Texto do filósofo e espiritualista indiano Jiddu Krishnamurti
(1895-1986). Conhece-te a ti mesmo. O mensageiro da estrela. Penso que não
existe tema mais interessante ou mais prometedor, ou de forma alguma mais
excitante, do que o estudo de nós mesmos. Aos 15 ou 16 anos, estamos submersos
em nós mesmos. Não há nada que nos interesse tanto. Depois apaixonamo-nos por
alguém; mas ainda assim estamos extasiados com nós próprios. Há, descobrimos,
muito mais inteligência no estudo de nós mesmos, e muito pouco pensamento
dedicado aos outros. E de bom grado damos a uma quiromante 15 rúpias, moeda
hindu, para ela nos contar tudo sobre nós. E sentimo-nos bastante confortáveis
com o pensamento de que iremos ser grandes um dia, sem, aparentemente, ter que
lutar por essa grandeza. Existe apenas um tema que nos atrai e esse somos nós
mesmos. Discutimo-nos, e de uma forma não comprovativa consideramos como nos
comportar, de que modo desenvolvermo-nos, e por aí em diante. Parece-me que se
pensarmos inteiramente deste ponto de vista, deste ponto que unicamente nos
interessa a nós, não entenderemos porque é que existimos, ou porque qualquer
coisa neste mundo, de todo, existe. Claro que é verdade que primeiro temos de
nos compreender a nós mesmos antes de querer descobrir seja o que for sobre a
vida em geral. Filosofia, religião e outros temas não possuem real valor, real
controlo sobre um indivíduo, ou apenas têm uma pequena influência, quando
somente apontam como podemos escapar a certas coisas, como evitar o mal, e por
ai fora. Mas aqueles de nós que são membros da Star, ou pertencem a tais
organizações, deverão ter a ideia de um plano definido que está a
desenvolver-se. Estamos em posição de examinar as coisas que nos são mais
valiosas – coisas que produzem em nós o desejo de evoluir. Em todos nós existe
o desejo de descobrir por nós mesmos até onde podemos compreender quem somos e
o que nos afeta. A pessoa comum está de longe mais interessada nela mesma do
que em qualquer outra. Luxúria, conforto, felicidade, tudo tem que apoiar os
seus fins. Quando tudo foi feito para a satisfazer então somente pensa nos
outros. Quando eu tiver comido e dormido o suficiente, voltar-me-ei para pensar
nos outros. Esta é a visão comum. Se tiveste amor em abundância, ou felicidade,
és levado a pensar no outro. Mas para alcançar essa felicidade, devemos
descobrir até onde nos encaixamos num plano definido. Devemos estar cientes de
que há um plano em que cada um de nós tem um papel a representar, e devemos
possuir a determinação na qual agiremos, com a qual deveremos criar o ambiente
no qual caberemos, ou não; e se estivermos dispostos a procurar com a atitude
correta deveremos ser capazes de descobrir até onde nos encaixaremos nesse
plano. Para mim, posso imaginar que os deuses eleitos disseram que Krishna
deverá encaixar-se num certo plano estabelecido, e que o quer que seja que ele
faça, não terá valor, e enquanto encaixar nesse plano, Krishna crescerá e será
feliz. Eu estava interessado e observava-me a mim mesmo, e podia ver de ano
para ano uma mudança definida, uma orientação definida, uma transformação
definida e podia ver qual era o meu definido papel. E assim cada um de nós
deverá descobrir que caminho percorrer e qual a especialidade a ter. Acontece
frequentemente que a maioria de nós está disposta a subir até ao altar e verter
a nossa devoção. A devoção existe, em diversos graus, na maioria de nós, mas
não pode nem deve satisfazer-nos. Se eu fosse ter com a Dr.ª Anne Besant
(1847-1933) e lhe dissesse: Estou disposto a servi-la em qualquer das minhas
capacidades. Estou disposto a sacrificar tudo e o meu único desejo é trabalhar
para obter conforto, independência, e por aí fora, ela diria, Oh, muito bem;
que capacidades trazes contigo. De que modo queres prestar serviço ao Mestre? A
devoção deve ter um escape na atividade física; e desta forma se tivermos de
determinar qual o papel que cada um de nós tem de representar, antes de nos
oferecermos, devemos descobrir quais as capacidades que temos. Quando para um
Teósofo ou um membro da Star ou qualquer outro, o chamamento aparece como
sacrifica tudo e vem ao Mestre, não é suficiente pedir ao Mestre que aceite
somente a nossa devoção; devemos dar-lhe qualquer coisa que lhe permita
guiar-nos. Por outras palavras, devemos trazer perante o Mestre certas capacidades
e não aparecer apenas de mãos vazias. Se eu puder chegar junto do Mestre e
dizer “Eu posso fazer isto ou aquilo, eu posso escrever ou pintar ou compor
música ou representar, Ele dirá: Muito bem, esse é o teu caminho. Vai e
procura, descobre quais são os teus talentos, e logo que os encontres, saberás
como sofrer e servir. Pois existem muito poucos que realmente conseguem dizer,
Eu posso fazer isto; ao longo desta linha reside o meu sacrifício ao serviço do
Mestre. Consideramos que nos sacrificámos quando terminamos sem algo do qual
podemos facilmente abrir mão. Se eu tivesse imaginado algo em particular que o
Mestre quisesse realizado, eu tratá-lo-ia de outro modo. E se eu precisasse de
riquezas, tê-las-ia acumulado, não para mim, mas para o Mestre, e ao
acumula-las, saberia que tinha que me sacrificar, e tinha que suportar enormes
sofrimentos e mal-entendidos. Mas é a atitude que conta. Estamos com medo de
que as nossas capacidades não nos guiem pelo caminho que nos foi preparado.
Assim temos que descobrir antes de servir realmente, de que maneira cada um de
nós pode servi-lo, de que modo podemos oferecer o nosso sacrifício, e ao
descobrir qual o nosso caminho deveremos descobrir a qual tipo pertencemos, se
ao tipo que vai para o mundo e se desenvolve no mundo, por assim dizer, ou é
deixado numa estufa e evolui, como uma planta, igualmente cheio de força. Há
pessoas que trabalham no mundo por vários anos, que trabalham e fazem de tudo
sem descobrir qual o propósito da vida. Descobrem o seu propósito por acaso,
mas acumularam tanto do que o mundo tem para dar que ao entrarem em contato com
as realidades espirituais abrem mão de tudo o que adquiriram, enquanto aqueles
que cresceram numa estufa separados do mundo alcançam o objetivo por outro
caminho. Portanto tal não tem importância desde que tenhamos aprendido o que
ambas as guerras de identidade podem oferecer, e não até então estarão aptos a
servir o mundo. Imaginem apenas uma pessoa que é criada, diga-se, num templo
onde é reprimida, onde desenvolve complexos. Assim que essa pessoa sai lá para
fora para o mundo, tem a melhor das diversões; e é o mesmo com a pessoa que
trabalha cá fora no mundo. Não podemos evoluir ao longo de uma linha definida.
Devemos evoluir em todas as direções e até lá não ajudamos e só atrapalharemos.
Tal como eu conheço o meu próprio caminho, também cada um de nós deverá
descobrir o seu caminho e até essa descoberta ser feita não devemos estar
prontos ou aptos para servir o Mestre. Aqueles de nós que têm imaginação, que
em certo grau têm a capacidade de tomar uma visão impessoal da vida, podem
descobrir isto. Mas a maioria de nós não têm o desejo de servir, nem o desejo
de alcançar o seu caminho ou objetivo. O nosso problema é que tal como no mundo
exterior, temos os nossos direitos adquiridos. E desde que exista o elemento de
egoísmo, não descobriremos o caminho. Cada um de nós quer que o Mestre desça
até si; mas o que não aprendemos foi que, mesmo como imaginamos, se Ele
descesse das nuvens, seríamos incapazes de O servir, porque não nos equipámos
para Lhe prestar serviço. Devemos descobrir de que maneira podemos servir, e
isso implica a completa violação de nós mesmos, das nossas relações, etc. Não é
que não tenhamos o desejo, nem a nostalgia que as grandes pessoas têm; mas em
nós não é constante. Não existe aquela pressão contínua que nos mantêm a andar,
a andar, a andar. Significa verdadeiro sacrifício, significa subjugar-nos em
tudo e não deixar o ego, a personalidade, o eu ficar-se por cima. Então
deixaremos de distorcer as coisas para que se encaixem nos nossos preconceitos,
mas a compreenderemos de um modo total; por outras palavras, tornam-se
realmente simples. Devemos ter a coragem e determinação para desistir; e quando
subimos e atingimos uma certa distância, descobrimos o quanto de tolos somos ao
lutar pelo que é tão trivial, tão simples. Existem tantos temas com os quais
lutamos de uma forma tão complicada; mas se nós apenas nos deixássemos expandir
um pouco, todos estes temas se tornavam simples, todas as complicações desapareceriam.
Mas requer que nos observemos constantemente, que estejamos atentos para ver se
estamos a fazer a coisa certa ou a coisa errada. Cada um de nós sabe destas
coisas de fio a pavio, e mesmo assim se o Mestre chegasse e perguntasse o que
cada um de nós soube fazer, de que modo agimos na sua ausência, de que modo
cumprimos o nosso papel, quais seriam as nossas respostas? É surpreendente como
não conseguimos mudar, como devíamos, tal e qual uma flor. A nossa crença
embora forte, não é a crença de um homem que age com uma determinação fixa.
Essas são, no entanto, as pessoas que o Mestre quer ao Seu serviço, e não
somente aquelas que são apenas devotas, sem que essa devoção as conduza à
ação. Se nós conseguirmos pôr de lado a nossa própria evolução, e trabalhar e
esquecermo-nos de nós mesmos no trabalho, então seremos verdadeiramente servis
e aproximar-nos-emos do Mestre. Pode ser que eu seja jovem, que eu não tenha
sofrido como os mais velhos já sofreram, mas se o sofrimento pode desalentar o
entusiasmo então mais vale não tê-lo. Mas o que foi que nos ensinou o
sofrimento? Como disse no início, não existe nada tão absorvente como o estudo
de nós mesmos. Esse é o único assunto sobre o qual vale a pena pensar; porque
significa mudança. Não existe ninguém para forçar os mais velhos, e portanto
ficam cristalizados. O que interessa é descobrir o que podemos fazer e até onde
nos podemos sacrificar; quanta é a nossa força e quais as nossas capacidades.
Quando vemos pessoas numa atitude de reverência, penso frequentemente no que
terão feito por via do sacrifício. Nos anos que estão para vir, ou temos que
nos adaptar rapidamente à corrente em mudança, ou sair completamente dela.
Quando definitivamente agarrarmos um vislumbre do Plano, por mais passageiro
que seja, e sabendo que devemos continuar, simplesmente continuaremos, porque é
muito mais divertido do que somente marcar o tempo. O que interessa é termos de
fazer qualquer coisa para mudar. A velhice não significa que não podemos mudar.
Por outro lado, é mais fácil para os mais velhos, porque eles já tiveram a
experiência, e o sofrimento; no entanto continuam do mesmo velho modo de
perpétua negligência. Se querem ganhar dinheiro, vão e ganhem milhões, e
deem-nos ao Mestre, e podem fazê-lo se tiverem a atitude correta. E é o mesmo
com tudo o resto que queiram fazer, escrever á maquina, estenografar ou
qualquer outra coisa que desejem que seja o vosso serviço para o Mestre. A
atitude é o que conta e quando chegarem lá todo o resto se seguirá. http://www.jiddu-krishnamurti.net.
Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário