Espiritualidade.
Texto de N. Sri Ham (1889-1973). VERDADE OU IMAGEM DA VERDADE? A VERDADEIRA
forma de ocultismo não é algo exótico, revestido de fantasias, como muitas
pessoas imaginam que seja. Desde os tempos mais remotos tem sido uma ciência
que se ocupa com os fatos ou com a VERDADE. A imaginação é uma coisa, e os
fatos são algo diferente. Mas esta ciência específica também se ocupa com a
VIDA e a consciência, e é somente quando a vida da pessoa está baseada na
VERDADE que ela adquire o aspecto de SABEDORIA. A SABEDORIA não pode ser
separada da VIDA. Quando ela encontra o seu caminho na VIDA, esta começa a
mostrar uma nova qualidade, um novo brilho e beleza diferentes daquilo que
comumente se obtém. A VERDADE não admite compromissos, embora o comportamento
de uma pessoa possa fazê-lo. Convenções e oportunidades também variam de acordo
com as circunstâncias. Podemos estar unidos dentro de um espaço limitado. Eu,
então, me acomodo às suas necessidades ou maneiras, e você faz o mesmo com
relação a mim. Isso está certo e é necessário. Tal compromisso tem o seu lugar
na VIDA. Porém não podemos tomar liberdades com o nosso entendimento ou
qualificar uma VERDADE sem torna-la inverídica. Não se pode misturar a lógica
com ideias que são apenas para satisfazermos a nós próprios. A palavra VERDADE possui um significado tão
extraordinário que poderíamos nem mesmo adivinhar a sua natureza. A fim de
descobrir aquele significado, será necessário aplicar os mais rigorosos padrões
à própria VIDA e a forma de pensar. Sem este procedimento será impossível
atingir esta VERDADE na forma que precisa ser entendida em nós próprios, na
forma em que se diferencia dos fatos externos às pessoas, que podem ser
observados por qualquer um. Existem as coisas concretas ao nosso redor que
podemos observar com as faculdades que normalmente usamos. Podemos compreender
a sua natureza e propriedades ao menos superficialmente, mas a VERDADE
significa muito mais do que tal compreensão e não deverá ser confundida com
qualquer visão que se possa projetar, baseada em ideias preconcebidas ou em
predileções pessoais. É fácil sucumbir aos grilhões de qualquer ilusão
prazerosa, imaginando-a como VERDADEIRA. O que fundamentalmente causa a ilusão
é a busca daquilo que proporciona prazer, daquilo que gratifica em qualquer
nível que seja. Gostamos de aceitar algo mental ou fisicamente por proporcionar
prazer, por ser conveniente fazê-lo ou por ser um pensamento confortante. É
adequado a nossa forma habitual de pensar por assim dizer. Compreender a
VERDADE não é a mesma coisa que assenhorar-se de uma ideia, e ater-se a ela com
fervor. A mente é facilmente subornada pelo prazer. Com frequência damos prazer
a alguma pessoa, a fim de conseguir que ela faça o que queremos que faça. Esta
é uma prática que evidencia resultados em toda parte. A mente concordará
voluntariamente com o doador do prazer. Portanto, é necessário sermos rigorosos
conosco no que4 tange ao vivenciar a VERDADE – e esta é uma base necessária
para o ocultismo. Aliás, poderia dizer que em país algum no mundo a importância
de vivenciar a VERDADE foi tão enfatizada como na Índia, onde satyam (VERDADE)
e ritam (RETIDÃO) foram proclamadas como sendo inalteráveis. “Somente a VERDADE
conquista” é a antiga máxima adotada pelo governo indiano. É amplamente aceita
enquanto palavra, mas poderíamos perguntar: até onde está sendo honrada na
prática? Isso é algo que todos terão que descobrir em relação a si mesmo.
Apenas se pode aplicar testes práticos à própria conduta para ver em que
extensão a VERDADE está sendo vivenciada. A maioria de nós não compreende que
há uma distinção importante a ser feita entre a VERDADE E A IMAGEM DA VERDADE.
Em tantos temas, o que efetivamente é VERDADEIRO é uma coisa, mas nós agimos
como se a conduta que entretém as cores da VERDADE também solucionasse a
questão. A distinção entre estes pontos é destacada por Platão (428-347) em um
de seus Diálogos. Não deveríamos fazer esta distinção de modo puramente
metafísico, como fizeram os filósofos na Índia ao falar de Sat e Asat – aquilo
que é o VERDADEIRO ou o EXISTENTE, e aquilo que não é o VERDADEIRO, uma ILUSÃO
ou MITO. Tudo isso encontra-se em algum plano elevado, mas deveríamos tentar
aplicar a distinção no PLANO DA VIDA e do PENSAMENTO PRÁTICO. Sem o que os
termos metafísicos tornam meros instrumentos para o jogo e a diversão. Na
diplomacia, é a imagem da VERDADE que está sempre sendo praticada para agradar,
e todos os envolvidos sabem que isso é uma REALIDADE. Um diplomata bem-sucedido
precisa ser agradável em seus modos, do contrário não lhe será possível
conquistar as suas finalidades. Ele deverá sorrir, sorrir e sorrir, muito
embora seus propósitos possam ser vis. A habilidade de insinuar-se e agradar é
considerada requisito para o êxito naquela profissão. Geralmente os cortesãos
dos reis e príncipes tinham modos perfeitos, mas com frequência os exibiam
exageradamente, ou para afirmarem melhor a sua posição, ou porque todos nós
temos a tendência de exagerar em tudo que achamos ser bom em nós. Mas ao mesmo
tempo os cortesãos, enquanto uma classe, eram intrigantes e mentirosos, com
algumas exceções. Os modos encantadores nem sempre podem representar boas
intenções ou uma mente e coração belos. O comerciante também precisa ser bem
habilidoso em seu discurso e afável para poder fechar os seus contratos. Podem
existir alguns comerciantes que, tendo-se elevado até o topo, podem permitir-se
ser francamente ásperos. Também deve haver alguns que são retos em suas
opiniões, não obstante todas as tentações. Mas, falando de modo geral, a
tendência seria de agir de tal maneira a fazer com que o cliente realize aquilo
que o comerciante dele deseja, do último ser simpático a fim de agradar ao
primeiro. Grandes importâncias financeiras são fornecidas como subsídios para
grandes executivos do comércio para o entretenimento e agrado de clientes
potenciais. No campo do Direito é comum, para o advogado que visa ganhar o seu
caso, argumentar de tal maneira que “a pior razão se configure como sendo a
melhor”. Isso está sendo feito constantemente. O juiz precisa ser incisivo e
bem instruído para que não seja dominado por esta argumentação habilidosa.
Falando de uma maneira geral, a busca do êxito, na medida em que depende de
outros, exige um padrão de comportamento adequado. Quando os reis estão no
poder, somos monarquistas. Quando a monarquia caí, poderemos tornar-nos
republicanos, mas, se ela for restaurada, então teremos novamente de penetrar
no campo da monarquia. Este tipo de conduta tem sido praticado por algumas
pessoas muito famosas. Elas têm sido capazes de permanecer na crista de toda
onda de mudança, embora outros ao seu redor sejam vencidos e obrigados a
sucumbir. Viver uma VIDA DE VERDADE não consiste meramente em falar a VERDADE.
Pretender ser aquilo que não somos é tão corruptivo quanto a INVERDADE no
discurso. Em nosso coração precisa reinar o AMOR GENUÍNO pela VERDADE. Somente
podemos ser integralmente VERDADEIROS se valorizarmos a VERDADE e atribuirmos
importância a ela em nossa VIDA e PENSAMENTO, ou então precisamos estar tão
plenos de amor que não podemos nutrir o menor desejo de enganar. Quando vivemos
uma VIDA DE VERDADE, e toda a nossa natureza das coisas. O mero conhecimento
não criará esta harmonia. O AMOR pelo CONHECIMENTO não é o mesmo que o AMOR
PELA VERDADE, sem a qual não há possibilidade de SABEDORIA. Esta é a era da
propaganda para diferentes finalidades. A tentativa da propaganda é sempre a de
construir uma imagem atraente. A palavra IMAGEM está muito em voga atualmente,
porque as pessoas se preocupam não com a VERDADE, mas com o êxito e a IMAGEM
que está sendo apresentada. Existe uma tentativa para criar uma IMAGEM da
própria pessoa ou de outros, seja como presidente, líder, instrutor religioso,
candidato, etc. Também é criada uma IMAGEM dos produtos para que as pessoas os
adquiram. Todos os especialistas em publicidade buscam criar nas mentes dos
leitores de jornais e revistas, ou através de televisão e cartazes, uma IMAGEM
que fará com que as pessoas se deixem levar pelos objetos que estão sendo
anunciados. Mas a IMAGEM é apenas um FANTASMA, uma aparência, e a menos que ela
reflita o que realmente é, a atração criada será uma atração falsa. Se a
humanidade, ou qualquer parte dela, tiver de progredir em qualquer medida real,
isso apenas poderá ser feito por uma mudança verdadeira, através de forças que
geram melhorias nas mentes das pessoas, nos seus gostos, nas suas visões,
valores e comportamentos. E não através da criação de ilusões prazerosas e
atribuição de virtudes imaginárias a homens ou objetos, seja para lucro, para
fins tirânicos ou de glória. Criar impressões que não correspondem a verdade
deixam as coisas como estão e dão origem a ações da parte da própria pessoa e
da de outros que positivamente impossibilitam qualquer real mudança para
melhor. Qualquer glorificação, que não se origine de um sentimento real pela
pessoa e apreço pelas suas qualidades, é apenas um truque de feitiçaria e
produz hipnotismo de massa, como foi o caso na Rússia, na Alemanha e outros
lugares. A bolha, por mais colorida que ela possa afigurar-se em determinada
ocasião, eventualmente terá que romper-se e depois haverá desilusão e uma forte
reação àquilo que se realizou anteriormente. Falando de AMOR ou AFEIÇÃO, o
mundo seria melhor pela realidade do AMOR NO CORAÇÃO das pessoas, ou pela
simulação do AMOR que pode revestir-se de muitas formas enganosas? Pode-se criar
uma impressão de AMIZADE, como é feito pela estrutura política portentosa, mas
isso é apenas parte do jogo diplomático. O que conta é o sentimento ou o
espírito de AMOR dentro da pessoa e isso é o que ajuda os demais. Eu não sei a
extensão do bem de “fingir uma virtude, se você não a tem”. Podemos
satisfazer-nos facilmente com o fingimento e não atentar para a realidade. Se o
substituto opera bem, por que preocupar-nos em encontrar a peça genuína? A
palavra “DEUS” é um substituto comum para o DEUS REAL OU A REALIDADE ÚLTIMA.
DEUS é algo sobre o que nada sabemos, mas sobre o qual podemos formar as noções
que quisermos. Existem todos os tipos de ideias sobre DEUS, muito embora na
prática a sociedade, o estado e a religião nem sempre permitam que se tenha
ideias próprias. Tempos houve em que as pessoas foram perseguidas por
defenderem ideias diferentes daquelas da comunidade, envolvendo DEUS, a
natureza do UNIVERSO ou qualquer outro assunto, por mais desligado que
estivesse de sua conduta e VIDA. Eles eram considerados hereges e queimados por
mera suspeita. Herege era alguém que não apenas não se conformava externamente
com padrões estabelecidos, ou professava abertamente uma ideia contrária àquilo
que constituía a ordem. Mas até mesmo o fato de parecer está nutrindo
determinados pensamentos, era considerado pecaminoso e subversivo. Não se pode
dizer que um símbolo está destituído de valor. Pode não haver outra forma de
nos referirmos objetivamente à realidade, mas um símbolo não passa a ser aquela
REALIDADE. Ele poderá ter o seu valor desde que compreendamos que é apenas um
indicador ou um substituto da coisa REAL. A partir de um ponto de vista, um
símbolo é uma sombra, e a luz está por trás do homem que está olhando. No MITO
DA CAVERNA de Platão, a luz está por trás dos homens que estão olhando para as
densas sombras na parede na frente da qual se encontram. A sombra tem o valor
de indicar a presença da luz e de dar um esboço do objeto que a obstrui. Mas é
necessário olharmos na direção adequada em busca da luz em si. É importante
VIVER o tipo de VIDA implícita na palavra ESPIRITUAL, ou ser conhecido como
alguém que obteve êxito em um campo desconhecido, sustentando um rótulo envolto
por um halo artificial? Pensar em algo considerando-o espiritual é uma coisa. E
realmente ser ESPIRITUAL, sem nisso pensar de modo algum, é algo inteiramente
diferente. Um homem, que é conscientemente ESPIRITUAL, não pode ser ESPIRITUAL
na realidade. Deveria alguém renunciar àquilo que se pode renunciar facilmente,
sem fazer disso um problema, ou ser conhecido como uma pessoa que renunciou?
Neste país, a Índia, temos muitos exemplos de renunciantes ostensivos. Eles
enfeitam as margens do rio Ganges e também podem ser encontrados em outros
lugares. Mas um homem que verdadeiramente renunciou a determinadas coisas não
terá prazer em chamar qualquer atenção aquele fato. Quando uma pessoa fala em
renúncia, pode ser que ela renunciou a algumas coisas, como tomar café pela
manhã. Mas definitivamente não renunciou à coisa primária, que é o seu eu. Toda
tendência da mente humana atualmente é de materializar e degradar tudo que é
VERDADEIRO ou REAL, reduzindo-o ao nível meramente mundano. Temos tanta
habilidade de usar a palavra ESPIRITUAL com uma mente material e em um espírito
materialista. Quando falamos acerca dos caprichos da “MENTE” e não de uma
pessoa em particular, podemos ser bastante impessoais. Pensamos na MENTE como
sendo um dos elementos da existência com determinada natureza. Ela está sujeita
a ilusões, mas é possível para ela encontrar a VERDADE e LIBERTAR-SE. Não
precisamos identifica-la com alguém em particular e dirigir-lhe críticas,
aberta ou veladamente. Pode-se criticar a si próprio bem como aos demais.
Porém, a crítica, até mesmo dirigida para alguém, não precisa visar à descoberta
de falhas, ela pode ser uma simples compreensão daquilo que não está certo ou
daquilo que está errôneo ou falso no pensamento e comportamento da pessoa. É
simplesmente como avaliar um quadro: é belo ou não? Este tipo de crítica é de
valor, porém não visa à descoberta de falhas, culpando alguém ou si mesmo –
tudo isso, por ser vão e infrutífero, torna-se mera auto decepção. Referi-me ao
julgamento de um quadro, mas aqui também deve-se fazer uma distinção entre o
REAL e o IRREAL. O quadro pode ser realmente belo ou pode apenas ter uma assim
chamada beleza superficial. A beleza de ordem mais elevada surge de uma
profunda compreensão, surge da própria VIDA ou de uma fonte desconhecida em seu
interior. Então terá o selo da VERDADE, mas poderá também existir aquela BELEZA
que é sintética, que é apenas uma aparência, uma mera apresentação. Para nos
aproximarmos ainda mais do cerne da questão: quando usamos a palavra AMOR em
relação a outro, será que realmente AMAMOS, ou apenas achamos que AMAMOS aquele
outro? Existe uma grande distinção entre pensar que AMAMOS e AMAR de fato.
Meramente ensaiar a ideia do AMOR E usufruir o prazer que causa, não traz o
AMOR, é apenas um exercício. Mas somos tão capazes de nos iludirmos, pensando
que AMAMOS toda a humanidade, até mesmo quando não AMAMOS os indivíduos que a
compõem. Precisamos traçar uma distinção clara entre aquilo que é REAL ou
VERDADEIRO e aquilo que é apenas forjado pela mente. Isto requer uma
inteligência muito aguçada e um constante discernimento da diferença entre o
REAL e o IMAGINÁRIO. Será realmente importante para uma grande causa possuir
propriedades enormes, um império e toda a parafernália envolvida, ou as pessoas
que a seguem possuírem a forma correta de sentimento e entendimento? O espírito
necessário nunca pode ser ostentado, exibido permanentemente ou divulgado de
nenhuma maneira. Ninguém pode dele obter dinheiro. Tais distinções podem
abranger todos os campos da VIDA, todas as nossas atividades e pensamentos.
Será apenas quando a mente estiver suficientemente alerta para perceber essas
distinções, para separar a luz da escuridão, que ela poderá chegar na VERDADE
das coisas. Constitui a grande assertiva dos instrutores espirituais que
podemos conhecer a VERDADE ABSOLUTA e não apenas argumentar a seu respeito,
chegar a ela através do raciocínio, ponderar sobre ela ou postulá-la. Podemos
conhece-la, assim como conhecemos a nós próprios. Podem existir algumas
hipóteses que ajudam a explica; são valiosas, desde que plausíveis e
esclarecedoras. Podem até mesmo ser necessárias para ligar as lacunas em nossa
observação e pensamento. Quando não conseguir, a ligação ou a suposição nos
possibilita conectar aqueles fatos que são percebidos. Como não vemos a conexão
na natureza entre um evento específico e outro, mas vemos que deve haver uma
conexão, tal suposição será um substituto temporário para uma VERDADE que se é
incapaz de perceber no momento. Eu iniciei este capítulo com a palavra
OCULTISMO. OCULTISMO é um empreendimento muito mais exigente e rigoroso do que
poderíamos pensar. Não é simplesmente contar histórias de fadas e nelas
acreditar – esse é OCULTISMO para crianças. Deve haver, especialmente numa
sociedade que se interessa naquilo que é chamado o OCULTO, uma orientação que a
fará progredir até a VERDADE ABSOLUTA em todas as coisas sem satisfazer-se com
as aparências. Precisamos ser muito cuidadosos em cada etapa para ver que
estamos prosseguindo no CAMINHO DA VERDADE, que é também o CAMINHO DO
VERDADEIRO AMOR, não nos satisfazendo com ilusões com relação a nós próprios ou
com a natureza das coisas porque elas são confortantes ou agradáveis. Livro A
Busca da Sabedoria. Abraço. Davi
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