sexta-feira, 30 de março de 2018

A MORTE DA MINHA MÃE E O AMULETO MÍSTICO.


Livro Autobiografia de um Iogue – Paramanhasa Yogananda. Capítulo 2. A MORTE DE MINHA MÃE E O AMULETO MÍSTICO. O MAIOR DESEJO DE MINHA MÃE era ver casado meu irmão mais velho. Ah, quando eu contemplar a face da esposa de Ananta, terei encontrado o céu nesta Terra! Frequentemente ouvi mamãe expressar com essas palavras o seu arraigado sentimento hindu pela continuidade da família. Eu tinha onze anos quando se realizaram os esponsais de Ananta. Mamãe estava em Calcutá, supervisionando alegremente os preparativos para o casamento. Papai e eu ficamos sozinhos em nossa casa em Bareilly, ao norte da Índia, para onde ele tinha sido transferido após dois anos em Lahore. Anteriormente eu havia presenciado o esplendor dos ritos nupciais de minhas duas irmãs mais velhas, Roma e Uma. Para Ananta, entretanto, como primogênito, os preparativos eram realmente meticulosos. Mamãe, em Calcutá, recepcionava numerosos parentes que chegavam diariamente de regiões distantes. Alojava-os confortavelmente em uma casa ampla, recém-adquirida, situada em Amherst Street, 50. Tudo estava pronto: as iguarias do banquete, o trono vistoso no qual meu irmão seria carregado até a casa da noiva. As fileiras de luzes coloridas, os gigantescos elefantes e camelos feitos de papelão, as orquestras indiana, inglesa e escocesa. Os artistas encarregados de alegrar a festa, os sacerdotes celebrantes dos antigos ritos. Papai e eu, com espírito festivo, planejávamos nos reunir à família em tempo oportuno para a cerimônia. Entretanto pouco antes do grande dia, tive uma visão de mau presságio. Foi em Bareilly, à meia-noite: eu dormia ao lado de meu pai no terraço de nosso bangalô, quando fui acordado pelo tremular peculiar do mosquiteiro sobre a cama. As finas cortinas abriram-se e vi a amada figura de minha mãe. Acorde seu pai! Sua voz era apenas um sussurro. Tomem o primeiro trem, o das quatro da madrugada. Corram a Calcutá se quiserem me ver! A aparição desvaneceu-se. Pai, papai! Mamãe está morrendo! O terror em minha voz despertou-o instantaneamente. Em soluços comuniquei-lhe a notícia fatídica. Esqueça esta alucinação sua. Meu pai, como de costume, deu sua negativa a uma situação nova. Sua mãe está em perfeita saúde. Se recebermos notícias ruins, partiremos amanhã. O senhor nunca se perdoará por não ir agora! E a angústia me fez acrescentar amargamente: Eu também jamais o perdoarei! A manhã seguinte despontou melancolicamente com as explícitas palavras: Mamãe gravemente enferma, casamento adiado, venham imediatamente. Papai e eu saímos transtornados. Um de meus tios veio ao nosso encontro numa estação onde tínhamos de baldear. Estrondoso trem vinha em nossa direção, aumentando seu tamanho telescopicamente. De meu tumulto interior brotou a determinação repentina de me atirar aos trilhos do trem. Já me sentindo destituído de minha mãe, eu não podia suportar um mundo que de repente perdera todo o sentido. Eu amava minha mãe como a amiga mais querida sobre a Terra. Seus confortadores olhos negros tinham sido meu refúgio nas insignificantes tragédias de minha infância. Ela ainda está viva? Detive-me para fazer esta última pergunta a meu tio. Ele interpretou com rapidez o desespero em minha face. Claro que sim! Mas eu não consegui acreditar. Quando chegamos à nossa casa em Calcutá, foi só para nos defrontarmos com o chocante mistério da morte. Entrei em colapso, mergulhando em estado de quase torpor. Muitos anos decorreram antes que meu coração se conformasse. Atacando os próprios portões do céu, minhas súplicas afinal impeliram a Mãe Divina a se apresentar. Suas palavras trouxeram cura definitiva às feridas ainda abertas. Sou eu que tenho velado por ti, vida após vida, na ternura de muitas mães! Vê em meu olhar os dois olhos negros, os belos olhos perdidos que andas buscando! Papai e eu regressamos, a Bareilly logo após os ritos crematórios da bem-amada. Todas as madrugadas, bem cedo, eu fazia uma patética peregrinação em sua memória à frondosa árvore sheoli, que sombreava o prado auriverde em frente ao nosso bangalô. Em momentos poéticos, imaginava que as flores brancas de sheoli se derramavam com espontânea devoção sobre o altar do prado. Misturando minhas lágrimas ao orvalho, frequentemente observei uma estranha luz sobrenatural emergindo da aurora. Dores me assaltavam, intensas, de saudades de Deus. Sentia-me fortemente atraído para o Himalaia. Um de meus primos, recentemente chegado de uma viagem às montanhas sagradas, visitou-nos em Bareilly. Escutei ansiosamente suas histórias sobre a alta cordilheira, morada de iogues e swamis (1). Vamos fugir para o Himalaia! Minha sugestão, feita um dia a Dwarka Prasad, jovem filho de nosso caseiro em Bareilly, foi mal recebida. Ele revelou o plano a meu irmão mais velho, recém-chegado para visitar papai. Em vez de sorrir com tolerância do projeto impraticável de um menino. Ananta aproveitou o fato para me ridicularizar. Onde está sua túnica alaranjada? Você não pode ser um swami sem ela. Suas palavras, porém, provocaram em mim inexplicável comoção. Fizeram com que visse uma nítida imagem: de mim mesmo como monge, percorrendo a Índia. Talvez as palavras de Ananta despertassem lembranças de uma vida anterior, em todo caso, percebi com que naturalidade eu usaria a túnica daquela ordem monástica, de fundação antiquíssima. Conversando certa manhã com Dwarka, senti que o amor por Deus descia sobre mim com a força de uma avalanche. Meu companheiro mal prestou atenção à eloquência que se seguiu, mas eu me ouvia atentamente. Fugi naquela tarde para Naini. Tal, no sopé do Himalaia. Ananta perseguiu-me com determinação; fui forçado a regressar tristemente a Bareilly. A única peregrinação permitida era o passeio habitual à arvore sheoli todas as madrugadas. Meu coração chorava pelas duas mães perdidas, a humana e a Divina. A morte de mamãe deixou no tecido da família um rasgão irreparável. Papai nunca voltou a se casar nos quase quarenta anos que ainda viveu. Assumindo o difícil papel de pai e mãe de seu pequeno rebanho, ele se tornou perceptivelmente mais terno, mais acessível. Com serenidade e discernimento, resolvia os vários problemas da família. Após as horas de trabalho no escritório, retirava-se como um eremita à cela de seu quarto, praticando KRYA YOGA em doce tranquilidade. Muito depois da morte de mamãe, tentei contratar uma enfermeira inglesa para cuidar dos detalhes que tornariam mais confortável a vida de meu pai. Mas ele abanou a cabeça negativamente. Os cuidados para comigo terminaram quando sua mãe se foi. Seus olhos estava distantes, cheios de devoção perpétua. Não aceitarei os serviços de nenhuma  outra mulher. Catorze meses depois da partida de minha mãe, eu soube que ela havia me deixado uma importante mensagem. Ananta estivera presente no seu leito de morte e registrara suas palavras. Embora ela tivesse recomendado que a revelação me fosse feita um anos após sua morte, meu irmão a retardou. Em breve ele partiria de Bareilly para Calcutá, para casar-se com a jovem escolhida por mamãe (2). Uma noite, chamou-me para junto dele. Mukunda, tenho relutado em dar-lhe uma estranha mensagem. Sua voz tinha um tom de resignação. Temi avivar seu desejo de abandonar a casa. Mas, de qualquer jeito, você está revestido de fervor divino. Quando o capturei recentemente a caminho do Himalaia, tomei uma resolução definitiva: não adiarei por mais tempo o cumprimento de uma promessa solene. Entregando-me uma caixinha, meu irmão transmitiu a mensagem de mamãe. Deixe que estas palavras sejam minha benção final, meu amado filho Mukunda! Dissera minha mãe. Chegou a hora em que devo relatar alguns fenômenos extraordinários acontecidos após o seu nascimento. Conheci a Senda reservada a você quando ainda era um bebê em meus braços. Naquela época, levei-o no colo à casa de meu guru em Benares. Eu mal podia ver Lahiri Mahasaya, sentado em meditação profunda, quase escondido atrás de uma multidão de discípulos. Enquanto o acalentava, eu orava para que o grande guru nos percebesse e abençoasse. À medida que meu silencioso pedido devocional crescia em intensidade, ele entreabriu os olhos e fez sinal para que me aproximasse. Os outros abriram caminho; curvei-me diante dos pés sagrados. Lahirir Mahasaya colocou você no colo dele, pousando a mão em sua fronte, à guisa de batismo espiritual. Mãezinha, teu filho será um iogue. Como uma locomotiva espiritual, levará muitas almas ao reino de Deus. Meu coração saltou de alegria ao perceber que minha súplica secreta tinha sido atendida pelo guru onisciente. Pouco antes de seu nascimento, Mukunda, Lahiri Mahasaya me disse que você seguiria o caminho dele. Mais tarde, meu filho, sua visão da Grande Luz foi testemunhada por mim e por sua irmã Roma; de um quarto próximo, nós observávamos você imóvel na cama. Seu rostinho iluminou-se; sua voz soou com determinação férrea quando falou em ir para o Himalaia em busca do Divino. Por esses meios, filho querido, eu soube que seu caminho está muito além das ambições mundanas. O mais singular evento de minha vida trouxe-me confirmação posterior – um evento que agora me impele a dar-lhe esta mensagem em meu leito de morte. Foi uma entrevista com um sábio, no Punjab. Quando nossa família, vivia em Lahore, a criada entrou certa manhã em meu quarto. Senhora, um estranho sadhu (3) está aqui. Ele insiste em ver a mãe de Mukunda. Estas singelas palavras tocaram uma corda profunda dentro de mim. Fui imediatamente cumprimentar o visitante. Curvando-me a seus pés, senti que estava na presença de um verdadeiro homem de Deus. Mãe – disse ele – os grandes mestres desejam que saiba que sua permanência na Terra não será longa. Sua próxima doença será a última (4). Houve um silêncio durante o qual não me senti alarmada, apenas senti uma vibração de grande paz. Finalmente ele voltou a falar. A senhora deve ser a guardiã de certo amuleto de prata. Não lhe darei o talismã hoje; para demonstrar a veracidade de minhas palavras, ele vai se materializar em suas mãos, amanhã, quando estiver meditando. De seu leito de morte, deverá instruir seu filho mais velho, Ananta, para que guarde o amuleto durante um ano e então o entregue a seu segundo filho. Mukunda entenderá o significado do talismã, proveniente de grandes seres. Ele deve recebe-lo na época em que estiver pronto para renunciar a todas as esperanças mundanas e começar a sua busca vital de Deus. Depois de haver conservado o amuleto por vários anos e quando ele tiver servido a seu propósito, desaparecerá. Mesmo que esteja guardado no esconderijo mais secreto, voltará ao lugar de onde veio. Ofereci esmolas (5) ao santo e me inclinei diante dele com grande reverência. Sem aceitar minha oferenda, abençoou-me e partiu. Na noite seguinte, quando eu estava sentada em meditação, um amuleto materializou-se entre as palmas de minhas mãos entrelaçadas, tal como o sadhu prometera. Fez-se notar por seu contato liso e frio. Guardei-o zelosamente durante mais de dois anos, e agora o deixo sob a custódia de Ananta. Não lamente minha partida, pois serei introduzida por meu grande guru nos braços do Infinito. Adeus, meu filho: a Mãe Cósmica o protegerá. Um raio de iluminação desceu sobre mim quando peguei o amuleto, muitas recordações adormecidas despertaram. O talismã, redondo e autenticamente antigo, estava coberto de caracteres sânscritos. Compreendi que procedia de mestres de vidas anteriores, que invisivelmente guiavam meus passos. Havia outro significado ainda, mas não se pode revelar completamente a essência de um amuleto (6). Como o talismã afinal desapareceu em meio a circunstâncias profundamente infelizes de minha vida, e como a sua perda foi o arauto da chegada de um guru, não será contado neste capítulo. O menininho, frustrado em suas tentativas de chegar ao Himalaia, apesar disso viajava para longe, todos os dias, nas asas de seu amuleto. REFERÊNCIAS: 1. Swa, a raiz sânscrita de Swami, significa – aquele que se uniu ao seu Eu. 2. O costume indiano segundo o qual os pais escolhem o cônjuge de seus filhos  tem resistido às rudes investidas do tempo. Elevada é a percentagem de casamentos indianos felizes. 3. Anacoreta – pessoa dedicada ao ascetismo e à disciplina espiritual. 4. Quando descobri, por essas palavras, que mamãe tinha conhecimento secreto da breve duração de sua vida, compreendi pela primeira vez por que ela insistira tanto em apressar os planos para o casamento de Ananta. Embora ela tivesse morrido antes do casamento, seu desejo materno natural fora o de assistir aos ritos. 5. Um gesto habitual de respeito para com os sadhus. 6. O amuleto era um objeto produzido astralmente. De estrutura evanescente, tais objetos precisam um dia desaparecer do nosso mundo físico. Inscrito no talismã havia um mantra ou letra de um cântico sagrado. Em nenhuma outra parte os poderes do som e de yach, a voz humana, foram tão profundamente pesquisados quanto na Índia. A vibração de OM que reverbera em todo o Universo – o Verbo ou Voz de muitas águas – da Bíblia, tem três manifestações ou gunas: criação, preservação e destruição: Taittirya Upanishad 1,8. Sempre que o homem pronuncia uma palavra, aciona uma das três qualidades de OM. Esta lei está por trás do mandamento que, em todas as Escrituras, diz que o home deve falar a verdade. O mantra sânscrito inscrito no amuleto, quando pronunciado de modo correto, possuía uma potência vibratória espiritualmente benéfica. O alfabeto sânscrito, de construção ideal, compreende 50 letras, tendo cada qual uma pronúncia determinada, fixa. George Bernard Shaw (1856-1950) escreveu um ensaio sagaz e, logicamente, satírico sobre a inadequação fonética do alfabeto Inglês de base latina. No qual 26 letras se esforçam para carregar, sem êxito, o pesado fardo do som. Com sua habitual impiedade – “se a apresentação de um alfabeto inglês, para o idioma inglês, custar uma guerra civil – não o lamentarei. O senhor Shaw insistia na adoção de um novo alfabeto de 42 letras – ver seu prefácio no livro The Miraculous Birth of Language. Semelhante alfabeto se aproximaria da perfeição fonética do sânscrito, cujo emprego de 50 letras evita erros de pronúncia. Livro Autobiografia de um Iogue – Paramahansa Yogananda. Abraço. Davi

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