quinta-feira, 9 de junho de 2016

A Vedanta e a Cultura Indiana.



Hinduísmo. Espiritualidade o coração da cultura Indiana. A civilização indiana possui mais de cinco mil anos de idade. Durante este longo período ela produziu uma cultura bastante original, avançada e diversificada. Apesar das inúmeras diferenças regionais, sociais e linguísticas presentes no país, sempre existiu uma unidade básica na cultura indiana. Além disso, ela manteve uma continuidade ininterrupta desde os tempos védicos até os dias de hoje, apesar das incontáveis guerras que assolaram o país, invasões estrangeiras e dois séculos de dominação britânica. Esta indestrutível unidade e ininterrupta continuidade da cultura indiana são derivadas das suas profundas raízes espirituais. Swami Vivekananda (1863-1902) afirmou que cada civilização ou cultura possui um centro vital particular, uma característica ou tendência dominante. De acordo com ele, o centro vital da cultura indiana é a espiritualidade. Entende-se por espiritualidade, a filosofia de vida orientada à realização máxima do ser humano, que é a realização de Deus. Unidade da Filosofia e Religião na Índia. A espiritualidade hindu está profundamente enraizada em tradições filosóficas e religiosas. A filosofia surgiu na Índia como uma pergunta sobre os mistérios da vida e da existência. Situação semelhante também aconteceu na Grécia Antiga, mas de acordo com Swami Vivekananda, os filósofos gregos limitaram seus questionamentos ao mundo exterior, e o método por eles empregado constituía apenas da especulação, enquanto na Índia tais questionamentos foram direcionados para o mundo interior. Os sábios indianos, chamados rishis ou “videntes”, desenvolveram técnicas especiais para transcender os sentidos e a mente comum, coletivamente chamadas de Yoga. Com o auxílio destas técnicas, eles mergulharam fundo nas profundezas da consciência e descobriram verdades importantes sobre a verdadeira natureza do homem e do universo. Os sábios descobriram que a verdadeira natureza do homem não é o corpo ou a mente, que estão sujeitos à mudança e à destruição, mas sim, o Espírito que é imutável, imortal e Consciência pura. Eles o chamaram Atman, que é o verdadeiro Ser do homem, o verdadeiro conhecedor, e que é a verdadeira fonte do conhecimento, da felicidade e do poder. Os rishis (sábios da Índia) também descobriram que todos estes ”Seres” individuais são partes de uma Infinita Consciência que eles chamaram Brahman, que é a Realidade Última e a causa deste universo. A ignorância em relação à verdadeira natureza do homem é a principal causa de seu sofrimento e escravidão. Pela aquisição do correto conhecimento de Atman e Brahman é possível se libertar desse sofrimento e dessa escravidão, e assim atingir um estado de imortalidade, paz sempiterna e realização, conhecido como mukti (liberação). A religião na Índia antiga significava um caminho de vida que permitisse ao homem realizar esta verdadeira natureza e obter mukti. Assim, a filosofia forneceu a correta visão da Realidade, enquanto a religião revelou o correto caminho da vida; a filosofia forneceu a visão, enquanto a religião trouxe a realização; a filosofia foi a teoria, e a religião foi a prática. Assim, na Índia antiga, filosofia e religião se complementaram, de fato, e se constituíram como um único esforço e disciplina. Esta filosofia religiosa ou religião filosófica foi chamada Vedanta. O termo Vedanta advém do fato que seus princípios básicos constituem a última parte ou culminação das antigas escrituras conhecidas como os Vedas. Os Vedas são as mais velhas e respeitadas escrituras do hinduísmo. Todas as outras escrituras estão subordinadas aos Vedas, que não foram escritos, mas revelados pelos rishis, daí o fato de serem também chamados Shruti (aquilo que foi ouvido). A parte mais antiga dos Vedas pode ter sido compilada entre 2000 AC 1000. Há quatro Vedas: Rig-Veda, Yajur-Veda, Sama-Veda e Atharva-Veda. Cada um deles está dividido em quatro partes: Samhita, Brahmana, Aranyaka e Upanishads. Samhita: Esta parte contém coleções de hinos dedicados às várias deidades. A maioria deles possui um profundo significado místico. Brahmana: Esta parte trata dos mais variados rituais e também dos princípios morais. Aranyaka: Esta parte contém várias meditações, sendo algumas delas recriações mentais dos rituais exteriores. Upanishads: Esta parte congrega os registros das experiências transcendentais vividas pelos rishis em decorrência de diferentes técnicas contemplativas. Estas experiências, na verdade, são revelações sobre o Atman, Brahman e outras verdades eternas e universais a respeito da Realidade Última. Estas verdades e princípios eternos do mundo espiritual estão dispersos nos Upanishads e foram reunidos e codificados por Badarayana, na forma de sutras ou aforismos no século V AC. Estes sutras conhecidos por Brahma Sutras, compõem os alicerces do sistema filosófico conhecido por Vedanta - Darshana. Vedanta.  Assim, o termo Vedanta representa três coisas interrelacionadas: a) A coleção dos Upanishads, que compõem a última e mais importante parte dos Vedas; b) As verdades e princípios eternos da vida espiritual; c) O sistema de filosofia baseado nos Brahma Sutras. Entretanto, o termo Vedanta é mais utilizado quanto ao último sentido da Vedanta Darshana (Filosofia Vedanta). Neste sentido, é preciso dizer que surgiram mais outros cinco sistemas filosóficos na Índia durante os primeiros séculos da era cristã, que são:
1) Mimansa, fundado por Jaimini
2) Vaisheshika, fundado por Kanada
3) Nyaya, fundado por Gautama Budha
4) Sankhya, fundado por Kapila
5) Yoga, fundado por Patanjali. Estes cinco sistemas filosóficos sempre ficaram confinados a pequenos grupos de intelectuais e nunca se identificaram com a principal corrente religiosa da Índia, deixando de estar em destaque com o decorrer do tempo. Somente a Vedanta permaneceu como a principal filosofia da Índia remanescente do período védico. Como mencionado anteriormente; Vedanta é filosofia e religião, e esta tradição filosófico-religiosa tornou-se conhecida por Sanatana Dharma - Religião Eterna - e, posteriormente, hinduísmo.
Outras Escrituras sobre Vedanta. Embora os Upanishads constituam a fonte mais original e importante da Vedanta, eles não são as únicas escrituras sobre Vedanta. Muitos outros livros também foram aceitos e tornaram-se referência. Entre eles, o mais importante é o Bhagavad Gita, que introduziu vários conceitos novos dentro da Vedanta tais como: a Encarnação de Deus como avatar era após era, devoção ao Deus pessoal como meio de mukti (liberação), cumprimento dos deveres da vida dentro de um espírito de abnegação e auto entrega a Deus como uma prática espiritual (Karma Yoga), e assim por diante. Durante séculos, grandes mestres como Shankara, Ramanuja e outros grandes santos do período medieval enriqueceram a Vedanta com conceitos filosóficos e canções devocionais. Três fases da Vedanta. A Vedanta não é uma filosofia ou religião estagnada. Na verdade ela é muito dinâmica, e por isso está em constante crescimento, o que a torna capaz de enfrentar novos desafios e superar novos obstáculos. Neste processo de crescimento, a Vedanta passou por três fases: I) FASE FORMATIVA: Esta fase se estendeu de aproximadamente 1000 AC 300. Durante este período os Upanishads, o Bhagavad Gita e os Brahma Sutras (estas três escrituras juntas são chamadas de Prasthana-trava), forneceram os conceitos básicos da Vedanta como o Atman e Brahman. II) FASE ESCOLÁSTICA: Esta fase se estendeu aproximadamente do século VIII até o século XIII. Durante este período, grandes mestres, como Shankara, explicaram e expandiram as visões originais obtidas pelos rishis dos tempos védicos através da introspecção e dos ensinamentos do Bhagavad Gita, estabelecendo a Vedanta como um sistema filosófico convincente e detalhado. Mas durante este período, a Vedanta se subdividiu em numerosas escolas filosóficas e seitas religiosas. As principais escolas filosóficas são as seguintes: Advaita ou Não Dualismo: proposta por Shankara;
Vishishta advaita ou Não Dualismo Qualificado: proposta por Ramanuja;
Dvaita ou Dualismo: proposta por Madhya;
Shuddhadvaita: proposta por Vallabha;
Achintya-bheda-abheda: proposta por Jiva Gosvamin. Estas escolas filosóficas continuaram com intensos debates sobre elas mesmas e isso manteve seu vigor intelectual. A Índia produziu, durante este período, um bom número de grandes eruditos e pensadores. As principais seitas religiosas eram: Vaishnavismo, Shaivismo e Shaktismo. Cada uma delas teve inúmeras subdivisões. Estas seitas produziram muitos santos. E estes santos espalharam as ideias vedânticas entre as pessoas comuns através de canções e ensinamentos. Aqui é preciso mencionar que duas tradições filosófico-religiosas associadas com a cultura Indiana, a saber budismo e jainismo, surgiram como movimentos espirituais no século VI AC. Elas compartilharam de alguns dos conceitos básicos do antigo sistema de crença hindu, tal como karma, reencarnação, samsara, dharma e experiência espiritual direta. Mas a rejeição à autoridade dos Vedas, à distinção de castas, à crença numa Realidade Última como um Deus Absoluto e principal causa do universo e outros princípios, as afastaram da principal corrente da cultura vedântica. Como resultado disso, o budismo e o jainismo começaram a declinar na Índia e após o século XII o budismo deixou de ter qualquer influência direta sobre a cultura indiana. III) FASE MODERNA: A terceira fase da Vedanta foi inaugurada por Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda no século XIX. Durante este período, a Vedanta evoluiu de uma filosofia religiosa étnica para uma filosofia de vida universal. As principais transformações trazidas por Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda são: Rejuvenescimento: Sri Ramakrishna representa o elo entre a Índia antiga e a Índia moderna. Através do seu tremendo esforço espiritual, Sri Ramakrishna reviveu nos tempos modernos toda a gama de experiências espirituais dos sábios e santos do passado védico, confirmando, assim, como verdadeiras as verdades contidas na Vedanta. Ele percorreu os caminhos das tradições védicas, shaiva, shakta e vaishnava incluindo caminhos ocultos e esquecidos. Ele foi o responsável pela purificação da vida espiritual e pela fundação dos alicerces morais da Índia moderna. Ele estendeu, para todos, a possibilidade da realização de Deus, mesmo no meio das inúmeras distrações existentes no mundo. Com isto ele deu um novo e gigantesco impulso aos esforços pela realização de Deus. Tudo isto resultou na completa renovação da Vedanta. Modernização: a grande obra de Swami Vivekananda foi tornar os antigos conceitos vedânticos aceitáveis às mentes modernas pela interpretação das verdades eternas sob a luz da razão e do pensamento moderno e científico. Esta versão modernizada é aquela que os hindus educados nos dias de hoje entendem por Vedanta. Integração das Escolas Filosóficas: A Vedanta se dividiu em diferentes escolas durante o período medieval. Swami Vivekananda foi o responsável pela reintegração das mesmas, e só conseguiu isto através do reforço da base comum entre elas, o princípio do Atman, demonstrando que as diferentes escolas representam, na verdade, diferentes estágios da realização espiritual. Unificação das Seitas Religiosas: Sri Ramakrishna ensinou, através de sua realização, que todos os caminhos espirituais conduzem a um mesmo objetivo, "Yato mat tato pa" . Quantas forem as crenças, tantos serão os caminhos. Este princípio, que forma a base da doutrina do Dharma-Samanvaya ou Harmonia das Religiões, veio a ser aplicada dentro do próprio hinduísmo no decorrer do tempo. Isto permitiu o despertar de um senso de unidade entre as seitas hindus em tempos recentes, a despeito das suas várias diferenças de costumes e tradições. Encarando Desafios: Até o século XI, os únicos desafios da Vedanta foram basicamente internos. Dentre eles, os principais foram o budismo e o jainismo, além de algumas diferentes escolas dissidentes da Vedanta e seitas do Hinduísmo, cada qual se autoproclamando superiores às outras. No século XIII (1201-1300) o Islã começou a exercer grande influência sobre a sociedade indiana. Muitos grandes santos então se levantaram em diferentes partes da Índia para responder ao desafio islâmico através da disseminação das ideias da unicidade de Deus, fraternidade entre os homens e igualdade social entre as pessoas comuns. Entretanto, o maior dos desafios que a sociedade indiana teve que enfrentar veio da cultura ocidental no século XVIII e XIX (1701-1900). Esta trouxe três principais desafios à sociedade indiana: (a) a ciência e o moderno pensamento racional, (b) um esquema de sociedade aberta com valores de liberdade e justiça social, (c) a ideia de um Deus redentor que se identifica com os pobres, os doentes e os pecadores. Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda enfrentaram estes desafios do Ocidente pela: (a) revitalização da espiritualidade vedântica, (b) interpretação das verdades eternas da Vedanta, descobertas pelos antigos sábios sob a luz do moderno pensamento racional, e (c) introdução de um novo evangelho de serviço social baseado na aplicação prática dos princípios vedânticos no dia a dia. Vedanta Prática: O termo “Vedanta Prática” significa a aplicação prática dos princípios básicos da Vedanta na solução dos problemas diários. Por séculos esses princípios foram vistos apenas como meios de se obter mukti (Liberação). Swami Vivekananda, no entanto, revelou que os mais elevados princípios da Vedanta podem ser aplicados até mesmo na vida cotidiana para solucionar os mais variados problemas da vida diária, não ficando limitados à vida individual, mas também estendidos à vida coletiva. De fato, Swami Vivekananda sustentava a ideia de que a ruína da Índia teve como principal causa, a não aplicação destes princípios na vida coletiva. Universalização da Vedanta: Por muitos séculos a essência básica da Vedanta permaneceu velada por inúmeras crenças, mitos, costumes, castas, etc. Além disso, as mais elevadas verdades estavam disponíveis apenas a pequenos grupos de pessoas privilegiadas, e acreditava-se que para seguir estes princípios, era necessário que tal aspirante tivesse nascido em determinada casta hindu. Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda separaram dessas seitas as verdades essenciais da Vedanta, e Swami Vivekananda demonstrou que tais verdades constituem, na realidade, as eternas verdades espirituais que dão sustentação às religiões do mundo. De fato, estes princípios, sozinhos, constituem a Religião Universal de toda a humanidade, e as diferentes religiões do mundo são meras manifestações desta Religião Universal em diferentes lugares e tempos. Além disso, através de suas palestras e livros, e dos Centros de Vedanta que ele fundou, Swami Vivekananda tornou os princípios vedânticos disponíveis a todas as pessoas sem qualquer distinção de casta, credo ou raça. Dessa maneira, através dos esforços pioneiros de Swami Vivekananda, a Vedanta cruzou as fronteiras da Índia e tornou-se propriedade comum de toda a humanidade, e o trabalho iniciado por ele está tendo continuidade pelas mãos de muitos mestres e organizações pelo mundo afora. http://www.vedantacuritiba.org.br. Abraço. Davi.

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