Teosofia.
Texto de Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891). “Essa doutrina de um Deus que é
a Mente Universal difundida em todas as coisas subjaz em todas as filosofias
antigas. Os dogmas budistas – que nunca são bem compreendidos se não se estuda
a Filosofia Pitagórica, o seu reflexo fiel – derivam dessa fonte, assim como a
religião bramânica e o Cristianismo Primitivo. O processo purificador das
transmigrações – a metempsicose – embora grosseiramente antropomorfizado num
período posterior, deve ser considerado como uma doutrina suplementar,
desfigurada pela sofisticaria teológica
com o objetivo de conseguir uma base mais sólida de ação sobre os
crentes por meio duma superstição popular. Nem Gautama Budha nem Pitágoras (570
AC 495) pretenderam ensinar literalmente essa alegoria puramente metafísica.
Esotericamente, ela está explicada no “Mistério do Kumbum” e refere-se às
peregrinações puramente espirituais da alma humana. Não é na letra morta da
literatura budista sagrada que os eruditos podem esperar encontrar a verdadeira
solução das suas sutilezas metafísicas. Estas últimas fatigam o poder de
pensamento pela inconcebível profundidade de seu raciocínio; e o estudioso
nunca está mais distanciado da verdade do que quando se acredita estar o mais
próximo possível da sua descoberta. A maestria de toda doutrina do
desconcertante sistema budista só pode ser conseguida se se procede
estritamente de acordo com o método pitagórico e platônico; dos universais para
os particulares. A sua chave repousa nos dogmas refinados e místicos do influxo
espiritual da vida divina. “Aquele que não estiver familiarizado com a minha
lei”, diz o Budha, “e morre nessa condição, deve retornar à Terra até que se
torne um samaneu perfeito. Para chegar a esse objetivo, ele deve destruir dentro
de si a trindade de Maya. Deve extinguir as suas paixões, unir-se e
identificar-se à lei (o ensinamento da doutrina secreta) e compreender a
religião da aniquilação”. A aniquilação, aqui, refere-se apenas à matéria,
tanto a do corpo visível quanto a do invisível; pois a alma astral é ainda
matéria, embora sublimada. O mesmo livro diz que o que Fo (Budha) queria dizer
é que “a substância primitiva é eterna e imutável. A sua revelação mais elevada
é o éter luminoso, puro, o espaço infinito sem limites, não um vácuo resultante
da ausência de formas, mas, ao contrário, a fundação de todas as formas, e
anterior a elas. Mas a presença mesma das formas denota que ele é uma criação
de Maya, e todas as suas obras são como o nada diante do ser incriado, o ESPÍRITO,
em cujo repouso profundo e sagrado todo movimento deve cessar sempre”. Assim,
aniquilação significa, na Filosofia Budista, apenas uma dispersão da matéria,
sob uma forma ou aparência de forma qualquer; pois tudo que tem uma forma foi
criado, e assim deve mais cedo ou mais tarde perecer, isto é, mudar essa forma.
Por isso, como algo temporário, embora pareça ser permanente, ela é apenas uma
ilusão, Maya; pois como a eternidade não tem começo nem fim, a duração mais ou
menos prolongada de alguma forma particular ocorre, por assim dizer, como um
clarão instantâneo de relâmpago. Antes que tenhamos tempo de nos darmos conta
de que a vimos, ela ocorre e desaparece para sempre. Donde que, mesmo os nossos
corpos astrais, feitos de éter puro, sejam apenas ilusões da matéria, desde que
conservem o seu perfil terrestre. Esta última muda, diz o budista, de acordo
com os méritos e os deméritos da pessoa durante a sua vida, e isto é a
metempsicose. Quando a entidade espiritual se separa totalmente de toda
partícula da matéria, só então ela entra no Nirvana eterno e imutável. Ela
existe em espírito, no nada; como uma forma, uma aparência, ela está
completamente aniquilada, e, assim, ela não morrerá jamais, pois só o espírito
não é Maya, mas só a realidade é um universo ilusório de formas sempre
transitórias. É neste conceito budista que se apoia a Filosofia Pitagórica, que
neste ponto concreto assim expõe Whitelock Bulstrode (1605-1675): “Pode o
espírito que dá vida e movimento, e participa da natureza da luz, ser reduzido
a uma não entidade? perguntam eles. Pode o espírito sensitivo que, nas feras
(animais), exercita a memória, uma das faculdades racionais, morrer e se
reduzir a nada? Se dizeis que elas (as feras) exalam os seus espíritos no ar e
então desaparecem, é exatamente isso o que nego. O ar, na verdade, é o lugar
apropriado para receber o espírito dos brutos, porque, segundo Laércio
(200-250), está povoado de almas e, segundo Epicuro (341 AC 270), cheio de
átomos originários de todas as coisas (...). Pois mesmo esse espação, em que
caminhamos e os pássaros voam (...) tem uma natureza mais espiritual, já que é
invisível; por isso, ele pode muito bem ser o receptáculo das formas, dado que
as formas de todos os corpos também o são. Não só podemos ouvir e ver os seus efeitos;
o ar em si mesmo é muito sutil, e está acima da capacidade da visão. O que,
então, é o éter que está na região superior? E quais são as influências ou as
formas que descendem dele?” Os espíritos das criaturas, que são, como diziam os
pitagóricos, emanações das porções mais sublimadas do éter, emanações, SOPROS,
mas não formas. O éter é incorruptível, todos os filósofos estão de acordo
quanto a este ponto; e o que incorruptível está tão longe de ser aniquilado
quando ele se separa da forma, que este é um excelente argumento para a
IMORTALIDADE. “Mas que coisa é esta que não tem corpo, não tem forma, que é
imponderável (que não se consegue pesar), invisível; que existe e ainda não é
?” perguntam os budistas. O Nirvana é a resposta. Uma NÃO COISA, não um lugar,
mas antes um estado. Uma vez atingido o Nirvana, o homem está isento dos
efeitos das “quarto verdades”, pois um efeito só pode ser produzido por uma
determinada causa, e toda causa está aniquilada nesse estado. Estas “Quatro
Verdades” são a base de toda a doutrina búdhica do Nirvana. Elas são, diz o
livro da Prajna Paramita: 1. A existência da dor. 2. A produção da dor. 3. A
aniquilação da dor. 4. O caminho da aniquilação do dor. Qual é a fonte da dor?
a existência. Ocorrido o nascimento, a decrepitude e a morte o seguem; pois
onde existe uma forma, há ai uma causa para a dor e o sofrimento. Só o espírito
não tem forma, e, assim não se pode dizer que ele existe. Quando o homem (o
homem etéreo, interior) chega ao ponto que se torna completamente espiritual,
por conseguinte, sem forma, é que ele alcançou um estado de bem aventurança
perfeita. O HOMEM, na qualidade de ser objetivo, torna-se aniquilado, mas a
entidade espiritual, que é vida subjetiva, viverá para sempre, pois o espírito
é incorruptível e imortal. É pelo espírito dos ensinamentos do Budha e de
Pitágoras que podemos reconhecer tão facilmente a identidade de suas doutrinas.
A alma que tudo penetra, universal, a Anima Mundi, é o Nirvana; e Budha, como
um nome genérico, é a Mônada antropomorfizada de Pitágoras. Quando repousa no
Nirvana, a bem aventurança final, o Budha é a Mônada silenciosa, que vive nas
trevas e no silêncio. Ele é também o Brahman sem forma, a sublime mas
incognoscível Divindade, que penetra invisivelmente todo o universo. Quando ele
se manifesta, desejando dar-se a conhecer à Humanidade sob uma forma
inteligível ao nosso intelecto, quer o chamemos de Avatar ou rei Messias, ou de
permutação do Espírito Divino, Logos, Christos, tudo isso é a mesma coisas. Em
cada um desses casos, ele é “o Pai”, que está no Filho, e o Filho que está “no
Pai”. O espírito universal obscurece o homem mortal. Entra nele e penetra todo
o seu ser, faz dele um deus, que desce para o seu tabernáculo terrestre. Todo
homem pode tornar-se um Budha, diz a doutrina. E assim, através da interminável
série de épocas, vemos de um tempo a outro homens que são mais ou menos bem
sucedidos em sua união “com Deus”, como se diz, com o seu próprio espírito,
como devemos dizer. Os budistas chamam esses homens de Arhats. Um arhat é quase
um Budha, e ninguém o iguala em ciência infusa, nem em poderes miraculosos.
Certos faquires demonstram essa teoria na prática, como Louis Jacolliot
(1837-1890) comprovou. Mesmo nas chamadas narrativas fabulosas de certos livros
budistas, quando despojadas de seu significado alegórico, pode-se reconhecer a
doutrina secreta ensinada por Pitágoras. Nos livros páli chamados Jatakas são
fornecidas as 550 encarnações (alguns livros sagrados budistas descrevem que o
Iluminado atingiu milhões de encarnações, não se conseguindo mensurar o número
exato) ou metempsicoses do Budha. Elas narram como ele apareceu em cada forma
de vida animal e como animou cada ente senciente sobre a terra, do inseto
infinitesimal ao pássaro, à fera e finalmente ao homem, a imagem microscósmica
de Deus sobre a Terra. Deve isto ser considerado literalmente; corresponde a
uma descrição das transformações reais e da existência de um mesmo e único
espírito individual, imortal, divino, que, cada uma por sua vez, animou toda
espécie de ente senciente? Não devemos antes compreender, com os metafísicos
budistas, que embora os espíritos humanos individuais sejam inumeráveis,
coletivamente eles são apenas um. Assim como cada gota de água extraída do
oceano, metaforicamente falando, pode ter uma existência individual e ainda
continuar a formar uma unidade com o restante das gotas que formam esse oceano;
pois cada espírito humano é uma centelha da luz que tudo penetra? Que esse
espírito divino anima a flor, a partícula de granito da encosta da montanha, o
leão, o homem? Os hierofantes egípcios, como os brâmanes, e os budistas do
Oriente, e alguns filósofos gregos, afirmam originalmente que o mesmo espírito
que anima as partículas de pó, permanecendo latente nelas, anima o homem,
manifestando-se nele no mais elevado estado de atividade. A doutrina, também,
da reabsorção gradual da alma humana na essência do espírito – fonte primordial
era universal numa determinada época. Mas essa doutrina nunca implicou a ideia de aniquilação do ego espiritual mais
elevado – apenas a dispersão das formas externas do homem, depois da sua morte
terrestre, bem como durante a sua permanência na Terra. Quem está mais
qualificado para nos fazer conhecer os mistérios do além morte, tão
erroneamente considerados impenetráveis, do que esses homens que, tendo
conseguido pela autodisciplina e pureza de vida e de propósitos se unirem com o
seu “Deus”, obtiveram alguns vislumbres, imperfeitos todavia, da grande
Verdade. E esses videntes nos contam histórias estranhas sobre a variedade de
formas assumidas pelas almas astrais desencarnadas. Formas de que cada uma é
reflexo espiritual mas concreto do estado abstrato da mente e dos pensamentos
do homem que viveu outrora. Acusar a Filosofia Budistas de rejeitar um Ser
Supremo – Deus, e a imortalidade da alma – acusá-la de ateísmo, em suma, pois
que, de acordo com as suas nada, é simplesmente um absurdo. O Ain Soph judaico
também significa Nihil ou Nada, o que
não é (quod ad nos) o que nos diz respeito; mas ninguém ousou acusar os judeus
de ateísmo. Em ambos os casos, o significado real do termo Nada comporta a
ideia de que Deus é não uma coisa, não um se concreto ou visível ao qual um
nome expressivo de qualquer objeto conhecido de nós na Terra possa ser aplicado
com propriedade”. Do Livro Ísis Sem Véu. Abraços. Davi.
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