Mahabharata.
Texto de Krishna Dharma. Capítulo Três. PROVA DE ARMAS. UM DIA, DRONA CONCLUIU
que os príncipes kurus tinham terminado sua educação. Todos eram proficientes
nas artes marciais, capazes de lutar em carros, a cavalo ou a pé. Podiam usar
com sucesso qualquer arma e conheciam os segredos dos “mísseis” místicos
comandados pelos deuses. Drona estava confiante de que desempenharia seus
papéis de protetores do povo e de que lutariam contra qualquer antagonista.
Satisfeito com a conclusão de seu trabalho, Drona foi a Dritarastra e disse: Ó
rei, o treinamento dos seus filhos se findou. Com sua permissão, eles já estão
prontos para demonstrar o que aprenderam e para isso vou preparar uma exibição.
Agradecendo a Drona, o rei respondeu: Então que assim seja. Invejo os que verão
as habilidades dos meus filhos. Prepare tudo, Drona. Ó, melhor dos brâmanes, eu
comparecerei à exposição com Vidrua, que será meus olhos”. Drona selecionou um
local apropriado perto da cidade e mandou construir um grande estádio. Seus
assentos enfileirados pareciam se alçar
aos céus, e podiam acomodar centenas de milhares de pessoas. Na plataforma
real, foram construídos tronos de ouro com pedras preciosas. E sobre os muros
altos muitas bandeiras tremulavam com a brisa. O estádio foi santificado pelos
brâmanes com os rituais que pacificam os deuses. E então, num dia marcado pelos
auspícios das estrelas favoráveis, os cidadãos de Hastinapura adentraram o
imenso estádio. Quando este se encheu, o rei entrou, seguido de todos os
ministros. As senhoras reais os seguiam, vestidas com saris finos e com as
cabeças cobertas por véus de seda. Quando se juntaram na plataforma real, os
senhores kurus e suas esposas pareciam deuses e deusas que tinham subido ao
celestial monte Meru (montanha de 4.565 metros de altitude na Tanzânia –
África). O estádio zumbia de animação, como o rugir do oceano. As trombetas
foram tocadas, os tambores batidos e o som de centenas de conchas ressoaram de
todos os lados. Os brâmanes entraram na arena para fazer os rituais de abertura
e, seguido do filho Asvathama, Drona finalmente entrou. Vestido em sedas
brancas e com uma guirlanda em volta do pescoço, ele brilhava como a lua cheia.
O povo o saudou calorosamente, até que ele levantou as mãos para que se
aquietassem. Quando o estádio se aquietou, os príncipes entraram em fila, com
Iudistira a frente. Os leões poderosos vestiam armaduras brilhantes e estavam
equipados com todos os tipos de arma. Ao comando de Drona, eles começaram a
demonstrar suas habilidades, uma por uma. Montados nos ombros de altos
carregadores, eles circundavam a arena brandindo suas armas. Flechas foram
atiradas em todas as direções, tanto em alvos estáticos quanto em móveis.
Alguns cidadãos se encolhiam com medo, enquanto outros nem piscavam,
maravilhados. Gritos de “muito bom!” e “excelente” ressoavam pelo estádio todo.
Drona apresentou a luta amigável de maça que Bima e Duriodhana iam travar. Eles
se prepararam e seus olhos brilhavam de fúria. Ao grito de Drona, eles se
encontraram como dois touros enraivecidos, e dos choques das maças pesadas de
ferro saía uma chuva de faíscas. Quando paravam e se mediam pareciam dançarinos
delicados num placo. Nos momentos em que a plateia gritava. Vidrua descrevia a
cena para Kritarastra. Kunti fazia o mesmo para Gandari, que, depois de saber
que seu marido era cego, decidira usar para sempre uma venda sobre os olhos, a
fim de não superá-lo de nenhuma forma. Todos se concentravam na luta, que
estava se tornando bem amis que apenas uma exibição de torneio. A lealdade da
multidão se dividiu, naturalmente, e alguns gritavam por Bima e outros por
Duriodhana. Drona percebeu que a luta estava se tornando muito séria, e pediu
ao filho que se colocasse entre os dois e parasse a competição. Rapidamente,
Asvathama se dirigiu para o centro da arena e conseguiu separar os dois
príncipes, que, rugindo, deram um passo para trás, ainda se fitando com ódio.
Então, Drona anunciou que Arjuna demostraria seus talentos. Este filho de Indra
é o mais espetacular de todos os guerreiros e o maior protetor dos kurus.
Conheçam agora com seus próprios olhos as suas habilidades incríveis! O povo
todo o saudou com gritos. Dritarastra perguntou a Vidura o que era aquele
barulho todo. Quando Vidrua lhe contou, ele retrucou: Como sou abençoadao
porter a guarda dos filhos de kunti! Eles resplandecem como os fogos
sacrificiais. Entretanto, no íntimo, o rei cego sentia um ressentimento
secreto. Por que a plateia não gritara assim para Duriodhana? Será que ele era
inferior a Arjuna? Dritarastra se encolheu no assento. Se ele pudesse ver por
ele mesmo o que estava acontecendo (...). Quando a multidão se aquietou, Arjuna
começou a exibir seu domínio sobre as armas celestiais. Com o “míssil” Agneia,
presidido pelo deus do fogo Agni, ele produziu uma fogueira, que extinguiu
rapidamente com a Varunastra, arma controlada pelo deus das águas, Varuna.
Então, invocou a arma do deus dos ventos e um vendaval passou pelo estádio, que
Arjuna parou com a Parvaria, que fez aparecer um morro no meio da arena. Ele
continuou exibindo diversas outras armas místicas ante o olhar admirado da
plateia e, depois, iniciou a exposição de suas habilidades como arqueiro. Drona
fez um javali mecânico atravessar a arena e Arjuna atirou cinco flechas em sua
boca, tão rapidamente e tão juntas que mais pareciam uma só. Em seguida, atirou
vinte flechas no oco de um chifre de boi que balançava no ar, pendurado por uma
corda. Depois dessa façanha, Arjuna ainda demonstrou sua perícia com a espada e
a maça. A multidão cantava e balançava as roupas esvoaçantes, feliz. Arjuna se
inclinou agradecendo e voltou para o lado de Drona. A exibição estava chegando
ao final, e os músicos começaram a tocar melodias suaves, para acalmar a
plateia. De repente, todos ouviram um homem vociferando nos portões de entrada
do estádio como um elefante enfurecido. Todas as cabeças se viraram naquela
direção e viram uma figura alta e dourada como de rochas se partindo. Vestia
uma cota de malha de ouro, que parecia ser parte do seu corpo, e brincos de
argola da cor do fogo, que balançavam com os passos pesados que ele dava na
direção de Drona. O povo emudeceu com a chegada daquele homem, que se
assemelhava a uma montanha que andava, e brilhava como o Sol. Seus passos faziam
a Terra tremer. Aproximando-se de Drona, cumprimentou-o abaixando-se pouco, o
que não demonstrava muito respeito. Fez o mesmo para Kripa e então falou, em
voz estrondosa: Sou karna. Se me permite, ó brâmane, posso exibir habilidades
maiores ainda que as de Arjuna. Prepare-se. Ao ouvir essa proclamação atrevida,
a multidão se levantou como se fosse uma só pessoa. Gritavam palavras de
encorajamento para o guerreiro desconhecido. Embaraçado, Arjuna sentiu raiva.
Tocou a corda de seu arco e fitou karna fixamente. Drona consentiu com o pedido
de karna e o jovem poderoso foi pra o centro da arena. Lá, logo começou sua
demonstração. Igualando todos os feitos de Arjuna, ele lhe enviava olhares de
desprezo a todos os instantes. A plateia urrava e aprovava. Quando terminou,
Duriodhana foi até ele e o abraçou calorosamente. Ali estava um guerreiro que
se igualava a Arjuna. O pandava orgulhoso tinha atraído a atenção do povo por
muito tempo. Quem sabe isso agora mudaria. Em voz alta, Duriodhana lhe disse:
Seja bem-vindo à nossa apresentação, ó herói. Você exibiu habilidades
maravilhosas. O que os kurus podem fazer para agradá-lo, em troca? Driodhana
sorriu para Arjuna, que estava vermelho de cólera. Percebendo a óbvia inimizade
entre os dois, karna respondeu: Ó rei, tudo que quero é a sua amizade. Mas
conceda-me uma graça: desejo um combate simples com Arjuna. Arjuna se retesou.
Havia sentido uma forte antipatia no momento em que pusera os olhos em Karna. O
pandava procurou nos olhos de Drona a permissão para lutar. Talvez ele tivesse
uma oportunidade imediata de acabar com a arrogância de karna. Drona assentiu,
e Arjuna se virou para enfrentar karna. Duriodhana abraçou karna de novo e o
encorajou à luta. Enquanto os dois homens se aproximavam lentamente, o céu escurecia.
Relâmpagos surgiram aqui e ali, e o grande arco-íris de Indra apareceu sobre a
cabeça de todos. Ao mesmo tempo, raios brilhantes de Sol passaram pelas nuvens
e brilharam sobre karna, resplandecendo na sua armadura dourada. Kunti estava
horrorizada ao ver a cena. Repentinamente, ela desmaiou e caiu sobre a
plataforma real. Surpreso, Vidura respingou água fresca no seu rosto. Quando
ela voltou a si, ele perguntou-lhe o que acontecera. Kunti suspirou. Como é que
ela poderia contar-lhe a verdade, o segredo que ela guardar cuidadosamente por
tantos anos? Foi só calor, ela respondeu, sentando-se novamente. E, olhando
para a arena lá embaixo, lutava para ocultar sua ansiedade. Quando o duelo
estava quase começando, Kripa aproximou-se e pediua karna que anunciasse seu
nome completo e a linhagem a que pertencia. Kripa conhecia todas as regras de
combate e, de acordo com a tradição, só se permitiam duelos entre iguais. Karna
pareceu embaraçado e não disse nada. Estava claro que não pertencia a nenhuma
linhagem real. Entendendo esse fato e percebendo o constrangimento de karna,
Duriodhana disse: O nascimento não é único fator que determina a nobreza de uma
pessoa. Também se devem considerar o poder e o heroísmo. Mas se esse for o
obstáculo para que ele possa lutar com Arjuna, então, aqui e agora, eu confiro
a karna um reino. Duriodhana imediatamente improvisou uma cerimônia para coroar
karna. Enquanto todos se entreolhavam espantados, pegou água e a espargiu sobre
a cabeça de karna, dizendo: Você é agora o rei de Anga. Os brâmanes fizeram o
resto do ritual e, ao terminarem, o povo saudou karna quando ele se levantou,
com a cabeça ainda molhada e o corpo coberto pelos grãos de arroz que lhe
haviam jogado durante o ritual. Ele estava profundamente emocionado pelo gesto
amigo de Duriodhana e, com a voz embargada pela emoção, disse: Ó rei, eu nunca
poderei lhe pagar. Duriodhana passou o braço sobre seu ombro e falou: Só desejo sua amizade. Karna voltou
a ficar de frente para Arjuna, sob o murmúrio entusiasmado da plateia.
Certamente agora o duelo se realizaria. Mas, de repente, outro homem avançou
rápido dentro da arena. Era um velho apoiado numa bengala. Ele foi direto a
karna, que imediatamente se ajoelhou aos seus pés. Este é meu pai, Adirata. Ele
me adotou quando eu era um bebê, Karna explicou a Duriodhana. Adirata estava na
plateia e, quando viu karna ser coroado rei, não pode conter sua alegria e
descera à arena para felicitar o filho. Pelo seu nome e pelas vestes,
percebia-se que era um auriga (condutor de carro com cavalos, cocheiro). Vendo
a cena, Bima gargalhou e gritou: Como é que um filho de auriga merece morrer
pelas mãos de Arjuna? Na verdade, ele nunca deveria ter sido coroado rei, da
mesma forma que não se oferecem sacrifícios dos deuses aos cachorros. Karna
corou (envergonhado) e abaixou a cabeça. Duriodhana se levantou irritado e
exclamou: Bima, você não tem o direito de falar dessa forma! O nascimento de
Karna pode ser misterioso, mas o seu e os dos seus irmãos também são! Como pode
dizer que este homem é de casta inferior? Todos já vimos o poder que ele tem.
Veja, veja a armadura de ouro natural que ele veste, veja como ela brilha como
o Sol do meio-dia! Eu o tenho como o maior dos guerreiros e heróis! Duriodhana
olhou ao redor agressivamente. Se alguém discorda das minhas palavras, que dê
um passo à frente e toque seu arco para o combate. Animada pelo discurso
heroico de Duriodhana, a plateia deu vivas e aguardou, esperando que qualquer
tipo de luta começasse logo. Mas o Sol já tinha baixado ao horizonte e Drona
encerrou as atividades daquele dia. A disputa teria que ser marcada para outro
dia. Duriodhana levou Karna pela mão para fora da arena. Drona também saiu
seguido pelos pandavas. Gradualmente, todos os cidadãos se dispersaram
conversando alegremente. Kunti observava enquanto karna saia com Duriodhana.
Não havia dúvida, ele era o bebê que ela abandonara havia tantos anos.
Lembrava-se muito bem daquele dia doloroso. Depois de receber a graça de
Durvasa, ela deitara-se na cama, imaginando se o mantra funcionaria mesmo.
Vendo os raios de Sol que entravam pela janela, começou a cantar o mantra. Para
sua surpresa, viu a forma cintilante do deus do Sol, Surya, aparecendo dentro
do disco solar. Surya era brilhante e lindo, e ela sentiu qfue que sua mente
era atraída para ele. De repente, Surya estava de pé ao seu lado e sua voz
profunda encheu o quarto: O que posso fazer por você, ó gentil mocinha? Kunti
estava de boca aberta, atômita. Eu não desejo nada, Senhor, ela respondeu com a
voz embargada. Eu só estava testando o mantra. Por favor, me perdoe. Ó grande
deus, pode voltar para o céu. Mas o grande deus lhe disse que não poderia ir
embora sem antes lhe dar alguma coisa. Você me desejou; portanto, permita que
eu lhe dê uma criança celestial. Kunti ficou chocada. Como poderia ela,
solteira, aceitar o abraço de um homem? Surya sorriu e lhe disse que, mesmo
tendo um filho dele, ela se conservaria virgem. E foi assim que tudo aconteceu.
Sem o conhecimento no palácio, exceto de suas criadas mais próximas e de confiança,
Kunti deu à luz um menino. Ainda se lembrava de como se maravilhara ao ver a
armadura natural com que ele nascera, e seus brincos brilhantes, os mesmos que
tinha visto em Karna quando ele entrara na arena. Também se recordava
claramente de cada detalhe do dia em que abandonara o menino, temerosa de que
seus pais viessem a saber do acontecido. Rezando para que o deus do Sol
protegesse a criança, ela a colocara num cesto e a empurrara na corrente rápida
do rio Ganges – Índia. A memória daquele momento ainda estava muito viva em sua
mente, ela olhando com os olhos rasos d’água a cesta seguir balançando e
finalmente desaparecer na distância. Adirata devia tê-lo encontrado e adotado.
Kunti olhou novamente para o jovem alto que saía da arena com Duriodhana. Sentiu
o coração trêmulo. Sem dúvida. Duriodhana alimentaria em Karna a inveja óbvia
que ele sentia de seus outros filhos. Presa de emoções conflitantes e orando
com força, ela se levantou e saiu da arena com Gandari. Livro Mahabharata –
Recontado por Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo.
Abraço. Davi
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