sábado, 29 de abril de 2017

I. O REI CEGO.

Mahabharata. Texto de Krishna Dharma. Capítulo Quatro. I. O REI CEGO. CHEGOU O DIA EM QUE OS PRÍNCIPES deveriam deixar a escola de Drona. Era a hora deles darem a ele a dakshina, o presente oficial que os professores solicitavam a seus alunos. Drona só quis uma coisa: Tragam-me o rei Drupada, de Panchala, como cativo. Os príncipes sabiam por que Drona pedira a prisão de Drupada. Ele lhes contara como ele e Drupada eram amigos e moravam juntos no ashram (eremitério hindu onde os sábios viviam em paz e tranquilidade no meio da natureza) do rishi Agnivesha. Drupada prometera a Drona que, quando herdasse o reino de seu pai, lhe daria metade. Mas quando, muitos anos depois, aquele momento chegou e Drona, sem um tostão, lembrou o antigo amigo da promessa feita, ente se sentira insultado. De que servem amizades do passado? Drupada teria lhe perguntado, gargalhando. Só iguais podem ser amigos. Hoje você é um pobre mendigo e eu sou um grande rei. Não tente reviver uma amizade morta há muito. Oferecendo-lhe apenas um pequeno presente como caridade. Drupada o despedira. Ofendido e magoado pelo rei que faltara com a palavra empenhada. Drona se foi. Desde então, estudar e adquirira uma fantástica habilidade com as armas, mas não tinha a menor vontade de se vingar de Drupada matando-o. Seria melhor simplesmente cortar seu orgulho e fazê-lo cumprir a promessa. E a melhor maneira de fazer isso seria forçando-o a aceitar a derrota pelas mãos dos príncipes, alunos de Drona. Duriodhana agarrou firme o arco. Ó mestre, considere isso feito. O senhor logo verá que traremos aquele rei arrogante aos seus pés, fortemente amarrado. Seguido dos irmãos, ele chegou rapidamente a kampilia. Entraram na capital panchala de armas em punho, bradando seus gritos de guerra. Os pandavas os esperavam fora da cidade, com Drona. Eles não esperavam que o ataque impetuoso dos kauravas surtisse algum efeito sobre o poderoso Drupada. Deixe-nos atacar depois que eles forem repelidos, sugeriu Arjuna. Ao saber que sua cidade estava sendo atacada, Drupada imediatamente montou no seu carro de guerra e foi encontrar os agressores. Um exército logo se formou e foi ao encontro dos kauravas nas ruas da cidade. Drupada os atacou com inúmeras flechas, torcendo –se no carro como um dançarino no palco. Seus soldados cercaram os cem príncipes por todos os lados, e os cidadãos de Kampilia também se juntaram à refrega, saindo de suas casa para lutar, armados de paus e pedras, contra os kauravas. Vendo-se atacados por milhares de soldados e cidadãos, os kauravas não tiveram outra opção senão recuar. Quando as flechas de Drupada atingiam seus alvos, os príncipes urravam de dor e saíam correndo. E, correndo, fugiram da cidade, com os panchalas atrás deles. Os pandavas riram e Arjuna disse a Iudistira: Esses príncipes impetuosos são conversa fiada. Está na hora de pegarmos Drupada. Dê-nos sua permissão pra lutarmos, enquanto você fica aqui com Drona. Iudistira deu seu consentimento. Seus irmãos reverenciaram Drona e se dirigiram para enfrentar os panchalas. Esperando outro ataque, Drupada tinha arranjado uma fileira de imensos elefantes à frente do muro da cidade. Bima avançou contra eles, girando sua maça sobre a cabeça, seguido por Arjuna de carro, com os gêmeos dos dois lados. Arjuna atirava tantas flechas, e com tal velocidade, que elas mais pareciam enxames de abelhas pretas que desciam sobre os panchalas. Bima cheou aos elefantes e começou a soca-los com golpes tremendos de maça (arma de mão medieval forte e pesada). Os paquidermes (pele espessa como rinoceronte) urravam e desabavam. Bima parecia um tornado, girando entre as fileiras de soldados, até que fez com que eles recuassem, como um pastor faz com o gado. Chegando ao centro da cidade, os quatro irmãos encontraram Drupada cercado de tropas. Arjuna deu seu grito de guerra e imediatamente atirou uma infinidade de flechas contra as forças do rei. Os dardos saíam de seu arco em linha reta e se espalhavam em todas as direções, enquanto ele furava destemidamente as fileiras do inimigo. Os panchalas reagiram com furiosa energia. Flechas, dardos, lanças e paus voavam na direção dos pandavas, mas os irmãos contra atacavam com agilidade, abatendo os projéteis com suas próprias armas. Arjuna, então, se enraiveceu e lutou com energia redobrada. Ninguém podia distinguir o intervalo entre ele pegar as flechas e atirá-las. Elas voavam de seu arco sem parar. Ao mesmo tempo, Bima avançava rodando a maça seu redor. Ninguém podia se aproximar dos dois irmãos, e os soldados panchalas bateram em retirada, aterrorizados. Somente Drupada ficou para enfrenta-los, no seu grande carro de ouro. Elogiando o poder dos pandavas, ele levantou o arco e atirou inúmeras flechas. As primeiras desataram a armadura de Arjuna e as seguintes cercaram Bima, mas este se defendeu com a maça. Em segundos, Arjuna respondeu ao ataque com cinquenta flechas, que quebraram o arco de Drupada, derrubaram a bandeira de seu carro e mataram seus cavalos. Uma outra chuva de flechas fez o rei panchala sair correndo. Arjuna largou o arco e empunhou uma longa espada. Descendo do carro, correu atrás de Drupada. Saltando por cima do rei apavorado, colocou a espada em seu pescoço. Então, os quatro irmãos saíram da cidade e levaram o rei cativo a Drona. Drona sorriu. E então, grande monarca? Parece que agora seu reino e sua riqueza pertencem a mim. Drupada manteve a cabeça baixa e não respondeu, nem poderia. Drona colocou um braço por cima do ombro do rei e lhe disse: Não tema. Sou um brâmane (casta de sacerdotes hindus) e tenho por princípio sempre perdoar. Na verdade, ainda sinto afeto por você e gostaria que nossa amizade continuasse. Mas como é que pessoas que não são iguais podem ser amigas? Portanto, vou lhe devolver metade do reino panchala. Drupada respirava pesadamente, apertando os dentes numa frustração silenciosa. Agarrando-se a toda a paciência que possuía, conseguiu sorrir e respondeu: Ó Drona, você é realmente uma lama nobre. Vamos continuar amigos, como você quer, cada um governando metade dos panchalas. Depois que os brâmanes fizeram os rituais de sua instalação como governante dos panchalas do norte. Drona libertou Drupada. Agora dono apenas da parte sul de seu reino, o rei se pôs a caminho, chorando de raiva e humilhação. Sua honra tinha de ser vingada. Mas quem poderia enfrentar Drona numa batalha? Parece que até seus alunos eram invencíveis (...). E o rei voltou vagarosamente para seu palácio. EM HASTINAPURA, A SITUAÇÃO CONTINUAVA tensa para os pandavas. Eles tinham que se manter constantemente em guarda, na expectativa de que Duriodhana tentasse alguma nova traição a qualquer hora. O príncipe Kaurva era muito arrogante e dado a certo comportamento licencioso. Ele e os irmãos adoravam beber muito vinho e ficar com mulheres, rindo-se dos pandavas, que se mantinham fieis aos princípios da virtude. Dritarastra era gentil com os sobrinhos, mas super condescendente com os próprios filhos, permitindo que cometessem toda sorte de excessos e sem se preocupar com o antagonismo que sentiam pelos pandavas. Um dia, um emissário de Madrua chegou para fazer uma visita a Dritarastra. Madrua era a capital dos iadus e vrishnis, amigos dos kurus. Havia entre eles um elo familiar por intermédio de kunti, que nascera na linhagem vrishni. Vasudeva, irmão dela, tinha um filho chamado Krishna, que era reconhecido pelos rishis como o Ser Supremo que descera à Terra em forma humana. Tendo ouvido sobre a tensão em que sua tia kunti e seu primos estavam vivendo em Hastinapura, Krishna enviara seu conselheiro Akrura à cidade, para avaliar a situação Depois que os kurus receberam Akrura com demonstrações de amizade, o conselheiro foi ver kunti. Ela ficou feliz em vê-lo e perguntou por todos os membros de sua família. Kunti estava particularmente interessada em saber de Krishna, que também ela aceitava como Deus. Na ansiedade pela segurança dos filhos, ela orava por proteção a Krishna constantemente. O meu sobrinho Krishna pensa em mim e nos meus filhos?, perguntou a Akrura. Será que ele sabe que estou sofrendo muito aqui, no meio dos inimigos, como um corça no meio de lobos? Kunt estava certa de que Krishna tinha plena consciência de tudo. Nada podia escapar a seu conhecimento. A chegada de Akrura a Hastinapura era a prova de que Krishna pensava nela. Ela apenas revelava seus sentimentos a Akrura. Akrura gentilmente a confortou. Krishna muitas vezes falava dela. Tomara conhecimento do antagonismo de Duriodhana e certamente viria vê-la em breve, depois de cuidar de alguns negócios importantes em Madura. Kunti recentemente soubera que Krishna matara um rei maldoso chamado Kamsa, que de alguma forma chegara ao trono de Madura. Kamsa tentara muitas vezes matar Krishna e seu irmão, Balaram. Os dois meninos tinham crescido numa pequena aldeia chamada Vrindavan. Tendo ouvido uma profecia de que Krishna provocaria sua morte. Kamsa enviou vários e grandes demônios para liquidá-lo, mas todos foram mortos por Krishna e Balarama. Finalmente, os meninos divinos foram a Madura e mataram Kamsa. Akrura confortava kunti, que chorava. Seus filhos são todos expansões dos deuses. Além disso, são devotos do Senhor e, assim, sempre estão sob sua proteção. Não se preocupe, os kauravas não conseguirão feri-los. Akrura ficou em Hastinapura por alguns meses, desejoso de entender melhor toda aquela situação. Quando, finalmente, estava pronto para regressar a Madura, falou com Dritarastra. O ministro inteligente de Madura percebera que tudo dependia, em última análise, do rei cego. Embora não totalmente mau ou corrupto como Kamsa o fora. Dritarastra encorajava a perversidade dos filhos. Só ele tinha o poder de evitar ou minimizar os conflitos, restringindo a liberdade de Duriodhana, quem sabe enviando-o para algum país distante. Dritarastra ouviu em silêncio as palavras de Akrua. Ó rei, o trono só se tornou seu por falta de opção. Por direito, pertencia a Pandu, assim são os filhos dele que merecem a primeira escolha, ou pelo menos metade da escolha dos seus filhos. Você deveria, portanto, agir com igualdade para com todos os príncipes. Aliás, um homem sábio trata igualmente todos os seres vivos, vendo-os a todos como partes iguais do espírito supremo. O afeto, ou apego, pelos membros da família surge da ilusão. Como grande rei que é, seu dever é governar imparcialmente, sempre tendo na mente essas verdades espirituais eternas. Dritarastra nada falou enquanto Akrura o aconselhava. O ministro vrishni deixou bem claro que o rei cego estava atraindo um desastre, se continuasse a se opor à moralidade. Se não tratasse os virtuosos pandavas com generosidade, acabaria colhendo só tristezas no final. Dritarastra suspirou: Aceito tudo o que me disse, ó sábio Akrura. Se pelo menos pudesse seguir seu conselho! O apego pelos meus próprios filhos é muito forte. Talvez eu queira que eles sejam o que não pude ser. Dritarastra sempre amaldiçoara sua cegueira. Nascido na linhagem kuru, era um guerreiro poderoso, mas nunca havia podido provar isso. Fora Pandu quem saíra e espalhara as glórias dos kurus pelo mundo. E tinha sido Pandu quem ganhara o amor e a admiração do povo, que não tinha ficado muito satisfeito quando Pandu fora para a floresta, deixando no seu lugar o cego Dritarastra. O rei continuou: O que posso fazer? Sou apenas um homem, influenciado pelo desejo e pelo ódio. Foi o Senhor que me fez assim como sou. E tudo se move de acordo com sua suprema vontade. Agora Ele veio suavizar a carga do mundo e isso certamente acontecerá. Quem pode evitar o destino? Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.

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