Judaísmo.
Texto de Reuven Faingold. AS MENINAS DO QUARTO 28. O que vem à mente quando se
ouve falar da Segunda Guerra Mundial (1 de setembro de 1939 – 2 de setembro de
1945)? Um nome com certeza: Anne Frank (1929-1945). Mas existem outras tantas
vítimas do Holocausto com nomes e histórias que ainda precisamos desvendar.
Nada sabemos, por exemplo, dos sobreviventes de Theresienstadt (também
conhecido como gueto de Theresienstadt – um campo de concentração estabelecido
na fortaleza e guarnição na cidade de Therezin – hoje, parte da República
Tcheca. Mais de 33 mil pessoas foram mortas neste campo). O episódio
protagonizado pelas meninas do Quarto 28 é, certamente, um excelente exemplo de
resistência cultural. Perto de Praga – capital da então Tchecoslováquia, uma
elite intelectual é usada como forma de propaganda nazista para mostrar ao
mundo que os judeus têm uma bela cidade administrada com autonomia cultural,
política e social. Ricos judeus são “convidados” a ir para essa cidade judaica,
abrindo mão de seus bens em favor do governo alemão. Mas na realidade, aquilo
não passava de uma encenação, sendo uma cidade de lojas sem mercadorias, uma
escola sem alunos e até um banco sem clientes. No entanto, apesar das agruras,
medo e sofrimento, lá também floresceram talentos artísticos. Entre 1942-1944
sessenta moças judias habitaram o “Quarto 28” do gueto de Theresienstadt. Todas
tinham personalidades diferentes e contrastantes, mas entenderam que
precisariam conviver e se aceitar para sobreviver às adversidades. Esta é uma
história sobre a perda da infância, mas também a reconquista da juventude por
meio da amizade mantida viva por um punhado de jovens, através do amor e
empenho das cuidadoras e professoras, da esperança num futuro melhor e do temor
de um desfecho trágico. Atualmente, são poucas as sobreviventes do Quarto 28.Theresienstadt
– Fortaleza nazista. A invasão alemã da Tchecoslováquia, em 1939, fechou o
cerco aos judeus que ainda viviam no país. Iniciou-se uma perseguição com a
deportação para guetos e campos. Theresienstadt era uma fortaleza
construída, em 1780, pelo Imperador Josef II (1741-1790). Localizada a 60 km de
Praga, lá foi estabelecido um gueto e um “campo de concentração para casos especiais”, pois abrigaria
artistas famosos, conhecidos cientistas, músicos virtuosos e outros judeus de
talento. O campo de Theresienstadt tem a forma geométrica de uma estrela de
várias pontas. Sua topografia de altos bastiões, fortes muralhas, alinhamento
de ruas e casas e uma praça central com Igreja, fizeram do local um espaço
fácil de ser transformado em gueto isolado e campo modelo. Judeus proeminentes
de renome internacional foram “convidados” pelo III Reich (coincide com a
nomeação de Adolf Hitler 1889-1945 como chanceler alemão em 30 de janeiro de
1933) para habitar em uma cidade aprazível sob a proteção do Führer. Ali teriam
alojamento, alimentação e cuidados médicos, desde que assinassem um termo
cedendo todos seus bens ao Reich, que, dessa forma, guardava para si a quantia
de 400 milhões de marcos. Gradualmente, iam chegando judeus a Theresienstadt,
todos carregados de malas, preparados para uma jornada sem fim. Famílias
inteiras exibem logo seus contratos com o governo, pensando serem garantia de
proteção e bem-estar indefinidos. Mas, em pouco tempo, os SS (guarda de elite
do partido nazista alemão e seu principal instrumento de controle) se
apoderavam de suas bagagens, pilhando todo objeto de valor. Homens
respeitáveis, mulheres finamente vestidas e crianças delicadas são despojados
de seus pertences e obrigados a dormir no chão. Após noites de brutal
aprendizado, judeus saem das casas esgotados e sujos, com as pupilas dilatadas
de espanto. Imediatamente, os membros das famílias são separados para começar a
trabalhar para a indústria alemã. Uma vez instaurado o Reichprotektorat (Protetorado
Boêmia-Morávia), medidas antissemitas se tornam cada vez mais opressivas,
especialmente quando Adolf Eichmann (1906-1962) decide purificar racialmente o
Protetorado. Após exaustivas reuniões entre Joseph Goebbels (1897-1945),
Reinard Heydrich (1904-1942) e Eichmann, Theresienstadt foi escolhido como
local de trânsito para os judeus do Protetorado. Em 1935, Theresienstadt já
tinha 7.000 habitantes, metade deles soldados. Após retirar a população local,
o lugar serviria como gueto. Certa vez, em 1941, Reinhard Heydrich afirmou: “Em
Theresienstadt poderemos acomodar entre 50.000 e 60.000 judeus. De lá, serão
enviados para o Leste. Após sua evacuação completa, o local será colonizado por
alemães de acordo com um planejamento impecável, transformando-se num núcleo de
vida alemã”. Desde 1941 chegam comboios repletos de pessoas. Os números são
assustadores: dos 139.654 prisioneiros, 33.430 morrerão ali, enquanto outros
86.934 serão deportados para o Leste (principalmente aos campos de
Auschwitz-Birkenau), e destes, 83.500 serão assassinados. Numa casa que
abrigava 20 soldados, serão colocadas entre 100 e 400 pessoas. Os prisioneiros
proeminentes poderão morar em casas com suas famílias; mas a grande maioria
será colocada em quartos mistos para homens e mulheres. A disparidade não foi
apenas social e cultural, mas também religiosa. Fora dos judeus, há quase 2.000
prisioneiros cristãos, 1.130 católicos e 830 protestantes. Com o passar do
tempo, a superlotação de Theresienstadt gerou penúria e doenças graves. O total
de calorias na alimentação era insuficiente. Trabalhadores e crianças recebiam
rações complementares, enquanto idosos tinham porções menores, tendo que rondar
as latas de lixo espalhadas pelo campo. O quarto 28. O campo de
Theresienstadt era amplo. Entre 1942-1944, moças com 12 a 14 anos moraram no
assim chamado Quarto 28, no “Abrigo para Meninas L410”. Elas faziam parte das 75.666
pessoas que habitavam o gueto. Foram estigmatizadas por serem “meninas judias”,
sendo todas perseguidas, roubadas e deportadas para Theresienstadt. Lá, seus
caminhos se cruzariam. O “Quarto 28” era um espaço de 30 m² que abrigava, em
média, 30 meninas. Todas dormiam em beliches ou treliches estreitos, comiam
alimentos racionados e, à noite, ouviam histórias lidas em voz alta por uma das
cuidadoras. E quando as luzes eram apagadas, conversavam entre si,
compartilhando suas experiências, pensamentos, preocupações e medos. Às vezes,
algumas moças eram subitamente retiradas de seu convívio, e obrigadas a seguir
em um dos temidos transportes em direção ao Leste. Então, novas meninas
chegavam ao “Quarto 28”, ajeitavam-se como podiam naquela situação, dando origem
a novas amizades. E, um dia, esse convívio seria também abalado pelos
“transportes”. Assim, o grupo se formava novamente, fortalecido pelo desenrolar
dos acontecimentos. Tomamos conhecimento da história das meninas do “Quarto 28”
através da obra de Hannelore Brenner, “Die
Mädchen von Zimmer 28: Freundschaft, Hoffnung und Überleben in
Theresienstadt”. Algumas dessas meninas eram: Hana Epstein
(Holubicka), Eva Fischlová (Fiska), Ruth Gutmann, Irena Grünfeld, Marta Kende,
Anna Lindt (Lenka), Hana Lissau, Ola Löwy (Olile), Zdenka Löwy, Ruth Meisl,
Helena Mendl, Maria Mühlstein, Bohumila Polacék (Milka), Ruth Popper
(Poppinka), Ruth Schächter (Zajícek), Pavla Seiner, Alice Sitting (Didi), Erika
Stránská, Jirinka Steiner e Emma Taub (Muska). Diários pessoais, álbuns de
fotos, cadernos com desenhos e cartas avulsas nos aproximam do mundo dessas
meninas. Há um sentimento de tristeza de saber que suas esperanças e sonhos
nunca foram realizados. Na imaginação da Ana Flaschová (Flaska), que sobreviveu
à Segunda Guerra, suas companheiras de quarto continuam sendo as crianças de
outrora, adoráveis, criativas e talentosas; algumas calmas e pensativas e
outras mais ativas e temperamentais. Flaska se pergunta como teria sido o
futuro de suas amigas: Lenka, que escrevia poemas maravilhosos; Fiska, que
inventava esquetes espirituosos e que tanto gostava de fazer teatro; Maria, com
sua linda voz; Helena e Erika, duas desenhistas e pintoras talentosas. Qual
teria sido a sorte de Muska, Olile, Zdenka, Pavla, Hana, Poppinka e Zajicek,
esta última a mais nova das meninas, tão carente e necessitada de proteção?Para
Flaska, “o caderno de recordações é mais do que uma lembrança, é uma missão. A
missão de manter viva a lembrança das meninas assassinadas é a sua
responsabilidade pessoal”. Ao folhear o álbum, consegue visualizar as meninas e
ouvir suas vozes. É como se clamassem para não serem esquecidas. As meninas do
“Quarto 28” formavam uma comunidade baseada na lealdade e na amizade. Uma
célula quase embrionária que fundou uma organização chamada, em hebraico, “Ma’agal” (Círculo);
uma comunidade que compôs um hino e criou uma flâmula com um círculo e, dentro
dele, duas mãos entrelaçadas: um símbolo da perfeição, talvez o ideal que todas
almejavam. “Ma’agal” era
uma célula humana unida pela mesma esperança e anseio: a derrota da Alemanha e
o fim da guerra. Em Theresienstadt, aquelas meninas do “Quarto 28”, que faziam
parte de “Ma’agal”,
fizeram um juramento de fidelidade eterna. Nas palavras de Flaska: “Sob o velho
campanário, na cidade antiga de Praga, esperamos nos encontrar num dos
primeiros domingos após a guerra”. Essa era a promessa feita quando acontecia
uma despedida. Uma promessa reforçada com uma frase que, dita por elas, deve
ter soado como um encantamento e uma senha secreta:
“Você acredita em mim,
eu acredito em você.
Você sabe o que eu sei.
Venha o que vier,
Você não me trairá,
Assim como não trairei você”.
Este era o pacto de lealdade selado pelas meninas do “Quarto 28”, enquanto ondas devastadoras de “transportes” para o Leste continuavam atingindo milhares de judeus".
eu acredito em você.
Você sabe o que eu sei.
Venha o que vier,
Você não me trairá,
Assim como não trairei você”.
Este era o pacto de lealdade selado pelas meninas do “Quarto 28”, enquanto ondas devastadoras de “transportes” para o Leste continuavam atingindo milhares de judeus".
A
rotina das crianças. Em Theresienstadt, o cotidiano era pesado. Às 7:00h da manhã
todos acordavam com os gritos de “Levantem-se, crianças!”, seguindo logo para a
fila do banheiro, frio e feio. Em cada andar havia duas privadas para 120
meninas. Pela manhã era obrigatório arejar a roupa de cama e os cobertores. As
meninas colocavam as roupas sobre as janelas, mesas ou estrados das camas.
Imediatamente, eram divididas as tarefas do dia: preparar o almoço, fazer a
faxina ou ajudar as pessoas idosas. Os nazistas proibiam as crianças de
estudar, mas permitiam que tivessem aulas de desenho e pintura. À tarde, longe
dos olhares dos nazistas, elas tinham aulas de matemática, história e
geografia. No final da tarde, os alojamentos mergulhavam em um silêncio
sepulcral, enquanto belas vozes ecoavam do porão. Eram as canções das aulas do
coral de Raphael Schächte, que atraíam as meninas do “Quarto 28”. À noite,
enquanto as crianças estavam deitadas em seus beliches, uma única palavra
iluminava as intermináveis conversas: liberdade. Aquilo
começava com um sussurro e gradualmente se transformava num verdadeiro desejo
de um fim para aquela guerra. Arte no gueto. O trabalho da educadora
Friedl Dicker-Brandeis (1898-1944) no “Quarto 28” é fundamental para
entendermos a “resistência cultural” em condições desumanizadoras.
Constantemente, Friedl estimulava as crianças do gueto a encontrar a beleza no
presente, a não esquecer o passado e a não deixar de imaginar um futuro promissor.
Na década de 1920, a arte-educadora estudou na Bauhaus com artistas célebres
como Paul Klee (1879-1940), Vassily Kandinsky (1866-1944) e outros nomes
relevantes da arte europeia. A escola Bauhaus tinha como fundamento filosófico
a teoria da “empatia estética” (Einfuhlung),
que resgata uma visão estética sustentada na união entre o interno e o externo,
da forma criada não como mera representação objetiva da aparência, mas como
exteriorização da relação do ser humano com o mundo externo. Baseada na teoria
da empatia estética - segundo Liz Elsby - “Friedl encorajava seus alunos a
abordar um sujeito ou um objeto não como se fossem uma câmara fotográfica que
apenas registra a imagem externa, mas a buscar a sua essência, a percebê-lo por
dentro e por fora, a ir além da aparência e procurar identificar-se
empaticamente com esse sujeito ou objeto, buscando acessar e se identificar com
suas experiências internas”. Na prática, a metodologia de Friedl
Dicker-Brandeis consistia em exercícios para favorecer o fluir criativo, e
estava composta de diversos exercícios rítmicos, de trabalhos de respiração e
relaxamento, de movimento corporal, de exploração dos elementos da linguagem
visual para possibilitar tanto o desenvolvimento da espontaneidade criativa
como também das diferentes habilidades artísticas. Ela incluía o ensino dos
elementos da arte nas experiências emocionais e sensoriais de seus alunos no
aqui-e-agora, o que dava às crianças a experiência de estarem vivas, no sentido
mais profundo e humano do termo. Em dezembro de 1942, Friedl Brandeis e seu
marido Pavel foram enviados a Theresienstadt. Ela tinha direito de levar uma
mala com alguns quilos. Enquanto a maioria dos deportados levava roupas,
valores, lembranças pessoais como álbuns de fotos e objetos, em geral, Friedl
optou por levar o mínimo de roupas e encheu a mala de materiais de arte para
dar aulas de desenho. Contrariamente a outros artistas do gueto, que procuravam
documentar o sofrimento em que viviam, Friedl Brandeis estimulava a imaginação
e a percepção da beleza e harmonia do mundo. Ela ajudou as crianças de
Theresienstadt a expressarem seus medos e esperanças de sobreviver. Em suas
próprias palavras: “Quando um espírito encontra sua própria força e se afirma
sem medo do ridículo, irrompe uma nova primavera de criatividade – é exatamente
isso que estamos buscando em nossas aulas de desenho... Vamos incentivar a
criança a expressar o que ela tem a dizer”. Em outubro de 1944, aos 46 anos,
Friedl Dicker-Brandeis foi deportada para Auschwitz no transporte No. 167. Três
dias depois era assassinada nas câmaras de gás. Na sua despedida, entregou a
Willy Groag duas malas com 3 mil desenhos que ficariam em Theresienstadt até o
final da guerra. A maioria das 660 crianças desenhistas não sobreviveu. Brundibár
no campo. Brundibár (O
resmungão) é uma ópera para crianças, de 40 minutos. Composta em 1938 por Hans
Krása (1899-1944), com letra de Adolf Hoffmeister, estreou em Praga
interpretada por crianças de um orfanato judaico. Em julho de 1943, a partitura
de Brundibár foi contrabandeada para Theresienstadt, onde Krása a orquestrou
com os instrumentistas disponíveis naquele momento. Os nazistas logo perceberam
o potencial propagandístico dessa iniciativa artística, organizando uma nova
encenação da ópera para o filme “Theresienstadt
- Eine Dokumentarfilm aus den Jüdische Siedlungsgebiet”, dirigido
pelo cineasta Kurt Gerron (1897-1944). Esta mesma produção teatral de Brundibár
foi repetida quando a Cruz Vermelha inspecionou Terezin, em 23 de setembro de
1944. Esta seria a última das 55 apresentações no gueto. A trama de Brundibár é
simples: Aninka e Pepícek são duas crianças cuja mãe está doente. Para a sarar,
o médico lhes receitou leite e os filhos vão procurar leite ao mercado da
cidade, porém não têm dinheiro para comprá-lo. Três comerciantes ofertam
seus produtos: um sorveteiro, um padeiro e um leiteiro. As crianças tratam de
obter o leite com cada um deles. Primeiramente, elas incluem o leiteiro numa
canção, mas ele lhes informa que somente com dinheiro poderão comprar o leite.
De repente, eles vêm Brundibár, um tocador de realejo resmungão, tocando numa
rua lotada de pessoas, e decidem incluí-lo na música, mas, também, sem grande
sucesso. Esta atitude não agrada em nada nem a Brundibár nem ao público, que
começam a expulsar as crianças. Três animais (um pássaro, um gato e um
cachorro) chegam até o lugar para ajudar Aninka e Pepícek, e assim todos
iniciam uma empreitada para recrutar outras crianças e colaborar com o plano
deles. Dos numerosos depoimentos sobre a ópera, há um que me tocou
sobremaneira. Nele, a menina Handa Pollak afirmava: “Brundibár era o nosso
pequeno segredo contra Hitler. Nós lutávamos contra Brundibár, o tocador de
realejo, mas Brundibár não era Brundibár - era Hitler. E os comerciantes que negavam
leite, pão ou sorvete às crianças não eram só lojistas, eram os SS – as pessoas
más. E, no final, vencíamos. Isto significava tudo para nós”. A ópera infantil
Brundibár era, para os judeus, uma luz na escuridão, um ato de resistência, um
símbolo da esperança e da fé na vitória sobre os alemães. A visita da Cruz
Vermelha. Assistir ao filme “O
Führer oferece uma cidade aos judeus” nos coloca diante da
singularidade do que foi Theresienstadt, então Tchecoslováquia. É possível que
essa mesma surpresa tenham sentido os membros da Cruz Vermelha Internacional na
rápida visita de inspeção às condições dos prisioneiros, realizada em 23 de
junho de 1944. Na ocasião, encontraram uma urbe de judeus; um lugar onde
corriam notas de dinheiro impressas com a efígie de Moisés e as Tábuas da Lei.
Naquele dia, os membros da Cruz Vermelha ouviram um Réquiem de Verdi cantado
pelo coral de Theresienstadt. Os grupos de teatro representavam duas peças de
Shakespeare, e nos programas de ópera apresentava-se a ópera Carmem, Tosca e Flauta Mágica; além
de Brundibár, ópera
composta por um autor do gueto. Pelos documentários sobre Theresienstadt, vemos
que as orquestras, conjuntos de jazz e de música clássica impressionaram muito
aos visitantes. Os esportes eram também praticados, sobretudo o voleibol e
futebol. Havia instalações sanitárias, 400 médicos (professores célebres), as
pessoas, sempre bem vestidas, consultavam obras numa rica e agradável
biblioteca. Tudo reflete harmonia e tranquilidade. Theresienstadt é tida
como uma sociedade comunista, dirigida por um sociólogo judeu, de alto valor,
de nome Paul Eppstein (1901-1944). Ele preside o Ältestenrat ou Judenrat, um Conselho de
Anciãos da comunidade. Além dele, 150 policiais checos fazem a guarda do gueto
e 12 oficiais nazistas comandam o lager instalado
na fortaleza. A equipe pedagógica do campo era qualificada e o jardim de
infância (criado para essa visita da Cruz Vermelha), adequado e moderno. A
escola estava bem equipada e um cartaz indicava que as crianças estavam de
férias. O relatório da Cruz Vermelha ainda observou que uma cozinha
especializada preparava os alimentos dos pequenos. Ao se iniciar a visita, os
membros da inspeção ouvem o Dr. Paul Eppstein (1902-1944) dizer: “Vocês irão
visitar uma cidade normal de província”. Discurso à parte, Eppstein será
acusado de colaborar com as organizações clandestinas da resistência ao Reich,
sendo preso pela Gestapo e assassinado em 27 de setembro de 1944, na própria
fortaleza. O “melhor” documentário do campo de Theresienstadt é a obra de um
prisioneiro alemão, o ator e cineasta Kurt Gerron (1897-1944), deportado com
sua mulher para Auschwitz-Birkenau. Hitler muito se serviu desse filme para
retrucar aos aliados o quanto eram felizes os judeus sob a tutela do Reich.
Desde que Eichmann anunciara a visita da Cruz Vermelha a Theresienstadt, a
transformação do campo foi acelerada, fazendo surgir jardins decorados com
plantas, balanços de crianças, um coreto para música, calçadas lavadas, e casas
recentemente pintadas. Cada um dos figurantes do filme ganha roupas novas,
sendo instruído sobre como devia comportar-se, ciente dos riscos de uma
eventual desobediência. Em 23/06/1944 os ilustres convidados tiraram fotos,
recebendo um álbum de belas aquarelas de “uma cidade normal de província”. O Dr.
Maurice Rossel, médico suíço da Cruz Vermelha, registrou em seu relatório sobre
a visita: “Gostaríamos de dizer que ficamos muito surpresos ao encontrar no
gueto uma cidade que vive uma vida praticamente normal”. Pouco tempo depois,
com ar de ingenuidade, o médico confessa haver sido enganado; pois jamais
duvidou de nada, não recebeu bilhete nenhum de prisioneiro sobre qualquer
anormalidade no lugar e, muito menos, suspeitou de tudo ser previamente montado
para visitantes ocasionais. O “Quarto 28” e o Brasil. O elo entre o
“Quarto 28” e o Brasil se concretizou através da família de Erika Stránská, uma
das meninas de Theresienstadt. No verão de 2012, a escritora Hannelore Brenner
(1963- ) recebeu um e-mail do Brasil, da
jovem Adriana Zolko, cuja avó era Mônika Stránská Zolko, meia-irmã da Erika
Stránská. O e-mail dizia o seguinte: “Olá, escrevo-lhe porque minha avó era a
irmã menor de uma das meninas que viveu no Quarto 28, Erika Stránská. Minha
avó se escondeu durante a guerra, ao término da qual veio para o Brasil. E aqui
estamos até hoje. Sou Adriana e vivo em São Paulo”. Foi assim, via e-mail, que
tudo começou. Monika tinha belas lembranças de Erika, sua irmã mais velha.
Falava dela com orgulho: “Erika brincava muito comigo, pois passava muito tempo
conosco. A mãe de Mônika, naquela época, tinha 23 anos, adorava crianças e
cuidou de Erika como se fosse sua filha”. Em 1939, a mãe da Erika, Therese
Stránská, juntamente com sua cunhada, decidiu fugir para a Inglaterra, deixando
Erika aos cuidados dos avós paternos e de seu ex-marido e pai de Erika, George
Stránská. George estava separado de Therese e se casou novamente com Valerie
Stettina. Em novembro de 1937 nasceu sua filha Mônika. Quando Therese deixou
sua filha Erika em Praga, tinha certeza que estava em boas mãos, cercada do
carinho da família de seu pai. E, realmente foi assim, até começarem os
transportes em 1941. Erika Stránská foi levada a Theresienstadt em setembro de
1941. A dor e a tristeza pelo destino da irmã mais velha acompanham Monika Zolko
por toda a vida. Erika morou no “Quarto 28” até 1944. Em 16 de maio, subiu em
um vagão e partiu rumo a Auschwitz quando faltavam seis dias para completar seu
14° aniversário. Nesse dia Erika havia morrido. PALAVRAS FINAIS – No decorrer
da Segunda Guerra, milhares de judeus perderam a pátria, a dignidade e as
vidas. Suas histórias são muito semelhantes àquelas que já conhecemos e, ao
mesmo tempo são tão diferentes e únicas quanto seus nomes e atividades que
desenvolviam. Foram 60 meninas que conviveram durante dois anos, mas delas
apenas 15 sobreviveram. Suas histórias, mescladas com fatos históricos e
anotações de diários; seus desenhos, peças de teatro, aulas de pintura secretas
e poesias escritas em álbuns de recordações, nos convidam a uma caminhada no campo
de Theresienstadt. Theresienstadt, uma cidade de faz-de-conta, idealizada pelos
nazistas para desviar a atenção da imprensa e da Cruz Vermelha Internacional do
que realmente acontecia. Uma história feita de tristeza, de amizade, compaixão
e, sobretudo, de esperança (...).
Bibliografia
Brenner, Hannelore., “As meninas do Quarto 28: Amizade, esperança e sobrevivência em Theresienstadt. Texto Editores, um grupo da Editora Leya. São Paulo 2014, 414 págs.
Elsby, Liz, Coping through art - Friedl Dicker-Brandeis and the children of Theresienstadt. The International School for Holocaust Studies, 2013.
Kramer, Edith. On Friedl. In Wix, Linney. Through a narrow window: Friedl Dicker-Brandeis and her Terezin students. University of New Mexico Press, 2010, pp. 1-3.
Makarova, E. Friedl Dicker-Brandeis. Los Angeles: Tallfellow/Every Picture Press, 2001.
Wix, Linney, Aesthetic Empathy in Teaching Art to Children: The Work of Friedl Dicker-Brandeis in Terezin. Art Therapy: Journal of the American Art Therapy Association 26(4) pp. 152-158.
Wix, Linney. Through a narrow window: Friedl Dicker-Brandeis and her Terezin students. University of New Mexico Press. México 2010.
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Elsby, Liz, Coping through art - Friedl Dicker-Brandeis and the children of Theresienstadt. The International School for Holocaust Studies, 2013.
Kramer, Edith. On Friedl. In Wix, Linney. Through a narrow window: Friedl Dicker-Brandeis and her Terezin students. University of New Mexico Press, 2010, pp. 1-3.
Makarova, E. Friedl Dicker-Brandeis. Los Angeles: Tallfellow/Every Picture Press, 2001.
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Wix, Linney. Through a narrow window: Friedl Dicker-Brandeis and her Terezin students. University of New Mexico Press. México 2010.
Prof.
Reuven Faingold é historiador e educador, PHD em História e História Judaica
pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É também sócio fundador da Sociedade
Genealógica Judaica do Brasil e, desde 1984, membro do Congresso Mundial de
Ciências Judaicas de Jerusalém.
www.morasha.com.br. Abraço. Davi.
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