Teosofia. Por Jiddu Khrisnamurti (1895-1986). IV. AMOR. De
todas as qualidades, o AMOR é a mais
importante, pois sendo bastante forte um homem, obriga-lhe a aquisição de todas
as outras que, sem ele, não seriam suficiente. Frequentemente é expresso como
um intenso desejo de se libertar da roda dos nascimentos e mortes e de se unir
com Deus. Entendê-lo, porém, deste modo, denota egoísmo e alcança apenas uma
parte de sua significação. Não é tanto o desejo, como a VONTADE, a resolução, a
determinação. Para produzir seus
resultados, essa resolução deve encher de tal modo a tua natureza
inteira, que não deixe lugar para qualquer outro sentimento. É, na verdade, a
vontade de seres uno com Deus, não para escapares à fadiga e ao sofrimento, mas
para que, pelo teu profundo amor por Ele possas agir com Ele. E porque Ele é
AMOR, tu, se te quiseres unificar com Ele, deves encher-te de profundo
desinteresse e amor. Na vida diária isto implica duas coisas: em primeiro
lugar, ter cuidado de não fazer mal a nenhum ser vivo; em segundo, vigiar as
oportunidades de prestar auxílio. Primeiro, não fazer mal. Três pecados há que
operam maior dano do que todos os outros no mundo – MALEDICÊNCIA , CRUELDADE e
a SUPERSTIÇÃO – por serem pecados contra o AMOR. Contra esses três pecados, o
homem que quiser encher o seu coração do amor de Deus deve estar vigilante,
incessantemente. A MALEDICÊNCIA – Observa os efeitos da maledicência. Começa
com um mau pensamento e este, em si mesmo, já é um mesmo, já é um crime, pois
que, em tudo e em todos, existe o bem: em tudo e em todos o mal existe. Podemos
reforçar qualquer deles pelo pensamento e, deste modo, ajudar ou embaraçar a
evolução; podemos fazer a vontade do Logos ou resistir-lhe. Se pensares no mal
que existe em outrem, cometes ao mesmo tempo três ações más: 1. Enches teu
ambiente de maus em vez de bons pensamentos, aumentando assim a tristeza do
mundo. 2. Se nesse homem existir o mal que supões, o fortificas e o alimentas
e, assim, tornas pior o teu irmão, em vez de melhorar. Porém, geralmente o mal
nele não existe, sendo apenas um produto da tua fantasia; e então o teu pensamento
tentará o teu irmão à prática do mal, pois que, se ele não for ainda perfeito,
poderás torna-lo qual o imaginaste. 3. Satura a tua mente de maus em vez de
bons pensamentos; embaraças, assim, o teu próprio crescimento, tornando-te aos
olhos dos que podem ver um objeto feio e penoso em vez de belo e atraente. Não
contente de ter feito todo este mal a si próprio e à sua vítima, o maledicente
tenta, com todas as suas forças, fazer com que os outros participem do seu
crime. Prontamente conta a perversa história, na esperança de que o acreditem;
e, então, juntam-se todos a enviar maus pensamentos ao pobre paciente. E isto
repete-se dia a dia e é feito, não por um homem, mas por milhares. Começas a
ver quão terrível é este pecado? Deves, por completo, evita-lo. Nunca fales de
ninguém; recusa ouvir o mal que te disserem dos outros e suavemente observa:
Talvez isso não seja verdade e, se o for, é mais caritativo não falarmos nisso.
A CRUELDADE – Quanto à crueldade, ela pode ser de duas espécies; intencional e não intencional. A crueldade intencional
consiste em causar dano a um ser vivo, de ânimo deliberado; este é o maior de
todos os pecados – próprios antes de um demônio do que de um homem. Dirás que
nenhum homem cometeria tal crime; porém, os homens o cometeram muitas vezes e o
cometem, ainda, diariamente. Praticaram-no os inquisidores, muita gente
religiosa o praticou em nome da sua religião. Os que dissecam seres vivos o
praticam: muitos professores o praticam habitualmente. Toda essa gente procura
desculpar a sua brutalidade dizendo que é o costume; um crime, porém, não deixa
de o ser porque muita gente o comete. O Karma não leva em conta o costume e o
Karma da crueldade é, de todos, o mais terrível. Na Índia, pelo menos, não há
desculpa para tais hábitos, pois o dever de não fazer mal é de todos bem
conhecidos. A sorte reservada ao cruel incide também sobre todos aqueles que
intencionalmente matam criaturas de Deus sob pretexto de desportos. Sei que não
farias estas coisas; e, por amor de Deus, quando a oportunidade se oferecer,
falarás abertamente contra elas. Porém, existe a crueldade na palavra, da mesma
forma que nos atos, e um homem que diz algo com a intenção de ferir a outrem é
passível desse crime, isto também não farás; porém, às vezes, uma palavra impensada
faz tanto mal como se fosse malévola. Deves, pois, estar de sobreaviso contra a
crueldade irrefletida. Ela se origina comumente da irreflexão. Um homem cheio
de avareza e cobiça não pensa jamais nos sofrimentos que causa aos outros,
pagando-lhes pouco e deixando meio famintos sua mulher e seus filhos. Um outro
pensa apenas nos seus desejos luxuriosos, pouco se importando com os corpos e
as almas que arruína para sua satisfação. Um outro, somente para poupar-se uns
poucos minutos de incômodo, não paga aos seus operários no dia designado, sem
pensar nas dificuldades que lhes origina. Por essa forma muito sofrimento pode
ser causado pela irreflexão – pelo olvido de pensar sobre o modo pelo qual uma
ação afeta os outros. Porém, o Karma não esquece nunca e não leva em conta que
os homens esquecem. Se desejas entrar na Senda Espiritual, deves pensar nas
consequências das tuas ações, a fim de não incidires em crueldade irrefletida.
A SUPERSTIÇÃO – A superstição é outro grande mal, que tem causado muitas e terríveis
crueldade. O homem que é seu escravo desdenha aqueles que são mais sábios e
tenta faze-los agir do mesmo modo. Pensa nos horrendos massacres produzidos
pela superstição que aconselha o sacrifício de animais e pelo ainda mais cruel
preconceito de que o homem necessita de carne para alimentar-se. Pensa nos maus
tratos que a superstição tem criado para as classes oprimidas da nossa Índia
bem amada e verifica por ai quando está má qualidade pode originar de covarde,
mesmo entre aqueles que conhecem o dever de serem fraternais. Muitos crimes os
homens cometeram em nome do Deus de Amor, movidos pelo pesadelo da superstição;
cuida, pois, muito para que dela não reste em ti o menos vestígio. Esses três
grandes crimes deves evitar, pois são fatais a todo o progresso, por serem
pecados contra o Amor. Não basta, porém, refrear o mal; é preciso ser ativo no
bem. Deves encher-te tanto do intenso desejo do serviço, que estejas sempre
vigilante para prestá-lo em torno de ti – não somente aos homens, como também às
plantas e aos animais. Deves prestá-lo nas pequenas coisas, cada dia, a fim de
que o hábito se forme e não percas as raras oportunidades em que grandes coisas
se apresentam para ser feitas. Pois que, se anseias unificar-te com Deus, não é
por Amor de ti próprio, mas a fim de que possas ser um canal através do qual o
seu Amor flua sobre os homens, teus irmãos. Aquele que está na Senda Espiritual
não existe para si mesmo, mas para os outros; esquece a si próprio para poder
servi-los. Ele é como uma pena na mão de Deus, através da qual o Seu pensamento
flui e pode encontrar neste mundo uma expressão que, sem ela (a pena) não
poderia ter. É, ao mesmo tempo, um feixe de fogo vivo radiando sobre o mundo o
Amor Divino que lhe enche o coração. A sabedoria que torna capaz de ajudar, a
vontade que dirige a sabedoria, o amor que inspira a vontade – tais são as
qualidades requeridas. Vontade, Sabedoria e Amor são os três aspectos do Logos;
e tu, que desejas alistar-te ao Seu serviço, deves expressar esses três
aspectos no mundo. Do Livro Aos Pés do Mestre. Abraço. Davi.
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