Budismo. Texto de Tenzin Gyatso (o 14º Dalai Lama). Valores
Universais – COMO LEVAR UMA VIDA ÉTICA. INTERESSE PRÓPRIO VERSUS O INTERESSE DO OUTRO como Base para um Vida Ética. A essência do Budismo é: Se podemos ajudar os outros
devemos ajudar; senão, devemos pelo menos não prejudicá-los. Budismo. Texto de Tenzin Gyatso (O
14º Dalai Lama). VALORES UNIVERSAIS – Toda ação vem de uma motivação. Se
prejudicamos os outros, isso vem de uma motivação, e se ajudamos, isso também
vem de uma motivação. Então, para ajudar os outros, para servir os outros,
precisamos de certa motivação. Para isso, precisamos de certos conceitos.
Porque ajudamos e porque não prejudicamos? Por exemplo, quando estamos para prejudicar alguém,
podemos ter algum tipo de consciência que nos segura. Isso significa que temos
algum tipo de determinação [não causar mal]. Um lado da nossa mente quer fazer
mal, mas por causa de um determinado estado mental, já uma outra parte da mente
diz que isso é errado, isso não é certo. Porque conseguimos enxergar que é
errado, desenvolvemos força de vontade e nos abstemos. Em termos das duas
alternativas [prejudicar e nos abstermos de prejudicar], precisamos ter a
consciência de que certas ações terão consequências de longo prazo. Então,
quando as vemos, conseguimos de imediato, nos abstermos. Podemos abordar isso de duas
maneiras diferentes. Na primeira, pensamos em termos do interesse próprio, e
então se podemos ajudar, o fazemos; e se não podemos ajudar, nos abstemos [de
prejudicar]. Em termos de nos abstermos de prejudicar outros, podemos pensar:
“Se eu fizer isso, terei conseqüências negativas inclusive de ordem
legal”. Abster-nos por essa razão é abster-nos por interesse próprio.
Agora, em termos de pensar nos outros como nossa razão, pensaríamos: “Os outros
são como eu. Eles não querem sofrimento e dor; portanto eu vou me abster de
prejudicá-los.” Quando treinamos [nossas mentes],
primeiro pensamos em nós mesmos, em nossos próprios interesses, e então
pensamos fortemente nos outros. Em termos de eficácia, pensarmos fortemente nos
outros é mais poderoso. Em termos de pratimoksha – os votos de
liberação individual, a tradição vinaya de treinamento monástico – o
nível básico é pensarmos em nossos próprios interesses e, por causa disso, nos
abstermos de fazermos mal. Isso porque estamos visando a liberação. No nível de
prática de bodisattva, a principal razão de nos abstermos de prejudicar os
outros é a consideração pelo outro. Talvez o segundo, nos abstermos de
prejudicar, e ajudar os outros com base no altruísmo, tenha uma conexão com a
responsabilidade universal da qual eu frequentemente falo. NOSSA NATUREZA BÁSICA COMO SERES HUMANOS. GERALMENTE, NÓS HUMANOS somos animais sociais. Não
importa quem seja, sua sobrevivência depende do resto da humanidade. Uma vez
que a sobrevivência e bem estar individual depende de toda a sociedade, a
necessidade de pensarmos e nos preocuparmos com o bem estar dos outros deriva
de nossa própria natureza fundamental. Se olharmos para os babuínos, por
exemplo, o mais velho é totalmente responsável por todo o bando. Enquanto os
outros estão se alimentando, um macho babuíno mais velho está sempre ao lado,
vigiando. O mais forte ajuda a cuidar do resto do grupo para o bem de toda a
sociedade. Em tempos pré-históricos, nós seres
humanos não tínhamos educação ou tecnologia. A sociedade humana básica era
simples: todos trabalhavam juntos e compartilhavam juntos. Os comunistas dizem
que isso era o comunismo original: todos trabalhando e desfrutando juntos.
Então, eventualmente, a educação se desenvolveu e ficamos civilizados. A mente
[humana]se tornou mais sofisticada e então a ganância aumentou. Isso trouxe
inveja e ódio que, com o tempo, ficaram mais fortes. Hoje, no século vinte e um, tantas
mudanças ocorreram [na sociedade humana. As diferenças entre nós se cresceram –
diferenças em] educação, trabalho e nível social. Mas até diferenças de idade e
raça – todas são secundárias. Num nível fundamental, ainda somos seres humanos
e somos todos iguais. Isto é, no nível de várias centenas de milhares de anos
atrás. A atitude das crianças pequenas é
assim. Elas não se importam com nível social, religião, raça, cor ou riqueza
das outras crianças. Elas brincam juntas, são colegas de verdade, desde que
sejam amigáveis umas com as outras. Agora, nós adultos somos supostamente mais
inteligentes e altamente desenvolvidos, mas julgamos os outros baseados no seu
nível social. Calculamos, “Sera que se eu sorrir, ganharei o que quero;
mas se fizer cara feia perderei alguma coisa?”. RESPONSABILIDADE UNIVERSAL. O SENTIDO DA RESPONSABILIDADE universal ou global
funciona em um nível humano. Preocupamo-nos com outros seres humanos porque:
“Sou um deles; meu bem estar depende deles, não importa quais são as
diferenças”. Diferenças sempre existirão; mas isso pode ajudar. Por diversos séculos, a população
do planeta era de apenas um bilhão de pessoas; agora temos mais de seis
bilhões. Por causa da superpopulação, um país já não consegue prover toda
comida e recursos para sua própria população. Então temos a economia global.
Portanto, de acordo com a realidade atual, o mundo é menor e fortemente
interdependente. Isso é a realidade. Além disso, existe uma questão ecológica:
o aquecimento global. Isso é uma preocupação para todos os seis bilhões de
habitantes desse planeta, não só para uma ou duas nações. A nova realidade
precisa de um senso de responsabilidade global. Por exemplo, antigamente, os
ingleses pensavam somente em si próprios e algumas vezes exploraram outras
áreas do globo. Eles não se importavam com as preocupações ou sentimentos
dessas outras pessoas. Ok, isso é passado. Mas agora as coisas são diferentes;
as coisas mudaram. Agora, precisamos cuidar dos outros países. Na realidade, os imperialistas
britânicos fizeram coisas boas, de fato. Eles trouxeram boa educação na língua
inglesa para a Índia. A Índia tem que reconhecer isso. A Inglaterra também
trouxe tecnologia, o sistema ferroviário. Essas são algumas de suas qualidades resgatadas.
Quando eu vim para a Índia, alguns seguidores de Gandhi ainda eram vivos e eles
me informaram dos métodos não violentos de Gandhi. Naquela época, eu achava que
os imperialistas Britânicos eram muito maus. Mas então eu vi que existia uma
magistratura indiana independente, liberdade de imprensa, liberdade de
expressão e coisas do tipo. Então quando eu refleti mais profundamente, vi que
essas coisas eram muito boas. Hoje, nação a nação e continente a continente, existe
uma forte interdependência. De acordo com essa realidade, nós realmente
precisamos de responsabilidade global. Seus interesses próprios dependem do
desenvolvimento e interesse dos outros. Então para seu próprio interesse, você
tem que cuidar dos outros. No campo econômico, essa situação já existe. Mesmo
havendo diferentes ideologias e mesmo que não confiemos uns nos outros, temos
que interagir em nossa economia global interdependente. Portanto,
responsabilidade global baseada no respeito aos interesses dos outros é muito
importante. Precisamos considerar os outros
como irmãos e irmãs e termos um sentimento de proximidade. Isso não tem nada a
ver com religião. Nós realmente precisamos disso. O próprio conceito de “nós e
outros” – em certo nível, claro que podemos dizer isso – mas o mundo todo
precisa se considerar parte de “nós”. Os interesses de nossos vizinhos são
nossos próprios interesses. CONTENTAMENTO. LEVAR UMA VIDA ÉTICA como um indivíduo quer dizer não
prejudicar os outros e, se possível, ajudá-los. [Fazendo isso], se tomarmos o
bem estar dos outros como base para nossa própria ética – isso se torna um
escopo mais amplo de ética. Nosso próprio estilo de vida deve tomar esses
fatores em consideração. Existe uma grande lacuna entre ricos e pobres, até mesmo
nos Estados Unidos. Se olharmos para os Estados Unidos, o país mais rico, ainda
há bolsões de pobreza lá. Uma vez quando fui a Washington DC, a capital do país
mais rico, eu vi que haviam muitas áreas pobres. As necessidades básicas dessas
pessoas não eram adequadamente atendidas. (Similarmente,) em um nível global, o
norte industrializado é muito mais desenvolvido e rico [que o restante do
planeta]; enquanto muitos países na metade sul do globo enfrentam até fome.
Isso não é apenas moralmente errado; é uma fonte de grandes problemas. Então,
certos países ricos têm que olhar e examinar seu estilo de vida; eles precisam
praticar o contentamento. Certa vez, no Japão, há quinze anos, eu expressei para
as pessoas que a suposição de que a economia tem que crescer todo o ano e de
que todo o ano deve haver progresso material é um grande engano. Um dia, você
poderá ver sua economia se tornando limitada. Vocês devem estar preparados
para, quando isso acontecer, não ser um desastre nas suas mentes. Há alguns
anos, essa situação realmente aconteceu lá no Japão. O estilo de vida de algumas pessoas
é muito luxuoso. Sem roubar, sem explorar, sem trapacear, elas têm uma grande
quantidade de dinheiro. Do ponto de vista de seu próprio interesse, não há nada
de errado enquanto ganharem o dinheiro de maneira Ética. Mas, do ponto de
vista do interesse dos outros, apesar de não haver nada de errado com relação a
si mesmos, ainda assim, eticamente, não é bom quando os outros enfrentam fome.
Se todos tivessem o mesmo estilo de vida luxuoso, OK; mas até que isso seja
alcançado, um estilo de vida melhor seria ter mais contentamento. Como eu
expliquei no Japão, nos Estados Unidos e em outras sociedades ricas, algumas
modificações no estilo de vida são necessárias. Em muitos países, cada família tem
dois ou até três carros. Imagina Índia e China, essas duas nações que juntas
tem uma população de mais de dois bilhões de pessoas. Se dois bilhões de
pessoas adquirissem dois bilhões de carros ou mais, seria muito difícil.
Haveria um grande problema e grandes complicações com combustível, recursos
materiais, naturais e assim por diante. Ficaria muito complicado. CONSIDERAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE. UM ASPECTO ADICIONAL de uma vida ética é, portanto, a
consideração com o meio ambiente, por exemplo, com o uso da água. Minha própria
contribuição pode ser boba, mas há muitos anos que não tomo banho de banheira;
eu só tomo banho de chuveiro. Uma banheira usa muita água. Talvez eu esteja
sendo bobo, já que tomando dois banhos de chuveiro por dia, a quantidade de
água que gasto é a mesma. Mas não obstante, no que diz respeito a luz elétrica,
por exemplo, quando eu saio de um cômodo, eu sempre desligo as luzes. Assim,
dou uma pequena contribuição à ecologia. Então, uma vida ética vem de um senso
de responsabilidade global. COMO AJUDAR OS OUTROS. Quanto à como ajudar os outros,
existem várias maneiras; muitas dependem das circunstancias. Quando eu era
pequeno, sete ou oito anos, e estudava, meu
tutor Ling Rinpoche sempre tinha um chicote. Naquela época meu
irmão imediatamente mais velho e eu estudávamos juntos. Na verdade, eram dois
chicotes. Um deles era amarelo – um chicote sagrado, um chicote para o sagrado
Dalai Lama. Se o chicote sagrado fosse usado, no entanto, não acho que não teria
nada de sagrado na dor! Parece um método severo, mas na realidade era muito
útil. Em última análise, se uma ação é
útil ou prejudicial, depende da motivação. Com a preocupação sincera com o bem
estar a longo prazo dos outros, métodos podem ser algumas vezes severos,
algumas vezes delicados. Algumas vezes até uma mentirinha pode ajudar. Por
exemplo, um amigo querido ou pai ou mãe em um país distante pode estar
seriamente doente ou quase morrendo e você sabe. Mas você também sabe que se
falar para uma pessoa que seu pai ou mãe estão pra morrer, aquela pessoa pode
ficar muito triste e preocupada e pode até desmaiar. Então você fala, “ Eles
estão OK”. Se você está cem por cento preocupado em não deixar a outra pessoa
triste, nesse caso, apesar de uma mentira ser antiética do ponto de vista do
interesse próprio, do ponto de vista do outro, pode ser adequada. MÉTODOS VIOLENTOS VERSUS NÃO VIOLENTOS. ENTÃO, COMO MELHOR ajudar os outros? Isso é difícil.
Precisamos sabedoria; precisamos ter uma consciência clara das circunstancias;
e precisamos flexibilidade para usar métodos diferentes de acordo as
circunstâncias. E o mais importante, nossa motivação: precisamos ter um
sentimento sincero de preocupação com os outros. Por exemplo, se um método é
violento ou não violento, depende da motivação. Contar uma mentira é, em si,
violento, mas conforme a motivação pode ser um método para ajudar os outros.
Então, desse ponto de vista, é um método não violento. Por outro lado, se
queremos explorar os outros, e por isso lhes damos um presente, aparentemente
não é violento, mas em última análise, uma vez que queremos enganar a outra
pessoa e explorá-la, é um método violento. Então, ser violento ou não violento
também depende da motivação. Todas as ações humanas dependem da motivação.
Também depende um pouco do objetivo; mas se visamos apenas o objetivo e nossa
motivação é raiva, fica difícil. Então, em última análise, a motivação é mais
importante. HARMONIA INTER - RELIGIOSA. QUANTO AO QUE VOCÊ leva pra casa de nossas discussões
aqui, o importante é tentar desenvolver paz interior. Precisamos pensar e
desenvolver isto dentro de nós mesmos. Além disso, se tem algumas pessoas na
plateia que seguem uma religião ou são crentes, uma das minhas ênfases é sempre
na harmonia religiosa. Acho que todas as maiores religiões, nem tanto as
menores que idolatram o sol e a lua- essas não tem muita filosofia – mas a
maioria das maiores religiões tem alguma filosofia ou teologia. E porque essas
religiões são baseadas numa certa filosofia, tem se mantido por milhares de
anos. Mas apesar das diferentes filosofias, todas as religiões consideram a
maior prática como sendo a prática do amor e da compaixão. Com compaixão, um sentido de perdão
vem imediatamente, seguidos de tolerância e contentamento. Com esses três
fatores, vem a satisfação. Isso é comum a todas as religiões. Isso também é
importante para estender os valores humanos básicos dos quais temos falado.
Então, no que diz respeito a isso, todas as religiões ajudam, no sentido de que
promovem o que é básico para nossa felicidade, isto é, levar uma vida ética.
Portanto, como todas as religiões carregam a mesma mensagem, todas tem o mesmo
potencial para ajudar a humanidade. Em épocas diferentes e locais diferentes, ensinamentos
diferentes sugiram. Isso é necessário. Esses tempos e locais diferentes e
estilos de vida diferentes se desenvolveram por causa das diferenças do meio
ambiente, e por causa disso, diferenças nas religiões se desenvolveram. Para
cada uma dessas épocas, certas idéias religiosas eram adequadas [e,
portanto, foram adotadas]. Por isso, cada uma das religiões milenares tem suas
próprias tradições. Precisamos dessa variedade de tradições ricas: elas servem
aos diferentes tipos de pessoas. Uma única religião não consegue servir e ser
adequada a todos. Na época do Buda, já havia muitas
tradições não budistas na Índia. O Buda não tentou converter todos os indianos
ao Budismo. As outras religiões eram OK. Ocasionalmente, elas discutiam entre
si. Especialmente após o Buda, mestres discutiram uns com os outros por muitos
séculos. Essas discussões, esses debates, ajudaram muito, principalmente no
campo da epistemologia. Um erudito de uma tradição examina criticamente a
filosofia e visões de outra religião e isso faz com que todos pensem sobre suas
próprias religiões e suas próprias tradições e discussões. Então, naturalmente
isso gera um progresso. Em alguns casos, talvez houvesse um pouco de violência
envolvida nesses debates e discussões e isso é lamentável; mas em geral, era um
desenvolvimento saudável. A Índia, então, é um exemplo muito bom de verdadeira
tolerância religiosa que vem durando séculos com uma tradição em si própria; e
essa tradição ainda é viva na Índia. Esse é um bom modelo para o resto do
mundo. Na antiguidade, pessoas eram
isoladas, então, tudo bem. Mas agora as circunstâncias são outras. Por exemplo,
Londres – é quase uma sociedade multi religiosa. A tolerância
religiosa é, então, muito importante. Então para aqueles de vocês que tem fé em
uma religião: harmonia e tolerância são muito importantes. Quando
surgira oportunidade, contribua nesse sentido. Sua Santidade o XIV Dalai Lama Nottingham, Reino Unido, 25 de Maio
de 2008 Transcrito, traduzido em partes e ligeiramente revisado por
Alexander Berzin. www.studybuddhism.com.br.
Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário