Teosofia.
Texto de Tim Boyd (1953 - ). Revista
Teosofia. Nos primeiros tempos da Sociedade Teosófica, Helena Petrovna
Blavatsky (1831-1899) era conhecida por ser crítica das práticas da Igreja e da
forma como o Cristianismo tinha se estabelecido no seu tempo. Isso é
compreensível, dada a situação colonial, particularmente na Índia. Para a
senhora Blavatsky, era uma questão de “corajosa defesa daqueles que foram
injustamente atacados”. Creio que ela sentia que a imposição de uma religião
estrangeira mal aplicada, em uma cultura onde a abordagem do Divino tinha
grande valor, era algo que precisava ser tratado. E claro, à sua maneira guerreira
de ser, ela fez sua proposta. O que encontramos em seus textos é uma frequente
crítica sobre a maneira como o conceito de Deus foi abordado pela Igreja. Ela
raramente usava a palavra DEUS, pelo menos não no sentido familiar à prática
cristã regular, e quando o fazia, era normalmente para apontar algumas das
limitações impostas a este princípio potencialmente grande e elevado. Ela não
se opunha a DEUS, mas a caracterização distorcida que emergiu da filosofia
insensível e ao fato de que esta caricatura de divindade estava sendo forçada
sobre uma população colonizada. A ideia de que existe uma INTELIGÊNCIA
ABSOLUTA, infinita, suprema, que então se torna personificada e lhe é dado um
nome. Sendo descrita em termos de limitações humanas tais como raiva, indignação,
descontentamento, e a quem é atribuída uma série de atributos limitantes, lhe
parecia uma lógica torturante. E assim ela falou sobre isso. Do ponto de vista
da Blavatsky, ao falar sobre o ABSOLUTO, a única possível de descrevê-lo era
escuridão e nada – a não existência no sentido de que o ABSOLUTO é
completamente ausente de atributos. Não possui qualquer associação com coisa
alguma em particular, e assim o “nada”, a “coisa nenhuma” seria a maneira mais
apropriada para descrevê-lo. Os que vieram depois da senhora Blavatsky na
tradição teosófica, Annie Besant (1847-1933), Charles W. Leadbeater
(1854-1934), I. D. Taimni (1898-1978), entre outros, não encontraram nenhuma
dificuldade em usar a palavra DEUS para expressar um significado específico. Em
A Chave Para a Teosofia, Blavatsky assume o papel de quem faz a pergunta e
também do teósofo que fornece a resposta. Ela faz uma pergunta muito direta ao
teósofo no livro: “Você acredita em DEUS?”. Trata-se de uma questão direta e
aparentemente simples. A resposta fornecida por ela é bastante reveladora. Não
se trata de uma resposta sim ou não. “Vai depender do que se quer dizer com o
termo DEUS”. Ela então descreve tudo o que não estaria incluído em qualquer
crença funcional do Divino. Qualquer coisa como uma personalidade ou algo a que
se atribua um pronome como “ele” ou “ela” estaria aquém do padrão. Mas ela
afirma que aquilo em que acreditamos é uma “essência UNIVERSAL DIVINA”. Annie
Besant e outros tinham uma ideia muito clara do que estavam dizendo quando
usavam o termo DEUS. Onde quer que se vá e a qualquer tempo que se examine a
história do mundo, sempre houve alguma concepção sobre o DIVINO, algo
equivalente ao conceito de DEUS. Ao longo dos últimos 100 anos, tivemos a
oportunidade de testemunhar um experimento realizado em grande escala, onde
houve o esforço concentrado e deliberado para erradicar a crença religiosa. No
experimento exercitado na União Soviética e novamente na China comunista. Havia
uma população mergulhada em várias abordagens do DIVINO, que se viu vivendo sob
uma nova ordem social, na qual a prática religiosa ou crença não era mais
permitida. Não só não era permitida, mas punições extremas eram aplicadas em
qualquer um que fosse pego praticando. A ideia dominante nestas sociedades comunistas
era que a religião é algo não natural e inserida na consciência humana, podendo
desaparecer, sendo negada a oportunidade de expressão. Este experimento durou
aproximadamente três gerações. Assim, os filhos das crianças que foram
submetidas a esta experiência foram criados na ausência de uma expressão
religiosa aberta. Quando esses regimes chegaram a o fim, a parte fascinante foi
que, de repente, como se nunca tivesse desaparecido, o impulso religioso
ressurgiu com força. De modo que, embora os corpos das pessoas que praticavam
essas religiões pudessem ter sido destruídos, ou suas mentes deformadas através
da prisão ou da “reeducação”. De algum modo, os princípios que dão origem ao
impulso religioso permaneceram intocados. Fica claro que, do ponto de vista
teosófico, a fonte do impulso religioso repousa profundamente no interior, além
do alcance das forças materiais, emocionais e mentais. Há uma expressão na
literatura teosófica que diz “a fé é um conhecimento inconsciente”. A razão
pela qual essa contínua ressurgência para o DIVINO resiste dentro dos corações
da humanidade se deve à presença de um “conhecimento” que vai além da mente
consciente. Ele repousa além do reino do alcance mental, mas continuamente
reage sobre a mente. Possuímos esse conhecimento e ele não pode desaparecer.
Existe uma “substância DIVINA UNIVERSAL ESSENCIAL” que continuamente informa a
vida de cada um. Blavatsky também era bastante crítica à ORAÇÃO, pelo menos na
forma como era praticada pela Igreja de seu tempo, e até mesmo de nosso tempo.
Muito parecida com sua reação à equivocada abordagem filosófica de DEUS, a
PRECE, na forma como era normalmente compreendida e praticada, parecia a ela,
enfraquecia aquele que ORAVA. E assim como com o conceito de DEUS, seu problema
não era com a ORAÇÃO, mas com a compreensão distorcida do praticante comum. A
PRECE, afinal, é uma das técnicas da VIDA ESPIRITUAL encontrada e praticada em
todas as partes do mundo. Alguns dos maiores seres da história foram
influenciados pela prática da ORAÇÃO. Em A Chave da Teosofia, Blavatsky fala
sobre a PRECE. Primeiro ela discute as inadequações de uma abordagem que coloca
diante de um SER DIVINO um desejo egoísta com a expectativa de ser realizado,
quer seja merecido ou não, quer esteja dentro das leis da natureza ou não. Ela
diz que essa abordagem é oposta à verdadeira ORAÇÃO. Como teósofos acreditamos
nas PRECES, mas ela as descreveu como “ORAÇÕES DE VONTADE”. A PRECE de uma
VONTADE não dirigida a uma pessoa elevada, mas ao “PAI CELESTE”. Ela fazia
distinção entre a crença reinante da figura DIVINA DO PAI nas nuvens, que dá
coisas àqueles que dizem as palavras certas. DO PAI DO CEU, que é nossa própria
NATUREZA ESPIRITUAL mais profunda: ATMA-BUDHI-MANAS. Blavatsky entendia que a
oração genuína era dirigida a este PAI CELESTE, que é um princípio, pois é
UNIVERSAL. Annie Besant e outros que se juntaram mais tarde à tradição
teosófica foram muito livres no uso da palavra ORAÇÃO. Na verdade, hoje, em
quase todas as reuniões que se realizam no mundo teosófico, recitamos uma
ORAÇÃO escrita por Annie Besant, que veio a ser conhecida como a “ORAÇÃO
UNIVERSAL”. Besant escreveu essa PRECE a pedido de alguém que convocara uma
reunião e queria conduzir uma MEDITAÇÃO que envolvesse o grupo. Ela contou que,
enquanto compunha essa ORAÇÃO, a mesma parecia entoar em seu interior. Achou
que não poderia escrever uma MEDITAÇÃO, por se tratar de assunto mais pessoal.
Em vez disso, escreveu a ORAÇÃO “OH! VIDA OCULTA” para esta reunião específica,
com a ideia de que fosse recitada duas vezes durante o dia, pela manhã e à
noite. Naturalmente, a PRECE prosseguiu, sendo entoada em todo mundo teosófico
e utilizada na prática pessoal de diversas pessoas. Um dos pontos fundamentais
na tradição do misticismo é a ideia de que Deus, ou a presença UNIVERSAL
DIVINA, é algo que pode ser experimentado, e que é somente nesta experiência
que o verdadeiro significado e valor vêm à existência. Até mesmo Blavatsky, na
sua descrição da ORAÇÃO da vontade, diz que seus efeitos podem levar a uma
comunhão genuína, como a ligação de uma alma superior com a ESSÊNCIA UNIVERSAL.
Existe um pequeno livro da tradição mística cristã, escrito como um manual para a prática da UNIÃO COM DEUS,
ou o DIVINO, chamado The Cloud of Unknowing – A Nuvem do Desconhecimento. Nele,
há uma breve ORAÇÃO muito poderosa, que diz: “Oh, DEUS, a quem todos os
corações estão abertos, aquém o desejo é eloquente. De quem nenhuma coisa
secreta está escondida. Purifica os pensamentos do meu coração. Com o
derramamento do teu espírito, para te amar com um amor perfeito e te louvar
como tu mereces”. Podemos nos aprofundar um pouco no sentido dessas palavras.
Trata-se de uma PRECE INFINITA, mas podemos pelo menos tocar sua superfície.
”Oh, DEUS, a quem todos os corações estão abertos” é o reconhecimento da
realidade, daquilo que é, como toda PRECE verdadeira deve ser. Não é a
combinação específica de palavras que faz a diferença, mas o reconhecimento
interior de que existe uma ESSÊNCIA DIVINA UNIVERSAL a que todos os corações
estão conectados, a que todos se encontram abertos. Então a ORAÇÃO começa com
esse reconhecimento básico daquilo que é a realidade das coisas. A frase “a
quem o desejo é eloquente” pode ser um pouco complicada. Na tradição hermética
há um ditado que talvez nos seja
familiar: “Por trás da vontade está o desejo”. Somente a partir do esforço em
cultivar um determinado tipo de desejo que a personalidade é influenciada e se
abre para a natureza mais elevada. O desejo indicado refere-se à faculdade de
persuadir. Assim, a frase “a quem o desejo é eloquente” descreve a habilidade
de persuasão do nosso desejo mais elevado, esse desejo que envolve e invoca a
descida da VONTADE DIVINA. A frase seguinte diz: “de quem nenhuma coisa secreta
está escondida”. O único lugar onde existem coisas secretas escondidas é o
interior dos recessos sombrios de nossas próprias personalidades. Os recantos
de nosso ser onde não estamos dispostos a permitir que uma luz mais elevada
penetre. São estes os lugares onde nos sentimos limitados, onde nos escondemos
de NÓS MESMOS e DOS OUTROS, onde abrigamos todos os complexos e dificuldades
que mantêm os psicólogos na profissão. Em nossa relação com o EU SUPERIOR, o
DIVINO, o sigilo não tem sentido e é desnecessário. Tudo é conhecido, sempre. Esse reconhecimento permite
a libertação do enorme esforço aplicado para fortalecer esses lugares secretos.
Mais uma vez, é simplesmente o reconhecimento da realidade. Assim, a primeira
parte desta PRECE leva-nos a reconhecer diferentes aspectos do DIVINO e seu
potencial de envolvimento criativo dentro da personalidade. Na próxima parte da
ORAÇÃO há um pedido: “purifica os pensamentos do meu coração com o derramamento
do teu espírito”. O pedido é feito para que a LUZ DO DIVINO possa brilhar sobre
aqueles pensamentos gerados na parte mais profunda do NOSSO SER. Não os
pensamentos da nossa mente normal, ou aqueles que perecem ir e vir a todo
momento, mas os pensamentos do “meu coração”. Muitas vezes pensamos em “LUZ”
como sinônimo do DIVINO. Para uma pessoa que constrói uma casa sem janelas e
passa sua vida lá dentro, seria pouco razoável esperar que o contínuo brilho da
LUZ do sol encontraria seu caminho até ele. O fato de nos isolarmos, deste LUZ
de modo algum diminui a luz solar. Afeta apenas o nosso acesso. Este parte da
ORAÇÃO não está pedindo ao sol para brilhar mais intensamente, ou que penetre
as paredes que erguemos ao nosso redor. A PRECE diz: “purifica os pensamentos
do meu coração com o derramamento do teu espírito”. É a expressão de nossa
VONTADE para remover as barreiras que criamos para que a LUZ possa entrar. Não
é uma ORAÇÃO que pretenda mudar a maneira como o UNIVERSO funciona, mas a
expressão de nossa VONTADE de acessar o BRILHO DIVINO da LUZ solar. O ponto
alto da PRECE: “que eu possa amá-lo com um amor perfeito e louvá-lo como
mereces”. Qual é a natureza de um “AMOR PERFEITO”? Qual é a natureza do
“LOUVOR”? Quando falamos em louvor, falamos de diferentes maneiras e tipos de
demonstração. Frequentemente, quando as crianças realizam algo, nós as
elogiamos para que possam desenvolver confiança. O elogio real é pertinente
quando vemos e reconhecemos algo de valor. Não é uma criação ou invenção de
momento. É o reconhecimento e a ratificação daquilo que é. E qual é o elogia ou
louvor que a “ESSÊNCIA DIVINA UNIVERSAL” merece. Provavelmente é muito menos
complicado do que pensamos. Talvez não signifique nada mais nada menos do que a
validação da PRESENÇA DO DIVINO em cada pessoa, em todas as coisas, em todos os
lugares. Essa é a CONSAGRAÇÃO, que flui daquele que genuinamente alcançou um
ponto em seu desdobramento que lhe permite ver. Louvor com falsidade aquilo que
não vemos ou não percebemos é um gesto vazio. Mas todo mundo já teve uma
experiência que, de alguma maneira, confirmou essa “sintonia” de nossa ALMA
SUPERIOR com a NATUREZA DIVINA de que Blavatsky fala. Possuímos essa
consciência e, portanto, falamos disso nesta PRECE. No Bhagavad-Gita, KRISHNA
se intitula GOVERNANTE INTERIOR IMORTAL presente no coração de todos os seres.
O despertar da capacidade de vê-lo dentro de nós é um simples reconhecimento e
o merecido louvor. Existem muitas orações similares. Esta, de autor
desconhecido, é oferecida como exemplo de potencial para acelerar todas as
atividades de nossa personalidade, para que possam ser conduzidas na direção da
experiência real desta VIDA OCULTA, LUZ OCULTA e AMOR OCULTO de que Annie
Besant falou em sua ORAÇÃO UNIVERSAL. Está presente em todo lugar, geralmente
não reconhecida e negligenciada. Qualquer ferramenta que ofereça a possibilidade
de um reconhecimento, momentâneo que seja, merece nossa consideração. “O
encontro do HOMEM E DEUS deve sempre significar a compreensão e a iniciação do
DIVINO NO HUMANO e uma IMERSÃO DO HOMEM NA DIVINDADE”. Sri Aurobindo
(1872-1950). Artigo extraído da Revista Teosófica. Abraço. Davi
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