Budismo. Texto de Alexandre Berzin. Tradução Rosa Frazão.
COMPARAÇÃO – HINAYANA E MAHAYANA. Os termos Hinayana (Veículo
Menor ou Veículo Modesto) e Mahayana (Veículo Maior ou Veículo
Vasto) surgiram com o Sutra Prajnaparamita (O Sutra da Sabedoria
Discriminativa de Longo Alcance, O Sutra da Sabedoria da Perfeição). Mas
são termos que podem ter uma conotação um tanto depreciativa, engrandecendo o
Mahayana e desvalorizando o Hinayana. Entretanto, as alternativas também tem
seus problemas, então usarei os termos que são normalmente utilizados, que são
mais conhecidos. O Hinayana engloba dezoito escolas. As mais importantes para o
nosso objetivo são a Sarvastivada e a Theravada. A Theravada é a escola
dominante hoje no Sri Lanka e Sudeste Asiático. A Sarvastivada era amplamente
difundida no Norte da Índia quando os tibetanos começaram a viajar para lá e
transplantar o budismo para o Tibete. A Sarvastivada possuía dois ramos
principais, baseados em diferente filosofias: o Vaibhashika e o Sautrantika. O
sistema de ensinamentos Hinayana estudado nas universidades monásticas da
Índia, como Nalanda, e mais tarde pelos tibetanos Mahayanistas, provém dessas
duas escolas. Já a linhagem de votos monásticos seguida pelos tibetanos vem de
outra subdivisão da Sarvastivada, a Mulasarvastivada. Bhudas e Arhats. EXISTE UMA DIFERENÇA bastante
significativa entre as apresentações Hinayana e Mahayana no que diz respeito a
arhats e budas. Ambas concordam que arhats, ou seres liberados, são mais
limitados que os budas, seres iluminados. O Mahayana coloca essa diferença em
termos de dois conjuntos de obscurecimentos: os emocionais, que impedem a
liberação, e os cognitivos, que impedem a onisciência. Os arhats estão livres
apenas do primeiro, enquanto os budas estão livres dos dois. Essa divisão não é
encontrada no Hinayana. É uma definição exclusivamente Mahayana. Para obtermos
liberação ou iluminação, tanto o Hinayana quanto o Mahayana afirmam que é
necessária a cognição não conceitual da ausência de uma “alma” impossível. Essa
ausência de “alma”, ou anatma em sânscrito — o idioma
principal das escrituras Sarvastivadas e Mahayanas — e anatta em
pali — o idioma das escrituras Theravada — é frequentemente traduzida como
ausência de um “eu”. As escolas Hinayana afirmam que essa ausência de uma
“alma” impossível aplica-se apenas a pessoas e não a fenômenos. Pessoas não
possuem uma “alma”, um atman, invulnerável, sólida, que pode ser
separada do corpo e da mente e reconhecida. Tal “alma” é impossível. Através
apenas da compreensão de que não existe algo que seja a “alma” de uma pessoa, é
possível tornar-se um arhat ou um buda. A diferença fica por conta da
quantidade de força positiva, ou “mérito”, acumulada. Os budas possuem muito
mais força positiva do que os arhats, por terem desenvolvido a aspiração
iluminadora de bodhichitta. O Mahayana afirma que budas compreendem a ausência
de uma “alma” impossível tanto no que diz respeito à pessoas quanto aos
fenômenos. Eles chamam isso de “vacuidade”. As várias escolas indianas Mahayana
discordam quanto aos arhats terem ou não a compreensão da vacuidade dos
fenômenos. Dentro do Mahayana, a escola Prasangika Madhyamaka afirma que eles
têm essa compreensão. Entretanto, as quatro tradições tibetanas apresentam
explicações diferentes da Prasangika. Algumas dizem que a compreensão dos
arhats sobre a vacuidade dos fenômenos é diferente da compreensão dos budas;
outras dizem que as duas vacuidades são a mesma. Algumas dizem que o escopo dos
fenômenos aos quais a vacuidade se aplica é mais limitado para os arhats do que
para os budas; e algumas dizem que não. Aqui, não precisamos de todos esses
detalhe. Questões Adicionais a Respeito a Arhats e Bhudas. NO QUE DIZ
respeito a arhats e budas, Hinayana e Mahayana diferem em muitos outros pontos.
A escola Theravada, por exemplo, afirma que uma das diferenças entre um
shravaka - ou “ouvinte”, que busca a liberação como arhat, e um bodhisattva,
que busca a iluminação como um buda, é que shravakas estudam com professores
budistas, e bodhisattvas não. O buda histórico, Shakyamuni, por exemplo, não
estudou com outro buda. Ele estudou apenas com professores não budistas, cujos
métodos acabou rejeitando. A Theravada afirma que a sabedoria de um buda é
maior que a de um arhat, porque a compreensão e conquista do buda não foram
alcançadas por meio de um professor budista. Além disso,
bodhisattvas trabalham para tornarem-se professores budistas universais;
shravakas não, apesar de, como arhats, eles certamente terem discípulos. Antes
de sua morte, o próprio Buda ordenou a seu discípulo Shariputra, que era um
arhat, que continuasse “girando a roda do Dharma.” Entretanto, de acordo com a
Theravada, budas sobressaem-se sobre os arhats em razão de seus métodos de
liberação serem mais eficientes e abrangentes. Isso se deve a onisciência dos
budas. Entretanto, de acordo com essa escola, um buda não saberia o endereço de
todo mundo e teria que pedir informação aos outros. De acordo com a escola Vaibhashika do Hinayana, a onisciência de
um buda aplicaria-se a essa informação, mas o problema é que eles só saberiam
uma coisa de cada vez. Já de acordo com o Mahayana, onisciência significa saber
tudo ao mesmo tempo, o que vem da visão de que tudo é interconectado e
interdependente; portanto, não poderia haver uma informação que fosse separada,
que não estivesse relacionada ao resto. O Hinayana
afirma que o buda histórico alcançou a iluminação em vida e, assim como um
arhat, seu continuum mental terminou quando ele morreu. Portanto, segundo essa
escola, os budas ensinariam apenas até o final da vida na qual eles atingiram a
iluminação. Eles não emanariam para infinitos sistemas de mundos e nem
seguiriam ensinando para sempre, conforme afirma o Mahayana. O Mahayana é a
única escola a afirmar que o buda histórico iluminou-se em uma vida prévia, há
muitos eons, estudando com professores budistas. E também afirma que o que ele
efetuou embaixo da árvore bodhi foi apenas demonstrar a iluminação, como uma
das dozes ações iluminadas de um buda. O relato precursor dessa afirmação é
encontrado na escola Mahasanghika do Hinayana, outra das dezoito escolas
Hinayana, mas não é encontrado na Sarvastivada ou na Theravada. Outra grande diferença, no que diz respeito aos budas, é que a
escola Mahayana é a única a afirmar a existência dos três corpos de um buda —
nirmanakaya, sambhogakaya e dharmakaya. O Hinayana não os reconhece. Portanto,
o conceito de buda é significativamente diferente entre o Hinayana e o
Mahayana. Os Caminhos Mentais Que Levam à Liberação e à Iluminação. TANTO O
HINAYANA quanto o MAHAYANA afirmam que temos que desenvolver cinco níveis de
caminhos mentais — os assim chamados “cinco caminhos”— nos estágios
progressivos até o estado purificado, ou “bodhi”, tanto de um arhat quanto de
um buda. Ou seja, temos que desenvolver o caminho mental da construção ou o
caminho da acumulação, o caminho mental da diligência ou caminho da preparação,
o caminho mental da visão ou o caminho da visão, o caminho mental da habituação
ou o caminho da meditação, e o caminho que não requer mais treinamento ou que
não requer mais aprendizagem. Shravakas e bodhisattvas que alcançam o caminho
mental da visão tornam-se aryas, seres altamente realizados. Ambos têm a
cognição não conceitual dos dezesseis aspectos das quatro nobres verdades. Tanto o Hinayana quanto o Mahayana concordam que o caminho
mental da visão livra os arya shravakas e arya bodhisattvas das emoções
perturbadoras que surgem baseados em doutrinas, enquanto o caminho mental da
habituação os livra das emoções perturbadoras que surgem automaticamente. As
primeiras estão baseadas na aprendizagem das teorias de alguma das escolas
indianas não-budistas, enquanto as últimas surgem automaticamente em todo
mundo, inclusive nos animais. A lista das emoções perturbadoras de que os arya
shravakas e bodhisattvas estão livres é parte de uma lista maior de fatores
mentais. Cada uma das escolas Hinayana tem sua própria lista de fatores
mentais, e o Mahayana tem ainda outra lista. Muitos dos fatores mentais têm
definições diferentes nas diferentes listas. Tanto o Hinayana quanto o Mahayana
concordam que o progresso através dos cinco caminhos da mente está ligado à
prática dos 37 fatores que levam a um estado purificado. Um “estado purificado”
ou “bodhi” refere-se tanto ao estado de arhat quando ao estado de buda. Esses
37 fatores incluem as quatro aplicações da presença mental, os oito ramos do
caminho da mente arya (o nobre caminho óctuplo), e assim por diante. Eles são
muito importantes. No anuttarayoga tantra, os 37 são representados pelos 34
braços de Yamantaka juntamente com seu corpo, fala e mente, e também pelas
dakinis da mandala corporal de Vajrayogini. Esses 37 fatores são um conjunto
padrão de práticas. Contudo, as práticas específicas frequentemente diferem no
Hinayana e no Mahayana. Tanto o Hinayana
quanto o Mahayana afirmam que o esquema de entrar-no-fluxo, retornar-uma-vez,
não-mais-retornar e tornar se um arhat refere-se a estágios do caminho de um
arya shravaka, mas não do caminho de um arya bodhisattva. Pessoas que entraram
no fluxo tem a cognição não conceitual de todos os dezesseis aspectos das
quatro nobres verdades, inclusive da ausência de uma “alma” impossível nas
pessoas. Portanto, não devemos pensar que o estágio de entrada no fluxo é para
principiantes. Se alguém disser ter atingido esse estágio, suspeite. O Hinayana não fornece uma explicação extensa a respeito dos
caminhos mentais do bodhisattva. Mas o Mahayana explica que o caminho de um
arya bodhisattva até a iluminação se dá através do progresso pelos dez níveis
de mente-bhumi. Esses níveis mentais não pertencem ao caminho shravaka. Tanto o Hinayana quanto o Mahayana concordam que percorrer o
caminho do bodhisattva até a iluminação leva mais tempo do que percorrer o
caminho shravaka para tornar-se um arhat. Entretanto, o Mahayana fala em
criarmos as duas redes-de-construção-da-iluminação — as duas coleções — por
três zilhões de eons. “Zilhão”, normalmente traduzido como “incontável”,
significa um número finito, porém tão grande que não conseguimos contar.
Shravakas, por outro lado, podem atingir o estado de arhat em apenas três
vidas. Na primeira vida entra-se no fluxo, na segunda chega-se ao estágio de
retornar-uma-vez e na terceira chega-se ao estágio de não-mais-retornar,
atinge-se a liberação e torna-se um arhat. Para muitas pessoas, isso é bastante
tentador. A afirmação de que arhats são egoístas é uma propaganda
bodhisattva. Sua função é simplesmente indicar um extremo a ser evitado. Os
sutras registram que o Buda pediu a sessenta de seus discípulos, que eram
arhats, para que ensinassem. Se eles realmente fossem egoístas, não teriam
concordado em fazê-lo. No entanto, a ajuda de um arhat é mais limitada que a de
um buda. Mesmo assim ambos só conseguem ajudar àqueles que tem o karma para
serem ajudados por eles. Bodhisattvas. É IMPORTANTE
ENTENDERMOS que as escolas Hinayanas afirmam que para tornar-se um buda é
necessário seguir o caminho do bodhisattva. Tanto o Hinayana quanto o Mahayana
têm versões dos contos de Jataka descrevendo vidas anteriores
do Buda Shakyamuni como bodhisattva. Desde o século III AC, muitos dos reis do
Sri Lanka se intitulavam bodhisattvas, começando pelo Rei Siri Sanghabodh. É
claro que é um pouco complicado desenrolar essa história, uma vez que já haviam
seguidores do Mahayana no Sri Lanka nessa época. É difícil afirmar que a ideia
de reis bodhisattvas já existia antes da influência Mahayana, mas o fato é que
ela existiu. Ainda mais surpreendente é que no século V DC, os anciãos da
capital do Sri Lanka, Anaradhapura, declararam que Buddhaghosa, um grande
mestre Theravada do Abhidharma, era a reincarnação do bodhisattva Maitreya. O Mahayana afirma que surgirão mil budas nesse “eon afortunado”
e que eles fundarão religiões universais, e também afirma que já existiram e
ainda existirão muitos outros budas em outras eras. O Mahayana também afirma
que todos podemos nos tornar budas, porque todos temos os fatores da natureza
búdica, que possibilitam isso. O Hinayana não fala sobre a natureza búdica;
entretanto a escola Theravada menciona centenas de budas do passado. Um dos
sutras Theravada lista 27 nomes. E todos foram bodhisattvas antes de
tornarem-se budas. O Theravada também afirma que haverão inúmeros budas no
futuro, incluindo Maitreya, o próximo, e que qualquer um pode tornar-se um buda
se praticar as dez atitudes de vasto alcance. As Dez
Atitudes de Vasto Alcance. O MAHAYANA DIZ que as dez atitudes de vasto
alcance são praticadas apenas pelos bodhisattvas e não pelos shravakas. Isso
porque o Mahayana define uma atitude de vasto alcance, ou “perfeição”, como
aquela que é sustentada pela força do ideal de bodhichitta. Entretanto, de acordo com a Theravada, contanto que as dez
atitudes sejam sustentadas pela força da renúncia, a determinação de se
liberar, não é necessário bodhichitta para que a prática tenha um vasto alcance
e aja como causa para a liberação. Portanto, a Theravada afirma que tanto os
bodhisattvas quanto os shravakas praticam as dez atitudes de vasto alcance.
Além da motivação, a diferença principal entre a prática das dez atitudes de um
bodhisattva e de um shravaka é sua intensidade. Cada uma das dez atitudes de
vasto alcance tem três estágios, ou graus: comum, médio e elevado. Por exemplo,
uma prática de generosidade mais elevada seria dar seu próprio corpo para
alimentar uma tigresa faminta, como o Buda fez em uma de suas vidas anteriores,
quando era um bodhisattva. A lista das
dez atitudes de vasto alcance também difere ligeiramente entre o THERAVADA e o
MAHAYANA. A lista MAHAYANA é:
·
GENEROSIDADE
·
AUTODISCIPLINA
ÉTICA
·
PACIÊNCIA
·
PERSEVERANÇA
·
ESTABILIDADE
MENTAL (CONCENTRAÇÃO)
·
CONSCIÊNCIA
DISCRIMINATIVA (SABEDORIA)
·
MEIOS
HÁBEIS
·
PRECES
DE ASPIRIÇÃO
·
FORÇA
·
CONSCIÊNCIA
PROFUNDA.
·
RENÚNCIA
·
SINCERIDADE
·
DETERMINAÇÃO
·
AMOR
·
EQUANIMIDADE.
As Quatro Atitudes Incomensuráveis.
Tanto o HINAYANA quanto o MAHAYANA ensinam a prática das quatro
atitudes incomensuráveis do amor, compaixão, alegria e equanimidade. Ambas
definem amor como a aspiração de que os outros sejam felizes e encontrem as
causas da felicidade, e compaixão como a aspiração de que estejam livres do
sofrimento e das causas do sofrimento. O Hinayana, no entanto, não desenvolve
essas atitudes incomensuráveis através de uma linha de raciocínio, como a de
que todos os seres já foram nossas mães e assim por diante. Nessa escola,
começa-se direcionado amor a todos os que já amamos e estendendo esse amor, em
etapas, em direção a um número cada vez maior de seres. As definições de alegria e equanimidade incomensuráveis são
diferentes no Hinayana e no Mahayana. No Hinayana, alegria incomensurável
significa ficarmos felizes com a felicidade alheia, sem sentirmos inveja, e
desejar que ela aumente. No Mahayana, alegria incomensurável é desejar que os
outros obtenham a felicidade da iluminação sem fim. Equanimidade é o estado mental livre de apego, aversão e
indiferença. Na Theravada, significa termos equanimidade em relação ao
resultado de nosso amor, compaixão e alegria. O resultado de nosso esforço em
ajudar os outros realmente depende do karma e do esforço deles; apesar de,
assim como no Mahayana, a escola Theravada aceitar a possibilidade de
transferir-se força positiva, “mérito”, para os outros. Desejamos que sejam
felizes e que estejam livres do sofrimento, mas vemos o que quer que aconteça
de forma equânime. Isso porque sabemos que terão que fazer o trabalho por si
mesmos. No Mahayana, equanimidade incomensurável significa aspirar que os
outros seres estejam livres de apego, aversão e indiferença porque essas
atitude e emoções perturbadores lhes causam sofrimento. Apesar de precisarmos desenvolver amor e compaixão para
atingirmos o estado liberto de um arhat, não é necessária uma determinação
excepcional ou um ideal de bodhichitta. Determinação excepcional é um estado
mental de estar absolutamente determinado a tomar para si a responsabilidade de
ajudar a levar todos os seres à liberação ou iluminação. Ideal de bodhichitta é
o estado mental de querer atingir a iluminação para conseguir levar adiante o
objetivo da determinação excepcional. Como o Hinayana não detalha o caminho do
bodhisattva, ele não explica essas duas atitudes. O Mahayana explica
detalhadamente as práticas meditativas para desenvolvê-las. O Hinayana, portanto, enfatiza o desenvolvimento das quatro
atitudes incomensuráveis como uma forma de superarmos as emoções perturbadoras
opostas. Amor é o oposto de animosidade; ele nos libera temporariamente de
pensamentos de inimizade, agressão ou indignação e ansiedade ou medo. Compaixão
é o oposto de ter-se uma atitude cruel ou nociva. Alegria ou regozijo é o oposto
de inveja, e equanimidade é o oposto de expectativa, preocupação ou
desapontamento e indiferença. Além disso, na Theravada, desenvolvemos essas
quatro atitudes primeiro em relação a nós mesmos, e só depois as direcionamos
aos outros. No Mahayana, a ênfase é no que os outros vivenciam, ao invés de na
nossa experiência em relação a eles. As Duas Verdades. APESAR DO
HINAYANA não afirmar a ausência de uma “alma” impossível nos fenômenos, ou
vacuidade, isso não quer dizer que não discuta a natureza dos fenômenos em
geral. O Hinayana aborda isso na apresentação das duas verdades em relação aos
fenômenos. O que precede a compreensão da vacuidade dos fenômenos é a
compreensão das duas verdades. No Mahayana, as duas verdades são dois fatos que
dizem respeito ao mesmo fenômeno. No Hinayana, as duas verdades são dois
conjuntos diferentes de fenômenos. Existem fenômenos superficialmente, ou
convencionalmente verdadeiros e fenômenos profundamente, ou absolutamente,
verdadeiros. Na escola Sarvastivada, o ramo Vaibhashika afirma que os
fenômenos superficialmente verdadeiros são os objetos físicos e os estados
mentais (formas de estar-se consciente). E os fenômenos profundamente
verdadeiros são todos os átomos que constituem os objetos físicos e todos os
pequenos momentos de cognição. É importante percebermos que aquilo que vemos
são os fenômenos superficialmente verdadeiros, e no nível mais profundo tudo é
constituído por átomos. Podemos perceber como isso leva ao entendimento de que
o nível superficial é uma ilusão. De acordo
com a escola Sautrantika, os fenômenos superficialmente verdadeiros são
entidades metafísicas, nossas projeções sobre os objetos; enquanto os fenômenos
profundamente verdadeiros são as coisas em si. Aqui, começamos a entender que
as projeções são como ilusões. Se nos livrarmos das projeções, veremos o que
está objetivamente lá fora. Nossas projeções são como ilusões. Segundo a Theravada, os fenômenos superficialmente verdadeiros
são fenômenos imputados, e referem-se tanto a pessoas quanto a objetos, estejam
eles dentro ou fora do corpo. Os fenômenos profundamente verdadeiros são
aqueles sobre os quais os fenômenos superficialmente verdadeiros são imputados.
O corpo e os objetos físicos são imputados nos elementos e nos campos
sensoriais que percebemos. O que é uma laranja? É a visão, o cheiro, o gosto, a
sensação física? Uma laranja é aquilo que é imputado sobre tudo isso. Da mesma
forma, uma pessoa é aquilo que pode ser imputado nos fatores agregados do corpo
e mente (skandhas). Os fenômenos profundamente verdadeiros são os seis tipos de
consciências básicas e os fatores mentais, porque são a base sobre a qual
rotulamos ou imputamos uma pessoa. Apesar de
nenhuma das escolas Hinayana falarem sobre a vacuidade de todos os fenômenos
elas afirmam que, para obtermos a liberação, é importante compreendermos os
fenômenos profundamente verdadeiros de forma não conceitual. Portanto, a visão
geral é muito semelhante à argumentação Mahayana. O Theravada também tem uma explicação muito particular do karma,
que não é encontrada nas escolas Sarvastivada ou no Mahayana, mas não
entraremos nisso agora. A partir
dessa introdução, podemos começar a apreciar as escolas Theravada e
Sarvastivada do Hinayana como elas realmente são, dentro do contexto completo
dos ensinamentos budistas. Isso pode nos ajudar a não cometer o equívoco de
renunciar ao Dharma alegando que um determinado ensinamento do Buda não é
budista. Quando temos uma compreensão apropriada das escolas budistas, a partir
de seu próprio ponto de vista, desenvolvemos grande respeito por todos os
ensinamentos do Buda. Isso é muito importante. www.studybuddhism.com.br.
Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário