Budismo. Texto de Alexander Benzin.
Tradução de Rosa Frazão. RAIVA - LIDANDO COM EMOÇÕES PERTURBADORAS. Problemas na Vida. Quase
todos nós sentimos que temos algum problema em nossas vidas. Queremos ser
felizes. Não queremos ter nenhum problema, mas constantemente temos que
enfrentar muitos problemas diferentes. Às vezes nos deprimimos; encontramos
dificuldades ou nos sentimos frustrado no trabalho, com nossa posição social,
nossas condições de vida, situação de nossa família. Temos o problema de não
conseguirmos o que queremos. Queremos ser bem sucedidos. Queremos que só coisas
boas aconteçam com nossa família e negócios, mas não é sempre assim. Então,
quando temos problemas, ficamos infelizes. Algumas vezes coisas que não
queremos acontecem, como ficar doente ou fraco quando envelhecemos, perder a
audição ou visão. É indiscutível que ninguém quer que isso aconteça. Temos
problemas no trabalho. Algumas vezes as coisas vão mal e nosso negócio declina
ou fracassa. Isso é claramente algo que não queremos que aconteça, mas acontece
de qualquer maneira. Às vezes coisas ruins acontecem conosco, nos machucamos,
acidentamos, ficamos doentes. Essas coisas ficam acontecendo como problemas que
enfrentamos. Além disso, também nos defrontamos com muitos problemas emocionais
e psicológicos. Podem ser coisas que não nos sentimos a vontade de discutir ou
revelar aos outros. Mas no fundo sabemos que existem certas coisas nos
incomodam. Pode ser no que diz respeito às expectativas quanto aos nossos
filhos, preocupações ou ansiedades, coisas que nos trazem muitas dificuldades.
É o que chamamos “ problemas ou situações incontrolavelmente recorrentes” em
sânscrito samsara. Problemas Incontrolavelmente Recorrentes são Samsara. Meu background e treinamento é de tradutor, e como
tradutor eu viajei pelo mundo a muitos países diferentes, traduzindo e também
dando palestras sobre budismo. Descobri que existem muitos mal entendidos no
que diz respeito ao budismo. Parecem ser, na maior parte dos casos, devido às
palavras inglesas que foram escolhidas para traduzir os termos e idéias
originais do budismo. Muitas dessas palavras foram escolhidas no século passado
por missionários vitorianos e tem conotações bastante fortes que não são as
conotações ou significados que as palavras originais nas línguas asiáticas
tinham. Por exemplo, temos falado sobre problemas, palavra que geralmente é
traduzida como “sofrimento”. Se falamos de sofrimento, muitas pessoas
desenvolvem a ideia de que o budismo é uma religião muito pessimista, porque
fala que a vida de todo mundo é cheia de sofrimento. Parece dizer que não temos
o direito de sermos felizes. Se falarmos com alguém que está numa situação
confortável, bem e rica, e dissermos, “Sua vida é cheia de sofrimento”, a
pessoa vai ficar na defensiva. Ela pode argumentar dizendo: “Como assim? Eu
tenho uma filmadora, tenho um bom carro, uma boa família. Eu não estou
sofrendo”. Sua resposta é justificável por causa
da palavra sofrimento, que é uma palavra muito pesada. Se, ao invés
disso, traduzirmos o mesmo conceito budista como “problema”, e dizemos a
alguém: “Não importa quem você seja, quão rico seja, quantos filhos tenha,
todos temos algum problema na vida”, isso é algo que todos estão dispostos a
aceitar. Portanto, eu vou discutir essas explicações budistas da tradição
tibetana com termos ligeiramente diferentes daqueles que usados normalmente. Problemas incontrolavelmente
recorrentes são samsara. São situações sobre as quais não temos nenhum controle
e acontecem recorrentemente – como, por exemplo, sempre nos frustrarmos ou
sempre temos preocupações e ansiedades. Agora, quais são as “verdadeiras causas”?
O Buda falou que não só que existem “problemas verdadeiros” que enfrentamos,
mas também que eles têm causas verdadeiras e que podemos acabar com essas
causas. Acabar com as causas, alcançar seu “verdadeiro aniquilamento”, é seguir
o “verdadeiro caminho”, o que significa desenvolver “mentes do caminho
verdadeiro”, tipos de compreensão que eliminam as causas do sofrimento. Uma vez
que nos livramos das causas, nos livramos dos problemas. A Raiz dos Problemas: Nos Agarrarmos a uma Identidade Sólida. A verdadeira causa desses problemas
incontrolavelmente recorrentes que enfrentamos na vida é que nós não conhecemos
a realidade. Nós não temos consciência de quem realmente somos, quem as outras
pessoas realmente são, o significado da vida, o que realmente está acontecendo
no mundo. Eu uso “falta de consciência” ao invés de ignorância. Ignorância soa
como se alguém dissesse que você é estúpido e não entende. Ao invés disso,
simplesmente não estamos conscientes, e por isso experimentamos isso como
insegurança no nível psicológico. Por causa dessa insegurança, tendemos a nos
agarrar a algum tipo de identidade sólida, algum tipo de “eu”: “Eu não sei quem
sou ou como existo então me agarro a algo sólido ou mesmo fantasioso sobre mim
mesmo e digo que isso sou eu, isso é quem eu realmente sou”. Podemos nos agarrar a uma identidade
de ser pai, por exemplo: “Isso é quem eu sou, eu sou o pai, devo ser respeitado
em minha família. Meus filhos devem demonstrar respeito e obediência a mim.” Se
toda nossa orientação de vida diz respeito a ser pai, é claro que isso nos
trará algumas dificuldades. Isso porque, se nossos filhos não respeitarem essa
posição, teremos um problema. No escritório, as pessoas não nos vêem com um
“pai” ou alguém que mereça esse tipo de respeito. De novo, isso pode ser muito
perturbador. O que acontece se em casa sou eu quem manda, mas quando vou pro
trabalho as pessoas me olham com ar de superioridade, me tratam como se eu
fosse inferior e eu é que preciso mostrar respeito? Se nos agarrarmos muito à
identidade de pai merecedor de respeito podemos ser muito infelizes no
trabalho, onde as pessoas não nos tratam assim. Podemos ter a identidade de um bem
sucedido homem de negócios: “Eu sou um bem sucedido homem de negócios. É assim
que sou; é assim que devo ser”. Entretanto, se nosso negócio vai à falência ou
vai mal, nós estamos completamente aniquilados. Algumas pessoas cometem até
suicídio ou outras coisas horríveis se seu negócio vai à falência, porque elas
não conseguem conceber a vida sem essa forte identidade a qual se agarraram. Ou podemos conceber nossa identidade
como sendo viril: “Isso é o que sou; eu sou um homem viril, bonito e atraente”.
Mas quando começamos a envelhecer e perder nossa virilidade, isso pode nos
deixar loucos. Algumas pessoas podem se sentir devastadas se essa for a
identidade de seu “eu”. Elas não estão dispostas a ver que tudo na vida muda e
que essa identidade não é permanente. Podemos
também achar que somos uma pessoa tradicional e todas as coisas devem ser
feitas de maneira tradicional. Quando a sociedade muda e os jovens não seguem
mais as tradições nas quais fundamentamos nossa identidade, podemos ficar com
raiva, chateados ou muito magoados. Nós realmente não podemos nos imaginar
vivendo em um mundo que não segue os costumes tradicionais chineses, a maneira
tradicional na qual crescemos. Por
outro lado, sendo jovens, podemos construir nossas identidades como pessoas
modernas: “Eu sou uma pessoa moderna, do mundo; eu não preciso desses valores
tradicionais”. Se nos agarramos fortemente a isso e nossos pais começarem a
insistir que sigamos os valores tradicionais e que os tratemos da maneira
tradicional, também assim, como um jovem moderno, podemos nos sentir
hostilizados, com raiva. Podemos até não expressar, mas lá dentro sentimos que
por causa da nossa identidade de pessoa moderna, não precisamos visitar nossos
pais no Ano Novo Chinês; nós não precisamos fazer todas essas coisas
tradicionais, mas novamente, isso nos trará muitos problemas. Podemos também nos identificar com
nossa profissão. Nesse caso, se nosso negócio vai à falência e só conseguimos
nos conceber em termos dessa profissão que tínhamos, não estaremos sendo
flexíveis. Quando não podemos trabalhar no que trabalhávamos antes, sentimos
que nosso mundo acabou. Não conseguimos enxergar que é possível entrarmos em
uma profissão diferente e não precisamos ter só uma profissão. Agarramo-nos a essas diferentes
identidades como uma maneira de nos sentirmos seguros. Temos algumas idéias
sobre quem somos, que tipo de regras seguimos, que tipo de coisas queremos da
vida. Temos a tendência de pensar que isso é permanente, concreto, que é o que
eu realmente sou. O que acontece é que, baseados nesse conceito de nós mesmos,
nessa auto imagem, temos todo tipo de emoções perturbadoras que surgem como
suporte para essa identidade. Isso porque nos sentimos inseguros dessa
identidade, e assim, sentimos que precisamos prová-la e reafirmá-la. Por exemplo, se sentimos, “Eu sou um
pai de família”, não é suficiente pra gente sentir apenas que somos o pai na
família, precisamos também afirmar a autoridade. Temos que afirmar nosso poder
sobre a família e nos certificarmos que todos nos reverenciam, porque temos que
provar para todo mundo que ainda somos o pai. Não é o suficiente apenas
sabermos que somos. Se sentirmos que essa identidade está ameaçada, podemos
ficar muito na defensiva, ou nos tornarmos agressivos ou ofensivos para provar
alguma coisa. “Eu tenho que provar quem eu sou. Eu tenho que provar que ainda
sou viril e atraente”, e aí temos que sair e nos casar novamente, ou ter um
caso com uma mulher mais nova para provar que é isso que somos, é assim que
existimos. Emoções e Atitudes Perturbadoras. Atração e Desejo Profundo. Emoções e atitudes perturbadoras são estados
mentais que surgem e com os quais tentamos provar ou manter uma identidade
sólida. Essas emoções perturbadoras podem ser de vários tipos, como atração ou
desejo profundo, por exemplo. Este último surge quando precisamos obter alguma
coisa, ou nos cercar de algo de forma a assegurar uma identidade. Por exemplo,
se minha identidade for de pai ou patriarca da minha família, posso pensar: “Eu
tenho que obter respeito; as crianças precisam vir no Ano Novo e devem obedecer
a tudo que eu disser”. De alguma forma eu acho que se conseguir respeito
suficiente, isso vai me deixar muito seguro. E obviamente quando eu não sou
respeitado me sinto magoado e posso ficar muito bravo. Também posso achar que minha
identidade é de uma pessoa sortuda: “Eu devo sempre ter boa sorte e ganhar no
mahjong”. Se essa for a minha identidade, acho que se eu sempre ganhar no
mahjong, ou em qualquer outro tipo de jogo me sentirei seguro. Ou talvez deva
sempre ir a um adivinho ou jogar varetas no templo budista chinês para obter
uma resposta adequada, reafirmando que sou bem sucedido, que estou bem. Sou
inseguro demais em relação a minhas próprias habilidades nos negócios para
sentir que vou ter sucesso. Sempre preciso de mais sinais, mais sinais dos
deuses, mais sinais de quem quer que seja para me sentir seguro, então
compulsivamente sempre busco isso. Também
posso achar que “Eu sou a pessoa em posição de autoridade em meu negócio. O
poder me atrai e vai me fazer sentir seguro”. Essa atitude pode surgir a partir
de muitas estruturas psicológicas diferentes. Pode estar baseada no sentimento
de que sou uma pessoa poderosa ou de que não sou realmente poderosa, mas
preciso do poder para me dar suporte. Então achamos que “Se conseguir que todos
no escritório me obedeçam, façam as coisas da maneira que eu quero, me sentirei
seguro”. Ou, se eu tenho empregados em casa, para provar que sou eu quem está
no comando, me atrai a ideia de que eles devam fazer tudo do meu jeito e posso
até começar a exigir que façam coisas desnecessárias, só pra mostrar quem está
no comando. Uma pessoa também pode gostar muito
de atenção. Sendo jovens, podemos achar que: “Minha identidade é de um jovem
moderno e descolado, e se eu estiver sempre antenado com as últimas tendências
de vestuário, vídeos, CDs, ou as últimas novidades das revistas de moda, minha
identidade estará segura”. Existem
muitas maneiras, muitas coisas diferentes nas quais podemos focar e achar que
se tivermos o suficiente daquilo, que pode ser dinheiro, posses, poder, atenção
ou amor, nos sentiremos seguros. É claro que isso não funciona. Na realidade,
se isso alguma vez tivesse funcionado, em alguma hora sentiríamos que temos o
suficiente, que estamos satisfeitos. Mas nunca sentimos que temos o suficiente,
sempre queremos mais e quando não conseguimos ficamos com raiva. A raiva surge
de formas muito diferentes. Repulsa e Hostilidade. Outro mecanismo que usamos pra tentar deixar uma
identidade sólida aparentemente segura é a repulsa, hostilidade e raiva: “Se eu
conseguir apenas afastar certas coisas que não gosto, que ameaçam minha
identidade, então me sentirei seguro”. Se eu basear minha identidade na minha
visão política ou na minha raça ou cultura: “Eu só preciso afastar aqueles que
têm uma visão diferente, cor de pele diferente, religião diferente, para me
sentir seguro”. Ou, se minha empregada está fazendo as coisas um de um modo um
pouco diferente de como eu quero que ela faça, ou meus funcionários do
escritório estão fazendo as coisas de um modo um pouco diferente de como eu
quero que eles façam, acho: “Eu só preciso conseguir corrigi-los, mudar isso, e
então me sentirei seguro. Eu gosto dos meus papéis arrumados de uma certa
maneira, mas aquela outra pessoa no escritório os arranja de maneira
diferente.” De alguma forma sentimos que isso nos ameaça: “Eu só preciso conseguir
que eles arrumem da minha forma, para eu me sentir seguro”. Que diferença faz?
Dessa forma, dirigimos nossa hostilidade aos outros, num esforço de nos
livrarmos de tudo que nos ameaça. Ou,
quando a base de nossa identidade é estarmos sempre corretos, se alguém nos
desaprova ou crítica, ficamos na defensiva, hostis e com raiva. Ao invés de
aceitarmos com gratidão a crítica para crescermos e melhorarmos – ou mesmos, se
a crítica for injusta, aproveitar a oportunidade para checarmos e nos
assegurarmos que não estamos sendo desleixados ou omissos – insultamos a pessoa
com palavras ásperas, ou agimos de maneira passivo-hostil, ignorando ou não
falando com o sujeito. Agimos desse modo porque nos sentimos relativamente
inseguros e ameaçados. Pensamos que a pessoa está rejeitando a “mim”, que estou
sempre certo e, para proteger esse “eu” sólido, rejeitamos essa pessoa. Ingenuidade da Mente Fechada. Outro
mecanismo é a ingenuidade da mente fechada, que basicamente constrói muros a
nossa volta: “ Se alguma coisa me ameaça, ameaça minha identidade, bom, vou
fingir que ela não existe”. Temos dificuldades com nossa família ou no trabalho
e no entanto voltamos pra casa com uma cara impassível, como se não houvesse
nada nos incomodando. Não queremos falar no assunto; ligamos a televisão e
fingimos que o problema não existe. Essa é a atitude da mente fechada. Nossos
filhos querem discutir seus problemas, mas nós os afastamos. “Minha identidade
é de que nossa família não tem problemas; nossa família é perfeita; segue todos
os valores tradicionais. Como é que você pode sugerir que existe um problema e
perturbar o equilíbrio, a harmonia?” Achamos que a única maneira de lidarmos
com o problema é fingindo que não existe. Esse tipo de atitude é chamada de
ingenuidade da mente fechada. Impulsos que Surgem em Nossa Mente
são Expressões do Karma. Quando temos esses
diferentes tipos de emoções perturbadoras, o que vem a seguir é que vários
impulsos surgem em nossa mente. É a isso que o karma se refere. “Karma” não
significa destino. Infelizmente, muitas pessoas acham que é esse o significado
de karma. Se alguém vê seu negócio indo à falência ou bate o carro, podemos
dizer, “Bom, azar, é o seu karma”. É quase a mesma coisa que dizer “É a vontade
de Deus”. Não estamos falando da vontade de
Deus ou destino, quando discutimos karma. Estamos falando de impulsos, os
vários impulsos que vem a nossa mente e nos fazem agir de determinada forma.
Por exemplo, o impulso que veio a nossa mente quando tomamos certa decisão nos
negócios, que acabou sendo ruim. Ou o impulso de exigir algo dos meus filhos,
que eles me respeitem. Ou o impulso de gritar com meus funcionários no
escritório, que eles não devem fazer as coisas do jeito deles, mas do meu
jeito. Outro impulso que pode vir a minha mente é ficar com um rosto impassível
, ligar a televisão e não ouvir ninguém. Esses impulsos, o karma, vêm a nossa
mente, e nós agimos em conformidade com eles. Isso produz nossos problemas
incontrolavelmente recorrentes. Podemos
ter o problema de estarmos sempre ansiosos e preocupados com nossa posição no
trabalho ou com problemas de família. A partir desse apego à identidade sólida,
“tenho que ser bem sucedido e agradar aos meus pais ou à sociedade”, é que
tentamos defendê-la negando que o problema de ansiedade existe. Passamos a ter
a mente e o coração fechados. E então, apesar de estarmos tendo todo tipo de
dificuldades no trabalho ou em casa, elas ficam abaixo da superfície e todo
mundo faz cara de que está tudo bem. Lá dentro, no entanto, estão todas essas
preocupações e tensões, que podem mais tarde explodir em um impulso que leva a
uma cena de violência, frequentemente dirigida a alguém da nossa família ou do
trabalho que não tem nada a ver com a história. Isso acaba nos causando
problemas enormes. Esses são diferentes mecanismos que
produzem nossos problemas incontrolavelmente recorrentes. Podemos ver que lidam
com várias emoções e é claro que surge a questão: Todas as emoções são
problemáticas? Todas as emoções nos trazem problemas? Emoções Construtivas. Temos
que ver que existe uma diferença entre certas emoções que são muito positivas e
construtivas – como amor, calor humano, afeto, tolerância, paciência e bondade
– e emoções negativas ou destrutivas como o desejo, hostilidade, mente fechada,
orgulho, arrogância, inveja e assim por diante. Não existe uma palavra para
emoção nas línguas Pali, Sânscrito ou Tibetano. Podemos falar sobre as
positivas ou negativas, mas não existe uma palavra que agrupe como temos em
inglês. Quando falamos sobre certas emoções
ou atitudes que, quando geradas, nos fazem sentir desconfortáveis, apreensivos,
essas são as emoções ou atitudes destrutivas. Por exemplo, temos uma paixão ou
obsessão por alguma coisa ou alguém e isso nos deixa muito apreensivos. Podemos
ficar muito ansiosos pra receber respeito, ou ansiamos por amor, atenção ou
aprovação de alguém porque estamos apegados a essa pessoa e por isso buscamos
sua aprovação e assim por diante, para sentirmos que temos valor, pra nos
sentirmos seguros – essas são todas dificuldades que surgem no que diz respeito
à emoção/atitude destrutiva do desejo profundo. Sempre que somos hostis, nos
sentimos muito inquietos; ou se temos a menta fechada, isso também é um
sentimento intranqüilo. Todas essas atitudes são problemáticas. Assim, devemos
diferenciar as emoções negativas das positivas como, por exemplo, o amor. Amor, na tradição budista, é definido
com a emoção positiva através da qual desejamos aos outros que sejam felizes e
encontrem as causas da felicidade. Isso está baseado na lógica de que todos
somos iguais, igualmente desejamos ser felizes e ninguém quer problemas. Todos
têm o mesmo direito de ser feliz. Amor é cuidar e estimar os outros como a nós
mesmos. É nos preocuparmos com a felicidade dos outros independentemente do que
eles façam. É como amor de mãe, que ama seu filho mesmo quando ele suja sua
roupa ou vomita nela. Não importa. A mãe não deixa de amar o bebê só porque ele
ficou doente ou vomitou em suas roupas. A mãe se preocupa com ele do mesmo
jeito, tem o mesmo desejo de que ele seja feliz. Enquanto isso, o que
usualmente chamamos amor é uma expressão de dependência ou carência. “Eu te
amo”significa” eu preciso de você, não me deixe, não consigo viver sem você e é
melhor você fazer isso ou aquilo, ser uma boa esposa ou um bom marido, sempre
me dar flores no dia dos namorados e fazer só o que eu gosto. Se não, bom,
agora eu o odeio porque você não fez o que eu queria, não estava lá quando eu
precisei de você”. Tal atitude é uma emoção
perturbadora, e não a idéia budista de amor. Amor é nos preocuparmos com alguém
independentemente dele ter nos mandado flores ou não, se nos escuta ou não, se
é gentil e agradável conosco ou age de forma horrível ou mesmo nos rejeita. É
nos preocuparmos com a felicidade alheia. Temos que perceber que quando falamos
de amor ou emoções semelhantes, pode haver um tipo (de emoção) tanto positivo
como negativo. Raiva é Sempre uma Emoção Perturbadora. Agora finalmente vamos discutir a raiva. O que
acontece com a raiva? Raiva é algo que sempre perturba. Ninguém fica mais feliz
por estar com raiva. Não nos sentimos melhor quando temos raiva. Não faz a
comida ficar mais gostosa. Quando estamos com raiva e chateados, não ficamos
confortáveis e não conseguimos dormir. Não precisamos fazer uma cena gritando e
berrando, mas se por dentro estamos com raiva de alguma coisa que está
acontecendo no trabalho ou com a família, podemos começar a ter má digestão ou
uma úlcera, ou não conseguimos dormir à noite. Enfrentamos muitas dificuldades
por segurarmos a raiva, e se conseguimos expressá-la com olhares ou vibrações
hostis, nem mesmos os gatos ou cachorros vão querer ficar perto da gente. Eles
vão lentamente saindo de perto, porque se sentem desconfortáveis com nossa
presença, com nossa raiva. A
raiva não traz nenhum tipo de benefício. Se a nossa raiva fica tão forte ou
frustrada que temos que extravasá-la de alguma forma e explodimos, xingando ou
maldizendo alguém, será que isso realmente nos faz sentir melhor? Ver alguém
magoado e chateado nos faz sentir melhor? Ou ficamos com tanta raiva que
sentimos que temos que esmurrar a parede. Será que socar a parede realmente nos
faz sentir melhor? Não, é óbvio que não, machuca. Na verdade, a raiva não nos
ajuda de maneira alguma. Se ficamos presos num engarrafamento, e ficamos com
tanta raiva que começamos a buzinar, gritar e xingar todo mundo, isso traz algo
de bom? Nos faz sentir melhor? Os carros começam a andar mais rápido? Não, só
faz com que façamos papel de palhaço na frente de todo mundo, e ainda vão
dizer: “Que idiota é esse buzinando?” Isso certamente não vai ajudar a
situação. Temos que Sentir Raiva? Se
emoções perturbadoras como a raiva e comportamentos impulsivos baseados nela,
como gritar, berrar, isolar com hostilidade ou rejeitar alguém, são a causa de
nossos problemas, será que sempre teremos problemas com essas emoções? Será que
isso é algo que sempre teremos que experimentar? Não, esse não é o caso, porque
emoções perturbadoras não são parte da natureza da mente. Se fossem, nossa
mente teria que estar sempre perturbada. Até nos casos mais severos, existem
momentos em que a mente não se encontra perturbada pela raiva. Um exemplo é que
quando finalmente adormecemos já não sentimos mais a raiva. Portanto, é possível que existam
momentos em que as emoções destrutivas, como raiva, hostilidade e ressentimento
não estão presentes. Isso prova que essas emoções destrutivas não são
permanentes; elas não são parte da natureza da mente e consequentemente podemos
nos livrar delas. Se acabarmos com as causas da raiva – não só
superficialmente, mas nos níveis mais profundos – certamente é possível
superarmos o ressentimento e obtermos paz de espírito. Isso não significa que devamos nos
livrar de todas as emoções e sentimentos e nos tornarmos como o Dr. Spock de
Jornada nas Estrelas, como um robô ou um computador, sem emoções. Mas o que
queremos é nos livrar das emoções perturbadoras, das atitudes perturbadoras que
estão baseadas na confusão e falta de compreensão sobre quem somos na
realidade. Os ensinamentos budistas são muito ricos em métodos com esse
objetivo. Superando a Raiva: Mudando Nossa Qualidade de Vida. Primeiro precisamos de alguma motivação ou algo que
nos motive a trabalhar para nos livrarmos de nossa raiva e todas nossas emoções
e atitudes perturbadoras. Senão, porque nos dedicaríamos a isso? Portanto, é
importante que tenhamos a motivação. Podemos
começar a desenvolver tal motivação pensando: “Quero ser feliz e não ter
problemas. Quero melhorar minha qualidade de vida. Minha vida não é muito prazerosa
porque eu sempre guardo ressentimento e hostilidade. Frequentemente me
aborreço. Talvez não expresse, mas está lá e me faz sentir mal e chateado o
tempo todo. Isso não é uma boa qualidade de vida. Além disso, me dá má digestão
e várias doenças. Não posso nem apreciar as comidas que gosto.” Afinal, nossa qualidade de vida está
em nossas mãos. Uma das principais mensagens que o Buda nos passou é que
podemos interferir na qualidade de nossas vidas. Não estamos condenados a viver
uma vida infeliz o tempo todo. Podemos fazer algo a respeito. E então pensamos, “Eu não só quero
melhorar minha qualidade de vida agora, ou por algum tempo a curto prazo, mas
também a longo prazo. Eu não quero que as coisas fiquem tão ruins que acabem
cada vez piores. Porque, por exemplo, se eu não me livrar da minha hostilidade
e ressentimento agora, se os continuar guardando, vão ficar cada vez piores e
eu posso até acabar desenvolvendo uma úlcera. Eu posso explodir e fazer coisas
terríveis como amaldiçoar ou jogar uma praga em alguém ou mesmo tentar
destruí-lo. Isso pode gerar uma retaliação por parte da pessoa, que pode
amaldiçoar a mim e à minha família e, de repente, teremos um roteiro perfeito
para um novo vídeo ou filme.” Se
pensarmos mais adiante, que não queremos que isso aconteça, trabalharemos e
tentaremos nos livrar de nossa raiva para que o problema não adquira maiores
proporções. Além disso, podemos aspirar não só a minimizar nossos problemas,
mas, ainda melhor, nos livrarmos de todos os problemas de uma vez, porque mesmo
um pequeno ressentimento ou hostilidade não tem nenhuma graça: “Tenho que
desenvolver uma determinação firme para me livrar de todos os problemas”. Determinação de Ficar Livre. Geralmente,
o que eu chamo “determinação de ficar livre” é traduzido como “renúncia”, que é
uma tradução um pouco enganosa. Tende a dar a impressão que devemos desistir de
tudo e ir morar numa caverna. Isso não é de maneira alguma o que está sendo
dito aqui. O que está sendo discutido é olharmos honesta e corajosamente para nossos
problemas, ver o quão ridículo é continuarmos vivendo com eles e decidir: “Não
quero continuar assim. Pra mim basta. Já estou de cansado deles; não aguento
mais. Eu tenho que sair disso”. A
atitude a ser desenvolvida aqui é a determinação de se libertar e, com isso, a
disposição de desistir de nossos velhos e perturbadores padrões de pensamento,
fala e comportamento. Isso é muito importante. A menos que tenhamos uma
convicção muito forte, não poremos toda nossa energia nisso. Enquanto não
pusermos toda nossa energia nisso, nosso esforço para nos libertarmos será
muito fraco e inconstante e nunca chegaremos a lugar algum. Queremos
felicidade, mas não queremos abandonar nada do que já possuímos, como nossos
hábitos e emoções negativas. Dessa forma, nunca temos sucesso. Portanto, é
muito importante termos essa forte determinação para decidirmos e estarmos
dispostos a abandonar nossos problemas e suas causas. Já a um nível mais
elevado, temos que pensar: “Preciso me livrar da minha raiva, não apenas para
ser feliz, mas também para que todos à minha volta também possam ser felizes.
Para o bem da minha família, amigos, colegas de trabalho e sociedade, preciso
me livrar da minha raiva. Preciso superar isso, por consideração aos outros.
Não quero causar-lhes problemas e torná-los infelizes. Não só seria embaraçoso
expressar minha raiva, mas também traria vergonha a toda a minha família.
Traria vergonha a todos os meus companheiro e assim por diante. Logo, por
consideração, devo aprender a controlar e a lidar com meu gênio e me livrar
dele.” Uma motivação ainda mais forte é
produzida pela reflexão: “Devo me livrar dessa raiva porque ela me impede de
ajudar os outros. Se outros precisarem da minha ajuda, como meus filhos,
colegas de trabalho ou pais, e eu estiver completamente perturbado ou chateado
por raiva ou hostilidade, como poderei ajudá-los?” Esse é um grande obstáculo,
portanto é muito importante trabalharmos nisso para desenvolver com sinceridade
diversos níveis de motivação. Não
importa quão sofisticado seja o método para lidar com a raiva, se não tivermos
uma forte motivação para aplicá-lo, não o faremos. E, se não aplicarmos os
métodos que aprendemos, qual o sentido? Portanto, o primeiro passo é pensar
sobre a nossa motivação. Métodos para Superarmos a Raiva. Quais são os verdadeiros métodos que podemos usar
para superar a raiva? A raiva é definida como um estado mental agitado que quer
gerar violência contra alguma coisa, animada ou inanimada. Se focarmos em uma
pessoa, animal, situação ou em algum objeto e não gostarmos dele e quisermos
expressar alguma violência e agitação para modificá-lo de maneira violenta,
isso é raiva. Portanto, raiva é um estado de intolerância e falta de paciência,
combinado com o desejo de machucar o que quer que seja que não suportamos. Seus
opostos são, por um lado, a paciência, que é o oposto da intolerância e, por
outro, o amor. Porque o amor é o desejo de que o outro seja feliz, o amor é o
oposto de desejar mal. Frequentemente ficamos zangados
quando acontece alguma coisa que não gostaríamos que acontecesse. Pessoas não
agem como gostaríamos que agissem. Não mostram respeito, não seguem nossas
ordens no trabalho ou prometem fazer alguma coisa nos negócios e não fazem. Uma
vez que elas não fazem o que esperamos que façam, ficamos com raiva delas. Num
outro exemplo, uma pessoa pisa no dedo do nosso pé e ficamos com raiva dela,
uma vez que isso é algo que não queríamos que acontecesse. Mas existem várias
maneiras de lidarmos com essas situações, sem ficarmos com raiva. O Conselho de Shantideva para Cultivarmos Paciência. Um grande mestre budista indiano do século oito,
Shantideva, deixou muitas dicas de maneiras de pensar para nos ajudar.
Parafraseando o que ele escreveu: “Se, em uma situação difícil, pudermos fazer
alguma coisa para alterá-la, porque nos preocuparmos ou ficarmos com raiva? É
só alterá-la. Se não há nada que possamos fazer, porque ficarmos preocupados ou
com raiva? Se não podemos fazer nada, a raiva não irá ajudar.” Por exemplo, queremos pegar um vôo
daqui de Penang para Singapura, mas quando chegamos ao aeroporto o vôo já está
lotado e não conseguimos embarcar. Não faz sentido ficarmos com raiva. A raiva
não nos ajudará a entrar no avião. No entanto, há algo que podemos fazer para
mudar a situação – podemos pegar o próximo vôo. Porque ficar com raiva? Faça
sua reserva no próximo vôo, ligue para os amigos em Singapura avisando que se
atrasará e pronto. Isso é algo que podemos fazer para lidar com o problema. Se
nossa televisão não funciona, porque ficar com raiva, bater e xingar? O que
devemos fazer é consertá-la e pronto. Isso é bem obvio. Se pudermos mudar a
situação, não tem porque ficar com raiva, é só mudar e pronto. Se não há o que fazer para mudar a
situação, como, por exemplo, se ficamos presos no trânsito, a única coisa que
podemos fazer é aceitar. Nós não temos um canhão de laser capaz de desintegrar
todos os carros na nossa frente, nem podemos sair voando de lá como personagens
de um desenho japonês. Portanto, devemos aceitar da melhor maneira, pensando:
“Ok, estou preso no trânsito, vou ouvir rádio ou vou por um CD e ouvir alguns
ensinamentos budistas ou uma boa música”. Na maioria das vezes, sabemos quando
vamos pegar o trânsito pesado e podemos nos preparar levando um CD para ouvir.
Podemos usar esse tempo da melhor maneira possível. Podemos pensar nos
problemas que estamos enfrentando no trabalho ou com a família e tentar
encontrar uma solução para eles. Se
não há nada que possa fazer para mudar uma situação difícil, tente tirar o
máximo dela. Se batemos o dedo do pé no escuro; bom, pular e berrar vai fazer a
dor passar? Na gíria americana chamamos isso de “dançar a dança da dor”. Você
sente tanta dor que fica pulando, como se estivesse dançando; mas isso não vai
aliviar a dor. Há pouco que se possa fazer nesse caso. A única coisa que
podemos fazer é continuar o que quer que seja que estejamos fazendo. A dor é
impermanente. É algo que passa. Não vai durar pra sempre e pular e berrar não
vai fazê-la passar. O que queremos? Queremos que todo mundo diga: “Coitadinho,
machucou o dedinho do pé”. Quando um bebê ou criança se machuca, a mãe da um
beijinho e ela melhora. Será que esperamos que as pessoas nos tratem da mesma
maneira, como um bebê? Quando esperamos nossa vez na fila do
ônibus, se pensarmos na impermanência – que não vamos ser sempre o trigésimo
segundo ou nono da fila, mas eventualmente nossa vez vai chegar, isso nos
ajudará a tolerar a situação e poderemos usar esse tempo de maneira diferente.
Há um ditado na Índia, que diz: “Existe um certo prazer em esperar”. Isso é
verdade, porque se temos que esperar nossa vez numa fila de ônibus, podemos
usar esse tempo para observar as pessoas na fila ou no ponto de ônibus, nas
coisas que vamos fazer no escritório, ou qualquer outra coisa. Nos ajuda a
desenvolver um senso de preocupação com os outros e compaixão. Se estamos ali,
é melhor usar o tempo de uma maneira construtiva do que passar meia hora
xingando. Outro conselho de Shantideva diz: Se
alguém nos bate com uma vara, de quem ficamos com raiva? Ficamos com raiva da
pessoa ou ficamos com raiva da vara?” Se pensarmos logicamente, deveríamos
ficar com raiva da vara, porque foi ela que nos machucou! Mas isso é ridículo.
Ninguém fica com raiva de uma vara; ficamos com raiva da pessoa. Porque ficamos
com raiva da pessoa? Porque a vara foi manipulada pela pessoa. Da mesma forma,
se pensarmos além, a pessoa foi manipulada por suas emoções perturbadoras.
Portanto, se vamos ficar com raiva, deveríamos ficar com raiva das emoções
perturbadoras da pessoa. Foram elas que a fizeram nos bater com uma vara. E então pensamos: “De onde veio essa
emoção perturbadora? Não veio do nada. Eu devo ter feito alguma coisa que a
acionou. Devo ter feito alguma coisa que fez com que a outra pessoa ficasse com
raiva de mim e então me batesse com a vara. Da mesma forma, eu posso ter pedido
a uma pessoa que me fizesse um favor e quando ela se recusou eu fiquei com
raiva. Me machuquei por causa disso. Bom, se pensar bem, na verdade foi minha
culpa. Eu fui preguiçoso por não fazer eu mesmo. Pedi a outra pessoa que
fizesse pra mim e quando ela se recusou fiquei com raiva. Se eu não tivesse
sido tão preguiçoso, nunca teria pedido o favor a essa pessoa e todo o problema
nunca teria acontecido. Se vou ficar com raiva, deveria ficar com raiva de mim
mesmo por ser tão preguiçoso e idiota de pedir a outra pessoa que me fizesse
esse favor.” Mesmo quando a culpa foi só
parcialmente nossa, precisamos ver se nós estamos livres dessa emoção
perturbadora que está manipulando a outra pessoa, como por exemplo, egoísmo:
“Ele se recusou a me fazer esse favor. Bom, será que eu mesmo faço logo os
favores para os outros? Será que sempre concordo em ajudar os outros e os ajudo
prontamente? Se não, porque é que espero que outras pessoas parem o que estão
fazendo só pra me ajudar?” Essa é uma outra maneira de lidarmos com a raiva. Eu mencionei anteriormente que a
raiva não tem necessariamente que ser expressa através de gritos, berros ou
batendo em outra pessoa. A raiva é uma emoção perturbadora que, por definição,
nos faz sentir desconfortáveis quando surge. Portanto, mesmo se a estamos
reprimindo e nunca a expressamos, ela vai atuar de maneira muito destrutiva
dentro da gente, fazendo com que nos sintamos mal. Mais tarde ela virá à tona
de maneira muito destrutiva. Precisamos aplicar os métodos que eu já expliquei,
para que consigamos lidar com a raiva que não expressamos, que então
reprimimos. Precisamos mudar nossa atitude. Precisamos desenvolver paciência. Diferentes Tipos de Paciência. Paciência do Tipo Alvo. Existem muitos tipos diferentes de paciência.
Primeiro temos a paciência do tipo alvo. A idéia é que se você não tivesse
criado um alvo, ninguém teria atirado nele. Nos Estados Unidos, as crianças têm
uma brincadeira. Elas prendem ou colam um papel na parte de trás da calça de um
coleguinha. No papel está escrito “chute-me” e esse é chamado o sinal de
“chute-me”. Então qualquer um que veja o “ chute-me” no bumbum dessa criancinha
vai chutá-la. Assim, fazendo essa prática, vamos pensar como fomos nós mesmos
que colocamos um sinal de “chute-me” nas próprias calças através de nossas
ações negativas e destrutivas do passado, e é isso que agora nos causa todo
tipo de problema. Por exemplo, suponha que fomos
assaltados na rua. Vamos pensar, “Se eu não tivesse colocado o alvo, agindo
negativamente e destrutivamente no passado ou em vidas anteriores, o impulso de
seguir por aquela rua escura naquela hora quando havia uma assaltante esperando
para me assaltar e me bater não teria surgido em minha mente. Geralmente eu não
passo por ali, mas naquela noite eu pensei: eu vou seguir por aquela rua
escura. Geralmente eu vou pra casa bem mais cedo, mas naquela noite surgiu o
impulso de ficar um pouco mais com meus amigos. Além disso, eu segui por aquela
rua justo na hora que tinha um ladrão esperando alguém passar. Porque esse
impulso me veio a cabeça? Deve ser porque no passado eu fiz alguma coisa que
machucou essa pessoa e isso está amadurecendo em termos de causa e efeito.” Impulsos vêm a nossa mente como
expressões do karma. Portanto pensamos: “Eu estou exaurindo meu karma negativo
do passado. Na realidade, deveria estar muito feliz por estar me livrando disso
de forma tão leve, porque poderia ser muito pior. Essa pessoa só me roubou, mas
ela poderia ter atirado em mim. Logo, eu deveria ficar muito aliviado por essa
negatividade ter amadurecido de forma tão leve. Agora estou livre dela. No
final nem foi tão ruim assim e é bom me livrar disso, tirar esse peso das
minhas costas. Eu não tenho mais essa dívida cármica.” Esse tipo de pensamento é muito útil.
Eu me lembro de uma vez que estava indo para a praia com um amigo num feriado.
Estávamos dirigindo havia muitas horas. O lugar era longe da cidade. Após
dirigirmos por aproximadamente uma hora e meia, ouvimos um barulho estranho no
carro. Paramos em um mecânico num posto na beira da estrada. O mecânico olhou o
carro e disse que havia uma rachadura no eixo e que não poderíamos continuar;
precisamos chamar um reboque para nos rebocar até a cidade. Meu amigo e eu
poderíamos ter ficado com muita raiva e chateados porque queríamos ir pra esse
lindo resort pra descansar no final de semana. Mas com outra atitude, olhamos a
situação de forma completamente diferente: “Uau, isso é maravilhoso! Que bom
que aconteceu porque, se tivéssemos continuado, o eixo teria quebrado enquanto
dirigíamos. Poderíamos ter tido um acidente horrível e termos os dois morrido.
Portanto, é maravilhoso que tenha amadurecido dessa forma. Nos saímos bem.”
Assim, com nossas mentes tranquilas, pegamos o reboque até a cidade e, uma vez
lá, emprestamos um outro carro e fomos para outro lugar. Como vocês podem ver, podíamos ter
vivenciado essa situação de muitas maneiras diferentes. Ficarmos zangados ou
chateados não teria ajudado nada. Se pudermos olhar a situação em termos de: “
Isso está exaurindo meu karma negativo. Essa dívida cármica amadureceu agora.
Maravilhoso, está terminado. Poderia ter sido muito pior”, é uma maneira muito
mais saudável de lidarmos com a ela. Paciência do Tipo Amor e Compaixão. Também há o tipo de paciência chamada “paciência do
amor e compaixão”. Com essa paciência, consideramos todos que se zangam, gritam
ou berram conosco como loucos, mentalmente perturbados. Esse tipo de paciência
também pode ser aplicado com alguém que nos envergonha ou critica na frente dos
outros, o que normalmente nos humilharia e nos deixaria com raiva dessa pessoa.
Se, por exemplo, um papagaio nos xingasse na frente dos outros; não nos
sentiríamos humilhados, certo? Não há porque ficarmos com raiva do pássaro.
Seria uma reação idiota. Da mesma forma, se um louco começa a gritar e berrar
conosco, não nos sentimos humilhados. Todo mundo sabe que criança às vezes faz
birra. Um psiquiatra também não fica zangado com um paciente quando este fica
com raiva, ao invés disso, ele sente compaixão. Da mesma forma, tentaremos sentir
compaixão por quem quer que nos deixe chateados, com raiva ou nos envergonhe.
Precisamos compreender que, na verdade, são eles que estão se envergonhando,
não são? Não somos nós que estamos fazendo um papelão. Todo mundo vê que essa
pessoa está fazendo papel de idiota. Devemos sentir compaixão, ao invés de
raiva. Isso não significa que se alguém
tentar nos atacar, não vamos reagir. Quando nosso filho está gritando, nós
tentamos calá-lo. Queremos impedi-lo de causar danos aos outros, a nós e a si
próprio. A questão é não fazê-lo com raiva. Se nosso filho está se comportando
mal, nós não o disciplinamos por raiva, mas para seu próprio bem. Queremos
ajudá-lo a não fazer papel de idiota, para que as pessoas não pensem mal dele.
Queremos disciplinar nosso filho, não por raiva, mas por nos preocuparmos com
seu bem estar. Tipo de Paciência Guru-Discípulo. E
então temos o “tipo de paciência Guru-Discípulo”. Ela se baseia no fato de que
um discípulo não pode aprender sem um guru, e assim, se ninguém nos testar, não
podemos desenvolver paciência. No século dez, o grande mestre indiano Atisha
foi convidado para o Tibete para ajudar a revitalizar o budismo. Esse mestre
indiano trouxe com ele um cozinheiro indiano. O povo tibetano respeitava muita
Atisha e lhe perguntou: “Professor, porque você trouxe esse cozinheiro
desagradável da Índia? Porque não o manda de volta? Podemos cozinhar para o
senhor; cozinhamos muito bem.” Atisha respondeu: "Ah, ele não é só um
cozinheiro. Eu o trouxe porque ele é meu professor de paciência!" Da mesma forma, se há alguém
desagradável em nosso trabalho, que vive dizendo coisas irritantes, podemos
olhar para essa pessoa como nosso/a professor/a de paciência. Existem pessoas
com hábitos muito irritantes, como ficar tamborilando os dedos, por exemplo. Se
ninguém nos testar, como poderemos nos desenvolver? Se encontrarmos situações
difíceis, como uma longa espera no aeroporto ou rodoviária por conta de um
atraso, podemos usá-las como uma oportunidade de ouro para praticar a
paciência: “Ah! Eu tenho treinado isso. Tenho treinado cultivar paciência e
agora é minha chance para ver se eu realmente consigo colocar isso em prática.”
Ou, se estivermos tendo dificuldade em conseguir algum formulário burocrático
de alguma instituição, tomamos isso como um desafio. “É como quando eu treinei
artes marciais por algum tempo e finalmente tive a chance de por em prática
minhas habilidades. Estou encantado.” Da mesma forma, se estivermos treinando
ser pacientes e tolerantes, e encaramos uma situação irritante, olhamos para
ela com alegria: “Ah! Aqui está meu desafio. Vamos ver se consigo lidar com ela
sem perder meu humor, sem ficar com raiva e até mesmo sem me sentir mal.” Não perder a paciência é um desafio
muito maior que uma luta de artes marciais. Isso porque o desafio está em
nossas mentes, nossos sentimentos, não está só no corpo e no controle físico.
Se alguém nos crítica, devemos tentar olhar essa crítica como uma chance ver
onde nos encontramos em nosso desenvolvimento, ao invés de ficarmos com raiva.
“Essa pessoa que está me criticando pode estar indicando coisas a meu respeito
com as quais eu posso aprender. ”Dessa forma, devemos tentar tolerar a crítica
e aprender a lidar com ela, mudando nossa atitude. Ficar muito chateados pode
acabar causando mais embaraço do que alguém simplesmente nos criticando e
gritando conosco.” Paciência com a Natureza das Coisas. Outra
forma de lidarmos com a raiva e desenvolver paciência é através da “paciência
com a natureza das coisas”. É da natureza das pessoas infantis agir mal e
rudemente. Se há fogo, sua natureza é ser quente e queimar. Se pusermos nossa
mão no fogo e queimar, bom, o que esperávamos? O fogo é quente, por isso o fogo
queima. Se atravessarmos a cidade na hora do almoço, bom, o que podemos
esperar? É hora do almoço e o trânsito vai estar ruim – essa é a natureza das
coisas. Se pedirmos a uma criança para segurar uma bandeja ou uma caneca de chá
quente e ela derramar, bom, o que deveríamos esperar? É uma criança e não
devemos esperar que crianças não derrubem as coisas. Da mesma fora, se
pedíramos a alguém para nos fazer um favor ou fazer alguma coisa para o nosso
negócio, fazemos um acordo, e ela não cumpre sua parte, bom, o que esperávamos?
Pessoas são infantis, não podemos contar com os outros. Shantideva, o grande
mestre indiano disse: “Se você quer fazer algo positivo e construtivo, faça
você mesmo. Não confie em ninguém mais. Isso porque, se você confiar em outra
pessoa, não há garantia de que ela não vá desapontá-lo.” É assim que podemos
olhar as situações: “Bom, o que eu esperava? É da natureza das pessoas
desapontar os outros, não há razão para eu ficar com raiva”. Paciência da Esfera da Realidade. O
último método a usar contra a raiva é chamado “paciência da esfera da
realidade”, ver o que realmente está acontecendo. Temos a tendência de
rotularmos os outros, nós mesmos e os objetos, como se tivessem uma identidade
sólida. É como desenhar um grande círculo imaginário em torno de algumas
características nossas e projetar que são nossa identidade sólida: “Isso é quem
eu sou; é quem eu sempre deverei ser”. Por exemplo, “Sou um presente de Deus
para o mundo”, ou “sou um perdedor, um fracasso”. Ou então colocamos um grande
círculo em volta de alguém e dizemos: “Ele é irritante. Ele não é bom, só causa
problemas”. No entanto, se essa fosse a identidade verdadeira, sólida dessa
pessoa, ela sempre teria que existir dessa forma. Ele teria que ter existido
dessa maneira desde criança. E ela também teria que ser irritante para todo
mundo; sua mulher, seu cachorro, seu gato e seus pais, porque ela seria
verdadeiramente uma pessoa irritante. Se
conseguirmos ver que as pessoas não existem com um grande círculo em sua volta
delineando concretamente sua identidade ou natureza, isso também nos fará
relaxar e não ficar com tanta raiva delas. Vemos que o comportamento irritante
de uma pessoa é só uma ocorrência passageira – mesmo que frequente – e não
constitui o modo como ela deve ser sempre. Desenvolvendo
Hábitos Benéficos. Em situações difíceis, pode não ser
muito fácil aplicar tudo isso. Todas essas formas de raciocinar são conhecidas
como “medidas preventivas”. É assim que eu traduzo a palavra Dharma.
Dharma é uma medida que tomamos para prevenir problemas. Queremos evitar ficar
com raiva tentando fazer com que esses diferentes tipos de paciências se tornem
hábitos benéficos. É isso que é a “meditação”. A palavra tibetana para
meditação vem de “tornar algo um hábito”, nos habituarmos a algo benéfico. Primeiro, precisamos ouvir essas
várias explicações sobre os diferentes tipos de paciência. Depois, precisamos
pensar a respeito delas para compreendê-las e ver se fazem sentido. Se fizerem
sentido e as compreendermos, e também tivermos a motivação para querer
aplicá-las, tentaremos fazer com que elas se tornem hábitos benéficos, repassando
e praticando. Para fazermos isso, primeiro
repassamos os tipos de paciência. Depois, temos que tentar ver e sentir as
coisas daquelas maneiras. Temos que visualizar situações em nossa mente usando
a imaginação. Podemos imaginar uma situação na qual normalmente ficamos
chateados e com raiva. Por exemplo, alguém no escritório faz alguma coisa de
uma forma que não gostamos. Primeiro, tente ver essa pessoa como ela é, como um
ser humano que quer ser feliz e não ser infeliz. Apesar de estar fazendo o melhor
que pode, ainda assim ela é como uma criança e realmente não sabe o que está
fazendo. Se tentarmos percebê-la dessa maneira repassando isso em nossa mente
quando estamos sentados tranquilamente em casa, quanto mais tivermos feito
isso, mais fácil será responder de uma maneira mais positiva quanto estivermos
no escritório e ela começar a agir de forma irritante. Ao invés do impulso de
ficarmos com raiva, um novo impulso virá a nossa mente – o impulso de ser mais
paciente, mais tolerante. Tendo
praticado vê-lo como uma criança de forma a desenvolver paciência com seu mau
comportamento, podemos avançar mais um passo. Podemos ver que quando ela age
dessa forma desagradável, é ela quem está se constrangendo. Portanto,
desenvolvemos compaixão por ela. Podemos desenvolver o hábito de ver e nos
sentirmos assim através da meditação. Quando olhar e sentir com paciência se
tornam um hábito benéfico, vão se tornando mais e mais parte da gente. Passa a
ser nossa maneira normal de responder às situações difíceis que temos que
enfrentar. Quando surge em nossa mente um impulso de ficarmos com raiva, haverá
um espaço. Não reagiremos imediatamente e impulsos mais positivos surgirão para
agirmos de forma mais positiva. Antes
do começo de uma palestra sobre budismo, normalmente focamos nossa mente nas
sensações da respiração e em contar vinte e uma respirações. Essa prática
também é muito útil quando sentimos a raiva chegando. Cria um espaço no qual
não agimos imediatamente através um impulso negativo de dizer alguma coisa cruel,
por exemplo, e nos dá um espaço para refletirmos se queremos ficar com raiva ou
chateados. Pensamos, “Será que eu realmente quero fazer uma cena aqui ou existe
uma maneira melhor de lidar com essa situação?” Como resultado da meditação e
de cultivarmos mais hábitos benéficos, veremos as situações com mais paciência
e seremos mais tolerantes com elas. Mais opções positivas nos virão à cabeça e
naturalmente nós as escolheremos, já que queremos ser felizes e sabemos que
essas alternativas vão nos trazer melhores resultados. Para fazermos isso, precisamos de
concentração. Por isso existem tantos métodos diferentes no budismo para
desenvolvermos concentração. Não são simplesmente métodos que aprendemos como
um exercício abstrato; são para serem usados e aplicados. Quando os aplicamos?
Aplicamos em situações difíceis, quando lidamos com pessoas irritantes ou
situações irritantes. Eles nos ajudam a nos concentrarmos em manter nossa mente
paciente. Entretanto, não nos abstemos de
comportamentos negativos, destrutivos só com autocontrole e disciplina. Se
usarmos apenas autocontrole e disciplina, a raiva permanece dentro da gente. Só
estamos conseguindo manter uma aparência de que está tudo bem, mas por dentro a
raiva queima e podemos desenvolver uma úlcera como consequência. Mas, por outro
lado, quando usamos os métodos corretamente, a raiva não surge. Não é uma
questão de controlá-la e não deixá-la transparecer; é uma questão de substituir
os impulsos que surgem em nossa cabeça. Ao invés de surgirem impulsos negativos,
com os quais vamos ter que lidar se os reprimirmos, surgem impulsos positivos. Uma vez que conseguimos fazer isso,
dependendo da nossa motivação, podemos então conseguir nos livrar dos nossos
problemas agora e evitar que as coisas fiquem piores no futuro. Ou, não teremos
mais qualquer tipo de problema, ou, com a motivação mais forte e avançada, não
causaremos mais problemas a nossa família, amigos ou às pessoas que nos cercam
e poderemos ajudar os outros ao máximo. Isso porque não estaremos limitados aos
nossos problemas e emoções perturbadoras. Assim poderemos realizar todo nosso
potencial. Conclusão. Não conseguimos evitar comportamentos
negativos, destrutivos, simplesmente com disciplina e autocontrole. Se usarmos
apenas disciplina e autocontrole, a raiva fica dentro de nós. Só estamos
mantendo a pose por fora, mas por dentro a raiva queima e gera uma úlcera.
Entretanto, se usarmos esses métodos corretamente, a raiva nem mesmo surge. Não
é uma questão de controlar a raiva e mantê-la do lado de dentro; é uma questão
de substituir os impulsos que nos vem à cabeça. Ao invés de surgirem impulsos
negativos, que teremos que trabalhar e manter do lado de dentro, surgem impulso
positivos. Se conseguirmos fazer isso, dependendo de nossa motivação, podemos
nos livrar de nossos problemas atuais e não deixar que as coisas piorem no
futuro. Ou, não teremos mais nenhum problema, ou, com uma motivação mais forte
e avançada, não causaremos problemas aos nossos amigo, família e pessoas que
nos cercam. Conseguiremos ajudar os outros ao máximo. Conseguiremos porque não
estaremos limitados por nossos problemas e emoções perturbadoras. E assim,
poderemos realizar todo nosso potencial. www.studybuddhism.com.br. Abraço.
Davi.
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