terça-feira, 29 de abril de 2014

Fernão Capelo Gaivota.

Minha reflexão sobre o Filme Fernão Capelo Gaivota tem um caráter pessoal. Escrevo mais com o coração que com a razão. Isso talvez prejudique a crítica. Marcou-me muito o enredo e o cenário exuberante da natureza. Um filme que por sua beleza plástica e artística congela-se em nossa memória. O cinema pra mim é deslumbrante. O tenho como uma sessão de análise. Ajo como um paciente e a projeção é meu (analista) terapeuta. A magia do cinema é encantadora, proporcionando uma viajem para dentro do inconsciente e saindo pela imaginação das fantasias e sonhos do consciente adormecido. O início da projeção proporciona um estranhamento. Muita música e imagem, pouca fala, e uma extraordinária natureza enchem nossos olhos e sentimentos duma profunda paz e alegria indescritível. O mar com seus mistérios e lembranças perpassa todo o enredo. "Ele" com sua imensidão, representa nosso desejo por conhecer o ignorado e a busca por encontrar a nós mesmos. As rochas e penhascos simbolizam as dificuldades que teremos, ao escolhermos um caminho que torna-nos "individuais" num processo de transformação. Inferindo percebemos na projeção a colonização pela consciência coletiva. Uma uniformização por regras e preconceitos fechados. As milhares de gaivotas vivendo em colonia se submetiam sem questionamento a um comando (conselho de anciãos) único e supremo. Nenhuma decisão ou escolha poderia ser feita sem a permissão destes legisladores. Fernão queria superar seus limites ao voar, mas um "decreto" impedia as gaivotas de fazê-lo e, caso alguma ousasse infringir a lei seria expulsa do bando. Fernão contrariando as expectativas, criou coragem e escolhendo correr o risco alçou voo nunca realizado pelos de sua espécie. Enfrentando perigos superou seus próprios limites. Foi recompensado com a descoberta de um mundo novo, acessível à conquista de todos. Por seu atrevimento e desobediência aos preceitos vigentes. Um tribunal (de anciãos) foi destacado para investigar e dar parecer sobre o caso. O veredito concluiu que por atravessar fronteiras proibidas, ofendendo a cultura tradicional vigente e por procurar "subverter" alguns do bando, Fernão deveria ser expulso daquela comunidade e impedido de ter contato com qualquer um de seus antigos párias. Esses foram os motivos pelos quais Fernão começou seu percurso para encontrar sua própria identidade. A princípio uma solidão toma conta dele. Como precisamos da "solidão" em momentos de desencontros. Neste âmbito podemos pensar por nós mesmos e construir a nossa história com o "outro". As várias viagens que Fernão fez por terras longínquas são cenários que enchem de comoção os olhos e o coração. Andando no deserto ele percebe seu rasto marcado na areia. Sente a beleza pela surpresa dessa descoberta. Seu espanto e admiração na região fria mostra como demoramos por assimilar condicionamentos que não estamos acostumados a vivenciar. Fora da cobertura cultural, passamos por um processo de difícil transição, adaptando-nos a nova realidade que se apresenta. Quando saímos de estruturas rígidas (dogmáticas e extremistas) temos a sensação de estarmos sozinhos. Com o tempo reconhecemos que a experiência exibe o contrário. Outros passaram a mesma situação encontrando convivências em ajuntamentos de mútuos relacionamentos. Fernão passou por um processo de aprendizado nas várias circunstâncias que enfrentou. Tinha um forte desejo, contar as boas novas para seus amigos do antigo bando. Há um fascinante mundo lá fora para ser explorado por nossa percepção, imaginação e vontade. Em suas investigações pessoais "ele" encontra um pequeno grupo de gaivotas despegadas de sistemas inflexíveis e severos. Tem com esse novo bando relacionamento de convivência. Não mais uma estrutura exclusivista e estreitante, fechada em suas crendices e estereótipos. Neste recente ambiente Fernão percebe que sua voz é acolhida e respeitada. Valorizar a vida (fraternidade universal) e a existência (convivências humanas) são agora seus princípios norteadores. Sua amizade com uma gaivota fêmea pode ter-lhe trazido recordações de sua velha cultura, onde os machos tinham preeminência e superioridade (voz ativa) nos encontros normais e nos conselhos. A fêmea tinha apenas (atividades primárias e subalternas) a função de procriação. Suas opiniões (fêmea) eram castradas e veladas pela austeridade do dogmatismo do antigo grupo. A cena de Fernão colidindo no penhasco e salvando o filhote de gaivota mostra sua maturidade existencial. Não tem uma vontade massificada. Agora um "indivíduo" apenas é alvo de sua compaixão. Quase morre neste incidente, mas recupera-se ao entrar em contato com o "outro". A liberdade faz sentido quando assumimos um (fraternidade e irmandade) compromisso com o "outro". Um isolamento nos despersonifica como indivíduos e não existimos como construção histórica. O "outro" é o caminho que mantem a vida em equilíbrio. Fernão ao retornar a sua antiga comunidade, tentou a seu modo convencer seus companheiros com argumentos lógicos, mas não teve sucesso. A cena daquele filhote de gaivota revirando o lixo a procura de alimento impressiona. Este filhote com uma das asas quebradas ainda encenava alçar voo. Precisamos no "cotidiano" discernir o lixo do alimento nutritivo. Parece fácil, mas pondere e veja que não é tão simples. A comida (física ou espiritual) saudável é crucial e determina nossa saúde ou doença. Se temos um anelo, uma aspiração na alma e uma disposição pra realizar um sonho, acredite você tem condições de "voar" acima das nuvens. No final Fernão aprendeu que o amor é a única instância que abre o dialogo, e tem condições de vincular os iguais e aproximar os desiguais. Não mais uma colonização dominadora, mas uma diversidade de tons, imagens, sons, acordes e harmonias. Como a natureza em sua multiplicidade e pluralidade. Fraternal abraço. Davi.

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