terça-feira, 13 de março de 2018

III. REENCARNAÇÃO SEGUNDO ORÍGENES DE ALEXANDRIA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO.


Cristianismo Primitivo. www.ricardo lindemann@uol.com.br. Texto de Ricardo Lindemann. Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília (UNB) Brasil, aluno cursando o Doutorado em Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Engenheiro Civil (UFRGS). Atua em Projetos de Pesquisa de História da Filosofia da Religião no Grupo de Filosofia da Religião da UnB, e de As Tradições Soteriológicas dos Upanishads do Núcleo de Estudos em Religiões e Filosofias da Índia da UFJF.  III A REENCARNAÇÃO SEGUNDO ORÍGENES DE ALEXANDRIA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO. A QUEDA DAS ALMAS. ORÍGENES SUSTENTAVA NO Peri Archon ou De Principiis, ainda segundo Reale e Antiseri, que as ALMAS PREEXISTIAM aos SEUS CORPOS, e assim foram criadas por Deus como seres racionais, livres e iguais entre si. Mas pelo exercício do seu livre-arbítrio algumas pecaram, e se afastaram de Deus, por um resfriamento de seu amor a Deus. Assim, caíram de seu estado espiritual num processo de descenso que, no caso do mérito de um afastamento menor gerava os anjos (76), e maior gerava os demônios. O estágio de afastamento intermediário gerava as almas dos homens: “Deus revestiu de CORPOS AS ALMAS que se afastaram parcialmente dele. Mas o corpo não é algo negativo (...): ele é o instrumento e o meio de expiação e purificação. A doutrina da queda de algumas ALMAS que pecaram, segundo Orígenes, a partir do mau uso do seu livre-arbítrio, que obviamente depende de sua PREEXISTENCIA AO CORPO, altera profundamente a interpretação de um pecado original herdado coletivamente pela condição humana a partir de Adão. Para Orígenes a questão do pecado não é hereditária, mas preserva a justiça divina ao se tornar individual, pois se a ALMA não pecar, não sofrerá a queda. Mas permanecerá no céu ou na condição de anjo, se tiver o mérito de ter pecado pouco, como foi visto acima, pois o corpo é necessário para a expiação dos pecados na medida em que existirem, pois Orígenes respeita profundamente o Princípio do Mérito pelas OBRAS, como comenta Butterworth: “O único motivo de Orígenes para atribuir a PREEXISTENCIA DAS ALMAS foi defender a justiça de Deus”. O raciocínio de Orígenes de que a queda proporciona um corpo que é instrumento para a expiação dos pecados dá um sentido à vida corpórea, pois caso a ascensão para a perfeição pudesse ser feita sem corpo em alguma condição escatológica post-mortem, então quanto antes se morresse melhor seria ou mais rapidamente se poderia alcançar o céu. A ideia de Orígenes de ver o corpo como instrumento de expiação e purificação é também coerente com sua visão da Bondade de Deus. Entretanto, o Padre Orígenes parece ser um dos poucos cristãos, na época do Cristianismo Primitivo, que se preocupava em formular a hipótese da PREEXISTÊNCIA DA ALMA para solucionar essas questões, que envolvem a justificação do problema do mal e do sofrimento humano em um Universo gerado por um Deus Bondoso, afirmando: Aqueles que sustentam que tudo neste mundo é governado pela providência de Deus, uma doutrina que é também parte de nossa fé, não podem dar outra resposta, segundo me parece, que provará ser a divina providência livre de toda suspeita de injustiça. Senão dizer que havia certas CAUSAS PREEXISTENTES que conduziram essas ALMAS, antes de terem nascido no corpo, a contrair algum grau de culpa em sua natureza sensitiva ou emocional, em consequência das quais a PROVIDÊNCIA DIVINA julgou-as merecedoras de suportar esses sofrimentos. Buttenworth, apoiado na magistral reconstituição de Koetschau, cita diversos autores e fontes como a Philocalia, baseada em obras de Basílio e Gregório Nanziano (329-390), a carta de Justiniano I ao Patriarca Menos de Constantinopla. Essa havia os quinze anátemas decretados contra Orígenes no Concílio Constantinopla II, e vários fragmentos de Antípatro de Bostra, Leôncio Bizantino, Teófilo de Alexandria, Epifânio, entre outros. A carta de São Jeronimo ao Imperador Eparchius Ávito (385-456), bem como Gregório de Nissa (335-394) comentando a questão da queda e ascensão segundo Orígenes: “Mas por certa inclinação em direção ao mal ESSAS ALMAS perdem as suas asas e vem para CORPOS, primeiramente de homens, então pela sua associação com as paixões irracionais (...) quando a faculdade da razão se extingue, ela vive a vida de um animal irracional; e finalmente mesmo o gracioso dom da sensação é retirado e ela torna para a vida insensível de uma planta. Dessa condição ela ascende novamente através dos mesmos estágios e é restabelecida ao seu lugar celestial. A mesma ideia expressa com outras palavras, constituindo assim poderosa evidência independente, foi afirmada por São Jeronimo em sua carta ao Imperador Eparchius Ávito. MEMÓRIA, REMINISCÊNCIA E PERFEIÇÃO FINAL: Uma relevante teoria de Orígenes sobre a MEMÓRIA, sempre muito importante para qualquer autor de alguma forma influenciado pela doutrina platônica da REMINISCÊNCIA, é plenamente coerente para justificar essa possível perda gradual da racionalidade e “sobreviver” sem ser censurada mesmo na tradução de Rufinus do livro I do De Principiis, como segue: “Para explicar essa degradação ou queda”, Orígenes utiliza-se de uma comparação. Ele supõe que alguém tivesse adquirido pouco a pouco certa competência ou habilidade em algum campo de conhecimento como geometria ou medicina até chegar a perfeição, conservando tais conhecimento enquanto os utiliza e exercita sua ciência. “Mas se não a exerce e se negligencia a prática, vai esquecendo e perdendo umas poucas coisas, e depois outras mais numerosas, e, desse modo, ao fim de muito tempo, tudo se vai no esquecimento e desaparece completamente da memória. Porém a conclusão do argumento que teria sido omitida por Rufinus foi reconstituída a por Koestschau a partir da carta de Jerônimo a Ávito, como segue: “É uma marca de extrema negligência e preguiça para qualquer ALMA descer e perder sua própria natureza tão completamente para ser vinculado, como consequência de seus vícios, ao corpo grosseiro de um dos animais irracionais (87). Além disso, São Jeronimo também comenta que “Orígenes usava a Escada de Jacó para ensinar que criaturas racionais desciam gradualmente para o degrau mais baixo, a saber, para a carne e o sangue”. Evidentemente, a mesma ideia da Escada de Jacó simboliza tanto o descenso quanto a ascensão, como foi visto anteriormente, e pode ser usada tanto para a QUEDA DAS ALMAS quanto a ascensão, como foi visto anteriormente, e pode ser usada tanto para a QUEDA DAS ALMAS, quanto para sua posterior ascensão ou restabelecimento ao seu lugar celestial primordial. Entretanto, foi justamente a falta de sentido evolutivo, conforme também destacam Reale e Antiseri, nesse mero retorno à condição primordial, indicando influencia estoica, que chegou a ser considerada como o ponto fraco do sistema de Orígenes. Pois também parece faltar em Orígenes um processo evolutivo de desenvolvimento da ALMA RACIONAL quando sugere uma possível TRANSMIGRAÇÃO DA ALMA para corpos de seres irracionais como foi visto acima, contrariamente ao que foi visto em passant (de passagem) na doutrina da teosofia neoplatônica de Jâmbico (245-325) e Proclo (412-485). Por outro lado, Orígenes parece muito próximo de um sentido evolutivo quando dá indícios de estabelecer uma meta final a ser conquistada pelo homem, coerente como o Princípio da Semelhança e do Mérito pelas Obras, como foi visto. Pois Orígenes considera que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus como o propósito de que deve adquiri-la (a perfeição da semelhança de Deus) por si mesmo a partir de seus próprios encarecidos esforços para imitar Deus. De modo que enquanto a possibilidade de atingir a perfeição lhe foi dada no princípio pela honra da “imagem”, ele deva no fim, pelo cumprimento desatas obras, obter por si mesmo a perfeita “semelhança”. Entretanto, é justamente a sua doutrina da TRANSMIGRAÇÃO que oferece tempo infinito para o crescimento de qualquer alma até a perfeição, conforme São Paulo também exorta: “Até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo”, Efésios 4,13. CONCLUSÃO: Este trabalho pretende ter evidenciado que a DOUTRINA DA REENCARNAÇÃO podia ser encontrada na obra do Padre Orígenes de Alexandria, particularmente em seu livro Peri Archon (De Principiis), a partir de sua versão reconstituída por Koetschau. Isso com base principalmente na própria correspondência do Imperador e na ata do Concílio Constantinopla II em 553, que condenou o livro, caracterizando a presença desta doutrina no século III, ainda considerado período do Cristianismo Primitivo. REFERÊNCIAS: (76). No processo das REENCARNAÇÕES, porém, deve-se destacar que, para as criaturas individualmente, pode-se verificar tanto um progresso como um retrocesso, ou seja, tanto a passagem de demônio a homem, a anjo ou vice-versa, antes que tudo retorne ao estado original. (87). Similarmente, se encontra na Carta de Justiniano a Menos, citando Orígenes: “Quando a alma cai se afastando do bem e se inclina em direção ao mal, se envolve mais e mais nisso. Então, a menos que retorne, vai se tornando bruta por sua loucura e bestial por sua iniquidade, sendo levada em direção às condições irracionais e, por assim dizer, de vida aquática. Então, condizente com o grau de sua queda do mal, é revestida com o corpo deste ou daquele animal irracional. Compare-se com Jeronimo citando Orígenes na Carta a Ávito: “No fim ele argumenta em muito longa extensão que um anjo, ou uma ALMA humana, ou um demônio (todos os quais ele sustenta são de uma natureza única embora diversa em suas vontades) podem através de excessivamente grande descuido ser reduzido a uma condição de besta irracional. E tão logo tenha suportado a dor de suas punições e o tormento do fogo, eles podem escolher tornar-se criaturas mudas e habitar nos mares ou rios ou tomar o corpo deste ou daquele animal. De modo que, nós temos de temer não somente assumir os corpos de quadrúpedes, mas mesmo de peixes”. www.ricardo lindemann@uol.com.br. Abraço. Davi

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