Espiritualidade.
Texto de Sri Prem Baba (1965- ).
TRANSCENDÊNCIA. Capítulo Seis. DESPERTAR O AMOR – EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, o
propósito é um só. O propósito da alma individual é também o propósito de toda
a humanidade e de tudo que existe, pois ele se relaciona com a própria essência
da criação. Manifestar o propósito significa exalar a fragrância do Ser que nos
habita. E essa fragrância é o amor que se encontra adormecido em nós. O propósito só pode se
manifestar quando já despertamos pelo menos um tanto desse amor. Ao mesmo tempo
em que o amor desperta, o propósito vai se revelando, e ao mesmo tempo em que o
propósito se revela, o amor se expande. Quando falo de amor, estou me referindo
ao sentido verdadeiro da palavra, e não ao amor, condicionado pelos desejos e
caprichos do ego. Refiro-me ao amor real, que é desinteressado e incondicional.
O amor real ama, independentemente daquilo que recebe em troca. Ele não depende
do amor do outro para existir. Ele não quer recompensas, promessas e garantias,
ele simplesmente ama. SERVIR É AMAR – AMAR, EM ÚLTIMA instância, é servir.
Existe uma profunda conexão entre o amor e o serviço, pois quem ama,
naturalmente, serve, e quem serve, naturalmente, ama. Da mesma forma que não existe amor sem liberdade, não pode haver serviço sem amor. Amar e servir
desinteressadamente representam a mais elevada forma de consciência que pode
haver neste planeta. Para alguns, isso pode parecer até mesmo um pouco
romântico, mas é contrário. Estou me referindo a uma realidade: nós não estamos
aqui a passeio. Não viemos para fazer umas compras no shopping, namorar um
pouco, casar, deixar alguns filhos no mundo e depois ir embora. Viemos para
servir. E enquanto não acordarmos para essa realidade, seguiremos fracassando
em nossas tentativas de encontrar a paz e a felicidade. Enquanto acharmos que
estamos aqui apenas para satisfazer os desejos do ego, estaremos fadados ao
sofrimento. Nós viemos para servir, mas costumo dizer apenas que viemos para
amar, pois é uma forma mais fácil de assimilar e compreender. O que ocorre é
que, para muitos, serviço é uma palavra que carrega conotações negativas.
Normalmente, o servir é associado a um fazer subordinado, a um senso de
inferioridade. E o ego se incomoda muito com isso. Inclusive, um dos elementos
a serem purificados através da prática do seva (serviço desinteressado) é
justamente esse orgulho, essa falta de humildade. O ego é quem se sente
inferior. Ele sempre quer estar em posições especiais, fazendo somente coisas
legais que julga serem mais importantes. E é exatamente isso que precisa ser
transformado. É preciso compreender o significado mais profundo dessa prática
tão mal interpretada que é, na verdade, uma das mais elevadas virtudes da alma.
Servir de forma desinteressada
representa um alto grau de desenvolvimento espiritual. Entretanto,
principalmente no Ocidente, onde a cultura glorifica o ego e alimenta uma
postura arrogante diante das coisas, servir é sinônimo de rebaixamento. Já na
Índia e em outras culturas em que as principais tradições espirituais se
baseiam na relação mestre discípulo, servir está entre as práticas mais
avançadas e elevadas. Eu sei que ao falar de serviço desinteressado, de
renúncia da autoria e do resultado das ações, entrega espiritual e relação
mestre discípulo, estou tocando em temas delicados, justamente por serem de
difícil compreensão. Tudo isso é muito misterioso para a mente racional. Para
alguns, esses temas geram até mesmo certa aversão. Isso ocorre porque nos
lugares onde a cultura foi basicamente influenciada pelo racionalismo, a mente
e a razão têm predomínio sobre o coração e a intuição. A mente raciocina e
tenta entender, mas não consegue, porque não é possível compreender com a mente
o que está além dela. E certos aspectos da entrega espiritual estão muito além
da mente. Para aqueles cuja configuração mental foi rigidamente formatada pela
razão e que estão condicionados ao hábito de questionar e duvidar, antes de
conhecer e confiar, entender o fenômeno da entrega de um discípulo para um
mestre é algo extremamente difícil. Mas, independentemente do que a mente
consegue entender, é fato que algumas almas vêm com o propósito mais específico
de servir a um mestre. Alguns servirão através da sua profissão, dos seus
projetos pessoais ou sociais, da sua arte. Outros servirão através da entrega a
um mestre, o que significa que colocarão seus dons e talentos diretamente a
serviço da missão que vieram realizar. E entre estes, alguns serão levados a
estar dentro de uma comunidade espiritual, vivendo uma vida de renúncia, mas
estes serão poucos, até porque estamos sendo chamados a integrar a
espiritualidade à vida material. A maioria dos buscadores espirituais, mesmo
estando sob a direção de um mestre, precisa viver a espiritualidade de uma
forma prática, que permita que estejam
na cidade, trabalhando em empresas e sustentando a família. Mas, ao contrário
do que muitos acreditam, essa configuração de vida não impede que haja uma
relação profunda entre um mestre e um discípulo. Muito pelo contrário. Muitas
vezes a conexão é ainda mais forte quando não se está perto do corpo do mestre,
porque essa proximidade física, além de gerar purificações muito intensas,
também pode causar uma série de projeções que se tornarão obstáculos na jornada.
Isso ocorre porque alguns não compreendem a dimensão humana do mestre e acabam
se perdendo em idealizações. O importante é saber que a relação mestre
discípulo independe da presença física, até porque é uma relação que se dá no
plano do espírito. O encontro entre um mestre e um discípulo é um fenômeno
extremamente raro e precioso que muitos não poderão ter o privilégio de
experimentar, justamente porque envolve elementos que ultrapassam os limites da
razão humana. E um desses elementos é a devoção. A devoção é uma esfera do amor
incondicional um tanto incompreendida e julgada pela mente cética. É um aspecto
mais refinado do amor, que não se pode explicar – só se pode vivenciar. Somente
a arte pode tentar expressar o que a devoção representa, pois trata-se de um
mistério a ser desvendado pelo coração. Não é possível pensar em devoção,
apenas sentir devoção. Não é possível convencer alguém sobre a devoção, pois é
algo a ser experienciado. Quando o amor amadurece, a devoção naturalmente
floresce. Até um determinado momento, a sua devoção pode ser focada em alguma
forma divina, alguma imagem, algum nome ou algum mestre, mas o aspecto mais
elevado da devoção é quando o amor vai além da forma ou das questões pessoais e
deixa de ter um endereço ao qual corresponder. É, quando isso acontece, o
serviço deixa de ser uma purificação, um remédio que você usa para curar
doenças. O serviço flui simplesmente porque ele se tornou a razão maior da
vida. Muitos, porém, confundem a devoção com o fanatismo, o que é um tremendo engano.
Devoção e fanatismo são dimensões radicalmente opostas. A devoção nasce da
experiência da verdade e o fanatismo nasce da imaginação. Ele é um produto da
mente condicionada, pois se baseia em crenças, aquele que não conhece a verdade
acredita na verdade – a verdade criada pela sua própria mente. O fanático
acredita ser o dono da verdade sem nem mesmo ter tido um vislumbre dela. No
fundo, ele se esconde da Verdade através de uma suposta fé. Qualquer expressão
que negue a sua vontade é vista como uma ameaça; qualquer um que não acredite
no que ele acredita é visto como inimigo. E isso ocorre justamente porque, no
fundo, ele nega a Verdade. Sua fé é baseada em crenças e verdades emprestadas –
e uma falsa fé. O fanatismo é, portanto, uma expressão do falso eu. Ele se
disfarça atrás de uma máscara de devoto, mas não é nada além de uma distorção
do amor. O verdadeiro devoto é aquele que,
tendo passado pelo deserto do ceticismo e pelas provas da dúvida e dos
questionamentos que ela traz, teve um vislumbre da Verdade. E através dessa
experiência desenvolveu as virtudes da autêntica fé e do serviço
desinteressado, o que envolve humildade, e aceitação e gratidão, assim como
dedicação, retidão e foco. Aquele que se torna um devoto da vida acorda pela
manhã e pergunta ao Mistério: “Como posso servir? Ele se coloca à disposição do
amor para servir a divindade na forma de todos os seres vivos, na forma da
vida. Esse é o sentido mais profundo de tornar-se um canal puro do amor. E isso
é o que podemos chamar de entrega espiritual. PROPÓSITO COMUM – QUANDO A
DEVOÇÃO E o serviço desinteressado se encontram, ocorre uma poderosa alquimia.
Tenho sido testemunha de muitas belas manifestações que nascem dessa
combinação, principalmente quando esse fenômeno ocorre num grupo de pessoas.
Quando uma alma se doa para realizar a meta maior através do amor, isso é algo
realmente valoroso, mas quando muitas almas se reúnem em torno do mesmo
propósito, movidas pela devoção, coisas extraordinárias acontecem.
Extraordinário é superar limitações e vencer desafios:: é manifestar a luz em
meio à escuridão; é conseguir amar o outro mesmo quando ele está sendo canal do
mais profundo ódio e da ignorância; é estar unido ao outro mesmo quando tudo
leva à separação. Isso é TRANSCENDÊNCIA, ou seja, é ir além do egoísmo e
manifestar o altruísmo. E o que possibilita a manifestação disso que estou
chamando de extraordinário é a união. Sem união, não há TRANSCENDÊNCIA. A união
é capaz de realizar verdadeiros milagres, porque quando unimos nossas forças (nossos
potenciais e virtudes) em torno da mesma meta, nos tornamos verdadeiramente
poderosos. E essa é a força que tem um sangha, que é uma comunidade de pessoas
unidas em torno de um mestre espiritual para a realização de um propósito
comum. O sangha é um organismo vivo que vai expandindo conforme cada indivíduo
da comunidade vai se curando e amadurecendo. E na medida em que o sangha
expande e se fortalece, ele vai se transformando em refúgio de cura e conexão
para todos aqueles que estão em busca da verdade. É por isso que o sangha é
visto pelos budistas como uma das joias sagradas do caminho da iluminação. O
sangha é o corpo do mestre. E o que permite a saúde do corpo do mestre é a
capacidade do sangha de trabalhar em união, amizade e harmonia, pois é através
do sangha que o mestre realiza a sua missão no mundo. Um mestre só pode
realizar seu propósito por meio da realização do propósito daqueles que o
acompanham, pois é parte da sua missão guia-los para essa realização. Um dos
aspectos do trabalho de um mestre é justamente acordar a lembrança do propósito
e ativar as potencialidades latentes daqueles que escolhem trilhar o caminho
com ele, para que possam se colocar a serviço do bem maior. Na medida em que
esse trabalho é feito e o discípulo começa a doar seus dons e a entregar os
presentes que trouxe para o mundo, o mestre também é presenteado, pois o maior
presente para um mestre espiritual é ver
o seu aluno se realizar. Na relação mestre discípulo, apesar de o mestre ter a
função de guiar, ambos estão crescendo juntos: um vai expandindo através da
expansão do outro. E quando esse movimento ocorre por meio da união de muitas
almas, verdadeiros saltos quânticos de expansão da consciência coletiva se
tornam possíveis. Consciência é sinônimo de luz, de iluminação. O sangha
funciona como uma grande bolha luminosa que, à medida em que cresce, dissipa a
escuridão. É um dos mais poderosos instrumentos do caminho da autorrealização.
SER O AMOR – AUTORRREALIZAÇÃO OU REALIZAÇÃO de si mesmo significa tomar
consciência de quem somos, significa despertar do sonho da separação criado
pelo ego e voltar à percepção da Unidade. Em última instância, realizar-se
significa retornar à própria essência amorosa: assim como um rio se funde no
mar, a consciência humana se funde na consciência divina. A consciência é
única, mas por causa da natureza ilusória deste plano, ela parece estar
fragmentada. Como já vimos ao encarnarmos na Terra para viver essa experiência
material, através de um corpo e de um ego, somos envolvidos por um véu ilusório
que nos faz acreditar que estamos separados. Ter um ego implica,
necessariamente, na existência de uma ideia de eu. Portanto, faz parte do jogo
neste planeta ter esse senso de separação. Faz parte do aprendizado da alma
encarnada num corpo acreditar que é uma gotinha de água enquanto é o próprio
oceano. E, assim como acreditamos ser uma gota, também nos esquecemos do
oceano. Na filosofia hindu, aquele que se liberta da ilusão da separação e toma
consciência da sua verdadeira identidade é chamado de jivanmukta (alma livre).
Esse é o caminho que estamos percorrendo. O caminho da autorrealização ou da
libertação – o caminho do encontro da gota com o oceano. E o que possibilita
essa lembrança é o amor desperto. Sem amor, não há expansão da consciência. E
sem expansão da consciência, não pode haver lembrança. Lembrar significa
iluminar, trazer para o campo de visão. E esquecer significa escurecer, retirar
do campo de visão. Quando nos esquecemos de alguma coisa, é como se aquilo não
existisse. O amor é a luz que nos habita, é o que nos move neste plano. Todos
os males deste mundo existem por causa do amor adormecido em nós. E quando falo
adormecido, estou me referindo a um estado inativo. Quer dizer que o amor está
presente, porém adormecido ou desativado. Assim como uma semente que não é
plantada não pode transformar-se numa árvore e dar frutos, o amor adormecido
não pode cumprir sua meta de expansão da consciência. Portanto, chegamos ao
final do nosso estudo concluindo que estamos aqui para despertar o amor
adormecido. Não somente em nós, mas em todos os seres, até porque o amor
desperta em nós quando queremos ver o outro despertar. Acredito que, nesse
ponto do nosso estudo, já deve estar claro que só é possível brilhar quando
trabalhamos para que o outro também brilhe; só é possível se curar, quando
trabalhamos para que todos se curem; só é possível realizar o nosso propósito
quando trabalhamos para a realização do propósito do outro. O amor é a semente
e ao mesmo tempo o fruto maduro da árvore da consciência. Ele é a própria seiva da vida, é a nossa essência.
Assim como o perfume da rosa é inseparável da rosa, o amor é inseparável do
Ser. Quando amamos de verdade, estamos exalando a fragrância do Ser. Assim como
o propósito do Sol é iluminar e aquecer, o propósito do ser humano é amar. Por
isso eu sempre digo que tudo se resume ao amor. Livro Propósito – A Coragem de
Ser Quem Somos. Abraço. Davi.
Como identificar o amor incondicional?
ResponderExcluirComo ter certeza que aprendi a amar os inimigos...e pessoas que não me amam?