terça-feira, 6 de março de 2018

COMO ABORDAR O DIVINO.


Teosofia. Texto de Tim Boyd (1953 -  ). Revista Teosofia. Nos primeiros tempos da Sociedade Teosófica, Helena Petrovna Blavatsky (1831-1899) era conhecida por ser crítica das práticas da Igreja e da forma como o Cristianismo tinha se estabelecido no seu tempo. Isso é compreensível, dada a situação colonial, particularmente na Índia. Para a senhora Blavatsky, era uma questão de “corajosa defesa daqueles que foram injustamente atacados”. Creio que ela sentia que a imposição de uma religião estrangeira mal aplicada, em uma cultura onde a abordagem do Divino tinha grande valor, era algo que precisava ser tratado. E claro, à sua maneira guerreira de ser, ela fez sua proposta. O que encontramos em seus textos é uma frequente crítica sobre a maneira como o conceito de Deus foi abordado pela Igreja. Ela raramente usava a palavra DEUS, pelo menos não no sentido familiar à prática cristã regular, e quando o fazia, era normalmente para apontar algumas das limitações impostas a este princípio potencialmente grande e elevado. Ela não se opunha a DEUS, mas a caracterização distorcida que emergiu da filosofia insensível e ao fato de que esta caricatura de divindade estava sendo forçada sobre uma população colonizada. A ideia de que existe uma INTELIGÊNCIA ABSOLUTA, infinita, suprema, que então se torna personificada e lhe é dado um nome. Sendo descrita em termos de limitações humanas tais como raiva, indignação, descontentamento, e a quem é atribuída uma série de atributos limitantes, lhe parecia uma lógica torturante. E assim ela falou sobre isso. Do ponto de vista da Blavatsky, ao falar sobre o ABSOLUTO, a única possível de descrevê-lo era escuridão e nada – a não existência no sentido de que o ABSOLUTO é completamente ausente de atributos. Não possui qualquer associação com coisa alguma em particular, e assim o “nada”, a “coisa nenhuma” seria a maneira mais apropriada para descrevê-lo. Os que vieram depois da senhora Blavatsky na tradição teosófica, Annie Besant (1847-1933), Charles W. Leadbeater (1854-1934), I. D. Taimni (1898-1978), entre outros, não encontraram nenhuma dificuldade em usar a palavra DEUS para expressar um significado específico. Em A Chave Para a Teosofia, Blavatsky assume o papel de quem faz a pergunta e também do teósofo que fornece a resposta. Ela faz uma pergunta muito direta ao teósofo no livro: “Você acredita em DEUS?”. Trata-se de uma questão direta e aparentemente simples. A resposta fornecida por ela é bastante reveladora. Não se trata de uma resposta sim ou não. “Vai depender do que se quer dizer com o termo DEUS”. Ela então descreve tudo o que não estaria incluído em qualquer crença funcional do Divino. Qualquer coisa como uma personalidade ou algo a que se atribua um pronome como “ele” ou “ela” estaria aquém do padrão. Mas ela afirma que aquilo em que acreditamos é uma “essência UNIVERSAL DIVINA”. Annie Besant e outros tinham uma ideia muito clara do que estavam dizendo quando usavam o termo DEUS. Onde quer que se vá e a qualquer tempo que se examine a história do mundo, sempre houve alguma concepção sobre o DIVINO, algo equivalente ao conceito de DEUS. Ao longo dos últimos 100 anos, tivemos a oportunidade de testemunhar um experimento realizado em grande escala, onde houve o esforço concentrado e deliberado para erradicar a crença religiosa. No experimento exercitado na União Soviética e novamente na China comunista. Havia uma população mergulhada em várias abordagens do DIVINO, que se viu vivendo sob uma nova ordem social, na qual a prática religiosa ou crença não era mais permitida. Não só não era permitida, mas punições extremas eram aplicadas em qualquer um que fosse pego praticando. A ideia dominante nestas sociedades comunistas era que a religião é algo não natural e inserida na consciência humana, podendo desaparecer, sendo negada a oportunidade de expressão. Este experimento durou aproximadamente três gerações. Assim, os filhos das crianças que foram submetidas a esta experiência foram criados na ausência de uma expressão religiosa aberta. Quando esses regimes chegaram a o fim, a parte fascinante foi que, de repente, como se nunca tivesse desaparecido, o impulso religioso ressurgiu com força. De modo que, embora os corpos das pessoas que praticavam essas religiões pudessem ter sido destruídos, ou suas mentes deformadas através da prisão ou da “reeducação”. De algum modo, os princípios que dão origem ao impulso religioso permaneceram intocados. Fica claro que, do ponto de vista teosófico, a fonte do impulso religioso repousa profundamente no interior, além do alcance das forças materiais, emocionais e mentais. Há uma expressão na literatura teosófica que diz “a fé é um conhecimento inconsciente”. A razão pela qual essa contínua ressurgência para o DIVINO resiste dentro dos corações da humanidade se deve à presença de um “conhecimento” que vai além da mente consciente. Ele repousa além do reino do alcance mental, mas continuamente reage sobre a mente. Possuímos esse conhecimento e ele não pode desaparecer. Existe uma “substância DIVINA UNIVERSAL ESSENCIAL” que continuamente informa a vida de cada um. Blavatsky também era bastante crítica à ORAÇÃO, pelo menos na forma como era praticada pela Igreja de seu tempo, e até mesmo de nosso tempo. Muito parecida com sua reação à equivocada abordagem filosófica de DEUS, a PRECE, na forma como era normalmente compreendida e praticada, parecia a ela, enfraquecia aquele que ORAVA. E assim como com o conceito de DEUS, seu problema não era com a ORAÇÃO, mas com a compreensão distorcida do praticante comum. A PRECE, afinal, é uma das técnicas da VIDA ESPIRITUAL encontrada e praticada em todas as partes do mundo. Alguns dos maiores seres da história foram influenciados pela prática da ORAÇÃO. Em A Chave da Teosofia, Blavatsky fala sobre a PRECE. Primeiro ela discute as inadequações de uma abordagem que coloca diante de um SER DIVINO um desejo egoísta com a expectativa de ser realizado, quer seja merecido ou não, quer esteja dentro das leis da natureza ou não. Ela diz que essa abordagem é oposta à verdadeira ORAÇÃO. Como teósofos acreditamos nas PRECES, mas ela as descreveu como “ORAÇÕES DE VONTADE”. A PRECE de uma VONTADE não dirigida a uma pessoa elevada, mas ao “PAI CELESTE”. Ela fazia distinção entre a crença reinante da figura DIVINA DO PAI nas nuvens, que dá coisas àqueles que dizem as palavras certas. DO PAI DO CEU, que é nossa própria NATUREZA ESPIRITUAL mais profunda: ATMA-BUDHI-MANAS. Blavatsky entendia que a oração genuína era dirigida a este PAI CELESTE, que é um princípio, pois é UNIVERSAL. Annie Besant e outros que se juntaram mais tarde à tradição teosófica foram muito livres no uso da palavra ORAÇÃO. Na verdade, hoje, em quase todas as reuniões que se realizam no mundo teosófico, recitamos uma ORAÇÃO escrita por Annie Besant, que veio a ser conhecida como a “ORAÇÃO UNIVERSAL”. Besant escreveu essa PRECE a pedido de alguém que convocara uma reunião e queria conduzir uma MEDITAÇÃO que envolvesse o grupo. Ela contou que, enquanto compunha essa ORAÇÃO, a mesma parecia entoar em seu interior. Achou que não poderia escrever uma MEDITAÇÃO, por se tratar de assunto mais pessoal. Em vez disso, escreveu a ORAÇÃO “OH! VIDA OCULTA” para esta reunião específica, com a ideia de que fosse recitada duas vezes durante o dia, pela manhã e à noite. Naturalmente, a PRECE prosseguiu, sendo entoada em todo mundo teosófico e utilizada na prática pessoal de diversas pessoas. Um dos pontos fundamentais na tradição do misticismo é a ideia de que Deus, ou a presença UNIVERSAL DIVINA, é algo que pode ser experimentado, e que é somente nesta experiência que o verdadeiro significado e valor vêm à existência. Até mesmo Blavatsky, na sua descrição da ORAÇÃO da vontade, diz que seus efeitos podem levar a uma comunhão genuína, como a ligação de uma alma superior com a ESSÊNCIA UNIVERSAL. Existe um pequeno livro da tradição mística cristã, escrito como  um manual para a prática da UNIÃO COM DEUS, ou o DIVINO, chamado The Cloud of Unknowing – A Nuvem do Desconhecimento. Nele, há uma breve ORAÇÃO muito poderosa, que diz: “Oh, DEUS, a quem todos os corações estão abertos, aquém o desejo é eloquente. De quem nenhuma coisa secreta está escondida. Purifica os pensamentos do meu coração. Com o derramamento do teu espírito, para te amar com um amor perfeito e te louvar como tu mereces”. Podemos nos aprofundar um pouco no sentido dessas palavras. Trata-se de uma PRECE INFINITA, mas podemos pelo menos tocar sua superfície. ”Oh, DEUS, a quem todos os corações estão abertos” é o reconhecimento da realidade, daquilo que é, como toda PRECE verdadeira deve ser. Não é a combinação específica de palavras que faz a diferença, mas o reconhecimento interior de que existe uma ESSÊNCIA DIVINA UNIVERSAL a que todos os corações estão conectados, a que todos se encontram abertos. Então a ORAÇÃO começa com esse reconhecimento básico daquilo que é a realidade das coisas. A frase “a quem o desejo é eloquente” pode ser um pouco complicada. Na tradição hermética há um ditado que talvez  nos seja familiar: “Por trás da vontade está o desejo”. Somente a partir do esforço em cultivar um determinado tipo de desejo que a personalidade é influenciada e se abre para a natureza mais elevada. O desejo indicado refere-se à faculdade de persuadir. Assim, a frase “a quem o desejo é eloquente” descreve a habilidade de persuasão do nosso desejo mais elevado, esse desejo que envolve e invoca a descida da VONTADE DIVINA. A frase seguinte diz: “de quem nenhuma coisa secreta está escondida”. O único lugar onde existem coisas secretas escondidas é o interior dos recessos sombrios de nossas próprias personalidades. Os recantos de nosso ser onde não estamos dispostos a permitir que uma luz mais elevada penetre. São estes os lugares onde nos sentimos limitados, onde nos escondemos de NÓS MESMOS e DOS OUTROS, onde abrigamos todos os complexos e dificuldades que mantêm os psicólogos na profissão. Em nossa relação com o EU SUPERIOR, o DIVINO, o sigilo não tem sentido e é desnecessário. Tudo é  conhecido, sempre. Esse reconhecimento permite a libertação do enorme esforço aplicado para fortalecer esses lugares secretos. Mais uma vez, é simplesmente o reconhecimento da realidade. Assim, a primeira parte desta PRECE leva-nos a reconhecer diferentes aspectos do DIVINO e seu potencial de envolvimento criativo dentro da personalidade. Na próxima parte da ORAÇÃO há um pedido: “purifica os pensamentos do meu coração com o derramamento do teu espírito”. O pedido é feito para que a LUZ DO DIVINO possa brilhar sobre aqueles pensamentos gerados na parte mais profunda do NOSSO SER. Não os pensamentos da nossa mente normal, ou aqueles que perecem ir e vir a todo momento, mas os pensamentos do “meu coração”. Muitas vezes pensamos em “LUZ” como sinônimo do DIVINO. Para uma pessoa que constrói uma casa sem janelas e passa sua vida lá dentro, seria pouco razoável esperar que o contínuo brilho da LUZ do sol encontraria seu caminho até ele. O fato de nos isolarmos, deste LUZ de modo algum diminui a luz solar. Afeta apenas o nosso acesso. Este parte da ORAÇÃO não está pedindo ao sol para brilhar mais intensamente, ou que penetre as paredes que erguemos ao nosso redor. A PRECE diz: “purifica os pensamentos do meu coração com o derramamento do teu espírito”. É a expressão de nossa VONTADE para remover as barreiras que criamos para que a LUZ possa entrar. Não é uma ORAÇÃO que pretenda mudar a maneira como o UNIVERSO funciona, mas a expressão de nossa VONTADE de acessar o BRILHO DIVINO da LUZ solar. O ponto alto da PRECE: “que eu possa amá-lo com um amor perfeito e louvá-lo como mereces”. Qual é a natureza de um “AMOR PERFEITO”? Qual é a natureza do “LOUVOR”? Quando falamos em louvor, falamos de diferentes maneiras e tipos de demonstração. Frequentemente, quando as crianças realizam algo, nós as elogiamos para que possam desenvolver confiança. O elogio real é pertinente quando vemos e reconhecemos algo de valor. Não é uma criação ou invenção de momento. É o reconhecimento e a ratificação daquilo que é. E qual é o elogia ou louvor que a “ESSÊNCIA DIVINA UNIVERSAL” merece. Provavelmente é muito menos complicado do que pensamos. Talvez não signifique nada mais nada menos do que a validação da PRESENÇA DO DIVINO em cada pessoa, em todas as coisas, em todos os lugares. Essa é a CONSAGRAÇÃO, que flui daquele que genuinamente alcançou um ponto em seu desdobramento que lhe permite ver. Louvor com falsidade aquilo que não vemos ou não percebemos é um gesto vazio. Mas todo mundo já teve uma experiência que, de alguma maneira, confirmou essa “sintonia” de nossa ALMA SUPERIOR com a NATUREZA DIVINA de que Blavatsky fala. Possuímos essa consciência e, portanto, falamos disso nesta PRECE. No Bhagavad-Gita, KRISHNA se intitula GOVERNANTE INTERIOR IMORTAL presente no coração de todos os seres. O despertar da capacidade de vê-lo dentro de nós é um simples reconhecimento e o merecido louvor. Existem muitas orações similares. Esta, de autor desconhecido, é oferecida como exemplo de potencial para acelerar todas as atividades de nossa personalidade, para que possam ser conduzidas na direção da experiência real desta VIDA OCULTA, LUZ OCULTA e AMOR OCULTO de que Annie Besant falou em sua ORAÇÃO UNIVERSAL. Está presente em todo lugar, geralmente não reconhecida e negligenciada. Qualquer ferramenta que ofereça a possibilidade de um reconhecimento, momentâneo que seja, merece nossa consideração. “O encontro do HOMEM E DEUS deve sempre significar a compreensão e a iniciação do DIVINO NO HUMANO e uma IMERSÃO DO HOMEM NA DIVINDADE”. Sri Aurobindo (1872-1950). Artigo extraído da Revista Teosófica. Abraço. Davi

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