Judaísmo. Holocausto. Música em Dachau. O campo de concentração
de Dachau foi construído em 1933 pelos nazistas numa antiga fábrica de pólvora,
próxima a cidade de Dachau, cerca de 5 quilômetros ao norte de Munique, no sul
da Alemanhã. Por Reuven Faingold. A
música nos campos de concentração nazistas sempre ocupou uma posição
ambivalente, ora servindo como estratégia legítima de sobrevivência para as
vítimas através do desvio da atenção da desgraçada situação em que se
encontravam, ora sendo utilizada pelos perpetradores como uma tentativa
perversa de as rebaixar e degradar. em Dachau, para onde centenas de
milhares de judeus foram deportados, essa situação não foi diferente. Não há
dúvida de que tanto em Dachau como nos outros campos de concentração e de
extermínio era comum que os mandantes usassem os prisioneiros com habilidades
musicais para seus próprios propósitos e como meio de desumanizá-los e de
quebrar, ainda mais, a resistência dos internos. Tampouco há dúvida de que para
os presos a música funcionava como estratégia legítima de sobrevivência –
física e espiritual. Alguns judeus conseguiram sobreviver à Shoá, pois os
nazistas “apreciavam” seus dons musicais. A música tornou-se uma forma de
resistência à barbárie nazista, parte da denominada “resistência cultural”.
Isto era parte das tentativas dos indivíduos em manter sua humanidade e
integridade pessoal face às investidas nazistas para desumanizar e degradar
todos os judeus e o judaísmo. O linguista e historiador iídiche, Zelig
Kalmanovich (1885-1944), descreveu-a como “uma clara vitória do espírito sobre
a matéria”. Inaugurado o Campo de Dachau na Alemanha. Dachau não era um
campo de extermínio como Auschwitz, Treblinka e Sobibor; foi criado como um
“campo seletivo”, em 1933, para encarcerar alemães dissidentes do regime
nacional-socialista. É importante ressaltar o fato. É verdade de que o
“componente essencial” de todos os campos nazistas era “o mesmo”: a fome, a
privação do sono e de todo tipo de necessidade primária, brutal ritmo de
trabalho, o sadismo incessantes por parte das SS, e a morte lenta por inanição,
ou súbita e aleatória pelas mãos de algum nazista. Contudo, em cada campo os
prisioneiros estavam sujeitos às condições específicas daquele local. Em suma,
a categoria do campo e sua história individual eram decisivas não apenas para a
chance de sobrevivência do prisioneiro, mas também para sua liberdade de
participar ou não das “atividades culturais”. Comparado a Mauthausen, na
Áustria, e a Auschwitz, na Polônia, Dachau, por não ser um campo de extermínio,
oferecia alguma flexibilidade nas atividades cotidianas. O campo de Dachau foi
criado em 20 de março de 1933, após Adolf Hitler (1889-1945) tomar o poder.
Nessa ocasião, Heinrich Himmler (1900-1945) anunciou à imprensa oficial:
“Na próxima 4ª feira, 22 de março de 1933, será aberto o primeiro campo de
concentração na localidade de Dachau. Com capacidade para 5 mil pessoas, lá
serão confinados comunistas e, se necessário for, a Reichsbanner (milícia
de esquerda) e os membros do partido socialdemocrata, grupos estes que atentam
contra a segurança do Estado. (...) Adotamos esta medida sem dar atenção às
críticas insignificantes, tendo plena convicção de que esta ação certamente
ajudará a restabelecer a calma em nosso país, realizando-se isto em benefício
de nossa população”. Dachau, cidade localizada a 18 km a noroeste de Munique,
ficou famosa, no século 19, por ser um centro cultural e uma colônia de
artistas. Ao eclodir a 1ª Guerra, em 1914, foi construída uma fábrica de
pólvora na periferia da cidade, fechada ao acabar a guerra. A fábrica
abandonada abrigaria as principais moradias do campo, durante os doze anos de
seu funcionamento, entre 1933 e 1945. Desde sua inauguração, os nazistas outorgaram
a Dachau um papel central, funcionando primeiramente como base de treinamento
das temidas SS (Schutzstaffel), e como modelo de organização para outros
campos que foram sendo edificados. Os prisioneiros reclusos em Dachau nos anos
que antecederam a 2ª Guerra, seja para serem “reeducados”, seja para
confinamento por “custódia preventiva” (schutzhaft), eram
principalmente membros de organizações antinazistas, grupos religiosos,
movimentos de resistência ou indivíduos que criticavam abertamente Hitler, assim
como também milhares de judeus. Depois de 1938, o campo de Dachau foi-se
lotando gradualmente com outros prisioneiros austríacos, ciganos, padres e
pastores protestantes, e Testemunhas de Jeová, de diferentes nacionalidades.
Submetido às exigências da “Administração Central dos Campos”, Dachau foi
mudando consideravelmente ao longo de seu funcionamento, atendendo às loucuras
dos comandantes alemães, assim como às necessidade bélicas decorrentes da
Guerra que era travada. Até 1941, ano em que os nazistas passam a autorizar
atividades culturais, o “tempo livre” dos presos era limitado. Em 1943, quando
o Terceiro Reich começa a explorar o trabalho escravo, as condições dos campos
“melhoram” uma vez que o objetivo principal era incrementar a produção. Assim, os
presos passam a receber porções adicionais de alimentos, e são permitidas
algumas atividades culturais e esportivas. Mas, no outono de 1944, com as
sucessivas derrotas sofridas pela Wehrmacht, as condições voltam a piorar,
fazendo com que as atividades sociais e culturais passem à clandestinidade,
dentre elas a música e a pintura. O campo foi libertado pelas tropas americanas
em 29 de abril de 1945. Pode-se ter uma ideia das terríveis condições de Dachau
através do relato da libertação do campo feito pelo rabino-militar
norte-americano, Eli Bohnen (1909-1992). Bohnen que participou na libertação de
Dachau escreveu em suas memórias: “Eu tinha vontade de pedir desculpas ao nosso
cachorro por pertencer à raça humana. Quanto mais adentrávamos o campo de concentração
e víamos os esqueletos revestidos de pele e as instalações características do
campo de extermínio, tanto mais eu me sentia inferior ao cachorro, porque, como
pessoa, eu pertencia à raça responsável por Dachau” (...). A música como
instrumento de tortura. No campo de Dachau, assim como em outros campos
nazistas, a música foi utilizada para degradar e brutalizar os presos. Um
sobrevivente relembra que as atividades musicais existiam para enganar não
apenas as pessoas que os nazistas para lá deportavam, pois os recém-chegados
eram, às vezes, recebidos por uma banda, como também os possíveis visitantes.
Ele relembra que, “ao chegar uma personalidade para visitar o campo,
‘descansava’ após a refeição escutando uma banda musical composta de músicos
famintos e esfarrapados, que se colocava em pé, sorridente, à porta do
refeitório, tocando alguma marcha de tons suaves e cordiais”. Havia também uma
“orquestra de cordas” que tocava aos domingos à tarde para entreter outras
autoridades do campo. Como acontecia em outros campos nazistas, o canto
obrigatório era parte indispensável das temidas “chamadas prévias” por listagem
e marchas cotidianas rumo ao trabalho forçado. Alguns sobreviventes, como Karl
Röder, lembram-se de serem obrigados a cantar por longas horas após um dia
extenuante de trabalho: “Nem sei quantas horas cantei no campo. Devem ter sido
milhares. Cantávamos quando íamos trabalhar e ao regressar. Cantávamos horas
inteiras durante o chamado das listas, para encobrir os gritos de outros
prisioneiros brutalmente torturados ou violentamente espancados, mas também
cantávamos quando o oficial do campo decidia que tínhamos que cantar (...). Os
nazistas consideravam o ritmo muito importante. Tínhamos que cantar marchando a
passo rápido e enérgico, e, acima de tudo, em voz alta. Depois de horas e horas
cantando, já não conseguíamos emitir som algum. Os nazistas sabiam que esse
canto era um castigo e por isso sempre nos faziam cantar (...)”. Na maior parte
das vezes as autoridades do campo de Dachau exigiam que os prisioneiros
cantassem marchas nazistas e canções nostálgicas alemãs. Os SS obrigavam os
prisioneiros a marchar pelas imediações do campo com um cartaz pendurado que
dizia: “Estou aqui novamente”. Uma pequena orquestra os
acompanhava. Röder recorda: “As canções que entoávamos eram sempre as mesmas.
Eu nunca consegui cantá-las sem me engasgar. O ódio e a raiva me asfixiavam,
sentindo-me afogado. Teria preferido o abuso físico”. Os presos eram também
frequentemente obrigados a tocar em concertos privados para os oficiais das SS.
Cabia-lhes animar as festas de aniversário e entreter os convidados. O uso da
música como forma de tortura em Dachau teve ainda outro aspecto: o “lager”1
foi onde o rádio foi mais utilizado para torturar seus prisioneiros. Durante as
noites ou na hora das refeições, o comandante do campo interrompia bruscamente
a programação do rádio e, pelos alto-falantes, colocava discursos de Hitler,
notícias que falavam da “inevitável vitória” do exército alemão e canções que
ironizavam o sistema de valores do comunismo. Era comum os nazistas baterem
violentamente nos prisioneiros enquanto eram obrigados a escutar o rádio. A
música dos alto-falantes se misturava aos gritos. A música como “Resistência
Cultural”. Além das atividades musicais forçadas, havia em Dachau o que
podemos chamar de “música voluntária”. Sendo raramente permitida pelos SS, era
em muitos casos informal e secreta. Corais, grupos musicais, quartetos de
cordas, espetáculos e orquestras constituíam uma parte fundamental da “resistência
cultural” organizada pelos prisioneiros de Dachau. Diante da destruição física
e mental de centenas de milhares de seres humanos, fortalecer o espírito com a
música era uma forma de resistência àquela barbárie. O canto comunitário era
uma das atividades mais populares entre as lá praticadas. Prisioneiros
políticos, judeus ou não, entoavam melodias comuns a militantes que faziam
parte de movimentos revolucionários internacionais, tais como a famosa “Moorsoldatenlied”
(Canção do Soldado). De fato, nos primeiros tempos de campo, a maioria das
atividades musicais dos judeus incluíam melodias e hinos de movimentos juvenis
ou movimentos radicais de ideologia sionista e nacionalista. As canções de
caráter nacionalista serviam não apenas para fortalecer o espírito como para
estreitar os laços de solidariedade entre os presos. Todos compartilhavam
lembranças do que haviam perdido. Nas barracas era comum cantar à noite, mesmo
após um dia exaustivo de trabalho forçado. Um sobrevivente lembra: “Em voz
baixa e depois um pouquinho mais forte, um preso entoou um canto eclesiástico.
O homem era um cantor litúrgico de uma grande igreja da Polônia e tinha uma voz
lírica excelente, de tenor. Ouvimo-lo com atenção. Logo, do cântico
eclesiástico continuaram canções em iídiche, que eram bem mais solenes e
trágicas”. Esse sobrevivente lembra que naquela ocasião ninguém foi punido. O
encarregado da barraca (prisioneiro, também) falou: “Quem mais quer cantar?’
Desta vez, a nova voz soava mais forte e firme. Cantou Valentine’s Prayer (Oração
de Valentine). Um cantor de ópera de Praga acompanhava. Após uma passagem
do Fausto (de Goethe) vieram outras árias de ópera. A última
canção foi a pungente Mein Shtetele Beltz (Minha pequena
cidade de Beltz), que ficou afogada em prantos. Tanto o cantor quanto o
prisioneiro responsável pela barraca choraram ao lembrarem seus lares
destruídos e seus parentes assassinados”. Além do repertório existente, havia
prisioneiros que compunham novas canções e músicas sobre a terrível realidade,
falando do sofrimento, às vezes dando conselhos práticos de como sobreviver
àqueles tempos difíceis. Muitas ainda se baseavam em músicas pré-existentes,
enquanto havia outras composições com melodias desconhecidas. Paralelamente ao
canto informal dos grupos, havia uma variedade de corais, alguns clandestinos e
outros oficialmente permitidos. ORQUESTRAS E BANDAS. Em 1938, com a
chegada das primeiras vítimas da Anchlüss (Anexação da
Áustria), as apresentações musicais passaram a ser frequentes em Dachau. No
início, a ideia de fazer apresentações no campo parecia absurda, mas,
gradualmente, tornou-se algo importante para os presos. Em maio naquele ano
Herbert Zipper (1904-1997) decidiu organizar uma pequena orquestra para tocar
secretamente para os presos de Dachau. Sua “orquestra” fazia performances para
os internos aos domingos à noite. O prisioneiro Bruno Heilig descreve: “Cada
domingo, diversos artistas do campo de concentração apresentavam um espetáculo
musical (...). Neles participavam Fritz Grünbaum, Paul Morgan, Hermann Leopoldi
e o cantor berlinense Kurt Fuss. Leopoldi teve êxito cantando melodias
vienenses. Kurt Fuss compunha baladas sofisticadas (...). A música From
early youth the cunning band has had me on the string (Desde a
juventude a banda esperta me prendeu pelas cordas), que nunca teve sucesso,
havia ressurgido no campo de Dachau, virando tema favorito. Estas apresentações
geravam uma ilusão de liberdade. Durante uma hora ou duas, tínhamos a sensação
de estar em casa”. O historiador Milan Kuna documentou a existência de três
conjuntos musicais em Dachau durante a 2ª Guerra Mundial: uma orquestra de
músicos checos criada em 1941 e oficialmente autorizada pelas SS, uma banda
uniformizada de instrumentos de sopro e uma terceira regida por um prisioneiro
de nome Von Hurk. Esta última contava com músicos profissionais e tocava para
os oficiais e staff do campo temas clássicos variados, incluindo peças de
compositores proibidos por não serem arianos. A composição e funções das
orquestras e bandas de Dachau eram parecidas às dos outros campos. Os músicos
tocavam com os instrumentos disponíveis. Eles trabalhavam dentro da rádio do
campo e escreviam suas próprias partituras e arranjos musicais, tendo direito
assim a receber porções adicionais de comida. Como mencionamos acima, os
espetáculos musicais eram, na sua maioria, apresentados para os comandantes e
oficiais das SS ou para visitantes convidados. Geralmente, os repertórios
incluíam uma variedade de marchinhas alemãs e melodias populares. Os presos não
tinham acesso a essas performances, mas com a devida autorização dos SS era
comum fazer sessões especiais para eles. HERBERT ZIPPER (1904-1997) E JURA
SOYFER (1812-1939). Herbert Zipper, compositor e diretor de orquestra, teve
forte reconhecimento internacional. Nascido em Viena, em 1904, em uma família
judia assimilada, seu pai era filho de um cantor litúrgico (chazan) e
sua mãe filha de um rabino. Apesar disso, eles o criaram numa atmosfera laica
e, como seus amigos, ele se identificava muito mais com austríacos do que com
judeus. Os Zipper adoravam a música e por isso seus filhos receberam ótima
educação musical. Estudou na Academia de Música de Viena de 1923 a 1928 e, após
graduar-se, batalhou para obter seu primeiro trabalho de tempo integral numa
Áustria em crise. Em 1930, foi para a Alemanha e aceitou uma vaga como
professor em Düsseldorf, mas na hora em que os nazistas tomaram o poder na
Alemanha, a situação mudou drasticamente para os judeus. Amigos e colegas
começaram a se afastar dele. Como outros artistas, Zipper decidiu voltar a
Viena, com a esperança de escapar do regime nazista. Foi nessa época que ele
conheceu o escritor Jura Soyfer. A Áustria foi anexada ao Reich em 1938. Zipper
e família estavam planejando a saída do país, porém era difícil obter os documentos
necessários, quando ele foi preso pela polícia austríaca e enviado à prisão
junto com seu irmão Walter e outros 20 colegas. Em poucos dias, todos foram
enviados a Dachau, aonde chegaram em 31 de maio de 1938. Ele se relembra: “O
traslado de trem foi brutal, houve socos, humilhações e escassez de comida e
água”. Durante o tempo que passou no campo, a música era para Zipper uma fonte
de inspiração e de resistência. Como vimos acima, como forma de tortura, os
prisioneiros eram obrigados a cantar individual ou coletivamente. Nessa
circunstância, Zipper escolhia cantar “Ode à Alegria”, numa tentativa de dar
força aos demais. Em Dachau, Zipper era obrigado a transportar uma barra de
cimento pelo campo. A vantagem estava no fato de poder falar com os outros.
Assim foi que reencontrou Jura Soyfer. Sobre o tempo que passou em Dachau, ele
conta: “Poderia suportar ter que carregar sacos de feijão de 100 quilos sobre
minhas costas, mas jamais poderia suportar que roubassem minha vida”. O desejo
de manter alguma normalidade em sua vida o fez recitar poesias para outros
prisioneiros. Dessa forma, conseguiu conhecer músicos judeus e convenceu
marceneiros a construírem instrumentos de corda com madeira roubada. Em início
de julho de 1938 já havia reunido 14 músicos para dar concertos aos domingos à
tarde. Nesses concertos, os músicos tocavam peças clássicas conhecidas, mas
também obras do próprio Zipper ou de Soyfer, compostas por eles após o
trabalho. Certa vez, Zipper pediu a Jura Soyfer que criasse um poema baseado no
slogan nazista “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta).
Ele guardou de cabeça a letra que Soyfer lhe havia recitado, memorizou a
música que havia preparado e, junto com outros, começou a cantarolá-la a
músicos prisioneiros. Desta forma surgiu “Dachaulied” (Canção
de Dachau). Rapidamente, os músicos judeus difundiram a letra dessa marcha pelo
campo, que virou uma canção extremamente popular. A canção teve uma vida dupla,
pois agradava tanto os nazistas como os presos. Agradava a oficiais das SS por
sua qualidade e ritmo, mas para os prisioneiros do campo a composição encobria
uma mensagem de resistência e perseverança. Foi uma das poucas músicas cantadas
pelos prisioneiros com o aval das autoridades do campo. Em setembro de 1938,
Zipper e seu amigo Soyfer foram transferidos a Buchenwald. Ao tempo da
deportação, os pais de Herbert Zipper haviam fugido para Paris, lutando para
libertá-lo e a seu irmão. Em fevereiro de 1939, após uma curta estada em Viena,
os pais foram informados que ambos os filhos seriam liberados. Finalmente, em
Paris aconteceu o reencontro da família Zipper. Em maio do mesmo ano, Herbert
recebeu um convite para fundar e dirigir a Orquestra Sinfônica de Manila.
Durante o período que esteve na capital das Filipinas, ele conseguiu visto para
residir nos Estados Unidos com sua família. O Japão invadiu as Filipinas em 8
de dezembro de 1941, destruindo a força aérea norte-americana. Em janeiro de
1942, Zipper se alistou no exército local, mas os filipinos o prenderam por sua
amizade com os EUA. Após breve reclusão, foi libertado para organizar uma
orquestra que colaboraria com a propaganda japonesa. Mas o projeto da orquestra
foi postergado e Herbert se uniu à resistência clandestina, repassando
informação militar importante aos americanos. Em março de 1946, Zipper e sua
esposa decidiram reunir sua família nos EUA, onde trabalhou como compositor,
diretor de orquestra e docente. GRÜNBAUM E LÖHNER BEDA. Era 31 de
dezembro de 1941, o artista Fritz Grünbaum, já muito doente, encerrou seu
último espetáculo em Dachau frente a um público de prisioneiros moribundos.
Grünbaum nasceu em 1880, completou seus estudos em Direito, mas rapidamente foi
seduzido pela música. Em 1906 fez a primeira apresentação. Até a ascensão de
Hitler, em 1933, teve uma carreira ativa em Berlim e Munique. Depois emigrou
para Viena, sendo membro do quadro do “Kabarett Simpl”. Em poucos meses, fazia
parte do seleto grupo de artistas que despontavam na vida cultural da capital
austríaca. Grünbaum especializou-se em musicais políticos, encenando peças que
ironizavam Hitler e seus comparsas, bem como a falta de liberdade sob seu
regime, e a impossibilidade de viver dignamente na Alemanha ou na Áustria. Em
março de 1938, o artista judeu realizou sua última apresentação no “Kabarett Simpl”.
Ao se abrir a cortina, sob um cenário totalmente escuro, apareceu Fritz
Grünbaum gritando: “Não enxergo nada, absolutamente nada; com certeza estou
navegando pela cultura nacional-socialista”. Um dia depois, foi proibido de se
apresentar na Áustria. Após a “Anschlüss”, Grünbaum tentou fugir
para Bratislava, mas foi pego, deportado e encarcerado, com sua esposa, em
instalações das SS. Em maio de 1938, ele chegou a Dachau. Lá encontrou Fritz
Löhner-Beda (1883-1942), que havia sido deportado ao campo em abril. Um
sobrevivente lembra que Grünbaum contava piadas dizendo que “sozinho iria
acabar com o Reich”. Para levantar o ânimo dos prisioneiros, costumava dizer
que “a privação total e a fome sistemática eram as melhores defesas contra o
diabetes”. Certa vez, um oficial das SS negou-lhe um sabão, e ele ironicamente
lhe diz: “Quem não tem dinheiro para sabão não poderá arcar com os custos dos
campos de concentração”. Rapidamente, foi transportado a Buchenwald, lugar em
que também teve participação ativa na vida cultural. Acabou sendo enviado
novamente a Dachau. Lá fez sua última atuação às vésperas do Ano Novo de 1940.
Gravemente doente de tuberculose, decidiu fazer um espetáculo para entreter os
prisioneiros da enfermaria do campo. A mensagem de Grünbaum aos presentes:
“Peço que lembrem que não é Fritz Grünbaum (1880-1941) quem está atuando diante
de vocês, mas o prisioneiro Não (...) ele mencionou seu número, que pretende
transmitir um pouco de alegria a vocês neste último dia do ano”. Depois desse
derradeiro espetáculo, Grünbaum tentou o suicídio, mas não teve sucesso e foi
“resgatado” pelos oficiais das SS. Duas semanas depois, em 14 de janeiro de
1941, foi encontrada sua certidão de óbito. Para os nazistas, o artista faleceu
de um ataque cardíaco. Löhner Beda nasceu em 1883 e foi um dos maiores
roteiristas e cantores líricos de toda Viena. Em parceria com o compositor
Franz Léhar (1870-1948), o roterista Ludwig Herzer (1872-1938) e o cantor
Richard Tauber (1891-1948), ele produziu, entre outros, a opereta Friederike (1928), Das
Land des Lächelns (O país do riso, 1929) e Giuditta (1934).
Fritz Löhner Beda foi preso em 1 de abril de 1938 e deportado a Dachau. Em 23
de setembro foi enviado ao campo de Buchenwald. Lá compôs com o prisioneiro
Hermann Leopoldi o anátema do campo “Das Buchenwaldlied” (O
canto de Buchenwald):
[Oh
Buchenwald, eu não posso te esquecer,
porque és o meu destino.
Só aquele que te abandona,
pode apreciar quão maravilhosa é a liberdade!
Oh Buchenwald, não choramos nem reclamamos,
seja qual for o nosso destino,
no entanto vamos dizer “sim” à vida;
pois chegará o dia da nossa liberdade!
porque és o meu destino.
Só aquele que te abandona,
pode apreciar quão maravilhosa é a liberdade!
Oh Buchenwald, não choramos nem reclamamos,
seja qual for o nosso destino,
no entanto vamos dizer “sim” à vida;
pois chegará o dia da nossa liberdade!
Em 1942, o poeta Löhner-Beda foi enviado ao campo de Monowitz
(próximo de Auschwitz-Birkenau), falecendo em dezembro de1942. Dois anos após
sua morte, a música Buchenwaldlied ressoava durante a entrada
triunfal do exército americano no campo de Buchenwald. Os prisioneiros entoaram
a canção, pela primeira vez em liberdade. PALAVRAS FINAIS. Esta pesquisa
deixa nitidamente claro que a música esteve presente em Dachau com uma
conotação positiva, mas também negativa. A música ouvida pelos prisioneiros
neste lager teve momentos difíceis, de desespero e torturas,
mas serviu também para relembrar vários instantes de heroísmo, resistência,
luta e superação. Os poucos poetas, cantores, compositores e músicos que
atuaram em campos como Dachau, preencheram um papel crucial, alentando os
demais prisioneiros nas horas mais difíceis de suas vidas. Durante o
Holocausto, a música de Dachau e outros campos nazistas representou uma forma
de resistência, a denominada “resistência cultural”, um tema significativo que
somente agora começa a ser devidamente pesquisado e revelado ao grande público.
http://www.morasha.com.br.
Abraço. Davi.
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