Texto de
Ayya Khema
(1923-1997). Para abraçar o caminho espiritual inteiramente, ser capaz de
nele crescer e percorrê-lo com uma sensação de segurança, é necessário
renunciar. Renúncia não significa necessariamente
raspar o cabelo ou vestir mantos. Renúncia significa abandonar todas as
ideias e esperanças às quais a mente desejaria se apegar e reter, ter
interesse e desejo de investigar. A mente deseja ter sempre mais do que
quer que seja que esteja disponível. Se ela
não consegue obter mais, ela então produz fantasias e imaginações e as
projeta sobre o mundo. Isso nunca trará a verdadeira satisfação, paz
interior, que apenas podem ser conquistadas por meio da renúncia.
Abandonar é a palavra chave no caminho Budista, é
a dissolução do desejo. É necessário compreender de uma vez por todas
que mais não é melhor. É impossível chegar ao fim de mais, sempre há
algo que está mais além. Mas com certeza é possível chegar ao fim de
"menos," que é uma abordagem muito mais inteligente.
Porque sentar isolado em meditação e arruinar as possibilidades de
todas as oportunidades que o mundo oferece para o divertimento? Uma
pessoa poderia viajar, dedicar-se a um trabalho desafiador, conhecer
pessoas interessantes, escrever cartas ou ler livros,
desfrutar um período agradável em algum outro lugar e realmente
sentir-se tranquila, ela poderia até mesmo encontrar um caminho
espiritual distinto. Quando a meditação não alcança os resultados
desejados, pode surgir o pensamento: O que é que eu estou fazendo,
porque estou fazendo isso, para que, qual o benefício disso tudo? Então
surge a ideia: Eu na verdade não sou capaz de fazer isso muito bem,
talvez eu devesse tentar outra coisa. O mundo reluz e promete tanto, mas
nunca, nunca cumpre as suas promessas. Cada
um de nós já experimentou inúmeras vezes as suas tentações e nenhuma
delas trouxe real satisfação. A verdadeira satisfação, a plenitude da
paz, sem faltar nada, a completa tranquilidade desprovida de cobiça, não
pode ser satisfeita no mundo. Não há nada que
possa preencher os nossos desejos de forma completa e absoluta.
Dinheiro, posses materiais, uma outra pessoa, embora essas coisas possam
trazer alguma satisfação, no entanto, existe aquela dúvida
incomodativa: Talvez eu encontre alguma outra coisa, mais confortável,
mais fácil, não tão exigente e acima de tudo algo novo. Sempre, aquilo
que é novo promete a satisfação. A mente tem que ser entendida tal como
ela é, mais um meio dos sentidos que tem a sua base no cérebro, da mesma
forma como a visão tem a sua base no olho.
Conforme os momentos mentais surgem e o contato com eles é
estabelecido, passamos a acreditar naquilo que estamos pensando e até
mesmo possuindo aquilo: É meu. Devido a isso, temos muito interesse nos
nossos pensamentos e desejamos cuidar bem deles. É ponto
pacífico que as pessoas cuidam melhor das suas coisas do que das coisas
dos outros e assim, seguimos os nossos momentos mentais e acreditamos
em todos eles. E no entanto, eles nunca trazem felicidade. O que eles
trazem é esperança, preocupação e dúvida. Algumas
vezes eles proporcionam divertimento e em outras depressão. Quando
surgem as dúvidas e estas são levadas adiante, isto é, são acolhidas,
elas podem conduzir- nos até o ponto em que não restará nenhuma prática
espiritual que seja. No entanto, a única forma
de provar que a vida espiritual traz realização é através da prática. A
prova do pudim consiste em comê-lo. Ninguém poderá provar por nós;
desejar que outrem prove de modo que apenas tenhamos que agarrar aquilo e
nos alimentarmos é uma abordagem equivocada.
A satisfação que estamos buscando não é o que podemos conseguir para
rechear esta mente e corpo. O buraco é demasiado grande para ser
preenchido. O único modo de encontrar satisfação é abandonar as
expectativas e desejos em relação a tudo aquilo que ocorre
na mente, sem deixar escapar nada. Então não restará nada para ser
preenchido. O mal entendido, que constantemente se repete, é esta típica
atitude de: Quero que me
dêem. Quero que me dêem
conhecimento, compreensão, amor bondade, consideração. Quero que me
deem o despertar espiritual. Não há nada que possa ser dado para
ninguém, exceto instruções e métodos. É necessário
que cada um faça a sua tarefa diária de prática, para que essa tarefa
resulte em purificação. A ausência de satisfação não pode ser remediada
com o desejo de receber algo novo. Não temos sequer uma
idéia clara de onde isso deve vir. Talvez do
Budha, ou do Dhamma, ou podemos
querer que venha do nosso mestre. Quiçá, talvez gostaríamos de obtê-lo
da nossa meditação, ou de um livro. A resposta não está em obter algo
que esteja fora de nós mesmos, mas sim em descartarmo-nos
de tudo. Do que precisamos nos livrar primeiro? De preferência das
convulsões da mente que constantemente nos contam estórias fantásticas e
inacreditáveis. No entanto, quando as ouvimos, nós mesmos acreditamos
nelas. Uma forma de encará-las e descrer delas
é escrevê-las. Elas parecerão absurdas quando estiverem escritas no
papel. A mente sempre pode imaginar novas estórias, não há um fim nisso.
A renúncia é a chave. Abandonar, soltar-se de tudo. Renunciar também
significa entregarmo-nos àquele conhecimento subjacente,
subconsciente, de que o jeito mundano não funciona, de que há um outro
jeito. Não podemos tentar permanecer no mundo e agregar algo à nossa
vida, mas, ao invés disso, deveríamos desistir completamente das nossas
ambições. Permanecer como somos e adicionar
algo mais a isso, como é possível que isso funcione? Se alguém possui
uma máquina que não funciona direito e apenas agrega uma peça a mais,
não fará com que ela funcione. É necessário recondicionar a máquina
toda. Isso significa aceitar o nosso entendimento
subjacente de que a forma tradicional de pensar não é útil.
Dukkha existe sempre, repetidamente. Nunca para,
não é mesmo? Algumas vezes pensamos: Deve ser devido a uma certa pessoa,
ou talvez seja por causa do tempo. Então o tempo muda ou aquela pessoa
se vai, mas Dukkha continua
presente. Então não era aquilo e precisamos tentar encontrar outra
coisa. Ao invés disso, precisamos nos tornar flexíveis e moldáveis e
estar presentes com aquilo que realmente está surgindo sem todas as
convulsões, conglomerações, proliferações da mente.
Aquilo que surge pode ser puro ou impuro e precisamos saber como lidar
com cada um. Uma vez que comecemos a explicar e racionalizar, todo o
processo novamente deixa de funcionar. Não precisamos pensar que devemos
acrescentar algo para sermos perfeitos. Tudo
deve ser descartado, tudo que é identificável, então nos tornaremos uma
pessoa perfeita. A renúncia está em nos soltarmos da conceituação, do
material mental que reivindica ser a pessoa que sabe. Quem conhece essa
pessoa que sabe? São só
idéias volteando, surgindo e desaparecendo. A
renúncia não é uma manifestação externa, esta é apenas o seu resultado.
A causa é interior, que é o que precisamos praticar. Se pensarmos num
convento de monjas como o lugar para meditar,
nos daremos conta de que a meditação não ocorre sem renúncia.
www.http://nossacasa.net/shunya/. Abraço. Davi.
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