Mahabharata.
Texto de Krishna Dharma. Capítulo Quatro. I. O REI CEGO. CHEGOU O DIA EM QUE OS
PRÍNCIPES deveriam deixar a escola de Drona. Era a hora deles darem a ele a
dakshina, o presente oficial que os professores solicitavam a seus alunos.
Drona só quis uma coisa: Tragam-me o rei Drupada, de Panchala, como cativo. Os
príncipes sabiam por que Drona pedira a prisão de Drupada. Ele lhes contara
como ele e Drupada eram amigos e moravam juntos no ashram (eremitério hindu
onde os sábios viviam em paz e tranquilidade no meio da natureza) do rishi
Agnivesha. Drupada prometera a Drona que, quando herdasse o reino de seu pai,
lhe daria metade. Mas quando, muitos anos depois, aquele momento chegou e
Drona, sem um tostão, lembrou o antigo amigo da promessa feita, ente se sentira
insultado. De que servem amizades do passado? Drupada teria lhe perguntado,
gargalhando. Só iguais podem ser amigos. Hoje você é um pobre mendigo e eu sou
um grande rei. Não tente reviver uma amizade morta há muito. Oferecendo-lhe
apenas um pequeno presente como caridade. Drupada o despedira. Ofendido e
magoado pelo rei que faltara com a palavra empenhada. Drona se foi. Desde
então, estudar e adquirira uma fantástica habilidade com as armas, mas não
tinha a menor vontade de se vingar de Drupada matando-o. Seria melhor
simplesmente cortar seu orgulho e fazê-lo cumprir a promessa. E a melhor maneira
de fazer isso seria forçando-o a aceitar a derrota pelas mãos dos príncipes,
alunos de Drona. Duriodhana agarrou firme o arco. Ó mestre, considere isso
feito. O senhor logo verá que traremos aquele rei arrogante aos seus pés,
fortemente amarrado. Seguido dos irmãos, ele chegou rapidamente a kampilia.
Entraram na capital panchala de armas em punho, bradando seus gritos de guerra.
Os pandavas os esperavam fora da cidade, com Drona. Eles não esperavam que o
ataque impetuoso dos kauravas surtisse algum efeito sobre o poderoso Drupada.
Deixe-nos atacar depois que eles forem repelidos, sugeriu Arjuna. Ao saber que
sua cidade estava sendo atacada, Drupada imediatamente montou no seu carro de
guerra e foi encontrar os agressores. Um exército logo se formou e foi ao
encontro dos kauravas nas ruas da cidade. Drupada os atacou com inúmeras
flechas, torcendo –se no carro como um dançarino no palco. Seus soldados
cercaram os cem príncipes por todos os lados, e os cidadãos de Kampilia também
se juntaram à refrega, saindo de suas casa para lutar, armados de paus e
pedras, contra os kauravas. Vendo-se atacados por milhares de soldados e
cidadãos, os kauravas não tiveram outra opção senão recuar. Quando as flechas
de Drupada atingiam seus alvos, os príncipes urravam de dor e saíam correndo.
E, correndo, fugiram da cidade, com os panchalas atrás deles. Os pandavas riram
e Arjuna disse a Iudistira: Esses príncipes impetuosos são conversa fiada. Está
na hora de pegarmos Drupada. Dê-nos sua permissão pra lutarmos, enquanto você fica
aqui com Drona. Iudistira deu seu consentimento. Seus irmãos reverenciaram
Drona e se dirigiram para enfrentar os panchalas. Esperando outro ataque,
Drupada tinha arranjado uma fileira de imensos elefantes à frente do muro da
cidade. Bima avançou contra eles, girando sua maça sobre a cabeça, seguido por
Arjuna de carro, com os gêmeos dos dois lados. Arjuna atirava tantas flechas, e
com tal velocidade, que elas mais pareciam enxames de abelhas pretas que
desciam sobre os panchalas. Bima cheou aos elefantes e começou a soca-los com
golpes tremendos de maça (arma de mão medieval forte e pesada). Os paquidermes
(pele espessa como rinoceronte) urravam e desabavam. Bima parecia um tornado,
girando entre as fileiras de soldados, até que fez com que eles recuassem, como
um pastor faz com o gado. Chegando ao centro da cidade, os quatro irmãos
encontraram Drupada cercado de tropas. Arjuna deu seu grito de guerra e
imediatamente atirou uma infinidade de flechas contra as forças do rei. Os
dardos saíam de seu arco em linha reta e se espalhavam em todas as direções,
enquanto ele furava destemidamente as fileiras do inimigo. Os panchalas
reagiram com furiosa energia. Flechas, dardos, lanças e paus voavam na direção
dos pandavas, mas os irmãos contra atacavam com agilidade, abatendo os
projéteis com suas próprias armas. Arjuna, então, se enraiveceu e lutou com
energia redobrada. Ninguém podia distinguir o intervalo entre ele pegar as
flechas e atirá-las. Elas voavam de seu arco sem parar. Ao mesmo tempo, Bima
avançava rodando a maça seu redor. Ninguém podia se aproximar dos dois irmãos,
e os soldados panchalas bateram em retirada, aterrorizados. Somente Drupada
ficou para enfrenta-los, no seu grande carro de ouro. Elogiando o poder dos
pandavas, ele levantou o arco e atirou inúmeras flechas. As primeiras desataram
a armadura de Arjuna e as seguintes cercaram Bima, mas este se defendeu com a
maça. Em segundos, Arjuna respondeu ao ataque com cinquenta flechas, que
quebraram o arco de Drupada, derrubaram a bandeira de seu carro e mataram seus
cavalos. Uma outra chuva de flechas fez o rei panchala sair correndo. Arjuna
largou o arco e empunhou uma longa espada. Descendo do carro, correu atrás de
Drupada. Saltando por cima do rei apavorado, colocou a espada em seu pescoço.
Então, os quatro irmãos saíram da cidade e levaram o rei cativo a Drona. Drona
sorriu. E então, grande monarca? Parece que agora seu reino e sua riqueza
pertencem a mim. Drupada manteve a cabeça baixa e não respondeu, nem poderia.
Drona colocou um braço por cima do ombro do rei e lhe disse: Não tema. Sou um
brâmane (casta de sacerdotes hindus) e tenho por princípio sempre perdoar. Na
verdade, ainda sinto afeto por você e gostaria que nossa amizade continuasse.
Mas como é que pessoas que não são iguais podem ser amigas? Portanto, vou lhe
devolver metade do reino panchala. Drupada respirava pesadamente, apertando os
dentes numa frustração silenciosa. Agarrando-se a toda a paciência que possuía,
conseguiu sorrir e respondeu: Ó Drona, você é realmente uma lama nobre. Vamos
continuar amigos, como você quer, cada um governando metade dos panchalas.
Depois que os brâmanes fizeram os rituais de sua instalação como governante dos
panchalas do norte. Drona libertou Drupada. Agora dono apenas da parte sul de
seu reino, o rei se pôs a caminho, chorando de raiva e humilhação. Sua honra
tinha de ser vingada. Mas quem poderia enfrentar Drona numa batalha? Parece que
até seus alunos eram invencíveis (...). E o rei voltou vagarosamente para seu
palácio. EM HASTINAPURA, A SITUAÇÃO CONTINUAVA tensa para os pandavas. Eles
tinham que se manter constantemente em guarda, na expectativa de que Duriodhana
tentasse alguma nova traição a qualquer hora. O príncipe Kaurva era muito
arrogante e dado a certo comportamento licencioso. Ele e os irmãos adoravam
beber muito vinho e ficar com mulheres, rindo-se dos pandavas, que se mantinham
fieis aos princípios da virtude. Dritarastra era gentil com os sobrinhos, mas
super condescendente com os próprios filhos, permitindo que cometessem toda
sorte de excessos e sem se preocupar com o antagonismo que sentiam pelos
pandavas. Um dia, um emissário de Madrua chegou para fazer uma visita a
Dritarastra. Madrua era a capital dos iadus e vrishnis, amigos dos kurus. Havia
entre eles um elo familiar por intermédio de kunti, que nascera na linhagem
vrishni. Vasudeva, irmão dela, tinha um filho chamado Krishna, que era
reconhecido pelos rishis como o Ser Supremo que descera à Terra em forma
humana. Tendo ouvido sobre a tensão em que sua tia kunti e seu primos estavam
vivendo em Hastinapura, Krishna enviara seu conselheiro Akrura à cidade, para
avaliar a situação Depois que os kurus receberam Akrura com demonstrações de
amizade, o conselheiro foi ver kunti. Ela ficou feliz em vê-lo e perguntou por
todos os membros de sua família. Kunti estava particularmente interessada em
saber de Krishna, que também ela aceitava como Deus. Na ansiedade pela
segurança dos filhos, ela orava por proteção a Krishna constantemente. O meu
sobrinho Krishna pensa em mim e nos meus filhos?, perguntou a Akrura. Será que
ele sabe que estou sofrendo muito aqui, no meio dos inimigos, como um corça no
meio de lobos? Kunt estava certa de que Krishna tinha plena consciência de
tudo. Nada podia escapar a seu conhecimento. A chegada de Akrura a Hastinapura
era a prova de que Krishna pensava nela. Ela apenas revelava seus sentimentos a
Akrura. Akrura gentilmente a confortou. Krishna muitas vezes falava dela.
Tomara conhecimento do antagonismo de Duriodhana e certamente viria vê-la em
breve, depois de cuidar de alguns negócios importantes em Madura. Kunti
recentemente soubera que Krishna matara um rei maldoso chamado Kamsa, que de
alguma forma chegara ao trono de Madura. Kamsa tentara muitas vezes matar
Krishna e seu irmão, Balaram. Os dois meninos tinham crescido numa pequena
aldeia chamada Vrindavan. Tendo ouvido uma profecia de que Krishna provocaria
sua morte. Kamsa enviou vários e grandes demônios para liquidá-lo, mas todos
foram mortos por Krishna e Balarama. Finalmente, os meninos divinos foram a Madura
e mataram Kamsa. Akrura confortava kunti, que chorava. Seus filhos são todos
expansões dos deuses. Além disso, são devotos do Senhor e, assim, sempre estão
sob sua proteção. Não se preocupe, os kauravas não conseguirão feri-los. Akrura
ficou em Hastinapura por alguns meses, desejoso de entender melhor toda aquela
situação. Quando, finalmente, estava pronto para regressar a Madura, falou com
Dritarastra. O ministro inteligente de Madura percebera que tudo dependia, em
última análise, do rei cego. Embora não totalmente mau ou corrupto como Kamsa o
fora. Dritarastra encorajava a perversidade dos filhos. Só ele tinha o poder de
evitar ou minimizar os conflitos, restringindo a liberdade de Duriodhana, quem
sabe enviando-o para algum país distante. Dritarastra ouviu em silêncio as
palavras de Akrua. Ó rei, o trono só se tornou seu por falta de opção. Por
direito, pertencia a Pandu, assim são os filhos dele que merecem a primeira
escolha, ou pelo menos metade da escolha dos seus filhos. Você deveria,
portanto, agir com igualdade para com todos os príncipes. Aliás, um homem sábio
trata igualmente todos os seres vivos, vendo-os a todos como partes iguais do
espírito supremo. O afeto, ou apego, pelos membros da família surge da ilusão.
Como grande rei que é, seu dever é governar imparcialmente, sempre tendo na
mente essas verdades espirituais eternas. Dritarastra nada falou enquanto
Akrura o aconselhava. O ministro vrishni deixou bem claro que o rei cego estava
atraindo um desastre, se continuasse a se opor à moralidade. Se não tratasse os
virtuosos pandavas com generosidade, acabaria colhendo só tristezas no final.
Dritarastra suspirou: Aceito tudo o que me disse, ó sábio Akrura. Se pelo menos
pudesse seguir seu conselho! O apego pelos meus próprios filhos é muito forte.
Talvez eu queira que eles sejam o que não pude ser. Dritarastra sempre
amaldiçoara sua cegueira. Nascido na linhagem kuru, era um guerreiro poderoso,
mas nunca havia podido provar isso. Fora Pandu quem saíra e espalhara as
glórias dos kurus pelo mundo. E tinha sido Pandu quem ganhara o amor e a
admiração do povo, que não tinha ficado muito satisfeito quando Pandu fora para
a floresta, deixando no seu lugar o cego Dritarastra. O rei continuou: O que
posso fazer? Sou apenas um homem, influenciado pelo desejo e pelo ódio. Foi o
Senhor que me fez assim como sou. E tudo se move de acordo com sua suprema
vontade. Agora Ele veio suavizar a carga do mundo e isso certamente acontecerá.
Quem pode evitar o destino? Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma –
Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.
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