se ele ou ela estiver a
usar o método correto de meditação. Através da prática regular e sem esforço do
método certo, a qualidade vital da tranquilidade ficará estabilizada na vida do
meditante e, como Budha disse, não seremos mais escravos dos nossos impulsos. Além disso, porque a
tendência natural da mente é mover-se para um campo de paz estável e
contentamento de forma espontânea, o esforço individual no intuito de tentar controlar
a mente para que permaneça apenas num objeto da atenção, como é feito na
meditação Samatha hoje em
dia. Isso impede, de facto, a mente de correr na direcção da infinitude
permanente e da felicidade de que tanto necessita e que tanto deseja. No entanto,
não é a meditação Samatha que é o tipo de meditação budista
mais popular; a forma mais usada atualmente é a Vipassana ou meditação
"Mindfulness". A Vipassana também é referida como meditação
"Insite", porque, através da sua prática, somos supostos desenvolver
um "insite" penetrante na verdadeira natureza da realidade. Budha
explicou que, através daVipassana, o que quer dizer literalmente
'através do insight', ou 'da visão clara', deveríamos adquirir a sabedoria que nos traz a liberdade face à
cegueira da ignorância. Nos dias de hoje, a meditação Vipassana/"Mindfulness"
é praticada com uma atitude do praticante em que há a intenção de ser um
observador imparcial de algum processo natural que esteja a ocorrer no seu
corpo, mente ou emoções. Por exemplo, pretende-se que observemos apenas, ou que
tenhamos o referido "insite" da subida e descida do abdómen no
processo da respiração, ou que apenas observemos de forma imparcial a tomada de
ar e a sua expulsão, no próprio processo de respirar. Outra forma popular desta meditação é observar, do mesmo
modo, o corpo no próprio ato de andar ou durante o processo de ficar parado em
pé ou sentado. O elemento chave é tentar estar continuamente consciente que
qualquer processo que esteja a ter lugar sem, de nenhuma maneira, interferir ou
reagir positiva ou negativamente ao processo que está a ocorrer num dado
momento. A ideia é tentar estar totalmente consciente da experiência em si mesma, que
está sempre a acontecer e a transformar-se, registando-a e deixando ir-se
qualquer sensação que surja e se transforme. Esta prática, supostamente, traz
um profundo "insite", uma sabedoria perfeita sobre a realidade última
da verdadeira natureza da existência, tanto no seu estado condicionado como no
estado não-condicionado. Infelizmente,
esta tentativa de desenvolver e obter "insite" através da prática de
tentar ser um observador imparcial não é um método correcto. A
razão está no facto de o observador imparcial, o único que é capaz da correcta
"mindfulness" e do genuíno "insite", é o estado
plenamente desperto do Nirvana, ele próprio. O verdadeiro
observador imparcial nunca é a atenção ou mente que está a tentar assistir ao
processo. Isto acontece porque esta tentativa é, ela mesma, uma parte do
próprio processo; não está fora do processo. Em contraste evidente com isto, o
observador imparcial genuíno está completamente fora de qualquer processo de
surgimento e fim de um estado condicionado de existência; está totalmente para
além da mente e de qualquer intenção humana ou esforço para observar qualquer
coisa. Perguntaram ao Budha: “o que é a mindfulness" correcta?' E ele
respondeu da seguinte forma: Quando vai, o monge sabe: "estou a
ir"; ou, quando parado de pé, ele sabe: "eu estou de pé"; ou,
quando está deitado, ele sabe: "estou deitado". Ou, qualquer que seja
a posição em que se encontra o seu corpo, ele está consciente dela (...). Quer esteja
a ir, quer fique parado de pé, quer esteja sentado, quer durma ou esteja
acordado, fale ou fique em silêncio, ele está a agir com plena atenção.
~ Digha Nikaya. Nesta citação, é vital
notar-se que a "Mindfulness" deve estar presente mesmo quando estamos
a dormir. Por outras palavras, o processo de dormir deveria poder ser
testemunhado ou observado ao mesmo tempo que, naturalmente, está a ocorrer. À
primeira vista, a observação imparcial do nosso próprio sono parece ser
impossível, já que, quando estamos a dormir, como podemos nós observar qualquer
coisa? A chave para perceber isto é que não é a mente que está a observar; no
estado de sono, a mente está a dormir e não está consciente do processo do sono
nem de nenhuma outra coisa. No entanto, é possível ao estado Absoluto da
consciência, o estado de Nirvana, testemunhar imparcialmente o
processo de dormir. É o estado não-condicionado, Absoluto da consciência que é
o verdadeiro observador imparcial de todos os valores em permanente mudança dos
aspectos condicionados da vida, incluindo a mente e as suas intenções. Só
este valor supremo da vida é capaz de ser imparcial, já que apenas ele não tem
falta de nada e nada pode ser subtraído ou adicionado ao seu estatuto eterno.
Consequentemente, só a existência Absoluta do estado
verdadeiramente desperto é capaz de penetrar totalmente a verdadeira
natureza da vida e adquirir o supremo "insight" vivido, incorporado e
expresso pelo Budha. Como, então, podemos desenvolver o verdadeiro "insight",
a Sabedoria Perfeita, sobre a realidade última da vida? Se a tentativa humana
para ser um observador imparcial dos processos naturais não é o método
apropriado, qual seria o método certo? É claro que o o método certo
necessitaria de resultar no cultivar e integrar do estado transcendental do
Despertar Absoluto, o estado de Nirvana. O Shurangama Sutra budista
oferece o seguinte "insite" profundo: Através de que órgão dos
sentidos devo eu cultivar? Perguntas tu. Não estejas nervoso. É o próprio órgão
do ouvido que Gwan Yin Bodhisattva usou que é o
melhor para ti. Gwan Yin Bodhisattva aperfeiçoou o seu cultivo através
do órgão do ouvido, e Ananda seguiu-o cultivando o mesmo
método. Os Budhas e Bodhisatvas dos tempos anteriores deixaram-nos uma
maravilhosa porta-Dharma em que também nós devemos seguir o método de cultivar
o órgão do ouvido para aperfeiçoar a penetração. Este é o método mais fácil.
O método sugerido é referido como o método mais fácil porque envolve o ato
simples e desprovido de esforço de deixar que a nossa atenção fique com um som
para atingir a penetração perfeita. Penetração perfeita significa que
conseguimos penetrar para além dos valores temporais e em constante mudança de
todos os estados condicionados da existência e ficar como um com a paz e realização
Absoluta, não condicionada, eterna, nunca nascida e nunca perecível, que é o
estado infinito todo-conhecedor do Nirvana, o fim de todo o
sofrimento. Mas, como deveríamos nós estar com um som? Qual é o método certo? O
Shurangama Sutra oferece uma explicação adicional nos versos seguintes: Felicidade
(Ananda), e todos na grande assembleia se viram para o teu mecanismo de ouvir.
Coloca de volta a audição a ouvir a tua própria natureza . A natureza
tornar-se-á a via suprema. Isso é o que penetração perfeita significa
realmente. Esse é o portão de entrada
dos Budhas, tantos como os grãos de poeira no ar. Esse é o caminho que leva ao
Nirvana. Tathagatas do passado
aperfeiçoaram este método. Bodhisatvas dissolvem-se agora neste brilho total. As pessoas do futuro que estudem e
pratiquem também contarão com este Dharma. ~ Shurangama Sutra.
Somos
instruídos para nos voltarmos
para o nosso mecanismo de ouvir. O que significa isto? Normalmente, ouvimos
um som quando estamos a falar ou a ouvir outra pessoa a falar, ou quando um som
é produzido por algo no ambiente exterior - um pássaro, um trovão, o som de um
rio que corre, qualquer coisa. Em geral, a nossa mente é
dirigida para fora, para o ambiente do exterior. Contudo, com um método
correcto de meditação, podemos aprender como usar sem esforço um som e
segui-lo na direcção interior até à sua fonte original. O método certo aqui
está em conhecer como apreciar espontaneamente um som em direcção ao interior
da mente. Parece que esta era uma técnica
de meditação ensinada pelo Budha quando dava mantras específicos ou sons (um
mantra é um som específico usado durante a meditação aos seus discípulos.
O sutra seguinte ilustra este ponto: "Não há necessidade de desistires", disse o
Budha. "Não deves abandonar a tua busca pela libertação apenas porque te
pareces estúpido a ti próprio. Podes abandonar toda a filosofia que te foi dada
e, em vez disso, repetir um mantra - um que irei agora dar-te". Majjhima Nikaya. O som do mantra é experimentado inocentemente e sem
esforço nos seus valores cada vez mais subtis até se desvanecer completamente e
o meditante ser deixado no estado completamente calmo e plenamente desperto
do Samadhi. Este processo natural é o que é referido nos versos
acima, citados do Shurangama Sutra: traz de volta a audição para que
ela ouça a tua própria natureza; a natureza tornar-se-á o Caminho supremo. Isso
é o que significa realmente penetração perfeita. É claro, nos versos, que o processo que resultou em
"insite" supremo ou penetração perfeita é um processo que é conduzido
pela própria natureza: a natureza passará a ser o Caminho supremo. Não é um
processo conduzido pelo controlo ou esforços de concentração individuais, ou
pela tentativa de se ser um observador imparcial. No nosso tempo, um processo natural de trazer de volta
o "mecanismo da audição" é conhecido como a técnica de Meditação
Transcendental (MT). É uma prática que não envolve esforço nem
requer qualquer crença em qualquer doutrina ou em que se siga qualquer estilo
de vida em particular. Praticam-na pessoas de todas as religiões, tal como
pessoas sem religião. Os seus benefícios práticos foram investigados cientificamente
e documentados ao longo de 40 anos e foi ensinada em todo o mundo a mais de 6
milhões de pessoas de todas as raças e culturas. Além
disso, esta técnica não envolve nenhuma forma de concentração, contemplação ou
qualquer esforço controlado da parte da mente, do intelecto ou emoções para nos
distanciarmos de nós próprios, das nossas experiências, tentando ficar imóveis,
desligados ou imparciais. Isto é um ponto vital, porque a Tranquilidade e
"Insite" de que falou Budha nunca são referidas como sendo práticas.
Não
é possível praticar a Tranquilidade ou o "Insite", mas é possível
adquirir e desenvolver essas qualidades pelo processo de regularmente
transcender até ao estado de Nirvana e ficar Nele como um. É o estado
de Nirvana que é perfeitamente tranquilo
e é o estado de perfeito "Insite", perfeita sabedoria. O método certo
de meditação será um que seja capaz de nos trazer para além de todos os estados
impermanentes, em constante mutação e condicionados de existência, até ao
estado de Nirvana. Será um
método que seja capaz de transcender completamente o seu próprio processo,
deixando-nos unidos com o Absoluto, libertos da ilusão de uma auto-existência
limitada e separada. Então, através de uma prática regular e sem esforço, este
método permitir-nos-á integrar plenamente e estabilizar este estado
imóvel, Absoluto, do Nirvana em todas as actividades e
experiências da vida diária, permitindo-nos alcançar a meta de todos os Budhas
e Bodisatvas - um mundo sem sofrimento. Para concluir, o principal ponto deste
ensaio sobre Budha e Meditação é que para adquirir Tranquilidade e
"Insite", que são as qualidades da iluminação plena, para realizar a
Sabedoria Perfeita que desabrocha em infinita compaixão, temos que aprender e
usar a técnica correcta para nos voltarmos para dentro. É como encher um
recipiente com sementes de óleo e pressioná-las, ou mungir uma vaca puxando as
tetas ou encher uma vasilha com natas e agitá-la. É o método certo. Autor deste ensaio, o Dr.
Finkelstein é professor de Religião Comparada e de Ciência Védica
na Maharishi University of Management. Tem escrito artigos que identificam o
terreno comum inerente a muitas tradições antigas de sabedoria. Organizou
inúmeros cursos sobre os princípios universais que podem ser encontrados no
Hinduismo, Taoismo, Confucionismo, Budismo, Judaismo, Christianismo, e Islão. http://www.satyuga.blogspot.com.br.
Abraço. Davi.
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